Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1432/07.9TBBRG.G1
Relator: RAQUEL RÊGO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ALIMENTOS
UNIÃO DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE A APELAÇÃO DA AUTORA, TOTALMENTE IMPROCEDENTE A APELAÇÃO DA RÉ
Sumário: I – Estando provado que o falecido contribuía para o sustento da companheira no que fosse necessário, é inquestionável que daquele recebia alimentos no cumprimento de uma obrigação natural.
II - Sendo assim, tem de ser ressarcida em conformidade, ao abrigo do disposto no artº 495º, nº3, do Código Civil.
III – De acordo com a lei 7/2001, sendo a mesma casada ao tempo do falecimento, não lhe assiste o direito de indemnização por danos morais consagrado no artº 496º, nº2, do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – RELATÓRIO.

1. F… por si e na qualidade de representante de suas filhas menores J… e A…, intentou a presente acção, com processo comum ordinário, contra “A…, SA”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €150.000 à primeira, e €380.545, às segundas, tudo acrescido de juros contados desde a citação e até efectivo pagamento.

Alegam, em síntese, que o condutor do veículo seguro na ré, que identificam, provocou a morte de seu marido e pai, respectivamente, condutor esse que, seguindo com falta de atenção e cuidado, não contornou um corte de via onde se encontrava o falecido, derrubando os cones que faziam a separação desse corte e embatendo numa viatura que ali se encontrava, a qual, por seu turno, colheu dois trabalhadores.
2. Contestou a ré impugnando, por desconhecimento, a versão do acidente dada pelas autoras, bem como os danos invocados, requerendo a intervenção principal provocada activa de “Companhia de Seguros F…, por ser a seguradora da entidade patronal do falecido.

3. Por decisão de fls.90, foi admitida a requerida intervenção principal provocada activa da “Companhia de Seguros F… Sa”, que, devidamente citada, veio apresentar articulado autónomo no qual requer a condenação da ré no pagamento da quantia de €12.510,02, a título de pagamentos efectuados às autoras menores na sequência da qualificação do evento ocorrido como acidente de trabalho.

4. Na audiência de julgamento, a interveniente ampliou o pedido para o montante de €25.498,35, ampliação esta admitida.

5. Realizando-se, depois, o julgamento, elaborou-se decisão da matéria de facto, vindo, a final, a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré “A…, SA”:
a) a pagar à autora A… a quantia de €57.372,10 e à autora J… a quantia de €35.532,10, a título de perda de alimentos, quantias estas acrescidas de juros contados desde a citação à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento;
b) a pagar às autoras A… e J… a quantia de €80.000,00, a título de danos morais sofridos pelo seu pai e da perda do direito à vida, quantia esta acrescida de juros contados desde a presente, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento;
c) a pagar a cada uma das autoras A… e J… a quantia de €30.000,00, a título de danos não patrimoniais por estas sofridos, quantia esta acrescida de juros contados desde a presente, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento;
d) a pagar à interveniente “Companhia de Seguros F…, SA” a quantia de €27.032,21, acrescida de juros contados desde a notificação do articulado da mesma, à taxa de 4%, até efectivo pagamento.
Mais decidiu absolver a mesma ré do remanescente pedido.

6. Inconformadas, apelaram a autora F… e a ré Seguradora, rematando as pertinentes alegações com as seguintes conclusões:

A – Da autora F…
1ª. O artº 2020º do Código Civil estabelece no seu nº1 que “aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) e d) do artº 2009º”.
2ª. Resulta claramente daqui que os únicos requisitos para que uma relação seja considerada união de facto são os seguintes:
- que o sinistrado falecido seja pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens;
- que tenha vivido com o pretendido beneficiário há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, ou seja, que tenha havido comunhão de mesa, leito e habitação.
3ª. Face à matéria provada, é liquido afirmar que a Recorrente F… vivia com o sinistrado em condições análogas às dos cônjuges há mais de quinze anos, com ele partilhando mesa, leito e habitação, tendo o casal assim formado tido inclusive duas filhas – as demais Recorrentes.
4ª. O sinistrado faleceu no estado de solteiro.
5ª. Acontece, porém, que à data do falecimento do sinistrado a Recorrente F… se encontrava casada com terceiro – L… -, casamento este que mantinha toda a sua plena eficácia jurídica, ou seja, não tinha sido dissolvido ou decretada a separação judicial de pessoas e bens.
6ª. O artº 2020º do Código Civil exige, para serem devidos os alimentos, que a parte falecida não seja casada, pois aí sim haverá um bem jurídico relevante a ser protegido, que se sobreporá ao interesse do outro unido de facto.
7ª. Assim, não se exige que a pessoa que sobreviva e que com o falecido tenha coabitado há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges seja também ela não casada ou que seja separada judicialmente de pessoas e bens.
8ª. Neste contexto desproteger a Recorrente não lhe atribuindo qualquer pensão por morte do seu companheiro é uma solução ilícita e inconstitucional tendo em conta as necessidades das filhas do casal, únicas filhas do falecido A…, e da família vista como um todo, e atendendo que não é essa a consagração do espírito da lei.
9ª. Conquanto não envolva deveres jurídicos de entreajuda, a união de facto comporta os de ordem moral e social, pelo que a convivência marital de longa duração, mais a mais se cimentada com a criação de filhos, bem que não determinando obrigação legal, gera obrigação natural de prestação de alimentos ao companheiro/a, em termos de cabimento da previsão do art.495º, n.º3, do Código Civil.
10ª. Igualmente se passa em relação aos danos morais, os quais igualmente são devidos.
11ª. Os danos não patrimoniais admitem a possível aplicação analógica (art.10-2 do C.C.), ou extensiva (art.11º), do art.1792º que onera o cônjuge culpado com a obrigação de reparar os danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento.
12ª. Quanto à alteração à resposta dada à matéria de facto constante no art. 34º da base instrutória, entende a Recorrente que tal matéria deve ser dada como provada.
13ª. Dos depoimentos das testemunhas inquiridas ao quesito 34º, e cujo depoimento se encontra gravado em C.D., resulta que a referida matéria tem de ser dada como provada.
14ª. Não sendo de tal forma a morte imediata, o inditoso sofreu fortes dores (resposta quesito 35º), resulta que a resposta dada ao art. 34º deve ser alterada.
15ª. Igualmente deve ser alterada a resposta dada ao quesito 58º. Com efeito,
16ª. O falecido auferiu, no mês anterior ao acidente, €2.458,30, conforme documento junto com a petição inicial.
17ª. Por outro lado, resulta que a média mensal do inditoso, no ano anterior ao acidente, não era a constante na alínea G) dos Factos Assentes, isto atento os demais documentos inerentes aos salários auferidos pelo falecido nos 12 (doze) meses anteriores ao acidente, mas sim de €1.516,09.

B- Da ré Seguradora
1ª) Objecto do recurso é a impugnação da factualidade provada sob os quesitos 32º, 33º, 35º, 36º e 37º da BI da acção, acerca da eventual existência de danos morais da própria vítima coetâneos ao momento do seu infortunado decesso;
2ª) Fundamento dessa impugnação são os depoimentos das testemunhas da causa indicadas e/ou transcritos no texto, a saber: as 1ª, 2ª, 5ª e 7ª testemunhas que foram ouvidas em audiências de discussão e julgamento e que são constantes quer das actas respectivas (08.JUL.09 e 18.SET.2009), quer do índice da gravação no sistema informático e/ou CD respectivo;
3ª) Nenhuma delas, nem quaisquer outras – v.g. demais depoimentos que a tais quesitos se não referem -, de entre as ouvidas no julgamento da causa, depuseram por forma a confirmar a matéria de facto constante dos quesitos impugnados e constantes dos itens 19º e 20º da fundamentação factual da sentença recorrida;
4ª) Bem pelo contrário, são as testemunhas supra referidas muito claras nos seus depoimentos, ao referirem que a vítima, tanto quanto se puderam aperceber no local, estava já morta, ninguém a vendo ou ouvindo a respirar, ou a gemer, ou a sofrer ou, ainda, a pedir socorro ou sequer a dar “ais” pela sua vida;
5ª) Não pode, sob pena de actuação contrária à lei – v.g. arts. 341º, 496º e 562º segs. CCivil - , o tribunal considerar provada tal matéria, nem os danos não patrimoniais respectivos como verificados, sem a prova cabal inerente à existência eventual de tais dados de facto;
6ª) Sem essa prova, como sucede in casu, devem tais quesitos ser tidos como não provados, donde resulta que nenhum dano se verificou nem tem de ser indemnizado, enquanto sofrimento moral do próprio lesado – cits. dispositivos legais, ainda, que foram violados;
7ª) Deve reduzir-se de €5.000 o dano da perda de vida pela pessoa do lesado, fixado em quantia exorbitante da que vem sendo concedida aos demais concidadãos em geral e em igualdade de condições, com violação dos princípios da equidade e da igualdade, bem como da jurisprudência comum;
8ª) O mesmo deve dizer-se das quantias fixadas para ressarcimento do dano moral dos menores que perderam o seu progenitor varão, as quais devem ser reduzidas de € 5.000 cada uma, também.

7. Não foram oferecidas contra-alegações.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO.

A. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 11 de Novembro de 2005, pelas 15h00, J… conduzia o veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula 8522CBG, pertencente a F…, SA, com sede em La Guia Atios, em Porriño, Espanha, pela Auto-Estrada nº3, no sentido Norte/Sul, Km 44,550, na freguesia de Vilaça, concelho de Braga, tendo sido interveniente num acidente de viação.
2. O referido J… foi acusado no processo de Inquérito que correu seus termos nos Serviços do Ministério Público de Braga sob o nº1923/05.6TABRG, da 3ª Secção, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p.p. pelo artigo 137º, nº1, do Código Penal, e das contra-ordenações p.p. pelo 24º, nºs 1 e 3, 25º, nºs 1, i) e 2, 27º, nºs 1 e 3 e 28º, nºs 1 e 6, todos do Código da Estrada.
3. A… tinha 43 anos quando faleceu, em 11/11/05, no estado de solteiro, tendo deixado como únicas e universais herdeiras, a sua filha A…, nascida a 09 de Novembro de 2002 e a sua filha J…, nascida a 05 de Julho de 1995, as quais nasceram fruto da relação com a autora, F… , nascida em 30/10/1960.
4. Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o A… fragmentação da calote craniana, esfacelo do encéfalo, fractura do arco médio da 18 à 108 costelas, com disjunção costovertebral, desvio das estruturas do hemotórax à direita para a esquerda, colapso dos pulmões e esfacelo do lobo direito do fígado, as quais lhe provocaram a morte.
5. Após ter ocorrido o acidente de que foi vítima, o A… foi transportado de ambulância para o Hospital.
6. À data da sua morte, A…, auferia a título de salário na Brisa, pelo menos, a quantia de €1.232,65.
7. O local identificado em 1) configura uma recta com a extensão de 1 Km, inclinação ascendente e boa visibilidade, sobre um viaduto; a faixa de rodagem tem a largura de 10,10 metros e divide-se em três vias, com separador central e sentido único.
8. O piso é betuminoso, drenante, de textura muito rugosa, estava em bom estado de conservação e apresentava-se seco, uma vez que estava sol.
9. No referido troço de estrada, a circulação rodoviária estava condicionada pelo corte da via direita, por onde o J… circulava e cuja execução estava cargo da Brisa Conservação de Infra Estruturas, S.A. com vista a permitir a realização de obras de melhoramento nesse local.
10. Esse corte encontrava-se sinalizado através de dispositivos verticais, mais concretamente o sinal ST2 (supressão da via de trânsito) a 1300 metros; o sinal ST4 (desvio de via de trânsito) a 200 metros; o sinal C13 (proibição de exceder a velocidade máxima de 100Km/h), ao Km 44,800 em ambos os lados; o sinal C13 (proibição de exceder a velocidade máxima de 80 Km/h) ao Km 44,600 em ambos os lados; o sinal C14b (Proibição de ultrapassar para automóveis pesados), ao Km 44,600, em ambos os lados; o sinal A4c com fundo amarelo (passagem estreita) ao Km 44,900, do lado direito; o sinal A29 (outros perigos) e, no seu início através do sinal D1 b (sentido obrigatório), dispondo ainda de sinais ET6 (cones), a efectuar a respectiva delimitação.
11. No interior deste corte, mais concretamente ao Km 44,550 da auto-estrada, encontrava-se imobilizado o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 27-45-UN, pertencente à Brisa assinalado através do dispositivo complementar ET13 (seta luminosa) e chapas reflectoras de cor amarela, dispostos na sua retaguarda e ainda com Trafi-lâmpos de cor laranja a funcionar no tejadilho.
12. À frente deste veículo e distando respectivamente oito e três metros do mesmo, encontravam-se J… e A…, ambos funcionários da Brisa, a integrar a execução do aludido corte, na altura a colocar os sinais ET6 (cones) com vista a fazer o seu seguimento.
13. O J… imprimiu ao seu veículo uma velocidade situada entre os 90 Km/h e os 100 Km/h, não tendo contornado o corte de via, e derrubou os cones que faziam a separação das vias, não efectuando qualquer manobra de evasão, tendo embatido com a frente do lado direito do veículo onde seguia na traseira do lado esquerdo do veículo 27-45-UN, empurrando-o à sua frente pela via da direita, fazendo com que este colidisse com as guardas metálicas em cima das quais passou a circular e indo colher e A….
14. Este último foi arrastado numa distância de, pelo menos 11,50m, tendo ficado imobilizado a cerca de 10m dos veículos, mais concretamente ao Km 44,51.
15. O veículo 27-45-UN ficou imobilizado em cima do gradeamento do viaduto ligeiramente à frente do veículo conduzido pelo J…; este, por seu turno, ficou com a roda da frente direita presa ao primeiro, em cima da linha delimitadora da via, junto da placa do hectómetro 44,5, e deixou marcas de travagem no pavimento numa extensão de 52,10m.
16. O J… era empregado da proprietária do 8522-CBG, a firma F…, SA; na altura da colisão, o J… conduzia o 8522-CBG dentro do seu horário de trabalho e estava a exercer a sua relação laboral, obedecendo a ordens e orientações da sua entidade patronal para o efeito.
17. Há mais de quinze anos que a Autora F… vivia com o falecido, e, até à data da sua morte, na mesma habitação, partilhando a mesma cama, relacionando-se afectiva e sexualmente, tomando refeições em conjunto, passeando juntos, tendo o mesmo círculo de amigos, cada um contribuindo com o que auferia para a aquisição de todos os bens alimentares, móveis, electrodomésticos e outros existentes na referida habitação.
18. A Autora cuidava do falecido quando este se encontrava doente e ele dela, auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia, vivendo numa plena comunhão de leito, mesa e habitação, como se marido e mulher fossem e assim sendo reconhecidos e tratados por todas as pessoas com que se relacionavam.
19. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o A… sofreu um grande susto, teve também plena consciência de que, em consequência do acidente, lhe poderiam advir lesões graves e que as mesmas eram susceptíveis de lhe causar a morte; sofreu dores em consequência do choque e das lesões sofridas.
20. Sofreu ainda um grande desgosto e uma profunda angústia, ao pressentir que lhe adviria a morte, por se ter apercebido de que iria abandonar para sempre as Autoras.
21. A vítima A… era um homem saudável, alegre, bem disposto e muito apegado à vida, irradiando permanentemente a sua alegria de viver para aqueles que o rodeavam; dedicava um grande afecto à Autora F… e uma ternura muito especial para com as suas filhas.
22. A vítima e as Autoras sempre se haviam mantido, ao longo das suas vidas, muito unidos, e foram o amparo moral e afectivo uns dos outros.
23. O A… rodeava permanentemente de atenção e dedicava grande amor à Autora F…, bem como um carinho especial às suas filhas, sentimentos esses de que as Autoras careciam e que, por sua vez, retribuíam ao falecido.
24. Daí que o corte abrupto da sua vida lhes tenha causado um profundo desgosto, que as prostrou e as deixou inconsoláveis para o resto das suas vidas.
25. As Autoras coabitavam com a vítima; o decesso do A… acarretou, para as Autoras, um enorme trauma, que foi agravado por saberem que o falecido era muito apegado à vida.
26. As Autoras não conseguem dormir, nem descansar, tendo pesadelos constantes, chorando frequentemente.
27. As autoras necessitaram de acompanhamento psicológico.
28. À data em que ocorreu o acidente, a J… estudava na Escola E.B. de Ponte de Lima, era boa aluna, alegre e bem disposta; com a brusca perda do pai, a menor ficou afectada psicologicamente, chorando frequentemente.
29. Em virtude do falecimento do pai, esta menor sentiu dificuldades de aprendizagem naquele ano lectivo.
30. O falecido A… contribuía para o sustento das autoras no que fosse necessário, bem como para constituir um «fundo» destinado a adquirirem uma casa própria onde pudessem viver.
31. O veículo 27-45-UN, propriedade da Brisa, S.A., estava estacionado dentro do perímetro das obras e era visível, tal como o perímetro de obras e todos os sinais que o assinalavam, a mais de 500 metros de distância.
32. A morte do A… ocorreu ainda no local do acidente.
33. O A… era trabalhador da Brisa Conservação de Infraestruturas,S.A., com a categoria de oficial de obra.
34. No momento em que sofreu o acidente a que se referem os autos, encontrava-se, precisamente, no seu tempo e local de trabalho, a proceder à colocação e montagem da sinalização das obras de reparação na auto-estrada.
35. A Brisa participou à Interveniente o acidente de trabalho, o que deu azo ao processo especial de acidente de trabalho que actualmente corre os seus termos sob o nº 1142/05.1TTBRG pela Secção Única do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo.
36. A Interveniente e demais co-seguradoras não se conciliaram com a autora F…, tendo-se conciliado apenas com as autoras filhas, estando a pagar à J… e à A… as pensões anuais e temporárias (até que perfaçam 18 ou 22 e 25 anos de idade, consoante frequentarem o ensino secundário, curso equiparado ou o ensino superior) de 3.220,62€, a cada uma.
37. Tendo-lhes pago igualmente as quantias de 4.496,40€ a título do subsídio por morte.
38. A autora F… é divorciada desde 4 de Dezembro de 2006.
39. A “F…, SA” havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação do 8522-CBG para a Companhia de Seguros A…, aqui Ré, mediante a apólice em vigor à data do acidente, com o nº 016185810;
40. Através da apólice nº3055875 do Ramo de Acidentes de Trabalho, a “Brisa Conservação de Infra-estruturas, Sa”, entidade patronal do falecido A…, havia transferido para a interveniente, como líder em contrato de co-seguro, a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho que os seus trabalhadores sofressem em serviço.
41. Na sequência da qualificação do evento ocorrido com o inditoso falecido como acidente de trabalho, a “Companhia de Seguros F…, Sa”, para a qual a Brisa havia transferido a obrigação de pagamento dos danos decorrentes de acidente para os seus trabalhadores, pagou às autoras J… e A… a quantia global de €27.032,21, entre 12.11.2005 e 18.09.2009, a título de subsídio por morte e pensões anuais e temporárias.
***
Tenha-se, agora, presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil).

Por razões de ordem sistemática - posto que ambos os recursos impugnam a matéria de facto - abordá-los-emos primeiramente sob este prisma e de modo conjunto, só após se passando às questões de direito que cada um deles suscita.
(…)

Apreciemos, agora, à luz das regras jurídicas, cada uma das apelações, começando pela da ré.
Coloca três pretensões, todas com sede no quantum indemnizatório, dizendo que deve ser retirada a verba de €15.000,00 atribuída pelo sofrimento moral da vítima e deve reduzir-se de €5.000,00 o dano da perda de vida, bem como o dano moral de cada menor.
A primeira delas tinha como pressuposto a alteração da factualidade provada – que não ocorreu – e, portanto, o entendimento de que, não se tendo provado aqui o dano, faltava um dos pressupostos do dever de indemnizar.
Entendendo-se diferentemente, provado o dano, é de manter o decidido.
A segunda das questões tem a ver com o valor fixado pela lesão do direito à vida, fixado pelo Tribunal a quo em €65.000,00. A recorrente tem como adequado €60.000,00.
Segundo dizem P.Lima e A. Varela (Código Civil Anotado, vol.I, 2ªed., pag.435) “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado...segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
Ensina também Leite de Campos (A Indemnização do Dano da Morte, pag.12) que nos danos não patrimoniais “a grandeza do dano só é susceptível de determinação indiciária fundada em critérios de normalidade. É insusceptível de determinação exacta, por o padrão ser constituído por algo qualitativo diverso como é o dinheiro, meio da sua compensação. Aqui, mais do que nunca, nos encontramos na incerteza, inerente a um imprescindível juízo de equidade.”
Visa a lei, no dano não patrimonial, proporcionar ao lesado uma compensação para os sofrimentos que a lesão lhe causou, contrabalançando o dano com a satisfação que o dinheiro lhe proporcionará (Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª ed., pag.115).
Sem se cair em exageros, a indemnização “deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico,” (Ac. da RL de 15.12.94, CJ 1994, tomo V, pág. 135) impondo-se que a jurisprudência caminhe seguramente para indemnizações não miserabilistas.
Consultados vários arestos do nosso mais elevado Tribunal, acessíveis no ITIJ, verificamos que a quantia arbitrada na sentença se enquadra dentro dos valores ali encontrados, acrescendo que a vítima, sendo um homem saudável, em nada contribuiu para o evento lesivo.
Considera-se adequado manter a quantia antes arbitrada.
Finalmente, quanto aos danos das autoras decorrentes da perda do pai, o nosso juízo é o de que são équos os montantes atribuídos.
Estamos perante duas crianças (uma nascida em 1995 e outra em 2002), que muito cedo ficaram privadas do convívio, amparo e carinho que todo o pai normal – como era – proporciona, apresentando pesadelos e choros constantes e com um vazio que por muitos anos sentirão.
São, por isso, de manter os valores consignados na sentença recorrida.

Entremos, finalmente, aspecto jurídico do recurso da autora F…:
Está provado que, há mais de quinze anos e até à data da sua morte, ela vivia com o falecido na mesma habitação, partilhando a mesma cama, relacionando-se afectiva e sexualmente, tomando refeições em conjunto, passeando juntos, tendo o mesmo círculo de amigos, cada um contribuindo com o que auferia para a aquisição de todos os bens alimentares, móveis, electrodomésticos e outros existentes na referida habitação.
Era ela quem dele cuidava quando este se encontrava doente e ele dela, auxiliando-se mutuamente no dia-a-dia, vivendo numa plena comunhão de leito, mesa e habitação, como se marido e mulher fossem e assim sendo reconhecidos e tratados por todas as pessoas com que se relacionavam.
O A… rodeava permanentemente de atenção e dedicava grande amor à Autora F…, bem como um carinho especial às suas filhas, sentimentos esses de que as Autoras careciam e que, por sua vez, retribuíam ao falecido.
Daí que o corte abrupto da sua vida lhe tenha causado um profundo desgosto, que a prostrou e a deixou inconsolável para o resto da sua vida.
Não consegue dormir, nem descansar, tendo pesadelos constantes, chorando frequentemente, tendo necessitado de acompanhamento psicológico.
A autora F… é divorciada desde 4 de Dezembro de 2006, portanto, após a morte da vítima do acidente.

Esta autora havia reclamado uma indemnização de €50.000,00 pelo desgosto sofrido com a perda do companheiro e de €100.000,00 por alimentos.
O Sr. Juiz a quo indeferiu ambas as pretensões. Entendeu que o nº2 do artº 496º do Código Civil não contempla a figura da união de facto e que a circunstância de a recorrente ainda se encontrar casada à data do evento lesivo impedia a atribuição de alimentos, uma vez que os poderia pedir ao, então ainda, seu cônjuge.
Contra este entendimento se insurge agora a recorrente.
Fugindo à regra de que é o próprio titular do direito substantivo o credor da respectiva indemnização, o artº 495º do Código Civil estabelece no seu nº3 que, em caso de morte, têm, igualmente, direito a indemnização as pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
O conceito de alimentos abrange tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário das pessoas – artº 2003º do mesmo diploma.
Por seu turno, o artº 2020º preceitua que aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges têm direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artº 2009º
A Lei 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto, regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos.
É o caso da apelante, que vivia com o falecido há mais de 15 anos nas circunstâncias que acima se enunciaram.
De acordo com o artº 6º, nº1, da citada lei, «beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e),f) e g) do artº 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020º do Código Civil».
Porém, agora por força do seu artº 2º, al.c), são impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da dita lei o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens.
Já após o acidente destes autos, foi publicada a Lei 23/2010, que se invoca na medida em que poderá demonstrar a vontade do legislador em manter como factor impeditivo da aludida protecção a existência de casamento anterior não dissolvido.
Esta lei, no seu artº 2º, al.c), volta a estabelecer que impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto, o casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens.
Portanto, na senda do que ficou consignado na sentença recorrida, poder-se-ía defender que continuando a recorrente casada com terceira pessoa, ocorria quer o impedimento consignado na Lei 7/2001, quer o estabelecido no artº 2020º do Código Civil.
E, nessa sequência, a recorrente vem invocar a inconstitucionalidade da interpretação que deles foi feita pelo Tribunal a quo, por considerar que ofende o princípio da igualdade, discrimina os filhos fora do casamento e desvalora-se a protecção da família.
Estaria, à primeira vista, em causa a indemnização do direito a alimentos da recorrente, enquanto pessoa que vivia em união de facto.
Nesse domínio, teria pertinência a análise da invocada inconstitucionalidade, que, aliás, tem dividido a nossa jurisprudência.
Acontece que, salvo melhor opinião, não é esse a sede da questão que ora nos ocupa.
Na verdade, não só se provou que a apelante vivia com o falecido há vários anos, tendo duas filhas em comum, como - mais importante - provou-se ainda que aquele contribuía para o seu sustento no que fosse necessário.
Volvendo ao artº 495º, tenha-se presente que por obrigação natural deve entender-se a obrigação que se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça (art. 402º do C. Civil). Como refere Almeida Costa (“ Obrigações”, IV, pp.143) “… as obrigações naturais constituem casos intermédios entre os puros deveres de ordem moral ou social e os deveres jurídicos. Os primeiros fundamentam liberalidades, os últimos consubstanciam obrigações civis munidas de acção..”.
Portanto, mesmo a entender-se que a recorrente não titulava um direito a ser indemnizada por ainda se encontrar casada e não separada, é inquestionável que recebia da vítima alimentos, pelo que, mesmo nesta tese, sempre se concluiria pela verificação daquele direito, de acordo com a parte final do artº 495º, dado já estar a receber alimentos no cumprimento de uma obrigação natural.
No âmbito do cumprimento de uma obrigação natural, a questão da união de facto é totalmente irrelevante para a aplicação do artº 495º do Código Civil, que para ali não se coloca.
Sendo assim, em caso de morte, a pessoa que do decesso recebia alimentos tem direito a ser ressarcido em conformidade, ao abrigo do disposto no artº 495º, nº 3, do Código Civil.
Os danos indemnizáveis ora em questão são, desde logo, constituídos por tudo quanto o lesado directo efectivamente prestava, e com toda a probabilidade continuaria a prestar à apelante.
Acontece que os autos não fornecem factos bastantes para o respectivo cálculo, desde logo porque se desconhece a medida dessa contribuição.
Dispõe o artº 661º, nº2, do Código de Processo Civil que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o Tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
A propósito de preceito de conteúdo idêntico ao vigente, escreve o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol.V, pag.70) que, aqui, «o tribunal encontra-se perante esta situação: verificou que o réu deixou de cumprir determinada obrigação ou praticou certo facto ilícito; quer dizer, reconhece que tem de o condenar; mas o processo não lhe fornece elementos para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face destes factos, nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença».
Relega-se, assim, para liquidação em execução o valor a pagar pela ré à apelante.

Resta, agora, apreciar se a autora F… deve, ainda, ser ressarcida pelo dano moral sofrido com a morte do seu companheiro de facto, o mesmo é dizer, se a situação se enquadra no âmbito do artº 496º, nº2, do Código Civil, na redacção ao tempo vigente.
Segundo aquele preceito, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
Está em causa nesta categoria de danos (danos morais) um núcleo de pessoas que, no critério da lei, e aproximando-se a uma norma de ordem natural, são aquelas que mais, em princípio, poderão ter sofrido moral, afectiva e emocionalmente, com a perda do falecido.
Como faz notar Antunes Varela (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2ªed., I, pág.474), pode suceder que a morte da vítima cause ainda danos não patrimoniais a outras pessoas, não contempladas na graduação que faz o nº2, tal como pode acontecer que esses danos afectem as pessoas abrangidas na disposição legal por uma forma diferente da ordem de precedências que o legislador estabeleceu. Mas este é um dos aspectos em que as excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito.
Porque a norma não contemplava expressamente as uniões de facto, suscitou-se, por diversas vezes, a controvérsia de saber se ocorria desconformidade constitucional ao estabelecer diferenciação, para efeitos de atribuição de compensação por danos não patrimoniais, entre a situação do cônjuge (não separado judicialmente de pessoas e bens) e da pessoa que vivia com a vítima em união de facto.
A este propósito, no âmbito de processo de natureza penal, o Tribunal Constitucional assim veio a concluir, no acórdão 275/2002, datado de 19 de Junho.
Segundo ele, « A aplicação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado tem sido reconduzida à censura de distinções sem fundamento racional, justo ou objectivo (veja-se, no direito privado, e a propósito do direito da família, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 3ª ed., Coimbra, 1985, págs. 78-80 e 148, nota 2)».
E, nessa senda desse entendimento, aí se diz que «a diferenciação entre o cônjuge e a pessoa que convivia com a vítima em união de facto estável e duradoura, para o efeito de excluir a possibilidade de compensar os danos não patrimoniais sofridos por esta última com a morte da vítima, é destituída de fundamento razoável».
Ainda segundo o mesmo aresto, «Na norma em questão trata-se, antes, de compensar um dano – e um dano normalmente de grande gravidade, consistente em sofrimentos e dores, cuja compensação "merece a tutela do direito", sendo "indemnizável" nos termos do regime geral do artigo 496º, nº 1, do Código Civil».
Outros havia – julga-se que a maioria -, porém, para quem a letra da lei excluía da titularidade do direito a indemnização por danos não patrimoniais próprios, quer quaisquer pessoas nela não referidas, quer, de entre as referidas, as que resultem afastadas pela precedência da respectiva graduação, excluindo, assim, o “cônjuge de facto” (cf., por exemplo, Ac. do STJ de 24.05.05, www.dgsi.pt).
Baseados nos ensinamentos de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (Curso de Direito da Família), segundo os quais casamento e união de facto são situações materialmente diferentes, o desfavor ou protecção da união de facto relativamente ao casamento é objectivamente fundado, justificando-se até onde seja um meio proporcionado de favorecer o estabelecimento de uniões estáveis ou potencialmente estáveis, no interesse geral.
Posto que as pessoas que vivem em união de facto não têm os mesmos deveres, a inexistência dos mesmos direitos das pessoas casadas não traduz diferente tratamento e viola o princípio da igualdade, que só quer tratar como igual o que é igual e não o que é diferente.
Acontece que, ao julgador, não se permite senão aplicar a lei de acordo com o que julga ser a interpretação que melhor se adequa à vontade do legislador.
E essa vontade é, inquestionavelmente, um reflexo do tempo em que se exprimiu, fruto de evolução de valores e ideias sociais de que não pode alhear-se.
Porém, na produção legislativa, principalmente na consagração jurídica de novas realidades, a construção de determinado instituto jurídico vai-se fazendo paulatinamente, à medida da percepção de todas as situações em que ela se reflecte.
Assim foi acontecendo com a união de facto.
Começou pela Constituição de 1976, consagrando a constituição de família não fundada no matrimónio, passando, depois, para o DL 496/77 que veio conceder relevância à convivência há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.
Mais tarde, a Lei 46/85 permitiu a transmissão da posição de arrendatário para o que, no momento da morte daquele, com ele vivia há mais de 5 anos em condições análogas às dos cônjuges.
Vieram, depois, a Lei 135/99, que definiu a união de facto como a situação jurídica das pessoas de sexo diferente que vivem em união de facto há mais de dois anos e a Lei 7/2001 que revogou aquela e alargou a noção por forma a torná-la independente do sexo das pessoas em causa.
Esta última vigorava ao tempo da morte ocorrida em consequência do acidente em causa nos autos.
Finalmente, pondo cobro a esta divisão jurisprudencial, a Lei 23/2010, veio acrescentar à norma do artº 496º, agora em análise, que se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes (nº3).
Este último diploma vem, julgamos nós, dar razão aos que já anteriormente entendiam não ocorrer razões ponderáveis para tratar diferentemente - na dor de perda de ente querido – o cônjuge e a pessoa que vive em união de facto.
Mesmo sem ele, o Tribunal Constitucional, no acórdão citado, fazia apelo a critérios de relação estável que, sendo discutíveis por conterem uma carga de subjectividade, estão, sem dúvida, presentes no caso em apreço, pois que o falecido vivia há 15 anos com a autora e tinham já duas filhas em comum.
Assim, se outra razão não houvesse, inclinar-nos-íamos para julgar procedente a pretensão de indemnização da recorrente, ao abrigo do artº 496º do Código Civil.
Acontece que a improcedência ocorrida na 1ª instância teve por fundamento a existência de casamento anterior não dissolvido.
Segundo o estatuído no artº 2º, c), da Lei 7/2001, são impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da mesma, além de outros, o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens – al.c).
Mais tarde, no exacto momento em que elabora lei que contempla a tutela dos danos morais decorrentes da perda do companheiro, o legislador continua a considerar como causa impeditiva dessa mesma tutela a existência de casamento não dissolvido salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens. É o que decorre da Lei 23/2010 e do seu artº 2º, onde se estatui que impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto, o casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens - al.c).
Daí que se mostre acertada a decisão recorrida nesta parte, com fundamento em ocorrência de causa legal impeditiva.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em:
a) julgar parcialmente procedente a apelação da autora e condenar a ré a indemnizá-la pela perda dos alimentos que recebia do falecido, em montante a liquidar no incidente respectivo;
b) julgar totalmente improcedente a apelação da ré;
c) confirmar em tudo o mais a sentença recorrida.

Custas da apelação da autora por ambas as partes, fixando-se em 1/3 para a autora e 2/3 para a ré.
Custas da apelação da ré, por esta.

Guimarães, 12 de Maio de 2011
Raquel Rego
Mário Brás
António Sobrinho

Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora):
I – Estando provado que o falecido contribuía para o sustento da companheira no que fosse necessário, é inquestionável que daquele recebia alimentos no cumprimento de uma obrigação natural.
II - Sendo assim, tem de ser ressarcida em conformidade, ao abrigo do disposto no artº 495º, nº3, do Código Civil.
III – De acordo com a lei 7/2001, sendo a mesma casada ao tempo do falecimento, não lhe assiste o direito de indemnização por danos morais consagrado no artº 496º, nº2, do Código Civil.