Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
481/10.4TBCBT-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: PRESCRIÇÃO
CRIME
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A possibilidade de o lesado exigir a reparação civil que lhe é devida, fora do prazo normal da prescrição, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil não está subordinada à condição de simultaneamente ocorrer procedimento criminal contra o lesante, baseado nos mesmos factos.
II - Para que a acção cível seja ainda admitida em tais condições, basta, nos termos da disposição legal em foco, que o facto ilícito gerador da responsabilidade constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeita a um prazo mais longo do que o estabelecido para a acção cível.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 481/10.4TBCBT-A.G1

I – Na acção que Luís… instaurou contra a Companhia de Seguros… foi proferido despacho saneador no qual se decidiu a invocada excepção de prescrição, do seguinte modo:

(…) Desta forma, logrou o autor obstar à prescrição do direito de indemnização interrompendo o decurso do prazo prescricional antes do seu termo, nos termos do disposto no citado artigo 323º, n.º 1 do Código Civil.
Face ao exposto, improcede integralmente a excepção peremptória da prescrição invocada pela ré.

Inconformada a ré interpôs recurso, cujas alegações de fls. 2 a 8 terminam com as seguintes conclusões:
Estamos perante um sinistro de viação que ocorreu em 20/9/05, tendo o autor 5 anos mais tarde intentado a respectiva acção de reembolso indemnizatória contra a ora recorrente, tendo esta sido citada em 20/09/2010, isto é exactamente 5 anos decorridos após a verificação do sinistro.
O autor na sua petição, em momento algum consubstancia os factos em causa na prática de um ilícito criminal. E foi precisamente pela omissão dessa especificação no texto da petição inicial que a recorrente alegou a excepção de prescrição do direito invocado pelo autor, pois estava este onerado a especificar que factos consubstanciadores do acto lesivo eram susceptíveis de integrar um tipo de crime, para que pudesse beneficiar de um prazo de prescrição mais longo do que o aplicável nas acções cíveis.
Posto que tem entendido a jurisprudência que compete ao lesado que pretende prevalecer-se do prazo previsto no n.º 3 do artigo 498º do CC alegar e demonstrar que o facto ilícito invocado como fundamento da responsabilidade civil, integraria o tipo legal de crime (neste sentido Ac. do STJ de 7/12/93, BMJ 332, pág. 459.
Por último, uma vez que o autor aproveitou impropriamente um expediente processual para sanar a omissão do dever de alegação que deveria ter apresentado na petição inicial, não constituindo a réplica junta aos autos uma verdadeira resposta à excepção, mas sim um aperfeiçoamento da p.i. que está dependente de convite judicial, tal requerimento não deveria ter sido admitido.

Não foram apresentadas contra-alegações.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 684º e 685-A Código de Processo Civil -.
**
O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete - artigo 498º, n.º 1 do Código Civil.
De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
O procedimento criminal pelo crime previsto no artigo 148º do Código Penal prescreve logo que decorram cinco anos sobre a sua prática – artigo 118º, n.º alínea e) do Código Penal.
O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido - artigo 306º, n.º 1 do Código Civil – e interrompe-se, além do mais, pela citação do obrigado nos termos do n.º 1 do artigo 323º do mesmo código, ou nos termos do n.º 2 deste artigo.
“A possibilidade de o lesado exigir a reparação civil que lhe é devida, fora do prazo normal da prescrição, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil não está subordinada à condição de simultaneamente ocorrer procedimento criminal contra o lesante, baseado nos mesmos factos. Para que a acção cível seja ainda admitida em tais condições, basta, nos termos da disposição legal em foco, que o facto ilícito gerador da responsabilidade constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeita a um prazo mais longo do que o estabelecido para a acção cível “ – Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7º ed., pág. 651.

Conforme alegado pelo recorrido, em 20/09/05, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo de matrícula 35-13-XB pertencente ao autor e o veículo de matrícula 71-51-ZQ, pertencente à Sociedade… , Ldª, segurada na ré.
Em consequência do acidente e do embate daquele veículo no veículo do recorrido, que, segundo este ficou a dever-se a uma manobra inopinada do condutor do outro veículo, o autor sofreu lesões que lhe demandaram incapacidade para o trabalho. Também em consequência do acidente o recorrido para além dos vários ferimentos, ficou a sofrer de uma IPP de 9,79%.

Dispõe o artigo 148º, n.º 1 do Código Penal que “quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa”.

Conforme dispõe o artigo 15º do Código Penal, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime , mas actua sem se conformar com essa realização ou não chega sequer a representar a possibilidade de realização do acto.
Como refere o Prof. Antunes Varela “ agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou a censura do direito. A conduta do agente é reprovável quando pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas das situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo – ob. citada, pág. 554.
Incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão salvo havendo presunção legal de culpa - artigos 487º, n.º 1 e 2.
Conforme resulta da petição inicial, foi alegado que o recorrido sofreu os diversos ferimentos em consequência da conduta do condutor da segurada na ré que consubstanciam a prática de um crime p. e p. pelo artigo 148º do Código Penal, pelo que, o prazo de prescrição é de cinco anos.
Na petição inicial foram alegados os factos tendendentes a demonstrar o facto ilícito, como seja o embate, as lesões sofridas e a negligência do condutor do veículo 71-51-ZQ – artigos 17º, 18º, 28º, 29º, 30º, 33, 34 - e tanto basta para se concluir que o prazo de prescrição é de cinco anos.
Assim, o prazo para a propositura da acção terminava 21 de Setembro de 2010, data em que já tinha sido citada a ré.
**

Sumário: I - A possibilidade de o lesado exigir a reparação civil que lhe é devida, fora do prazo normal da prescrição, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil não está subordinada à condição de simultaneamente ocorrer procedimento criminal contra o lesante, baseado nos mesmos factos.
II - Para que a acção cível seja ainda admitida em tais condições, basta, nos termos da disposição legal em foco, que o facto ilícito gerador da responsabilidade constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeita a um prazo mais longo do que o estabelecido para a acção cível
**
III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 29 de Setembro de 2011.
Conceição Bucho
Antero Veiga
Raquel Rego