Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1212/09.7TBVCT.G1
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- No contrato de empreitada o objecto da prestação é a obra como resultado final da aplicação de todos os seus componentes, incluindo o serviço nela incorporado.
II- Logo, não lhe são aplicáveis as disposições previstas no Decreto-Lei n.º 67/2003.
III- As disposições do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril não afastam a aplicação das normas dos artigos 1218.º a 1226.º do Código Civil, designadamente no que se refere aos prazos de caducidade aí previstos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Américo ….., intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário contra Pacheco ……..Lda, J. M ..…., Ldª, e Carlos ….., pedindo que o Tribunal condene todos os Réus a substituir as peças usadas e sem certificado de origem por cada um deles aplicadas na reconstrução do veículo MO, por peças novas e de origem de marca.
Caso assim não se entenda, que o Tribunal reconheça que o Autor tem direito à redução do preço total pago pela reconstrução do veículo, valor esse a determinar em execução de sentença.
Pede, ainda, que o Tribunal condene todos os Réus a eliminar os defeitos que se verificaram no referido veículo e indicados nesta petição.
Pede, por fim, que o Tribunal condene as Rés Pacheco ….., Ldª e J. M..…. Ldª a restituir-lhe o valor de € 1.836,73 que lhe cobraram por duas vezes pelas mesmas peças, bem como a pagar-lhe os juros de mora vencidos, os quais, até à data da propositura da acção, ascendem ao montante de € 538,88, e os vincendos.
Alega, para o efeito e em síntese, em Abril de 2004, decidiu mandar reparar o veículo automóvel antigo de que é proprietário, marca Austin, matrícula MO-... do ano de 1967, o qual se encontrava em mau estado a nível de mecânica, interiores, chaparia e pintura.
Definiu logo para si que a reparação deveria ser perfeita e com peças originais da marca Austin e por forma não só a manter a genuidade do veículo, como também por forma a ficar a circular em condições normais.
Em Maio de 2004, contactou o representante da ré “Pacheco …..”, José ….., informando-o do tipo de veículo e da reparação a que o queria sujeitar. Disse ao José …. que se tinha decidido a reparar o veículo por uma questão sentimental e por isso a reparação deveria ser feita com peças de origem e o veículo ficar em perfeitas condições de circulação. O José ….. entendeu na perfeição esses motivos do autor e dispôs-se a levar a cabo a reparação desse veículo nas exactas condições que o autor lhe tinha transmitido. Nessa sequência, o José Manuel inspeccionou efectivamente esse veículo as vezes, quando e como entendeu necessário.
No dia 13.10.2004 o autor contratou por fim com o José ….. a reparação total do referido veículo com peças novas e de origem e por forma a que o mesmo ficasse a circular em perfeitas condições.
Em Junho de 2006, o José …. deu conhecimento ao autor de que tinha pronta a parte de chaparia e pintura do veículo e ainda que tinha encarregue a ré “J.M …, Lda” de efectuar a reparação de toda a parte mecânica do veículo e incumbido o réu Carlos Carmo de fazer os estofos e interiores do mesmo.
Sucede que, a ré “J. M. …., Lda” e o réu Carlos …. receavam que a ré “Pacheco ….” não viesse a pagar-lhes o custo dos respectivos serviços e por isso não davam mostras de adiantar a reconstrução a seu cargo. A fim de ultrapassar este problema o autor e a ré “Pacheco …” acertaram em aquele pagar directamente à ré “J. M. …., Lda” e ao réu Carlos …. o trabalho de reparação atribuído pela ré “Pacheco ….” a cada um deles. Nestas condições o autor pagou directamente à ré “J. M. …., Lda” o total de € 11 628,17 e ao réu Carlos …. pelos serviços de estofador e todos os demais serviços por ele prestados no interior do veículo a quantia de € 2 250,00.
O veículo MO-... veio a ser entregue ao autor pelas rés “Pacheco ….” e “J. M. …, Lda” em 30.04.2007. Nessa altura todos os réus asseguraram ao autor que o veículo se encontrava reconstruído na perfeição, com peças novas e de origem e em perfeito estado de funcionamento.
Logo no mês de Maio de 2007 o autor detectou que o veículo apresentava alguns defeitos. A partir dessa altura o autor à média de pelo menos uma vez por mês reclamou repetidamente com os réus por escrito, pessoalmente e por telefone, instando-os a proceder às reparações necessárias. Os réus foram prometendo sucessivamente que efectuariam a reparação de todos esses defeitos, mas não o fizeram até ao dia de hoje. E por isso o veículo continua ainda nesta data a apresentar esses mesmos defeitos.
O autor soube agora que a grande maioria das peças empregues pelos réus na reconstrução do veículo afinal não são novas e de origem, mas sim peças usadas e sem certificado de origem.
O autor apurou agora também pelo confronto entre os dois orçamentos elaborados pela co-ré “J. M. …, Lda” e a factura emitida pela ré “Pacheco ….” que cada uma destas rés lhe debitou e se pagou das mesmas peças. O autor pagou assim duas vezes as mesmas peças, cujo valor ascende a € 1.836,73.
Contestaram os Réus, deduzindo defesa por impugnação, sendo que a Ré “J. M. ….., Ldª” e a Ré Pacheco ….., Lda vieram deduzir a excepção da caducidade do exercício do direito invocado pelo Autor.
O Autor apresentou resposta, na qual respondeu à excepção de caducidade invocada pelas Rés e concluiu nos exactos termos descritos na petição inicial.
Organizada a base instrutória, realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos foi proferida sentença que decidiu nestes termos:
“Pelo exposto, atentas as declarações expendidas e as normas legais citadas, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, decide-se:
- absolver a Ré “Pacheco …., Ldª” dos pedidos contra si formulados;
- condenar a Ré “J. M. …., Ldª” a proceder à eliminação dos seguintes defeitos apresentados pelo veículo automóvel de marca “Austin”, matrícula MO-...: do barulho, proveniente de algum apoio partido ou do escape, que o veículo apresenta quando em andamento e especialmente ao curvar; da pouca força que o motor da viatura atinge; da proximidade existente entre os pedais da embraiagem, travão e acelerador; das fugas de óleo pelas transmissões e cárter que o motor apresenta;
- condenar o Réu Carlos ….. a proceder ao ajustamento dos vidros laterais do veículo automóvel de marca “Austin”, matrícula MO-..., por forma a que estes funcionem sem dificuldade;
- condenar a Ré “J. M. ….., Ldª” a pagar ao Autor Américo ….. a quantia de € 1.245,86 (mil duzentos e quarenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, á taxa legal, contados desde a data de citação até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada, a Ré J. M. ….., Lda., apelou.
Conclui as suas alegações do seguinte modo:
1 - Resulta provado que o autor teve conhecimento dos defeitos do veículo em Maio de 2007 e que os comunicou à Ré "J.M. …., Lda." em altura não concretamente apurada, mas anterior ao final do ano de 2007, defeitos que são os que constam do artigo 28º da p.i., ou seja, os defeitos que existiam em Maio de 2007 são os mesmos que existiam à data da propositura da acção (artigo 31º da p.i.).
2 - Tendo o autor denunciado os defeitos antes do fim do ano de 2007 e dado entrada com a presente acção apenas em 20 de Abril de 2009, caducou o direito de acção, por ter sido excedido o prazo limite de um ano para o exercício do direito após a denuncia estabelecido no artigo 1224º do Cód. Civil.
3 - O exercício dos direitos a que se refere o artigo 1224º do Cód. Civil tem de ser feito judicialmente com a instauração da respectiva acção judicial, não sendo o seu exercício extrajudicial impeditivo da caducidade desse direito.
4 - O artigo 1224º do Cód. Civil estipula o prazo de um ano para interpor a acção judicial após a denúncia dos defeitos, sob pena de caducidade.
5 - Para além do prazo de garantia de dois anos (artigo 1224º nº 2, 2ª parte) a lei estabelece o prazo de um ano para interpor a acção judicial, prazo esse que se conta da recusa da aceitação, da aceitação com reserva ou sendo os defeitos ocultos, da respectiva denúncia (artigo 1224º nºs 1 e 2,1ª parte).
6 - Tendo o autor denunciado os defeitos, que conhecia, antes do fim do ano de 2007, quando instaurou a presente acção, em 20 de Abril de 2009, já havia decorrido o prazo limite de um ano dentro do qual deveria ter exercido o seu direito, tendo, assim, caducado o direito de acção do autor, caducidade que a Ré expressamente arguiu.
7 - O prazo para a propositura da acção para exercício dos direitos de eliminação e reparação dos defeitos conta-se a partir da data da primeira denúncia dos defeitos (ocorrida antes do fim do ano de 2007) sendo irrelevantes quaisquer outras denúncias ou comunicações feitas posteriormente (nomeadamente as missivas de Fevereiro e Agosto de 2008) sob pena de fraude à lei e de se alongar ad eternum o prazo para a propositura da acção judicial, com violação do principio da confiança, segurança e estabilidade jurídicas.
8 - Deve, pois, ser julgada provada e procedente a excepção da caducidade arguida pela Ré "J.M. ….., Lda." com as legais consequências, nomeadamente absolvendo-a do pedido e da condenação na eliminação dos defeitos no veículo automóvel do autor.
9 - Face aos factos provados não pode nem deve a Ré "J.M. …., Lda." ser condenada a pagar ao autor a quantia de 1.245,83 € ou qualquer outra, tanto mais que conforme se refere na douta sentença recorrida o Tribunal não apurou nem teve conhecimento a que título foi feita pela Ré "Pacheco …., Lda." à Ré "J.M. …., Lda." a cedência das peças.
10 - Não se descortina dos orçamentos apresentados pela Ré "J.M. …., Lda." de fls. 22 a 29 a duplicação das peças e valores que constam da factura emitida pela Ré "Pacheco …., Lda." e junta a fls. 31 dos autos.
11 - As peças referidas no ponto 21 dos factos provados da douta sentença recorrida e que atingem o valor de 1.245,86 € (referido no ponto 22 da douta sentença) constam expressamente e apenas da factura de fls. 31 emitida pela Ré "Pacheco …, Lda." em Agosto de 2007, ou seja, posteriormente à entrega do veículo ao autor e após os pagamentos feitos pelo autor à ré recorrente.
12 - Havendo duplicação de peças e valores seria sobre a Ré "Pacheco ….., Lda." que recairia a obrigação de restituir tais valores ao autor, devendo tal questão ser resolvida entre ambos.
13 - De resto, como ficou provado, o autor depois de ter cortado relações com a Ré "Pacheco …., Lda." contactou directamente a Ré "J.M. …., Lda." dizendo que as despesas das peças e trabalhos por esta efectuados lhe seriam pagos directamente pelo autor e que todos os contactos deveriam ser feitos com este.
14 - Face aos factos provados não há razão nem fundamento legal para condenar a Ré "J.M. …., Lda." a pagar ao autor o valor de 1.245,86 € ou qualquer outro.
15 - Deve, assim, a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré "J.M. …., Lda." do pedido, com as legais consequências.
16 - A douta decisão recorrida violou e viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 298º nº 2, 331º, 1220º e 1224º do Cód. Civil.
NESTES TERMOS e mais de direito aplicáveis que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a douta decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que absolva a Ré "J.M. …., Lda." dos pedidos, com as legais consequências.
Contra-alegando, o Recorrido pugna pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - Em data não concretamente apurada do ano de 2004, o Autor decidiu mandar reparar o veículo automóvel antigo de que é proprietário, marca “Austin”, matrícula MO-..., do ano de 1967.
2 - Este veículo encontrava-se, então, em mau estado a nível de mecânica, interiores, chaparia e pintura, quer por causa da sua idade, quer porque já não circulava há alguns anos.
3 – O Autor resolveu reparar esse veículo essencialmente por uma questão sentimental, dado tratar-se do seu primeiro veículo.
4 - Um familiar do Autor indicou a Ré “Pacheco ….., Ldª” como a oficina que poderia levar a cabo a reparação desse veículo.
5 - Em data não concretamente apurada do ano de 2004, o Autor contactou o representante da Ré “Pacheco…., Ldª”, José ……, informando-o do tipo de veículo e da reparação a que o queria sujeitar.
6 - O Autor disse ao José …… que se tinha decidido a reparar o veículo por uma questão sentimental e, por isso, a reparação deveria ser feita com peças novas e o veículo ficar em perfeitas condições de circulação.
7 - O José …. entendeu na perfeição esses motivos do Autor e dispôs-se a levar a cabo a reparação desse veículo nas exactas condições que o Autor lhe tinha transmitido.
8 - No mês de Abril de 2006, o José …. deu conhecimento ao Autor de que tinha pronta a parte de chaparia e pintura do veículo.
9 - O legal representante da Ré “Pacheco …., Ldª” encarregou a Ré “J. M. …., Ldª” de efectuar a reparação de toda a parte mecânica do veículo e incumbiu o Réu Carlos ……. de reparar os estofos e interiores do mesmo.
10 - O Autor pagou directamente à “J. M. …., Ldª” o total de € 11.628,17, nas seguintes datas: € 6000 em 22 de Agosto de 2006, por cheque sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos; € 5000 em 30 de Abril de 2007, por cheque sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos; € 628,17 (€ 290,97 + € 337,20) em 30 de Abril de 2007, em numerário.
11 – A “J. M. …., Ldª” não procedeu à entrega ao Autor das facturas relativas a tais pagamentos.
12 - O Autor pagou directamente ao Réu Carlos …., pelos serviços de estofador e todos os demais serviços por ele prestados no interior do veículo, a quantia de € 2.250.
13 - O Réu Carlos …. não procedeu à entrega ao Autor da factura correspondente a esses serviços e custo dos mesmos.
14 - O veículo MO-... veio a ser entregue ao Autor pela “J. M. …, Ldª” em data não concretamente apurada do mês de Abril de 2007.
15 - Nessa altura, a “J. M. …., Ldª” assegurou ao Autor que o veículo se encontrava devidamente reconstruído, com peças novas e algumas de origem e em bom estado de funcionamento.
16 - Em 7 de Agosto de 2007, a Ré “Pacheco …., Ldª” apresentou ao Autor a factura nº 000200, no total de € 10.971,07, referente aos serviços de chaparia e pintura por si prestados, valor esse que o Autor já pagou.
17 - Em Maio de 2007, o Autor detectou que o veículo MO-... apresentava algumas deficiências.
18 - Em data não concretamente apurada, mas anterior ao final do ano de 2007, o Autor comunicou à Ré “J. M. ….., Ldª” que o veículo apresentava algumas deficiências, tendo ainda remetido a esta Ré, com tal intuito, duas missivas, uma datada de 12 de Agosto de 2008, e outra datada de 28 de Agosto de 2008, juntas, respectivamente, a fls. 232 e 234 – 235, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
O Autor reclamou junto do Réu Carlos …., por uma única vez e em data não concretamente apurada, do funcionamento dos vidros.
19 - À data da propositura da acção, o veículo MO-... apresentava as seguintes deficiências:
- quando em andamento e especialmente ao curvar, apresenta algum barulho, proveniente de algum apoio partido ou do escape;
- os vidros laterais só com muito esforço é que abriam e fechavam;
- não estavam instalados os cintos de segurança;
- o motor atinge mais de 40 km/hora, mas tem pouca força;
- os pedais da embraiagem, travão e acelerador foram instalados muito próximos uns dos outros;
- o motor apresenta fugas de óleo pelas transmissões e cárter.
20 - A grande maioria das peças empregues pelos Réus na reconstrução do veículo não são de origem.
21 - Do confronto entre os orçamentos elaborados pela Ré “J. M. …., Ldª” e a factura emitida pela Ré “Pacheco …., Ldª” resulta que estas debitaram ao Autor e este pagou em duplicado as seguintes peças: capot frente; farolim stop esquerdo; farolim stop direito; grelha frente cromada; aro da grelha cromado; farolim pisca frente direito; farolim pisca frente esquerdo; painel porta direita; painel porta esquerda; pára-choques trás; pára-choques frente; porta-mala.
22 - O custo de tais peças ascende ao montante de € 1.245,86 (mil duzentos e quarenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos).
23 - O Réu Carlos …. recebeu da Ré “Pacheco …., Ldª” a incumbência de reparar os estofos e interiores do veículo do Autor.
24 - Não era obrigatória a colocação de cintos de segurança no veículo do Autor.
25 - A Ré “J. M. …, Ldª” foi inicialmente contactada pela Ré “Pacheco …., Ldª” para proceder ao restauro da parte mecânica da viatura do Autor.
26 - Não foi acordado que a viatura fosse reparada com material original, até porque devido à idade da mesma, muitas das peças já não se encontravam à venda nos concessionários oficiais.
27 - O Autor e a Ré “Pacheco …, Ldª” desentenderam-se, tendo o Autor contactado depois directamente a Ré “J. M. …, Ldª”, dizendo que as despesas das peças e trabalhos por este efectuados lhe seriam pagos directamente pelo Autor e que todos os contactos deviam ser feitos com o Autor e não com a Ré “Pacheco …., Ldª”.
28 - As entregas que o Autor fez à Ré “J. M. …, Ldª” foram feitas como adiantamentos e não como pagamento final.
29 - A presente acção deu entrada em juízo no dia 20 de Abril de 2009.
30 - Na sequência do contrato que o Autor celebrou com a Ré “Pacheco ……, Ldª” este, até Abril de 2006, realizou os trabalhos de reparação do veículo marca “Austin”, matrícula MO-..., pertencente ao Autor, ao nível da chaparia e pintura.
31 - Em data não concretamente apurada, mas posterior a Abril de 2006, o veículo MO foi encaminhado para a oficina do Réu “J. M. …, Ldª” para a recuperação da parte mecânica.
32 - O Réu “J. M. …. Ldª” encaminhou o veículo do Autor para o Réu Carlos …., em Barcelos, para restaurar os estofos e interiores.
33 - A partir de data não concretamente apurada do ano de 2006, mas posterior ao mês de Abril, o Autor assumiu ele próprio a fiscalização e contratualização dos restantes trabalhos necessários à recuperação do MO, tendo a Ré “Pacheco ….., Ldª”, por ordem expressa do Autor, também transmitida aos Réus “J. M……, Ldª” e Carlos ….., de ter intervenção nessa recuperação.
34 - O Autor nunca comunicou, nem informou a Ré “Pacheco …., Ldª” das alegadas deficiências do MO.
35 - O Autor, na acção que lhe foi movida pela Ré “Pacheco …., Ldª” nos primeiros meses de 2008, não invocou as alegadas deficiência do MO.
36 - Pelo trabalho de chapeiro, pintura, materiais aplicados e alguns serviços de electricista efectuados no MO recusou-se o Autor a pagar, tendo este sido condenado a fazê-lo no seguimento de uma acção judicial proposta pela “Pacheco …., Ldª”.
37 - A Ré “Pacheco …., Ldª” e o Autor outorgaram um acordo para proceder à reparação / reconstrução do veículo MO a nível de chapeiro, pintura, electricidade, mecânica, estofos e interiores.
38 - À Ré “Pacheco ……, Ldª” cabia a reparação de chapeiro e pintura.
39 – A Ré “Pacheco …., Ldª” contratou a Ré “J. M. ……, Ldª” para proceder à reparação da parte mecânica do MO e o Réu Carlos …. para proceder à reparação dos estofos e interiores da viatura.
40 - A recuperação de carros clássicos, mormente a nível de chaparia, é muito difícil com o recurso a peças originais, uma vez que estas deixaram de ser fabricadas, tendo que se recorrer a peças alternativas.
41 - Para arranjar as peças, a Ré “Pacheco …., Ldª” recorreu a uma empresa do Porto especializada no fornecimento de peças e acessórios para carros clássicos.
42 - Na sequência do ajuste, a Ré “Pacheco …, Ldª” reparou de chaparia e pintura o veículo MO-....
43 – O Réu Barbosa veio buscar com reboque o MO à oficina da Ré “Pacheco ……, Ldª”.
44 - Como incumbia à Ré “Pacheco …., Ldª” proceder aos acabamentos e limpeza, ficou combinado entre esta Ré e o Réu Barbosa a reposição do MO, após a recuperação de mecânica, estofos e interiores, na oficina da Ré “Pacheco ……, Ldª”.
45 - Antes de entregar o veículo ao Réu Barbosa, a Ré “Pacheco……, Ldª” pediu ao Autor um reforço de dinheiro por conta do valor da reparação.
46 - Em contacto telefónico desde Andorra, o Autor negou-se a pagar o valor indicado pela Ré “Pacheco ….., Ldª”, dizendo que era um roubo.
47 - Em data não concretamente apurada do ano de 2006, o Autor disse ao legal representante da Ré “Pacheco …., Ldª” que, a partir de então, a recuperação de mecânica, estofos e interiores do MO correriam por sua conta e risco e que a mencionada Ré nada tinha a ver com esses trabalhos.
48 - O Autor informou a Ré “J. M. …, Ldª” e ao Réu Carlos … que a Ré “Pacheco …., Ldª” nada tinha a ver com a reparação do veículo MO-... e que a partir daquele momento a recuperação de mecânica, estofos e interiores corria por sua conta e risco, que a responsabilidade era apenas dele e só a ele tinham que prestar contas e satisfação, assim como era ele quem pagava o que tivesse de ser pago e que o carro já não voltaria à oficina da Ré “Pacheco …., Ldª”.
49 - O Réu Barbosa foi à oficina da “Pacheco …., Ldª” solicitar que lhe fossem entregues as peças para aplicar no MO logo que este estivesse pronto, uma vez que era esta que estava incumbida de proceder aos acabamentos, ao que o legal representante da Ré “Pacheco …., Ldª” acabou por aceder.
50 - As peças novas que foram entregues ao Réu Barbosa eram compostas de: capot; pára-choques; grelha porta mala; farolins stop; farolins de pisca.
51 - Foi o Réu Barbosa quem realizou os trabalhos de acabamento do MO.

Do Recurso
Com o presente recurso, são-nos colocadas as seguintes questões:
- Caducidade da acção
- Fundamento legal para a condenação da Recorrente.

1ª questão
Sustenta a recorrente que deve ser julgada provada e procedente a excepção da caducidade arguida pela Ré "J.M. …, Lda." com as legais consequências.
E, em abono dessa tese, considera que tendo o autor denunciado os defeitos antes do fim do ano de 2007 e dado entrada com a presente acção apenas em 20 de Abril de 2009, caducou o direito de acção, por ter sido excedido o prazo limite de um ano para o exercício do direito após a denuncia estabelecido no artigo 1224º do Cód. Civil.
Vejamos.
No caso dos autos, estamos inquestionavelmente no âmbito de aplicação das regras da empreitada, nos termos dos artigos 1207º e seguintes do Código Civil.
Dispõe o artigo 1224.º do Código Civil:
«1. Os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade prevista no artigo 1220º.
2. Se os defeitos eram desconhecidos do dono da obra e este a aceitou, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia; em nenhum caso, porém, aqueles direitos podem ser exercidos depois de decorrerem dois anos sobre a entrega da obra.»
Na situação sub judice, provou-se a seguinte factualidade relevante:
- Em Maio de 2007, o Autor detectou que o veículo MO-... apresentava algumas deficiências.
- Em data não concretamente apurada, mas anterior ao final do ano de 2007, o Autor comunicou à Ré “J. M….., Ldª” que o veículo apresentava algumas deficiências, tendo ainda remetido a esta Ré, com tal intuito, duas missivas, uma datada de 12 de Agosto de 2008, e outra datada de 28 de Agosto de 2008, juntas, respectivamente, a fls. 232 e 234 – 235, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
- A presente acção deu entrada em juízo no dia 20 de Abril de 2009.

Resulta da factualidade provada, que, quando o Autor instaurou a presente acção, já havia decorrido mais de um ano sobre a denúncia do Autor perante a Ré, no que tange aos alegados defeitos encontrados após a entrega do veículo, ou seja, já tinha caducado o direito de acção do Autor.
Tendo a R. arguido a excepção da caducidade, não podia a mesma deixar de proceder perante a factualidade dada como provada.
Sobre esta questão, argumenta o Recorrido ser de aplicar ao caso sub judice, o prazo de dois anos estatuído no artº 3º do DL nº 67/03, de 08/04/2003.
Sobre esta última questão diremos, muito sumariamente, que o referido diploma não se aplica ao caso dos autos. Se não, vejamos:
Diz o artigo 1.º, n.º 1 – sob a epigrafe objectivo e âmbito de aplicação – que “o presente diploma procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”.
E diz o n.º 2 que “o presente diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação de bens de consumo”.
A directiva comunitária, assim mesmo introduzida no direito interno, vem estabelecer um novo regime jurídico para a conformidade dos bens com o respectivo contrato de compra e venda, celebrado entre profissional e vendedor, mantendo-se as soluções previstas na Lei 24/96, de 31/08, designadamente o conjunto de direitos reconhecidos ao comprador em caso de exigência de defeitos na coisa. É, pois, do consumidor que a lei trata; é da defesa do cidadão enquanto consumidor que a lei se ocupa. E o consumidor, diz a lei – artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho – é “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
No caso que nos ocupa não foram fornecidos pela ré ao autor quaisquer bens. No cumprimento de um contrato de empreitada que ambos celebraram, à ré competia realizar a obra em conformidade com o que foi convencionado (artigos 1207.º e 1208.º do Código de Processo Civil). Na empreitada o objecto da prestação é a obra como resultado final da aplicação de todos os seus componentes, incluindo o serviço nela incorporado.

Logo, ao caso não são aplicáveis as disposições previstas no Decreto-Lei n.º 67/2003. Por conseguinte as disposições do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril não afastam a aplicação das normas dos artigos 1218.º a 1226.º do Código Civil, designadamente no que se refere aos prazos de caducidade aí previstos.


2ª questão
A Recorrente sustenta que face aos factos provados não há razão nem fundamento legal para condenar a Ré "J.M. …., Lda." a pagar ao autor o valor de 1.245,86 € ou qualquer outro.
Vejamos de que lado está a razão.
Neste particular resultou provado que:
“21- Do confronto entre os orçamentos elaborados pela Ré “J. M. …, Ldª” e a factura emitida pela Ré “Pacheco …., Ldª” resulta que estas debitaram ao Autor e este pagou em duplicado as seguintes peças: capot frente; farolim stop esquerdo; farolim stop direito; grelha frente cromada; aro da grelha cromado; farolim pisca frente direito; farolim pisca frente esquerdo; painel porta direita; painel porta esquerda; pára-choques trás; pára-choques frente; porta-mala.
22 - O custo de tais peças ascende ao montante de € 1.245,86 (mil duzentos e quarenta e cinco euros e oitenta e seis cêntimos)”.
48 - O Autor informou a Ré “J. M. …, Ldª” e ao Réu Carlos … que a Ré “Pacheco …., Ldª” nada tinha a ver com a reparação do veículo MO-... e que a partir daquele momento a recuperação de mecânica, estofos e interiores corria por sua conta e risco, que a responsabilidade era apenas dele e só a ele tinham que prestar contas e satisfação, assim como era ele quem pagava o que tivesse de ser pago e que o carro já não voltaria à oficina da Ré “Pacheco …., Ldª”.
49 - O Réu Barbosa foi à oficina da “Pacheco …, Ldª” solicitar que lhe fossem entregues as peças para aplicar no MO logo que este estivesse pronto, uma vez que era esta que estava incumbida de proceder aos acabamentos, ao que o legal representante da Ré “Pacheco …, Ldª” acabou por aceder.
50 - As peças novas que foram entregues ao Réu Barbosa eram compostas de: capot; pára-choques; grelha porta mala; farolins stop; farolins de pisca.
Perante esta factualidade a conclusão que se retira é a de que as peças em questão já haviam sido pagas pelo Autor/Recorrido à Ré Pacheco …., que por isso mesmo as cedeu livremente à Recorrente a fim de serem aplicadas no veículo.
Não havia assim justificação para que a Recorrente debitasse de novo aquelas mesmas peças ao Recorrido, que já antes haviam sido debitadas pela Ré Pacheco ….. ao Recorrido e pagas por este.
Improcede, assim, este segmento do quadro conclusivo.

Decisão
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, e em consequência:
revoga-se parcialmente a sentença recorrida e julga-se procedente a excepção da caducidade absolvendo a Ré J. M. …, Lda do pedido de eliminação dos defeitos, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.

Custas:
Na 1ª instância: a cargo do Autor e das Rés “J. M. …,, Ldª” e Carlos …, na proporção respectivamente, de 4/7, 2/7 e 1/7 - artigo 446º, nº 1, do Código de Processo
Civil.
Nesta instância: a cargo da recorrente e do recorrido, na proporção do decaimento.

Guimarães, 26 de Janeiro de 2012

Relator: Amílcar Andrade
Adjuntos: José Manso Rainho
Carvalho Guerra