Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1498/09.7TBFAF.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
DIREITO DE PROPRIEDADE
REIVINDICAÇÃO
PRESUNÇÃO
PRESUNÇÃO REGISTRAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Na acção de impugnação de justificação notarial o autor pode também pedir o reconhecimento do seu direito sobre o prédio, por contraposição à declaração de inexistência do direito do réu, bem como a reivindicação do prédio, caso em que a causa de pedir engloba, igualmente, a existência do direito do autor e a violação desse direito por banda do réu.

II – Todavia, mesmo nesta situação, tendo sido o réu quem afirmou na escritura de justificação notarial a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhe a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poder beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7° do Código do Registo Predial.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: AA e mulher BB; CC e marido DD.

Recorridos: EE e FF;

Tribunal Judicial de Fafe, Instância Local – Secção Cível.

Autor: EE

Interveniente Principal: FF

Réus: AA, BB, CC e DD

A Autora instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário pedindo que:

a) Sejam declaradas falsas as declarações prestadas pelos primeiros Réus AA e BB na escritura de justificação e doação realizada no dia 16 de Janeiro de 2008, melhor identificada no artigo 10;

b) Seja declarado e reconhecido que o prédio mencionado e identificado na escritura referida na alínea anterior não era nem é propriedade de tais referidos Réus, não se tendo tão pouco operado a usucapião aí alegada;

c) Seja declarado e reconhecido que tal prédio mencionado nessa escritura de justificação é exactamente a parte norte, para o lado norte do caminho municipal, do prédio referido e identificado nos artigos 20°, 24° e 26°;

d) Seja declarada nula a doação feita pelos identificados primeiros Réus aos segundos Réus CC e DD o pretenso prédio objecto da doação;

e) Todos Réus sejam condenados a verem reconhecidos os direitos referidos e declarados nas alíneas anteriores e consequentemente condenados a reconhecerem, respeitarem e não mais perturbarem o seu direito de propriedade e do interveniente sobre o alegado prédio mencionado na escritura de justificação em causa;

f) Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos feitos com base na escritura de justificação e doação referida no artigo 1° ou dele consequentes.

Alega, em síntese, que a 17 de Janeiro de 2008 foi celebrada escritura de justificação e doação na qual os primeiros Réus declararam ser donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Leira do Vinco”, com a área de 1.545 m2, situado no lugar de Marinhão, freguesia de Moreira de Rei, concelho de Fafe, a confrontar do norte com Susana Graciosa da Silva Peixoto, sul com caminho público, nascente com caminho de servidão e poente com José Oliveira Ribeiro que adquiriram por doação verbal em 1986 de José Ribeiro, residente que foi na Rua Serpa Pinto, freguesia e concelho de Fafe, sem herdeiros conhecidos, entrando na posse do mesmo e concluindo pela sua aquisição por usucapião; nessa escritura intervieram três outros indivíduos que confirmaram tais declarações e na mesma declararam doar aos segundos Réus esse prédio, o que estes declararam aceitar. O extracto da escritura foi publicado no jornal “O Povo do Fafe” em 29 de Janeiro de 2009 do qual não teve conhecimento.

Refere que a aquisição por doação verbal é uma invenção, pois o doador nunca existiu, sendo que os Réus não roçaram mato nem cultivaram o prédio onde apenas há ervas rasteiras e silvas.

Tal terreno sempre foi parte de um prédio pertencente a sua mãe, ZZ, já falecida, sito no lugar de Maranhão, freguesia de Moreira de Rei composto de terreno para construção, com área de 2.336 m2, a confrontar do norte com Júlio Gonçalves, sul com Deolinda Cunha Teixeira, nascente com caminho de servidão e outro e poente com Coutada do Calvário, inscrito na matriz urbana sob o artigo …, tendo sido adquirido por aquela e seu marido a ZZ e mulher por escritura de permuta celebrada a 28 de Março de 1968.

Trata-se de um prédio que era atravessado por um caminho em terra batida com cerca de 2 m de largura, actualmente transformado em estradão municipal, asfaltado, com 5 metros de largura, ficando uma parte dele para norte e outra para sul, respectivamente, com 1.545 m2 e 650 m2, sendo que para alargamento e melhoria da curva a sua progenitora cedeu terreno. Tal prédio integra actualmente o inventário por óbito da progenitora estando o IMI a ser pago por si na qualidade de cabeça de casal.

Quando foi alertada para a escritura, verificou que os primeiros Réus tinham feito um muro em pedra na confrontação sul da parcela norte com o caminho tendo sido concedida licença camarária em 21 de Junho de 2002.

Refere que prometeu vender aos primeiros Réus um seu prédio denominado Bouça do Mato do Vinco com 3.000 m2, inscrito na matriz sob o artigo …, que confina pelo nascente com aquele que referiu, outorgando escritura em 2 de Julho de 1996, no qual aqueles construíram a casa decidindo após a sua conclusão apoderar-se da parcela em causa com a construção do muro, aproveitando a idade da sua progenitora e dos dois filhos não irem ao local.

Termina pedindo a intervenção principal de FF, casado com YY, por ser aquele o restante co-herdeiro na herança em partilha judicial.

Os Réus contestaram invocando a ilegitimidade da Autora e de seu irmão, uma vez que não são titulares do direito de propriedade do prédio descrito na escritura de justificação.

Contrapuseram que os segundos registaram definitivamente a aquisição do prédio doado a seu favor pela Ap. 10 de 28 de Fevereiro de 2008 e inscreveram-no em 27 de Fevereiro de 2008 sob o artigo 11…. no Serviço de finanças.

Por sua vez, os primeiros procederam à sua vedação com um muro em pedra sem que ninguém, incluindo a Autora, tivesse embargado a obra ou reclamado contra a construção, cortaram árvores, arrancaram raizeiros, aplainaram o terreno, semearam milho e plantaram árvores de fruto; a pedido do Presidente da Junta de freguesia, aquando da construção do muro, recuaram e cederam terreno para alargamento do caminho, tudo fazendo nos ter mos descritos na escritura de justificação, há mais de 20 anos, com conhecimento de todos, designadamente, da Autora que ia sempre visitar a mãe, residente numa casa defronte a esse prédio, sem oposição e interrupção, na firme convicção do exercício pleno do direito de propriedade; depois de terem adquirido o prédio por doação, os segundos vêm usufruindo dele nos mesmos termos.

Referem que o prédio descrito pela Autora nada tem a ver com o identificado na escritura de justificação, pois aquele situa-se na parte sul do caminho nele tendo sido construídas duas casas, foi vendida uma parcela com 288 m2 e sobrou uma parcela com cerca de 500 m2, nada tendo para norte; acrescentam que esse prédio apenas foi participado à matriz em 1996 e não constou da relação de bens do inventário por óbito do pai tendo sido estrategicamente descrito naquele que se encontra pendente para partilha dos bens da herança aberta por óbito da mãe.

A demandante replicou argumentando que a falta de impugnação da escritura no prazo de 30 dias apenas tem como efeito a possibilidade de ser emitida certidão da mesma, mas com a procedência da acção serão cancelados os registos na Conservatória e anuladas as inscrições nas Finanças.

Refere que o muro em pedra foi construído depois da conclusão da edificação da casa levada a efeito depois da escritura e só nessa altura, dada a confrontação dos prédios, os Réus começaram a praticar alguns actos de posse no terreno reivindicado, em momento posterior ao falecimento da progenitora, ocorrido em 17 de Agosto de 2007.

Os Réus arguiram a nulidade da réplica a partir do seu artigo 7°. A Autora pronunciou-se pugnando pelo seu indeferimento.

Realizada tentativa de conciliação as partes requereram a suspensão da instância, gorando-se subsequentemente os esforços de auto-composição do litígio.

O incidente de intervenção foi julgado procedente.

O interveniente declarou fazer seus os articulados apresentados pela Autora.

Agendada audiência preliminar ocorreu nova suspensão da instância gorando-se a anunciada intenção de resolverem o litígio de forma amigável.

Foi proferido despacho no sentido de as partes se pronunciarem acerca da ineptidão parcial da petição inicial por faltarem factos susceptíveis de demonstrar a aquisição originária da parcela de terreno reivindicada atentos os pedidos formulados sob as alíneas c), e) e f).

A Autora apresentou novo articulado acrescentando que, além da aquisição do prédio por escritura de 28 de Março de 1968, os seus pais e antecessores roçavam matos e silvas, cortavam e depositavam lenhas, à vista e com o conhecimento de todos, de forma continua da e interrupta sem oposição de quem quer que seja, na convicção de exercerem direito de propriedade; esse procedimento foi por vezes exercido por ordem e em nome de sua mãe por Florinda Ferreira da Costa e marido Albano Moreira Freitas, seus inquilinos e a quem doou a casa onde habitou inscrita na matriz sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° … por escritura de 14 de Junho de 2006, com o encargo de dela cuidarem até ao fim da sua vida.

Os Réus exerceram o contraditório com o mesmo conteúdo da contestação.

Foi proferido despacho considerando anómalo o processado praticado pela Autora por se entender que a ineptidão da petição inicial não é passível de aperfeiçoamento.

A nulidade da réplica foi julgada improcedente.

Foi proferido despacho saneador que julgou a petição inicial parcialmente inepta absolvendo os Réus da instância relativamente aos pedidos formulados sob as alíneas e), e) e f) e improcedente a excepção de ilegitimidade. Pronunciou-se pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, estado em que, aliás, se mantêm.

Seleccionaram-se os factos assentes e controvertidos elaborando-se base instrutória, com reclamação não atendida.

A Autora interpôs recurso da decisão que julgou a petição parcialmente inepta, não admitido por se considerar apenas impugnável no recurso da interpor da decisão final.

Realizado o julgamento, foi proferido despacho que respondeu à matéria de facto controvertida, sendo proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu:

“a) Declarar falsas as declarações prestadas pelos primeiros Réus AA e BB na escritura de justificação e doação realizada no dia 16 de Janeiro de 2008, melhor identificada no ponto 1) da fundamentação de facto;

b) Declarar que o prédio identificado no ponto 1) da fundamentação de facto não era nem é propriedade dos referidos Réus por não se ter operado a usucapião aí alegada;

Trata-se de uma situação de cancelamento do registo decorrente da ineficácia do título, lavrado expressa mente para permitir a inscrição da titularidade do direito de propriedade a favor dos outorgantes de tais escrituras.

c) Declarar a nulidade da doação outorgada na escritura identificada em a) pelos Réus AA e BB aos Réus CC e DD em virtude de o prédio não lhes pertencer;

d) Ordenar o cancelamento do registo n° …/20080228 da freguesia de Moreira do Rei levado acabo com base na escritura- de justificação assim como 200 8/02/28 referente à doação”.

Inconformado com tal decisão, apelam os Réus, e, pugnando pela respectiva revogação, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões:

“1 – Da audição depoimentos das testemunhas arroladas pelos RR. é lícito concluir que foram erradamente apreciados e valorados, pelo que ocorre notório erro de julgamento;
2 – Com efeito, tais depoimentos, se devidamente analisados, autorizam resposta de “Provado” ao quesito nº 2, ou que pelo menos desde o ano de 1987, ao contrário da resposta que lhe foi dada pelo Tribunal recorrido, desde data não concretamente apurada;
3 – A prova testemunhal produzida pelos AA. é de molde a autorizar a alteração da resposta dada ao aludido artigo 2º da base instrutória;
4 – Na verdade, sobre tal matéria, constante do quesito 2º pronunciaram-se as testemunhas Joaquim …, em declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 27/06/2014, gravadas no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática em uso no Tribunal, no Ficheiro áudio 201406271 113645-71194-64361; Rosa … – em declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 27/06/2014, gravadas no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática em uso no Tribunal, no Ficheiro áudio, 2014062715751-71194-64361, Alfredo … – em declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 27/06/2014, gravadas no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática em uso no Tribunal, no Ficheiro áudio 20140627123031-71194-64361; e Júlio … – em declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 10/07/2014, gravadas no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática em uso no Tribunal, no Ficheiro áudio 20140710160307194-64361, supra transcritos, os quais traduzem um conhecimento directo e pormenorizado das circunstâncias de tempo e lugar em que os RR utilizavam o dito terreno, revelando-se credíveis, convincentes, consistentes e claros nas suas afirmações, cuja ciência não pode ser posta em causa em nome da dúvida ou da incerteza, pois são explicáveis à luz da lógica, da ciência, e da experiência, ou seja, do normal acontecer;
5 – Pelo que a resposta restritiva ao quesito nº 2, mormente, desde a data não concretamente apurada, quando deve ter sido provado, pelo menos desde o ano de 1987, não obedece aos critérios doutrinais enunciados por Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 209 e Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, pág. 348, nem ao princípio da livre apreciação de prova consagrado no art. 607, nº7, e ao da análise critica das provas estabelecido no nº4 do mesmo artigo do CPC, que apelam à sã prudência e às regras da experiência ou do normal acontecer, que a Mmª Juiz não quis reconhecer, como ínsitos naqueles depoimentos testemunhais;
6– O que sai reforçado com o facto de a Autora não apresentar uma única testemunha que pusesse em causa a posse por parte dos RR. desde pelo menos 1987;
7- Além disso, o terreno estava cheio de eucaliptos; os RR. cortaram árvores, arrancaram os raizeiros, aplainaram o terreno, semearam milho, plantaram árvores de fruta;
8- O que fizeram à vista e com o conhecimento de todos, inclusive da A., de sua mãe, que vivia numa casa em frente ao dito terreno, e de seu irmão, aqui interveniente.
9- Actos de posse que não passariam, certamente, despercebidos aos mais distraídos: cortaram árvores (eucaliptos); arrancaram os raizeiros, aplainaram o terreno, com máquina caterpillar; construíram muro de vedação; cederam terreno à Junta de Freguesia para o alargamento da Rua;
10- Diversas testemunhas referem que os 1ºs RR. possuem o dito prédio pelos menos desde o ano de 1987;
11- O prédio que a Autora se arroga foi adquirido por escritura de 1968, mas foi participado à matriz no ano de 1996, com a mesma área de 2.336m2, quando já haviam sido destacadas duas casas de habitação;
12-E, mais estranho, não foi descrito na relação de bens no Inventário a que se procedeu para a partilha dos bens da herança aberta por óbito do pai da A. e que correu termos pela 2ª Secção de Processos deste Tribunal Judicial sob o nº 244/92. Cfr certidão de fls. 59 a 72;
13- E não o relacionaram em 1992, porque não era deles, mas sim dos 1ºs RR;
14- Ainda, resulta das confrontações da Sorte de Mato do Vinco, vendida aos 1ºs RR. pela Autora por escritura outorgada no ano de 1996, que do nascente confronta com José Lopes de Carvalho, exactamente a extrema nascente ( carreiro da missa) e que as testemunhas identificam que o terreno agora a nascente pertence a Armando Lopes Carvalho. Cfr certidão de fls. 40 e 41.
15- Se acaso a Autora, sua mãe e irmão fossem donos do terreno que agora se arrogam, teria aquela Bouça do Vinco de confrontar do nascente com eles próprios e não José Lopes Carvalho.
16- Revela a Mmª Juiz alguma estranheza pelo facto de os 1ºs RR possuírem o prédio desde pelo menos 1988 (década de 80, como consta da motivação) e formalizarem a escritura de compra e venda da Bouça do Vinco no ano de 1996.
O certo é que a Autora só conseguiu registar os prédios provenientes do inventário do seu pai (inventário de 1992) em 16 de Abril de 1996, conforme resulta da certidão de fls. 368 e 371.
17- E quando formalizou a venda em 1996 da Sorte do Vinco aos 1ºs RR., que já a possuíam desde pelo menos o ano de 1987 a nascente até ao carreiro da missa, terrenos de José Lopes de Carvalho, exactamente a confrontação que consta a nascente na aludida escritura. Cfr. certidão de fls. 40 a 41.
18- Alterada que seja, como se espera, a matéria de facto, deve a acção ser julgada totalmente improcedente, com as legais consequências;
19- De todo o modo, tendo o pedido de anulação da escritura de justificação sido feito após o registo da aquisição do prédio, era à autora que cabia provar os factos demonstrativos da sua propriedade, de molde a afastar a presunção de que gozam os recorrentes por força do registo;
20- Como a autora não ilidiu a presunção derivada do registo, não poderia a sentença julgar procedente a impugnação da escritura de justificação notarial, violando o artigo 7º, do Código de Registo Predial, e o n.º 1, do artigo 342º, do Código Civil.
21- Ainda, a posse diz-se de boa fé quando, no momento da sua aquisição, o possuidor ignorava que lesava o direito de outrem.
22- No caso, o direito alheio susceptível de ser violado pelos RR., no momento da aquisição da posse, só podia ser um: o direito real de propriedade da Autora.
23- Resulta dos documentos que a Autora vendeu, por escritura de compra e venda, aos RR, em 1996, a Sorte de Mato do Vinco.
24- Foi da Autora que os RR. receberam a posse que foi desde sempre exercida com inteiro conhecimento e sem oposição de quem quer que fosse, obviamente também daquele e inclusive da apelante, e na convicção de que o prédio lhes pertenciam.
25- De harmonia com as regras de experiência e critérios sociais é licito concluir que quem, depois de comprar, ainda que oralmente, um terreno, participa com a mesma vendedora em posterior escritura de venda do mesmo terreno, paga o respectivo preço, entra na sua posse actuando sobre ele em termos perfeitamente correspondentes ao direito real de propriedade, com conhecimento e sem oposição da vendedora, e na convicção de que um tal direito lhes pertence, agem também na convicção de que com aquele exercício não está a lesar direito de qualquer outra pessoa, maxime, daquela que lho alienou (artº 349º do Código Civil).
26- Nestas condições, a posse dos referidos réus sobre o prédio deve considerar-se de boa fé, pelo que a usucapião dá-se ao fim de 15 anos (artº 1296º do Código Civil).
27- O que nos reporta ao ano de 1993, data referida por várias testemunhas;
28- Assim, os réus lograram provar os factos constitutivos do direito de propriedade que se arrogaram na referida escritura pública de justificação notarial, ou seja, que aqueles, pelo menos pela via da usucapião, adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio em causa, pois já estão na sua posse há mais de 15 e 20 anos, antes daquela escritura de justificação.
29– Violou, por isso a douta sentença apelada, para além de outros, os arts. 607, nº4 e nº 5 do CPC e 342, 1305, 1306, 1287, 1251, 1255, 1268º todos do CC e artigo 7 do Código do Registo Predial.”

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Os Apelados apresentaram contra alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidenda são, no caso, a seguinte:

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada.

- Apreciar se, na hipótese de alteração da matéria de facto tida como demonstrada, deverá ser alterada a decisão recorrida.

- Apreciar da existência ou não do direito de propriedade dos Réus.

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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos Provados.

1. Por escritura pública denominada Justificação e Doação outorgada em 17/01/2008, perante Sara Maria Ribeiro Machado, Notária do Cartório sito na Rua Soares Veloso, n° 37, rés-do-chão esquerdo, Fafe, AA e BB declararam “Que, com exclusão de outrem, são donos e legítimos possuidores do seguinte imóvel: Prédio rústico, denominado “Leira do Vinco”, com a área de mil quinhentos e quarenta e cinco metros quadrados, situado no lugar de Marinhão, da freguesia de Moreira de Rei, deste concelho de Fafe, a confrontar de norte com Susana Graciosa da Silva Peixoto, do sul com caminho público, de nascente com caminho de servidão e do poente com José Oliveira Ribeiro, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 160,00 e o valor atribuído de dois mil e quinhentos euros. Que o identificado prédios encontra-se omisso na Conservatória do Registo Predial de Fafe, mas está inscrito na respectiva matriz em nome dele, justificante marido. Que não são detentores de qual quer titulo formal que legitime o domínio dos mencionados prédios, em virtude de o mesmo ter sido adquirido por eles outorgantes, por doação que lhes foi feita verbalmente em dia e mês que não podem precisar, do ano de mil novecentos e oitenta e seis, por José …, viúvo, residente que foi na Rua Serpa Pinto, da freguesia e concelho de Fafe, já falecido não sendo conhecida a existência de herdeiros, nunca tendo sido possível realizar a competente escritura. Que, não obstante isso, entraram na posse e fruição do referido imóvel, desde a dita aquisição, roçando o mato, cultivando-o e colhendo os respectivos frutos, usufruindo de todas as suas utilidades, pagando sempre os respectivos impostos ou contribuições, com ânimo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé, por ignorarem lesar direito alheio, pacificamente porque sem violência, contínua e publicamente, à vista e com conhecimento de todos e sem oposição de ninguém e tudo isto por lapso de tempo superior a vinte anos. Que, dadas as características de tal posse, adquiriram o citado imóvel por USUCAPIÃO, título esse que, por sua natureza, não é susceptível de ser comprovado pelos meios extrajudiciais normais.” [alínea A) dos factos assentes e doc. fls. 21 e seguintes].

2. As declarações prestadas por AA e BB foram confirmadas por Joaquim …, Júlio … e Joaquim … [alínea B) dos factos assentes].

3. Segundo averbamento n° 1, da referida escritura, o extracto a mesma foi publicado em 25-01-2008 no Jornal “O Povo de Fafe”, n° 1967 -00 [alínea C) dos factos assentes e doc. fls. 21].

4. Na escritura referida em 1), declararam ainda AA e BB que “pela presente escritura doam aos terceiros outorgantes, o referido prédio rústico” [alínea D) dos factos assente e doc. fls. 23]. Dos factos assentes consta a alínea F) com a seguinte redacção: “Sílvia Liliana Durães Lopes, na qualidade de quarto outorgante, declarou “que também aceita a doação que lhe fica feita nos termos exarados.” Contudo, analisado o documento de fis. 21 a 25 constata-se apenas existirem três outorgantes sendo que a pessoa supra identificada não interveio na escritura. Trata-se, manifestamente de um lapso derivado do processamento do texto em computador, aproveitando outras peças, pelo que nos termos dos artigos 613° e 614° do Código de Processo Civil se procede á respectiva rectificação eliminando a referida alínea do elenco da fundamentação de facto.

5. Ainda na referida escritura, CC e DD, na qualidade de terceiros outorgantes, declararam “que aceitam esta doação nos termos exarado.” [alínea E) dos factos assente e doc. fls. 24].1

6. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob o n° 4550/20080228, da freguesia de Moreira de Rei, um prédio rústico denominado Leira do Vinco, inscrito na matriz sob o artigo …, confrontando no norte com Susana Graciosa da Silva Peixoto, sul caminho público, nascente caminho de servidão e poente com José Oliveira Ribeiro, estando o mesmo registado, pela Ap. 10 de 2008/02/28 a favor dos Réus Amália Marques e António Antunes, sendo mencionado, como causa de aquisição “doação” [alínea G) dos factos assentes e doc. fls. 57].

7. Desde data não concretamente apurada os primeiros Réus cortaram árvores, arrancaram os raizeiros, aplainaram o terreno, semearam milho, plantaram árvores de fruta no prédio identificado em 1) [resposta ao artigo 2° da base instrutória].

8. Procederam ainda à vedação do prédio através de muro em pedra [resposta ao artigo 3° da base instrutória].

9. O que tudo fizeram à vista e com conhecimento de todos, designadamente, da Autora [resposta ao artigo ° da base instrutória].

10. Sem oposição e interrupção até Agosto de 2009 [resposta ao artigo 5° da base instrutória].

11. Na firme convicção de que estão no exercício pleno e exclusivo de um direito próprio [resposta ao artigo 6° da base instrutória].

Factos não provados.

Não resultou provado o facto vertido no artigo 1° da base instrutória.

Fundamentação de direito.

Apreciaremos em primeiro lugar a impugnação da matéria de facto pretendida pelos Apelantes, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Pretende-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.

Como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

Na avaliação da prova testemunhal a fonte do conhecimento dos factos narrados pela testemunha é um elemento da maior importância para o julgador aferir da credibilidade do relato.

Como refere Alberto dos Reis, “Tem a maior importância esta exigência da lei, porque a razão da ciência é um elemento de grande valor para a apreciação da força probatória do depoimento…Desceu a lei a estas minúcias, porque uma vez destruída ou abalada a razão da ciência, o depoimento perde o valor ou fica notavelmente enfraquecido; e para a parte contrária poder atacar a razão da ciência e o tribunal poder avaliar até que ponto é exacta a razão invocada, muito interessa saber as condições e circunstâncias especiais de que a testemunha se socorre para justificar o seu conhecimento”. Cfr. A. dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. IV, pág. 422, da ed. de 1951.

Mas, e à luz de tudo o exposto, passemos agora à análise da decisão da matéria de facto, averiguando, se as respostas impugnadas foram ou não proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório.

Ora, como resulta do supra exposto, o apelante impugna a materialidade fixada na decisão recorrida com os seguintes fundamentos:

Constam da decisão recorrida o facto ínsitos sob o número 7), dos factos tido como provados na decisão recorrida, resultante da resposta dada ao quesito 2º da base instrutória que foi dado como demonstrado com o seguinte teor:

- “Desde data não concretamente apurada os primeiros Réus cortaram árvores, arrancaram os raizeiros, aplainaram o terreno, semearam milho, plantaram árvores de fruta no prédio identificado em 1) [resposta ao artigo 2° da base instrutória]”.

Todavia, em seu entender, não resultando da prova produzida a demonstração dessa realidade factual, em respeito pela integridade dessa mesma prova, deveria ter-se considerado integralmente provado tal facto, ou, pelo menos, provado no molde a seguir referidos:

Teor integral do quesito 2º:

- “Desde aquela data (ano de 1986) que os primeiros Réus cortaram árvores, arrancaram os raizeiros, aplainaram o terreno, semearam milho, plantaram árvores de fruta no prédio identificado em A) (facto 1, da decisão recorrida).

Resposta alternativa sugerida pelos Recorrentes, caso se não entenda como integralmente demonstrado tal facto:

- “Desde o ano de 1987 os primeiros Réus cortaram árvores, arrancaram os raizeiros, aplainaram o terreno, semearam milho, plantaram árvores de fruta no prédio identificado em 1)”.

A sustentar a sua pretensão impugnatória, no que concerne aos concretos meios probatórios produzidos, invocam os Recorrentes os meios probatórios que a seguir se referem, no sentido de sustentar a demonstração do aludido facto ínsito no quesito 2º, nos moldes por si preconizados:

E, segundo alegam, sobre tal matéria, constante do quesito 2º pronunciaram-se as seguintes testemunhas:

- Joaquim …, em declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 27/06/2014, gravadas no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática em uso no Tribunal, no Ficheiro áudio 201406271 113645-71194-64361;

- Rosa … – em declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 27/06/2014, gravadas no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática em uso no Tribunal, no Ficheiro áudio, 2014062715751-71194-64361;

- Alfredo … – em declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 27/06/2014, gravadas no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática em uso no Tribunal, no Ficheiro áudio 20140627123031-71194-64361;

- E Júlio … – em declarações prestadas na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 10/07/2014, gravadas no sistema de gravação digital integrado na aplicação informática em uso no Tribunal, no Ficheiro áudio 20140710160307194-64361,

E, em seu entender, tais depoimentos traduzem um conhecimento directo e pormenorizado das circunstâncias de tempo e lugar em que os RR utilizavam o dito terreno, revelando-se credíveis, convincentes, consistentes e claros nas suas afirmações, cuja ciência não pode ser posta em causa em nome da dúvida ou da incerteza, pois são explicáveis à luz da lógica, da ciência, e da experiência, ou seja, do normal acontecer.

A propósito da materialidade em referência e objecto de impugnação refere-se na aludida motivação o seguinte:

“A convicção do Tribunal baseou-se no seguinte:”

(…)

“No que diz respeito aos depoimentos tivemos os seguintes.

Serafim …, comerciante na Rua Serpa Pinto em Fafe há 34 anos não tinha noção de qualquer pessoa com o nome de José Ribeiro residente nessa artéria; apesar de se revelar conhecedor dos comerciantes (cujas lojas se situam ao nível do rés-do-chão), revelou desconhecimento quanto à identidade dos proprietários ou caseiros residentes nos andares situados sobre as lojas.

Paulino … teve um estabelecimento na Rua Serpa Pinto durante 20 anos até há 2 anos não se recordando de qualquer pessoa chamada de José Ribeiro e, à semelhança da anterior testemunha, desconhecia quem morava no primeiro andar, nomeadamente se os prédios eram arrendados, pois concentrava-se na parte comercial.

Maria …, de 55 anos, nasceu em Marinhão e ali viveu até aos 12 anos e posteriormente dos 25 aos 27 anos; prima da Autora e afilhada da sua progenitora, costumava deslocar-se para a visitar numa casa situada próxima daquela que a madrinha denominava “Bouça dos Eucaliptos” (fazia-o ocasionalmente até ao seu falecimento); referiu que até aos 12/13 anos ia a essa bouça que se situava em baixo e em cima do caminho, com a madrinha, para tirar fitas do tronco daquelas árvores com vista a atear o lume, recordando só havia uma casa junto à estrada, o resto eram bouças, havendo um muro em pedra ao lado dessa bouça, no sentido do comprimento e mais alto do que o joelho, e o chamado “caminho da missa” que ora ficava fora, ora dentro do referido muro.

José …, marido da anterior testemunha, chegou a residir em Marinhão entre 1985 e 1982 por ter comprado um café próximo do local onde a mãe da Autora residia (300 metros), que era a terceira a contar da estrada. Referiu que havia uma bouça que tinha eucaliptos e pinheiros que aquela dizia pertencer-lhe, com um muro que o acompanhava, com a altura de cerca de 1 metro e com um carreiro estreito que vai para Ribeiro que diziam que era para irem para a missa. Nas visitas que fazia ao Domingo até que vendeu o café em 1989, por vezes ia atrás das galinhas que fugiam para essa bouça, que se via perfeitamente da casa, pois era toda aberta. Desconhecia se o mato dessa bouça era cortado. Precisou que já depois de sair de Marinhão, o caminho que era em terra foi alargado e arranjado. Recordava que o muro do senhor Carvalho acompanhava o carreiro/caminho da missa e que o muro do outro lado terminava em bico, com a configuração de fis. 33 e 395) de que se apercebeu porque o filho costumava fugir para ir aos melros e ia atrás dele. Referiu que no local havia mato mas não silvas.

Joaquim …, irmão das Rés BB e DD, residente em Marinhão desde que casou em 1976, interveio na escritura de justificação. Afirmou desconhecer José Ribeiro e saber que o prédio em causa tinha sido comprado à Autora há 20 anos, desconhecendo o motivo pelo qual não celebraram escritura. Situou o prédio em causa, por referência à Rua do Calvário, como sendo do lado direito desta após virar à esquerda, confrontando com o carreiro da missa do lado direito (de quem se encontre de frente) e este, por sua vez, com o senhor Carvalho. Referiu que os cunhados faziam plantações de árvores — existem lá oliveiras, pereiras, diospireiro, laranjeiras — no que antes era uma bouça, após terem arrancaram raizeiros de eucaliptos e alagado o muro, com uma máquina, semeando milho (durante 2 ou 3 anos) e plantando couves até ao carreiro da missa, permitindo que a testemunha colocasse medas de lenha junto ao muro desse carreiro. Recordava a Rua do Calvário como um caminho de carro de bois que foi alargado e alcatroado pela Junta de Freguesia, com contribuição do cunhado que cedeu terreno quando edificou o muro (o Presidente da Junta contou-lhe que se deslocou ao local, fez o limite por onde podia construí-lo e passou licença para o efeito). Descreveu o prédio como sendo em bico até um esteio em pedra. Referiu que a mãe da Autora vivia na casa que actualmente pertence ao senhor Albano, avistando o terreno do cunhado, nunca tendo chamado a atenção para o que ali faziam, o mesmo se passando com a Autora e o interveniente que também lá se deslocavam. Referiu que os cunhados construíram a casa em terreno adquirido à Autora fazendo no resto do terreno um cultivo semelhante àquele que faziam no terreno ao lado da casa.

Rosa …, de 58 anos, nasceu em Marinhão, onde vive na casa que foi dos avós e dos pais, situada na rua que entronca na EN do lado oposto à Rua do Calvário. Conhece a casa dos Réus, o carreiro onde passava com os pais e levava as sobrinhas pequenas (a mais velha tem actualmente 34 anos) para a missa e a bouça que ali existe. Notava que havia árvores de fruto, couve, batata, milho, desde o terreno ao lado da casa até ao carreiro velho (ao lado do prédio do tio do marido, Armando …), não se notando qualquer diferença. Referiu que a Rua do Calvário está mais larga (antes só dava para passar um carro de bois) e empedrada, recordava de andarem lá trabalhadores e do alargamento para cima através de cedência de terreno do Réu AA. Lembrava-se de ver os primeiros Réus a cultivar e a mãe também (a testemunha tem um terreno que fica atrás do tio do marido). Precisou que era possível à mãe da Autora ver os primeiros Réus a cultivar da janela da casa, assim como à demandante e ao irmão quando fossem visitá-la. Sabia que o terreno onde os primeiros Réus construíram a casa foi em tempos dos pais da Autora que o compraram ao “fidalgo da Luz”. Precisou que o caminho da missa para Ribeiro confronta do lado direito com o tio do marido e do lado esquerdo com o Réu AA.

José …, colega do Réu, ajudou a construir o muro da casa onde este vive, com duas fiadas de pedra e cerca de 40 metros a par com o caminho, até um caminho que divide o prédio do “Carvalho da Poça”, sem que tivesse havido quem chamasse a atenção. Precisou que a construção ocorreu em momento anterior a 2006, por referência à situação de desemprego, num momento em que a casa dos Réus já era habitada.

Alfredo … andou a trabalhar para os Réus com o tractor há cerca de 20 anos, o que consistiu em arrancar raizeiros (grandes) de eucaliptos e endireitar o terreno, tendo, em momento posterior, procedido à abertura de alicerces para a casa com uma retroescavadora. Descreveu o terreno como tendo mais de 2.000 m2, 50 metros de comprimento, que se estendia até um caminho com carvalhos e um murito e até ao caminho público. Referiu dos 3/4 dias que lá andou ninguém lhe chamou a atenção.

Júlio …, de 48 anos, vive em Moreira há 35 anos, frequenta o local do litígio desde 1982. Conheceu o pai da Autora como sendo o dono do terreno em causa. Referiu que na altura em que namorava (casou em Setembro de 1988), começou a ver o Réu AA, que também namorava, a cultivar o terreno após ter derrubado os eucaliptos e arrancar os raizeiros com uma máquina, que arranjou a parcela. Apercebeu-se da plantação de árvores (limoeiros, laranjeiras, ameixoeiras) e do cultivo de milho e batata até ao muro em pedra baixinho que separa um carreiro que tem do outro lado o muro do senhor Carvalho. Esclareceu que foi Presidente da Assembleia da Junta de freguesia na altura do alargamento do caminho que dava acesso à entrada da escola, que era em terra, com colocação de paralelo e mais recentemente alcatroado, há 12 a 15 anos, tendo sabido pelo Presidente da Junta que naquele local o mesmo pediu ao Réu AA terreno para o alargamento e que este fez o muro de pedra. Explicou que a mãe da Autora morou numa casa que anteriormente esteve arrendada aos seus tios Daniel e Emília e onde chegou a dormir quando tinha 12 a 15 anos, havendo ali janelas que dão para a mata sem nada que tapasse a visibilidade, pelo que se a Autora lá fosse poderia ver o muro até ao terreno do senhor Carvalho. Referiu que todos em Marinhão sabiam que o primeiro Réu tinha comprado e que pretendia fazer a casa, como veio a acontecer.

Resultou claramente do depoimento das testemunhas Joaquim …, Rosa …, José …, Júlio … que o prédio objecto do litígio pertenceu em tempos aos pais da Autora, sendo que o primeiro, que interveio na escritura de justificação, sabia da aquisição a esta, pelo que a resposta ao artigo 1° tem de ser negativa.

(…)

Ora, como é consabido, a convicção do julgador, não se reconduz a uma qualquer convicção subjectiva, mas antes numa convicção objectivável e motivável, fruto de um processo que apenas se completa e alcança por via racional, fundada nas regras da lógica e da experiência comum, do bom senso e, sempre que necessário, do conhecimento da ciência, terá de ser clara e inequivocamente explicitada, em ordem a, por um lado, promover a persuasão, o convencimento e a anuência das partes, e, por outro, a permitir também que a análise crítica dos elementos probatórios produzidos no processo seja controlada ou sindicada, igualmente de uma forma racionalmente fundada, quer pelas partes, como ainda pelo tribunal superior.

Nesta actividade, com excepção dos casos em que a lei exige, para prova do facto, determinado meio probatório, não está o tribunal submetido a critérios ou regras pré-estabelecidas, devendo, considerá-las a todas, apreciá-las em conjunto, fazer a sua análise crítica, tendo em conta as regras da ciência, da lógica e da experiência comum a todo o homem médio.

O recurso da matéria de facto não tem por objecto a realização de um novo julgamento fundado numa nova convicção, mas apenas apreciar a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados, com base na avaliação das provas que considera determinarem uma diversa.

E, sempre que o tribunal recorrido tiver atribuído credibilidade, ou não, a uma determinada fonte de prova testemunhal ou por declarações, porque tal opção se baseia na imediação da prova, o tribunal de recurso só a pode censurar quando for feita a demonstração de que a opção tomada viola as regras da experiência comum.

“A credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que enformam a opção do julgador. A sua aplicação está, sem dúvida, fora de qualquer controle, mas a legalidade daquela regra da experiência, como norma geral e abstracta, poderá eventualmente ser questionada caso careça de razoabilidade. Assim, a determinação da credibilidade está condicionada pela aplicação de regras da experiência que têm de ser válidas e legítimas dentro de um determinado contexto histórico e jurídico”. Cfr. Acórdão do S.T. J., de 14-03-2007, Processo n.º 21/07, 3.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

Através das provas não se procura criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos factos, pois que, “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça” Cfr. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339., o que, evidentemente, implica que a justiça tenha de se bastar com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência.

A prova como demonstração efectiva da realidade de um facto não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica) Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191..

Ora, tecidos estes considerandos, e revertendo de novo à análise da situação em apreço, não pode esquecer-se que foi o tribunal recorrido quem beneficiou da imediação proporcionada pela produção dos meios probatórios e aferiu do grau de credibilidade que cada um lhe mereceu, tendo feito constar da motivação da decisão as razões que o levaram a considerar credíveis e consistentes os meios probatórios aduzidos, e o sentido restritivo com que os valorou, em detrimento de parte respectivo teor literalmente expresso (como seja a data do início dos actos de posse), que, por decorrência do correlacionamento com outros meios de prova, e por aplicação da regras da experiência, o tribunal recorrido entendeu não possuírem adequada solidez e credibilidade para poderem alicerçar uma convicção positiva sobre a verificação dessa mesma materialidade objecto de impugnação.

Com efeito, os depoimentos das testemunhas acabadas de referir e serviram de fundamento à impugnação serviram também de fundamento à convicção positiva e negativa do tribunal (na parte restritiva da resposta dada ao quesito 2º, atinente à falta de prova da data do início dos actos de posse) sobre a factualidade impugnada

Isto assente, temos que o Recorrente omite a efectuação de explanação crítica e sustentada dessa prova produzida em que se fundamenta, tendente a, de modo claro e linear, deixar bem explicitadas as razões da sua discordância com a decisão recorrida, de molde a que se entendesse, por um lado, por que razões entende que, com fundamento nos mesmos meios probatórios que aduz em sustentação da impugnação e de que o tribunal também se serviu, devem ser extraídas conclusões diversas das retiradas na decisão recorrida, considerando-se demonstrado o facto aí tido como indemonstrado (a data do inicio dos actos de posse), com fundamento no mesmo substrato probatório, e, por outro, esclarecer por que razões errou o tribunal na interpretação que fez desses meios de prova, bem como, por que razões deveria o tribunal ter conferido credibilidade ao conteúdo desses mesmos depoimentos, com relação à data do início dos actos de posse, em que se pretende alicerçar a sua impugnação, pois que, de um modo perfeitamente coerente e fundado, deixou o tribunal claramente expressas as razões por que considerou não possuírem suficiente credibilidade e consistência, os depoimento de tais testemunhas, relativamente a essa factualidade em referência, para alicerçarem a sua convicção positiva sobre a sua verificação.

A conclusão que, por outro lado, inelutavelmente se retira das alegações do Recorrente é a de que o presente recurso de facto não se funda numa verdadeira desconformidade entre a prova produzida em audiência, aproveitada pelo tribunal recorrido para formar a sua convicção, e os factos que, com base nela, veio a considerar provados e não provados, mas antes num entendimento não consistentemente explanado ou desenvolvido de que, em razão do próprio substrato probatório de que o tribunal se serviu e considerou credível, se afigura permitido, possível, coerente e justificada a extracção de uma outra versão dos factos diversa da perfilhada pelo tribunal recorrido, ou seja, a de que desses meios probatórios resultou claramente demonstrada a data do início dos actos de posse, para cuja prova positiva o tribunal recorrido, os considerou insubsistentes.

Em abstracto afigure-se-nos que o Recorrente, isso assim pretende concluir, por entender que o tribunal não terá dado a interpretação, sentido ou valoração correcta aos meios probatórios que considerou credíveis e consistentes, e que se justificaria uma versão diferente dos factos, diversa da dada como demonstrada pelo tribunal, que, como é óbvio, teria também de assentar numa análise crítica desses meios probatórios que considera relevantes, também diversa da que foi efectuada e acolhida na sentença recorrida, o que, contudo, o Recorrente, de todo, não fez, tendo-se limitado expressar ou a reproduzir algum do conteúdo dos depoimentos que essas testemunhas terão efectuado.

E, concluiremos nós, sem a efectuação dessa necessária e imprescindível análise crítica do substrato probatório produzido, comprometido ficará o sucesso de qualquer impugnação factual.

Na verdade, pertinentemente se lembra na decisão recorrida, reportando-se à credibilidade e consistência, ou falta delas, por parte dos depoimentos produzidos sobre a materialidade ora em apreço, ou seja sob a data do início dos actos de posse, o seguinte:

(…)

Quanto aos actos de posse temos, antes de mais, a celebração da escritura de compra e venda em 2 de Julho de 1996, no entanto, as testemunhas Alfredo … e Júlio … fazem recuar, respectivamente, para 1994 e momento anterior a 1988 os trabalhos de limpeza (extracção dos raizeiros dos eucaliptos que a testemunha Maria … se recordava existirem quando até se deslocava com a mãe da Autora à “bouça dos eucaliptos” — que apesar de ter sido permutada como terreno de construção era parte de uma Coutada, pelo que estaria arborizado) e nivelamento do terreno, seguido de cultivo e plantação de árvores de fruto. Tomando por referência a data da escritura de justificação, 17 de Janeiro de 2008, apenas o depoimento do segundo seria correspondente à duração de 20 anos.

Coloca-se a questão de determinar se é verosímil que um prédio cuja aquisição foi formalizada em 1996 pudesse ser possuído em momento tão anterior, na década de 80. A resposta é negativa porquanto tal apenas é usual no âmbito dos contratos promessa sendo certo que não houve preocupação em levar a cabo a sua junção.

Por outro lado, não sabemos ao certo quando foi proferida sentença no processo de inventário, porém, sendo um processo de 1992, não é crível que a sua pendência e o subsequente registo do prédio na Conservatória do Registo Predial pudesse arrastar até 1996 a formalização do negócio, por forma a justificar que fosse permitido ao promitente adquirente a sua ocupação, já que, caso houvesse interesse na aquisição em momento anterior ou contemporâneo do inventário, não seria difícil aos três herdeiros levarem a cabo o seu registo e venda com eliminação em qualquer momento da verba relacionada.

Não obstante a data do casamento da testemunha e a certeza pela mesma transmitida quanto à prática de actos de posse no tempo de solteiro, assim como o conhecimento relacionado com o alargamento do caminho, que situou entre 1999 - 2002, com cedência de terreno para o efeito, sendo o único depoimento e sem outros elementos que indiquem que a aquisição foi levada a cabo a outrem que não a Autora (o que teria de suceder necessariamente pelo menos entre 1992/1993 dada a situação do prédio no contexto da herança ilíquida e indivisa inerente à pendência do inventário), não pode dar-se relevância ao depoimento por forma a confirmar o período pela mesma aludido.

Por outro lado, foi celebrada escritura da aquisição em 2 de Julho de 1996 num momento em que o prédio estava registado em nome da Autora e subsequentemente foi registado em nome dos primeiros Réus, o que significa que a escritura de justificação teria em vista um fim ilegal de destaque de uma parcela de terreno para construção sem operação de loteamento e manter a área registada do prédio descrito na ficha n° …/19960416 com o total de 3.000 m2 em simultâneo com outro com a área de 1545 registado sob a ficha n° …/20080228.

(…)

Ora, da própria fundamentação invocada se conclui que o que o Recorrente verdadeiramente contesta (com razão ou sem ela) é a valoração que o tribunal fez da prova produzida e dos meios de prova de que se socorreu para fundamentar a sua convicção, sem que, contudo, faça também análise consistentemente aprofundada, global, objectiva e crítica da prova produzida e valorizada pelo tribunal (tanto mais que, com base nos mesmos meios probatórios, pretende extrair conclusões factuais diversas) em que, por um lado, aduzisse os meios de prova entendidos como positivamente relevantes para o alicerçar dos factos que pretende ver e considera terem resultado demonstrados em audiência, e simultaneamente, expusesse as razões por que considera ter errado o tribunal ao assentar a prova, a sua convicção negativa de tais factos, numa interpretação dos meios probatórios que, no seu entender, não possui suficiente coerência e consistência para lhe servir de fundamento.

A isto acresce que, por outro lado, na decisão proferida sobre a matéria de facto tida como assente e como indemonstrada, designadamente, com relação à não prova da data do inicio dos actos de posse, o tribunal, além de claramente ter expresso a sustentação probatória da sua convicção positiva e negativa sobre a materialidade controvertida expressa na resposta restritiva dada, deixou também expressas, de um modo claro e linear, as razões por que entendeu não ser de conferir credibilidade e consistência aos meios probatórios com base nos quais o Recorrente pretendem impugnar a aludida materialidade fáctica, e ver demonstrada essa data do início do actos de posse, que o tribunal não considerou, por ter entendido carecerem tais meios probatórios de adequada consistência tendente a fundamentar s sua demonstração.

Assim sendo, considerado que as conclusões retiradas pelo tribunal encontram indubitavelmente suporte válido na prova produzida, e que, por outro lado, em nada conflituam com a experiência comum, incontornável resulta também, por decorrência, que, com a relevância que, contextualmente, assumiram, no âmbito da valoração de toda a prova produzida, os meios probatórios aduzidos pelo Recorrente, em sustentação da impugnação que efectuou, nos moldes em que efectivamente o foram, de modo algum se revestem de uma solidez e consistência, adequada a conferir-lhes um grau de credibilidade que os torne passíveis de sustentar a pretendida alteração da matéria factual em apreço.

Em consonância com tudo o acabado de expender, e pelas razões expostas, somos de entender que a conjugação de todo este substrato probatório comporta e alicerça de modo consistente a convicção do tribunal sobre matéria fáctica objecto da presente impugnação.

Improcede, assim, nesta parte, a presente apelação.

Alegam ainda os recorrentes que, de todo o modo, tendo o pedido de anulação da escritura de justificação sido feito após o registo da aquisição do prédio, era à Autora que cabia provar os factos demonstrativos da sua propriedade, de molde a afastar a presunção de que gozam os recorrentes por força do registo, e, como a Autora não ilidiu a presunção derivada do registo, não poderia a sentença julgar procedente a impugnação da escritura de justificação notarial, violando o artigo 7º, do Código de Registo Predial, e o n.º 1, do artigo 342º, do Código Civil.

Acresce que, como resulta dos documentos juntos que a Autora vendeu, por escritura de compra e venda, aos RR, em 1996, a Sorte de Mato do Vinco, tendo sido da Autora que os RR. receberam a posse que foi desde sempre exercida com inteiro conhecimento e sem oposição de quem quer que fosse, obviamente também daquele e inclusive da apelante, e na convicção de que o prédio lhes pertenciam.

E assim sendo, de harmonia com as regras de experiência e critérios sociais é licito concluir que quem, depois de comprar, ainda que oralmente, um terreno, participa com a mesma vendedora em posterior escritura de venda do mesmo terreno, paga o respectivo preço, entra na sua posse actuando sobre ele em termos perfeitamente correspondentes ao direito real de propriedade, com conhecimento e sem oposição da vendedora, e na convicção de que um tal direito lhes pertence, agem também na convicção de que com aquele exercício não está a lesar direito de qualquer outra pessoa, maxime, daquela que lho alienou (artº 349º do Código Civil).

Nestas condições, a posse dos referidos réus sobre o prédio deve considerar-se de boa fé, pelo que a usucapião dá-se ao fim de 15 anos (artº 1296º do Código Civil)., o que nos reporta ao ano de 1993, data referida por várias testemunhas;

Concluem, assim, terem logrado demonstrar os factos constitutivos do direito de propriedade que se arrogaram na referida escritura pública de justificação notarial, ou seja, que aqueles, pelo menos pela via da usucapião, adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio em causa, pois já estão na sua posse há mais de 15 e 20 anos, antes daquela escritura de justificação.

Como refere Castro Mendes, “A composição de um litígio é o fim do processo; é o conteúdo do pedido que o A. ou requerente dirige ao tribunal; e é, portanto, objecto do direito que a parte exerce quando a ele recorre, exigindo a sua intervenção - direito de acção judicial ou somente acção” Cfr. Castro Mendes, “ Direito Processual Civil“, vol. I, pag. 230., sendo estes diferentes tipos de litígio que dão origem a diferentes tipos de processo e diferentes acções.

A classificação que a lei processual apresenta no artigo 10º, do C.P.C., baseia-se em diferentes tipos de composição do litígio pretendido, se bem que este artigo tenha como epígrafe “espécies de acções consoante o fim“, o termo “acção“ tem, nesse artigo, o sentido de pedido, havendo, aí, uma classificação de pedidos.

Assim, do aludido pedido de declaração do reconhecimento da inexistência do direito de propriedade, pareceria poder conclui-se, estar-se perante uma acção do tipo enunciado na al. a), do nº 2, do artigo 10º, do C.P.C..

Fala-se, porém, em acção declarativa, na medida em que se pretende “a declaração, pelo órgão judiciário, da solução concreta decorrente da ordem jurídica para a situação real que serve de base à pretensão deduzida” e a expressão “simples apreciação“ pretende significar que “(...) são aquelas em que, reagindo contra uma situação de incerteza, o autor pretende apenas obter a declaração (com a força vinculativa própria das decisões judiciais) da existência ou inexistência de um direito ou de um facto “.

Mas, é precisamente no que vem após o reconhecimento (ou não reconhecimento) do direito, comum em princípio a todas elas, que reside a chave da distinção entre os vários tipos de acções (...) Se o autor, após o reconhecimento da existência (ou não reconhecimento) do direito, não pretende mais do que a declaração formal dessa existência ou inexistência do direito (ou do facto jurídico), a acção respectiva é de mera apreciação e dentro destas, de tipo negativo“. Cfr. Prof. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 16 .

As acções de simples apreciação negativa são definidas na al. a), do nº 2, do artigo citado, como as que têm por fim “obter unicamente a declaração de existência ou inexistência dum direito ou de um facto“.

Em termos doutrinais, as acções de simples apreciação negativa podem ser vistas sob duas perspectivas: como uma acção “normal“, com objecto determinado e causa de pedir, ou seja, fundamento possível, igualmente determinado, da relação ou facto negado pelo autor, fundamento esse cuja inexistência ou ineficácia o autor alega e deve provar; ou como uma acção peculiar, em que o autor se pode limitar a negar certas relações, não invocando qualquer fundamento, antes empurrando para o réu o ónus de precisar o que impugna nessa negação e o seu fundamento, e prová-lo.

Como escreve Castro Mendes, o Prof. Anselmo de Castro, já antes do actual C.C., parecia inclinar-se para a segunda construção, dado que praticamente se dispensava, nestas acções, a alegação do autor duma causa de pedir. Cfr. Castro Mendes, obra citada, pag. 239, o Prof. Anselmo de Castro.

Todavia, refere ainda o mesmo autor, nada na lei excepcionava a acção de simples apreciação negativa do regime geral das acções - e, portanto, da necessidade de individualização precisa do objecto e causa de pedir, ónus da prova pelo autor – suscitando-se assim a discussão da questão de saber o que constitui a causa de pedir nas acções de simples apreciação negativa.

O Prof. Paulo Cunha, escrevia que “uma coisa é a causa de pedir propriamente dita, outra os fundamentos de facto da acção. Os fundamentos de facto hão-de compreender e englobar a causa de pedir; mas vão além dela. O autor não pode limitar-se a alegar só e secamente o facto jurídico de que emerge o seu direito: tem de indicar pormenorizadamente outros factos e circunstâncias complementares, das quais possa resultar a demonstração de que aquele facto central existe e bem assim na compreensão do seu significado e alcance“ Cfr. O Prof. Paulo Cunha, in “ Processo de Declaração“, vol. I, pág. 112 e 114., sendo este o entendimento também perfilhado pelo Prof. Alberto dos Reis Cfr. Alberto dos Reis., in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 3ª ed., Vol. II, pág. 351,, que, citando Chiovenda refere “a exposição do facto não respeita somente à existência do direito, senão também às outras condições da acção (... )”.

O artigo 343º, n.º 1, do C. Civil, veio clarificar, de certo modo, a situação, sendo acompanhado, no C.P.C., de disposições especiais para a acção de simples apreciação negativa, ao prescrever que “nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao R. a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga “.

E, como refere A. de Castro, “o legislador converteu, pelo menos no que se refere ao “ónus probandi“, estas acções de mera apreciação negativa em verdadeiras “provocationes ad agendum“, com o que se consagrou um caso de inversão do ónus da prova. Cfr. A. de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório“, vol. I, pag. 1991, pag. 116, nota 2 e 122.

Tecidos estes breves considerandos, e á luz deles, parece-nos inequívoco que a presente acção, atento, por um lado, a formulação de pedidos de declaração positiva e negativa – de que a A. é, e de que os RR. não são proprietários -, e, por outro, que se visa a impugnação judicial do teor de uma escritura, com vista à obtenção da sua ineficácia como título aquisitivo da propriedade, impendendo a prova dos factos dela constantes e postos em causa, aos RR. justificantes/impugnados, configura, em simultâneo, uma acção de simples declaração positiva e negativa, cujo ónus da prova impende, respectivamente, sobre A. e RR., isto é, por um lado, em ordem ao reconhecimento do direito da A. e à invalidação da escritura de justificação, e, por outro, com vista à manutenção da validade e efeitos daquela e reconhecimento do direito dos RR..


Na verdade a A. não só pretende que o tribunal formule uma declaração negativa de que os RR. não inserem na sua esfera jurídica o direito a que se arrogam, e que tem como correspectivo expresso que direito incompatível com ele se integra na sua própria esfera jurídica, cujo reconhecimento também peticiona.

E assim sendo, estamos defronte de acção declarativa de condenação, pois que, o que a A. pretende, além da ineficácia da escritura, enquanto título aquisitivo, é a condenação dos RR. a reconhecer o seu direito, sendo bem patente a autonomia dos efeitos jurídicos dessa condenação neste tipo de acções, quando, concretizando o reconhecimento de um direito, impõe a um terceiro uma obrigação passiva – afloramento da obrigação passiva universal de exclusão que sobre todos impende com relação aos direitos absolutos – de não perturbar o seu legítimo exercício.

Ora, “na senda do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2008, publicado no DR nº 63 - Série I - de 31 032008 (no âmbito do qual se decidiu uniformizar jurisprudência no sentido de que "na acção de impugnação da escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116°, nº 1, do Código do Registo Predial e 89° e 101° do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7° do Código do Registo Predial”), era à ré que incumbia fazer prova dos elementos necessários à aquisição originária do prédio em referência”.

E esta conclusão permanece válida mesmo naquelas situações em que na acção de impugnação de justificação notarial o autor/impugnante, peça também o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio, por contraposição à declaração de inexistência do direito do réu/justificante, ou até mesmo a reivindicação do prédio, (situação em que a causa de pedir engloba, igualmente, a existência do direito do autor e a violação desse direito por banda do Réu), uma vez que, sendo os réus que nela afirmam a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 16/05/2015, proferido no processo nº 8423/06.5TBMTS.P1, in www.dgsi.pt.

Destarte, se é certo que por confrontada com a escritura de justificação notarial, a Autora não se ter limitado a pedir a declaração de inexistência do direito dos réus justificantes, configurando a acção como de simples apreciação negativa, mas antes ter optado por pedir, pela positiva, a declaração do seu direito, passou a assumir todos os ónus de alegação e prova dos respectivos pressupostos do direito que pretende ver reconhecido, daí não decorre, contudo, que tenha deixado de incidir sobre os réus o ónus de alegação e prova do direito justificado.

Assim, como inequívoco resulta que na presente acção de impugnação de escritura de justificação, sobre os Réus impende o ónus da prova dos factos que invocou na escritura, ou seja, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de propriedade justificado e a cuja titularidade se arroga.

Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 26.04.1994, “a base da nossa ordem jurídica está na usucapião e não no registo; por isso, a prova da aquisição originária sobrepõe-se à compra e venda e, em consequência, ao registo da aquisição derivada.

Quem beneficia da presunção do registo não precisa da prova de que o direito lhe pertence. Quem quiser demonstrar o contrário, é que terá o ónus de o provar“. Cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 26.04.1994, C.J., Vol. II, pag. 34.

Nos termos do Art.º. 1287º C.C. “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião “.

No dizer de O. Carvalho, a “posse é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (rectius: do direito real correspondente a esse exercício). Envolve portanto, um elemento empírico - exercício de poderes de facto - e um elemento psicológico-jurídico - em termos de um direito real. Ao primeiro é o que se chama “corpus” e ao segundo ”animus”. Entre estes dois elementos da posse existe uma relação biunívoca. “Corpus é o exercício dos poderes de facto que intende uma vontade de domínio, de poder jurídico-real. Animus é a intenção jurídico-real, a vontade de agir como titular de um direito real, que se exprime (e hoc sensu emerge ou é inferível) em (de) certa actuação de facto”. Cfr. O. Carvalho, R.L.J., Ano 122, pags 104, 68 e 69.

Ora, para que esta posse exista, necessariamente terão de estar preenchidos os seus dois elementos constitutivos, ou seja, o elemento empírico denominado corpus (prática de actos materiais - detenção, fruição ou ambos conjuntamente sobre a coisa) e o elemento psicológico-jurídico denominado animus possidendi (intenção de o possuidor se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados), Cfr. Mota Pinto, “Direitos Reais“, 1970/71, pag. 180. sendo de salientar que a exigência do preenchimento destes dois elementos se prende com o facto de estar consagrada entre nós a concepção subjectiva da posse. Nesse sentido, cfr. Ac. RP. de 09.10.79, CJ, IV, pag. 1284 e Henrique Mesquita, in “ Direitos Reais “, 1966, pag. 66 e 67.

Para se poder falar em aquisição por usucapião, além da verificação de dois requisitos, qual sejam, a posse e o decurso de certo lapso de tempo, necessário se revela igualmente que a posse se revesta certas características, umas essenciais e outras que têm interferência apenas na extensão dos prazos necessários para o seu funcionamento.

Como é sabido, a usucapião resulta sempre de uma situação de posse, a qual pode ser titulada ou não titulada, de boa ou má fé, pacifica ou violenta, pública ou oculta, sendo que, para se aquilatarem os caracteres da posse – necessários para se concretizar o tempo necessário à usucapião – é forçoso que se reflicta no modo da sua aquisição.

A existência da usucapião resulta da prática de actos materiais de posse durante um determinado lapso de tempo. Este prazo varia consoante as características da posse que lhe estão na base, pois se a posse é titulada e ou /boa fé, esse lapso de tempo exigido é menor.

Diz-se titulada a posse que tem na sua base um qualquer modo legítimo de adquirir o direito, isto é, um negócio jurídico com eficácia real “quod effectum”, independentemente quer da legitimidade do causante quer da validade substancial do negócio (cfr. 1259º do C.C.).

Será de boa fé a posse que não sendo na sua origem violenta, se tenha constituído pensando o possuidor - que tinha ele próprio o direito - que ninguém tinha direito algum sobre a coisa.

Presume-se de boa fé a posse titulada, presunção “juris tantum”; e de má fé a posse não titulada, presunção “juris tantum”.

Igualmente se presume de má fé aquela posse que é adquirida com violência, presunção “juris et de jure”.

Ora, contrariamente ao sustentando pelos Recorrentes, os factos provados estão, por um lado, longe de se postularem como susceptíveis de potenciarem uma aquisição unilateral e originária da posse e, por outro, inquestionavelmente, também não permitem concluir por uma aquisição derivada da mesma.

A posse dos Réus, nos termos por eles invocados, porque assente em alegada doação verbal, é uma posse não titulada, não podendo, por isso, aceder a posse de quaisquer antecessores, por acessão (art 1256º).

Com efeito, embora na sua acepção clássica, para poder haver acessão, não se revele necessária a existência de “negócio abstractamente idóneo para a transferência da propriedade ou de qualquer direito real de fruição”, mas de uma qualquer relação jurídica - desde que formalmente válida – de que resulte a translação da posse, o certo é que na presente situação não logrou demonstrado o modo como a Réus terão entrado na posse do imóvel em questão.

Isto porque, embora haja quem se insurja contra tal exigência de validade do acto translativo para se admitir a acessão de posses, chamando a atenção para o facto de o art 1256º apenas exigir posses consecutivas e um acto translativo da posse, bastando a tradição ou o constituto possessório para o efeito, vincando que, a validade do titulo, do vínculo ou do contrato, não tem base na lei, não tem apoio na tradição histórica, não tem apoio na doutrina estrangeira (sobretudo italiana, fonte directa do art 1256º) e dificulta sem razão a usucapião. Cfr. Menezes Cordeiro, “A Posse – Perspectivas Dogmáticas Actuais”, 3ª ed, pgs. 131 e ss.

Ora, impendendo sobre os RR. o ónus de efectuar a prova dos facto invocados na própria escritura de justificação notarial, eles, contudo, não o lograram fazer, designadamente, porque, e como se refere na decisão recorrida, não demonstraram a partir de que momento praticaram os actos materiais que lograram adesão de prova, sendo que, tratando-se de posse não titulada, nos termos do disposto no artigo 1296, segunda parte, do C. Civil, necessitavam do prazo de vinte anos para a aquisição originária por usucapião.

Improcede, assim, a presente apelação, com a consequente confirmação da decisão recorrida.

Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C..

I - Na acção de impugnação de justificação notarial o autor, pode também pedir o reconhecimento do seu direito sobre o prédio, por contraposição à declaração de inexistência do direito do réu, bem como a reivindicação do prédio, caso em que a causa de pedir engloba, igualmente, a existência do direito do autor e a violação desse direito por banda do réu.

II – Todavia, mesmo nesta situação, tendo sido o réu quem afirmou na escritura de justificação notarial a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhe a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poder beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7° do Código do Registo Predial.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.

Guimarães, 24/ 09/ 2015.

Jorge Alberto Martins Teixeira

Jorge Miguel de Pinto Seabra

José Fernando Cardoso Amaral

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Dos factos assentes consta a alínea F) com a seguinte redacção: “Sílvia Liliana Durães Lopes, na qualidade de quarto outorgante, declarou “que também aceita a doação que lhe fica feita nos termos exarados.” Contudo, analisado o documento de fis. 21 a 25 constata-se apenas existirem três outorgantes sendo que a pessoa supra identificada não interveio na escritura. Trata-se, manifestamente de um lapso derivado do processamento do texto em computador, aproveitando outras peças, pelo que nos termos dos artigos 613° e 614° do Código de Processo Civil se procede á respectiva rectificação eliminando a referida alínea do elenco da fundamentação de facto.

Cfr. A. dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. IV, pág. 422, da ed. de 1951.

Cfr. Acórdão do S.T. J., de 14-03-2007, Processo n.º 21/07, 3.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.

Cfr. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.

Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191.

Cfr. Castro Mendes, “ Direito Processual Civil“, vol. I, pag. 230.

Cfr. Prof. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 16 .

Cfr. Castro Mendes, obra citada, pag. 239, o Prof. Anselmo de Castro.

Cfr. O Prof. Paulo Cunha, in “ Processo de Declaração“, vol. I, pág. 112 e 114.

Cfr. Alberto dos Reis., in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 3ª ed., Vol. II, pág. 351,

Cfr. A. de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório“, vol. I, pag. 1991, pag. 116, nota 2 e 122.

Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 16/05/2015, proferido no processo nº 8423/06.5TBMTS.P1, in www.dgsi.pt.

Cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 26.04.1994, C.J., Vol. II, pag. 34.

Cfr. O. Carvalho, R.L.J., Ano 122, pags 104, 68 e 69.

Cfr. Mota Pinto, “Direitos Reais“, 1970/71, pag. 180.

Nesse sentido, cfr. Ac. RP. de 09.10.79, CJ, IV, pag. 1284 e Henrique Mesquita, in “ Direitos Reais “, 1966, pag. 66 e 67.

Cfr. Menezes Cordeiro, “A Posse – Perspectivas Dogmáticas Actuais”, 3ª ed, pgs. 131 e ss.