Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
199/14.9T8BGC.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: BAIXA DO PROCESSO À 1ª INSTÂNCIA
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- A convicção do julgador, não se reconduz a uma qualquer convicção subjectiva, mas antes numa convicção objectivável e motivável, fruto de um processo que apenas se completa e alcança por via racional, fundada nas regras da lógica e da experiência comum, do bom senso e, sempre que necessário, do conhecimento da ciência.

II- E terá de ser clara e inequivocamente explicitada, em ordem a, por um lado, promover a persuasão, o convencimento e a anuência das partes, e, por outro, a permitir também que a análise crítica dos elementos probatórios produzidos no processo seja controlada ou sindicada, igualmente de uma forma racionalmente fundada, quer pelas partes, como ainda pelo tribunal superior.

III- Assim, a falta de fundamentação de uma ou várias respostas dadas a matéria de facto controvertida, por a decisão não enunciado as razões pelas quais determinou a conclusão de ter sido demonstrada, em juízo, a realidade desses factos controvertidos, determina, nos termos do 662º, nº 2, alínea d), do CPC, a baixa dos autos à 1ª instância para que aí se fundamente a decisão quanto às respostas desses factos controvertidos, em conformidade com as exigências previstas no art. 607º, nº 4 do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Maria, residente na Rua …, Valpaços, move a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum à Companhia de Seguros X, com sede na Rua …, Lisboa.

Alega, para tanto, em suma, que no dia 10-12-2011, quando o veículo JF, no qual ela seguia, como passageira, circulava na EN 608, no lugar de Sampaio, na sua mão de trânsito, a não mais de 40 km/h, e ao descrever uma curva à sua esquerda foi embatido pelo veículo XZ, segurado da Ré, que seguia na mão do JF; em consequência do embate, a autora sofreu lesões corporais, que discrimina, e que não obstante as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, lhe provocaram uma IPG de 38% com tendência para se agravar, o que lhe acarreta danos patrimoniais, nas vertentes de lucros cessantes – consistentes na perda da capacidade de ganho que computa em cerca de 100.000 € – e danos emergentes – com o apoio de 3º pessoa que computa em 11.040 € –, danos futuros – com apoio de 3ª pessoa, com consultas e tratamentos de fisiatria/fisioterapia, de psiquiatria/psicologia, com nova intervenção cirúrgica ao joelho – cujo quantum relega para liquidação ulterior; sofreu ainda danos não patrimoniais, que discrimina, e que computa em 40.000 €.

Conclui pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:

a) A quantia de 180.753,14 € a título de danos patrimoniais;
b) A quantia de 40.000,00 € a título de danos não patrimoniais;
c) A quantia a liquidar em execução de sentença referente a operações futuras assim como as perdas patrimoniais emergentes do período de incapacidade temporária daí emergente e eventual aumento de incapacidade permanente e bem assim a título de transportes para tratamentos e consultas;
d) Juros de mora sobre as quantias peticionadas, à taxa legal, e desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
*
A Ré X contestou, aceitando a dinâmica do acidente, responsabilidade e parte dos danos e impugnando outros, qualificando os montantes indemnizatórios de exagerados.
Conclui pela parcial procedência da acção, conforme a prova a produzir.
*
Citado o ISS, este não deduziu qualquer pedido.

Realizou-se a audiência prévia, com prolação de despacho saneador tabelar, identificação do objecto do processo e enunciação dos temas da prova, sem reclamações.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:

Julgo a acção parcialmente procedente e provada, nos termos sobreditos.

Consequentemente:

Condeno a Ré Companhia de Seguros X a pagar á A. Maria a quantia global de 99.328,14 € (noventa e nove mil trezentos e vinte e oito euros e catorze cêntimos) e ainda a quantia cujo quantum será apurado em incidente de liquidação e correspondente às despesas e demais prejuízos que advenham para a A da operação referida no §12.1, acrescendo juros de mora à taxa de 4% sobre a parte líquida desde a prolação desta sentença até integral pagamento.
No mais, absolvo a Ré.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso a Autora, e a Ré, de cujas alegações extraíram as seguintes conclusões:

- Recurso interposto pela Autora, Maria:

1- O objecto do presente recurso tem que ver com o seguinte:

e) Decisão sobre a matéria de facto, designadamente quanto ao constante dos pontos 28 e 31, dos factos provados, e, al. f) dos factos não provados;
f) O valor da indemnização fixada a título de IPG
g) O valor da indemnização devida a título de despesas com terceira pessoa, já pagas.
h) O valor da indemnização devida a título de Danos Não Patrimoniais.
2- Considera a apelante incorrectamente julgados os pontos constantes da matéria de facto dada como provada sob nº 28 e 31 e al. f) dos pontos dados como não provados.
3- O tribunal a quo fundamentou a resposta dada ao ponto 28 da matéria de facto dada como provada, no depoimento das testemunhas E. S. e M. F.:
“Estas duas testemunhas, de forma inequívoca, confirmaram a factualidade profissional da A – agriculta prédios próprios, vendendo parte dos produtos e destinando a outra a outra para seu consumo (o que constitui uma poupança), e o que auferia em média (vendas + poupança).
Além disso, dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 3 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média de 2.900€ por ano – aqui foi muito assertiva a M. F., pois é o que ela aufere nas jeiras, que dava em nº muito semelhante ao da A.
4- Do depoimento das ditas testemunhas, não resulta exactamente aquela mesma factualidade.
Vejamos o depoimento da testemunha E. S.:
Min. 3:00 – à volta de 30, 35 por dia...
Min. 3:30 – 3 dias / quatro por semana...
E, o depoimento da testemunha M. F.:
Min. 1:30 – Mais ou menos 30€, 35€...
Min. 10:00 e ss. – ... as jeiras... 300,00 mais ou menos em média... / ... todos os meses.
4- Temos assim que, do depoimento destas duas testemunhas resulta que a A. efetivamente trabalhava à jeira numa média de 4 dias por semana durante oito meses por ano, auferindo 30,00€ a 35,00€ por dia numa média mensal de 300,00€ ou mais do que se retira que o valor médio por ano auferido a este título pela A. resulta no montante superior a 3.360,00€.
5- As mesmas testemunhas referiram que, para além de trabalhar à jeira, a A. ainda exercia a atividade agrícola da qual, como resultou provado, retirava produtos para consumo próprio e, outros para venda sendo o valor resultante desta actividade, do montante de 250,00€ mensais e, não de apenas 150,00€ mensais.
Vejamos os depoimentos das testemunhas E. S. e M. F.:
E. S. (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal entre os pontos 16:09:49 a 16:08:00).
Adv. – Consegue com 100,00€ comprar aquilo que deixou de produzir?
Min: 4:20 e ss.Test. – Consegue a mesma coisa mas tem que ser muito espremido.
Min. 4:45 – Test – Também vendia...
Min. 6:04 – Test. – Era mais...
Adv. – 200,00€ ou era mais?
Test. – Mais um bocadinho...
M. F.: depoimento sido gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática no Tribunal entre os pontos 16:31:12 a 16:42:27 ):
Adv. – Quanto é que gasta agora para comprar o que produzia?
Min. 2:55 e ss.: 100,00€? Eu digo que não, que não chegam...”
6- De acordo com os depoimentos das testemunhas em quem o tribunal depositou total credibilidade, que a A. retirava em produtos para consumo próprio um rendimento mensal de 100,00€ a que acrescia o valor de pelo menos 150,00€ mensal resultante da venda de produtos a terceiros.
7- Considerando a prova efectivamente produzida e, que corresponde àquela a que o tribunal a quo deu credibilidade, deve a decisão proferida sobre este ponto da matéria de facto ser alterada, sugerindo-se, em conformidade, a seguinte redacção para o ponto 28 da matéria de facto dada como provada:
“28. A A. à data do acidente exercia a actividade agrícola para si e para terceiros.
Para terceiros, porque dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 4 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média superior a 3.360,00€ por ano.
Para si, agricultando prédios próprios, do que parte dos produtos era para consumo próprio e outra parte destinava-se a revenda.
O valor dos produtos consumidos e vendidos ascendia a uma média total de cerca de 250 € por mês, num total de 3.000,00 € anuais.”
- No que diz respeito ao ponto 31 da matéria de facto dada como provada designadamente no que concerne à segunda parte deste ponto, considerou o tribunal que
31. Por causa do referido em 22), a A tem o apoio de 3ª pessoa, sendo que o custo, de 2 h/diárias, a razão de 5 €/h numa base de 5 dias úteis vem sendo suportado pelos filhos da A. por carência económica desta.
9- Fundamentou o tribunal tal decisão no depoimento da testemunha E. S., a quem atribuiu credibilidade, referindo na fundamentação: A 2ª parte do facto provado 31) resultou do depoimento de E. S. (“quem lhe paga são os filhos”), que, precisamente era a pessoa que auxiliava a A e por isso tinha óbvia razão de ciência.
10- Do depoimento desta mesma testemunha (gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal entre os pontos 16:09:49 a 16:08:00), tal factualidade não resulta.

Vejamos:
Min: 9:25 e, ss:
Test. - Eu vou 2 horas por dia...
Adv. – É o que ela lhe paga?
Test – É o que ela me paga.
.../...
Test – Ela paga-me à hora, 5€ por hora...
(Sublinhado nosso)
11- Em momento algum, do depoimento desta testemunha, resulta que fossem os filhos a suportar o respectivo encargo. Quem lhe pagava era a A.
12- Assim, salvo melhor entendimento, também aqui deve ser alterada a douta decisão sobre a matéria de facto, sugerindo-se a seguinte redacção para o ponto 31 da matéria de facto dada como provada:
31. Por causa do referido em 22), a A tem o apoio de 3ª pessoa, sendo que o custo, de 2 h/diárias, a razão de 5 €/h numa base de 5 dias úteis vem sendo suportado pela A.
13- Quanto ao ponto f) da matéria de facto dada como não provada, fundamentou tal decisão, no seguimento do já referido quanto ao ponto 31 da matéria de facto dada como provada, referindo:
Quanto aos factos não provados avieram quer da prova do contrário (c) face á perícia, f) (não pagou nada, foram os filho), quer na sua insuficiência (a). b), d) e e).
14- De acordo com o já referido no que diz respeito ao ponto 31 da matéria de facto dada como provada, temos que necessariamente este ponto da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, tem igualmente que ser alterado porquanto, de acordo com a testemunha E. S., em quem o tribunal depositou inteira credibilidade, referiu que foi a A. quem sempre lhe pagou, tudo num total de 11.040,00€, sugerindo-se, por isso, o aditamento de tal factualidade à matéria de facto dada como provada, sugerindo-se aditamento desta à matéria constante do ponto 31 da matéria de facto dada como provada que, assim passaria a assumir a seguinte redação:
31. Por causa do referido em 22), a A tem o apoio de 3ª pessoa, sendo que o custo, de 2 h/diárias, a razão de 5 €/h numa base de 5 dias úteis vem sendo suportado pela A., totalizando 11.040,00€.
15- Considerou o tribunal ser de atribuir à A. uma indemnização de 15.500,00€ apenas a título de IPG, valor que, salvo melhor entendimento, mostra-se manifestamente insuficiente para ressarcir a perda de capacidade de ganho de que a A. ficou afectada.
16- A A. ficou com uma IPG de 29,1 pontos quando tinha 62 anos apenas e exercia a actividade agrícola auferindo um rendimento médio anual de 6.360,00€.
17- Considerando estes pressupostos fáticos e, bem assim que a incapacidade não desaparece com o fim da vida activa, necessariamente teremos que considerar que a afectação da A. irá perdurar até final dos seus dias havendo ainda que considerar a evolução dos rendimentos que, como os de qualquer outro trabalhador, têm tendência a aumentar com o passar dos anos quer em razão da inflação quer em razão dos aumentos de produtividade e progressão na carreira.
18- Haverá que considerar uma taxa de juros da ordem dos 1,5% (ilíquidos) para aplicações financeiras.
19- Deve ser atribuída à A. uma indemnização pela perda de capacidade de ganho de pelo menos 65.000,00€ assim se alterando a douta sentença recorrida nesta parte.
20- Neste mesmo sentido e, porque se deverá caminhar para uma equidade de decisões no espectro jurisprudencial, vejam-se os Ac.s:

a) Ac. Rel. Guimarães de 23/03/2017 no processo 3856/15.9T8BRG. G1, in www.dgsi.pt;
b) Ac. Rel. Guimarães de 16/03/2017 no processo 956/11.8TBPTL-G1, in www.dgsi.pt
21- A título de despesas com terceira pessoa, reclamou a A. o valor de 11.040,00€, despesas essas que resultaram provadas assim como o facto de que quem as pagou foi efectivamente a A. impondo-se por isso ser alterada a douta sentença proferida atribuindo-se à A. o montante indemnizatório de 11.040,00€ referente a apoio de terceira pessoa passado.
22- A título de Danos não Patrimoniais, considerou o tribunal ser de atribuir à A. uma indemnização de 30.000,00€ apenas.
23- Considerando a matéria de facto dada como provada e, bem assim, as decisões que vêm sendo tomadas pelos nossos tribunais superiores, salvo melhor opinião, o valor atribuído mostra-se escasso para garantir o efectivo ressarcimento da A. merecendo por isso seja alterada a douta sentença nesta parte atribuindo-se à A. a título de danos não patrimoniais uma compensação de pelo menos 40.000,00€
24- A douta sentença viola o disposto nos artigos 562, 564, 566, todos do CC e, 607 do CPC, entre outros

- Recurso interposto pela Ré, X Insurance:

A) – O concreto ponto de facto do item 22 – “pelo que necessita do apoio de 3ª pessoa”, foi incorrectamente julgado.
B) – Tal facto é incompatível, não compaginável com este outro de o DFP atribuído à Autora ser compatível com o exercício da actividade agrícola para si e para terceiros, mesmo implicando esforços suplementares.
C) – Na valorização dos danos permanentes/ajudas às dependências permanentes, se o “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civel” entendeu que a Autora não necessitava de ajuda/apoio permanente de 3ª pessoa, apenas de uso de canadiana, deve o Tribunal, se de tal conclusão dissentir, proceder à análise critica e fundamentação da prova que aponte em sentido contrário; o que não ocorreu no caso dos autos.
D) – Não é pelo simples facto de se haver dado como provado que os filhos da Autora vêm pagando a 3ª pessoa 2h (5 €/h) em 5 dias úteis/semana que se possa concluir pela necessidade de apoio diário/contínuo/permanente à Autora de 3ª pessoa.
E) – O princípio da livre apreciação da prova pericial, deverá sempre ser temperado com análise crítica e fundamentação específica quanto a eventual dissensão da mesma.
F) – O montante articulado de 36.960,00 € a título de apoio de 3ª pessoa encontra-se mal calculado.
G) – Atentos os dias úteis do ano, a que haverá sempre de abater alguns dias de impossibilidade e/ou não necessidade do serviço por parte da Autora,
H) – Bem como os imponderáveis da vida, e o abatimento que deverá operar-se atento o adiantamento integral e imediato do capital.
I) – Sempre o montante arbitrado à Autora, a título de apoio de 3ª pessoa não deverá ultrapassar os 15.000,00€.
J) – A douta sentença, ora posta em crise, ao decidir como o fez, nos segmentos/itens supra referidos, violou e/ou não aplicou correctamente, entre outros os seguintes dispositivos legais:
- Código Civil – artigos 388º, 389º e 473º, nº 2.
- Código Proc. Civil – artigos 607º, nº 4 e 5.
*
Os Apelados apresentaram contra-alegações concluindo pela reciproca improcedência dos respectivos recursos.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II – Delimitação do objecto do recurso.

Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, podem ser enunciadas as seguintes questões a decidir:

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada e, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida.
- Analisar se, em qualquer caso, os montantes indemnizatórios fixados se mostram adequados ao ressarcimento dos danos em causa nos autos.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A decisão recorrida considerou provada e não provada a seguinte matéria de facto:

- Factos provados.

1. No dia 10 de Dezembro de 2011, cerca das 09:30 horas na EN 608 que liga Sampaio a Vila Flor, no lugar de Sampaio ocorreu um acidente de viação entre:
a) Veículo de matrícula JF, propriedade de FF, Serviços, Lda e, na altura conduzido por José e,
b) Veículo de matrícula XZ, propriedade de Construções Quinta Y - Unipessoal, Lda e, na altura conduzido por sua conta, no seu interesse e sob a sua direcção efectiva, por I. S.
2. O proprietário do veículo XZ havia transferido para a R. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros na condução por aquele veículo, através de contrato de seguro válido e plenamente eficaz à data do sinistro, o qual se achava titulado pela apólice nº ….
3. A A. era passageira transportada no veículo JF.
4. Circulava o JF na via supra referenciada no sentido Sampaio / Vila Flor, pela sua mão de trânsito e a uma velocidade nunca superior a 40 Km / hora.
5. Em determinado ponto do seu percurso, mais precisamente quando descrevia uma curva à sua esquerda eis que,
6. Inesperadamente e, sem que nada o fizesse prever,
7. Surge à sua frente o veículo seguro na R., ocupando a sua via de trânsito.
8. Perante tal, ao condutor do JF apenas restou tempo para travar e para se tentar desviar para a sua direita.
9. No entanto, atenta a velocidade a que circulava o veículo seguro e imprevisibilidade da sua movimentação, foi impossível evitar o embate.
10. O XZ circulava pela mesma via mas, em sentido oposto.
11. O seu condutor imprimia-lhe uma velocidade nunca inferior a 100 Kms/hora sendo que, seguia totalmente distraído quer em relação ao trânsito quer em relação às condições da via.
12. Por causa disso, o XZ saiu da sua mão de trânsito galgando a linha longitudinal contínua inscrita no pavimento separando os sentidos de trânsito ali permitidos, quando o JF se encontrava a não mais de 10 metros.
13. O embate ocorreu entre as frentes de ambos os veículos sendo que, ocorreu totalmente na hemifaixa de rodagem destinada ao sentido de marcha que levava o JF.
14. Por força dos ferimentos sofridos aquando do acidente, foi a A. transportada ao Hospital de Bragança onde deu entrada pelo serviço de urgência.
15. Aí, foi-lhe diagnosticado:
a) Fractura do punho direito;
b) Fractura do prato tibial externo do joelho esquerdo com afundamento de 2 cm;
c) Fractura do astrágalo esquerdo;
d) Fractura da 6ª costela à esquerda;
16. Nesse mesmo dia foi submetida a duas intervenções cirúrgicas no H. de Bragança:
a) Osteossíntese do prato tibial externo com levantamento e solidarização de fragmentos e aplicação de placa LCR e parafusos.
b) Redução e fixação percutânea da fractura de Colle´s com 3 fios de Kirschner.
17. Esteve internada no Serviço de Ortopedia durante 14 dias após o que teve alta para a Unidade de Convalescença do Hospital de Macedo de Cavaleiros, para reabilitação durante cerca de 1 mês.
18. Em 12-1-2012 foi novamente sujeita a intervenção para retirar os fios de Kirschner e a tala.
19. Em 27/02/2013 foi submetida a nova intervenção cirúrgica com tríplice artrodese (subastragaliana) com colocação de enxerto homólogo colhido da metáfise tibial esquerda.
20. Pelos serviços da R. seguradora, foi dada alta definitiva à A. em 01/10/2013.
21. Como sequelas, apresenta:
a) Joelho esquerdo com mobilidade dolorosa, com flexão a 100º (Mc0617) e extensão completa;
Rigidez do tornozelo e pé esquerdos (Mc0646 e Mc0639), com dor á mobilização;
Perna esquerda com bloqueio da subastragalina, flexão plantar a 30º e ligeiro edema, com dor á mobilização.
As dores agravam-se quando caminha.
b) Rigidez do punho direito, com défice na flexão e extensão (Ma0223 e Ma0224);
Dores no punho e dedos da mão direita, quando faz movimentos com a mão;
Perda do desvio cubital (Ma0225), edema e deformidade do braço direito.
c) Toracalgia à esquerda e agrava com a respiração (dor na grade costal) – Mf1401.
d) Perturbação persistente de humor (Nb0902).
e) Cicatrizes.
22. Em consequência de tais sequelas, a A não consegue tomar banho sozinha e sente dificuldades em fazer a restante higiene pessoal e em executar as tarefas quotidianas (p. ex., subir e descer escadas) pelo que necessita do apoio de 3ª pessoa.
23. Por causa das lesões, a A ficou:
a) 42 dias (de 10-12-2011 a 20-1-2012) totalmente impossibilitada de realizar os actos correntes da vida diária, familiar e social;
b) 620 dias (de 21-1-2012 a 1-10-2013) parcialmente impossibilitada para os referidos efeitos.
24. E ficou 662 dias (de 10-12-2011 a 1-10-2013) totalmente incapaz de exercer a sua actividade profissional.
25. As sequelas decorrentes do acidente provocaram à A um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica (DFP) de 29,1 pontos.
Tal Défice é compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implica esforços suplementares.
26. As dores de que padeceu e padece a A importam para ela num quantum doloris de 5 pontos numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
Demandam ajudas medicamentosas, com analgésicos e anti-inflamatórios.
27. Em consequência das sequelas, a A apresenta marcha claudicante, auxiliando-se de canadiana.
Por causa disso e das cicatrizes, apresenta um dano estético permanente de 2 pontos numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
28. A A. à data do acidente exercia a actividade agrícola para si e para terceiros.
Para terceiros, porque dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 3 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média de 2.900€ por ano.
Para si, agricultando prédios próprios, do que parte dos produtos era para consumo próprio e outra parte destinava-se a revenda.
O valor dos produtos consumidos e vendidos ascendia a uma média total de cerca de 150 € por mês, num total de 1.800 € anuais.
29. A A. deverá recorrer a consultas de fisiatria e a tratamentos de fisioterapia durante o resto de sua vida, numa base de 3 secções de tratamentos anuais, à razão de 20 sessões por secção, e de 1 consulta por ano.
Cada sessão importará para a A um custo (transporte incluído) não inferior a 17€ e a consulta de fisiatria importa num custo não inferior a 40 €.
30. A fim de evitar o agravamento das sequelas de foro psíquico, terá a A. que ser consultada pelo menos uma vez por ano em psiquiatria, para o resto de sua vida, numa base de 65 € por consulta.
31. Por causa do referido em 22), a A tem o apoio de 3ª pessoa, sendo que o custo, de 2 h/diárias, a razão de 5 €/h numa base de 5 dias úteis vem sendo suportado pelos filhos da A. por carência económica desta.
32. Em despesas médicas, medicamentosas, despendeu até à data a quantia de 1.118,14€.
33. Por causa do acidente e lesões, a A, que era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora, cuidando da casa e do marido, ficou a sofrer de ansiedade, tem dificuldades em dormir, com pesadelos do acidente, instabilidade do humor e tristeza permanente, passando grande parte do tempo acamado.
Sente vergonha por ter perdido a sua privacidade, necessitando de 3ª pessoa para a sua higiene pessoal.
Lamenta a sua sorte, bem sabendo que o seu estado não melhorará.
Por causa disso, não consegue sair de casa nem conviver com vizinhos e amigos.
34. É previsível e expectável que a médio prazo a A venha a ser operada, em consequência das lesões, á artroplastia do joelho esquerdo.
35. A A. nasceu a 5-2-49.

Factos Não Provados.

Não se provaram quaisquer outros factos, e designadamente:

a) A A. sofre de stresse pós-traumático.
b) O punho direito da A. apresenta já artrose radiocárpica.
c) A A. ficou totalmente incapaz para a actividade agrícola e para a actividade doméstica.
d) De rendimentos, a A auferia um total mensal de 720 €.
e) A A. terá que fazer 3 consultas por ano, pelo menos, de psiquiatria, no que gastará a quantia anual de e 195,00€ sendo que, é previsível que até final da sua vida gaste a quantia de 3.315,00€.
f) A A. pagou a quantia de 11.040 € em apoio á 3ª pessoa.

Fundamentação de direito.

Cumpre desde logo proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pelos Apelantes, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Pretende-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.

Como refere Abrantes Geraldes (1) «Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões» (2).
«Sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.
Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso.
Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do recurso (da matéria de facto) através das alegações e mais concretamente das conclusões» (3).

Como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.(4).
Através das provas não se procura criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos factos, pois que, “se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça” (5), o que, evidentemente, implica que a justiça tenha de se bastar com um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, às regras da experiência da vida e aos ensinamentos da ciência.

A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)”. (6)

E, como refere Teixeira de Sousa, nessa actividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (7) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando, por um lado, se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e, por outro, se existem factos alegado que não foram considerados e que se revestiam de relevante interesse para o proferimento da decisão recorrida.

Ora, como resulta do supra exposto, os Apelantes impugnam a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento em que o tribunal recorrido deu como tendo resultado demonstrados e indemonstrados, respectivamente, os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter sido respondidos de modo diverso daquele que o foram.

A- Assim a Recorrente Autora impugna os seguintes factos:

28. A A. à data do acidente exercia a actividade agrícola para si e para terceiros.
Para terceiros, porque dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 3 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média de 2.900€ por ano.
Para si, agricultando prédios próprios, do que parte dos produtos era para consumo próprio e outra parte destinava-se a revenda.
O valor dos produtos consumidos e vendidos ascendia a uma média total de cerca de 150 € por mês, num total de 1.800 € anuais.

A este facto deveria ter sido dada a seguintes resposta:

28. A A. à data do acidente exercia a actividade agrícola para si e para terceiros.
Para terceiros, porque dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 4 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média superior a 3.360,00€ por ano.
Para si, agricultando prédios próprios, do que parte dos produtos era para consumo próprio e outra parte destinava-se a revenda.
O valor dos produtos consumidos e vendidos ascendia a uma média total de cerca de 250 € por mês, num total de 3.000,00 € anuais.”

31. Por causa do referido em 22), a A tem o apoio de 3ª pessoa, sendo que o custo, de 2 h/diárias, a razão de 5 €/h numa base de 5 dias úteis vem sendo suportado pelos filhos da A. por carência económica desta.

A este facto deveria ter sido dada a seguintes resposta.

Por causa do referido em 22), a A tem o apoio de 3ª pessoa, sendo que o custo, de 2 h/diárias, a razão de 5 €/h numa base de 5 dias úteis vem sendo suportado pela A.

f. A A. pagou a quantia de 11.040 € em apoio á 3ª pessoa.

Esta materialidade deveria ter sido aditada à matéria constante do ponto 31 da matéria de facto dada como provada que, assim passaria a ter o seguinte teor:

31. Por causa do referido em 22), a A tem o apoio de 3ª pessoa, sendo que o custo, de 2 h/diárias, a razão de 5 €/h numa base de 5 dias úteis vem sendo suportado pela A., totalizando 11.040,00€.

B- Por sua vez a Recorrente Ré impugna o seguinte facto:

22. Em consequência de tais sequelas, a A não consegue tomar banho sozinha e sente dificuldades em fazer a restante higiene pessoal e em executar as tarefas quotidianas (p. ex., subir e descer escadas) pelo que necessita do apoio de 3ª pessoa.
Tal facto deveria ter sido dado como não provado.

No que concerne a esta factualidade objecto de impugnação, como motivação dessa convicção, refere-se na decisão recorrida o seguinte:

(…)
Quanto aos factos provados nsº 21) a 27), 29), 30 e parte do 31, os mesmos resultaram da convicção do tribunal, baseada na prova produzida e/ou examinada em audiência, conjugada com as regras da experiência e da lógica, assumindo especial realce, face á especialização técnica do Gabinete Médico-Legal e competência científica e à sua objectividade decorrente da sua isenção, o relatório pericial (rectificado: fls. 102 e ss.), que, para além dos períodos de incapcidade permanente e parcial, descreve as sequelas (definitivas), com especial menção dos códigos correspondentes da tabela nacional de incapacidades, que consultamos – TBI: flexão do joelho esquerdo a 100º (Mc0617), rigidez do tornozelo e pé esquerdos (Mc0646 e Mc0639), rigidez do punho direito, com défice na flexão e extensão (Ma0223 e Ma0224), perda do desvio cubital (Ma0225), toracalgia à esquerda e agrava com a respiração (Mf1401) e perturbação persistente de humor (Nb0902), défice funcional daí decorrente, pretium doloris e dano estético, limitações daí decorrentes (compatibilidade com o exercício profissional, embora com esforços suplementares, claudicação, uso de canadiana, necessidade de apoio de 3º pessoa, pois não consegue lavar-se sozinha e tem dificuldades na execução das restantes tarefas do dia-a-dia…), necessidade de ajuda medicamentosa e de tratamentos de fisioterapia e de psiquiatria, sendo que neste ponto o relatório foi conjugado com a informação complementar dada por escrito pelo perito e junta em audiência (frequência dos tratamentos e duração).

Quanto ao custo, o da consulta de fisiatria resultou da factura de fls. 32 e o daa consulta de psiquiatria resultou de facturas emitidas por um psicólogo clinico (fls. 28 e 29) – o valor da consulta de psiquiatria não é seguramente inferior.

O custo de cada sessão de fisioterapia foi afirmado com base nas regras da experiência, conjugadas com o doc. de fls. 33 (com os vários tipos de tratamento de fisioterapia aí mencionados, tendo-se calculado o custo médio, por referência ás tabelas de comparticipação da ADSE, que consultámos, tendo-se arredondado para 17 € por mor das despesa de transporte (sendo certo que S. Comba da Vilariça está perto de Alfândega da fé, Moncorvo e Macedo).

A 2ª parte do facto provado 31) resultou do depoimento de E. S. (“quem lhe paga são os filhos”), que, precisamente era a pessoa que auxiliava a A e por isso tinha óbvia razão de ciência.

O nº 33) resultou do relatório pericial quanto ao estado em que ficou o A. (ansiedade, dificuldades em dormir, com pesadelos do acidente, instabilidade do humor e tristeza) e dos depoimentos das testemunhas E. S. cujo razão de ciência já foi salientada e descreveu a A como «deprimida», «triste», «nunca mais será a mesma», ela que era «alegre» e de M. F. amiga da A e que depôs de forma assertiva e convincente, demonstrando conhecer bem a A que caracterizou como sendo «muito trabalhadora», e «fazia tudo em casa» e agora «chora muito» porque «não pode fazer nada».

Estas duas testemunhas, de forma inequívoca, confirmaram a factualidade profissional da A – agriculta prédios próprios, vendendo parte dos produtos e destinando a outra a outra para seu consumo (o que constitui uma poupança), e o que auferia em média (vendas + poupança).

Além disso, dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 3 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média de 2.900€ por ano – aqui foi muito assertiva a M. F., pois é o que ela aufere nas jeiras, que dava em nº muito semelhante ao da A.

Quanto aos factos não provados advieram quer da prova do contrário (c) face á perícia, f) (não pagou nada, foram os filho), quer na sua insuficiência (a). b), d) e e).
(…)

A Recorrente Autora estrutura a sua divergência em relação à materialidade que considera indevidamente julgada pelo tribunal a quo, nas seguintes linhas mestras fundamentais que, em síntese, se enunciam:

- Por um lado, os depoimentos das testemunhas E. S. e M. F., em que o tribunal alicerçou a sua convicção, de forma inequívoca, confirmaram a factualidade profissional da A. ou seja, que a mesma agricultava prédios próprios, vendendo parte dos produtos e destinando a outra a outra para seu consumo (o que constitui uma poupança), e o que auferia em média (vendas + poupança).
- Além disso, conforme declarou a testemunha M. F., a A. dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 3 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média de 2.900€ por ano.
- Temos assim que, do depoimento destas duas testemunhas resulta que a A. efectivamente trabalhava à jeira numa média de 4 dias por semana durante oito meses por ano, auferindo 30,00€ a 35,00€ por dia numa média mensal de 300,00€ ou mais do que se retira que o valor médio por ano auferido a este título pela A. resulta no montante superior a 3.360,00€.
- As mesmas testemunhas referiram que, para além de trabalhar à jeira, a A. ainda exercia a actividade agrícola da qual, como resultou provado, retirava produtos para consumo próprio e, outros para venda sendo o valor resultante desta actividade, do montante de 250,00€ mensais e, não de apenas 150,00€ mensais.
- De acordo com os depoimentos das testemunhas em quem o tribunal depositou total credibilidade, que a A. retirava em produtos para consumo próprio um rendimento mensal de 100,00€ a que acrescia o valor de pelo menos 150,00€ mensal resultante da venda de produtos a terceiros.
- No que diz respeito ao ponto 31 da matéria de facto dada como provada designadamente no que concerne à segunda parte deste ponto, o tribunal recorrido fundamentou tal decisão no depoimento da testemunha E. S., a quem atribuiu credibilidade, referindo na fundamentação: A 2ª parte do facto provado 31) resultou do depoimento de E. S. (“quem lhe paga são os filhos”), que, precisamente era a pessoa que auxiliava a A e por isso tinha óbvia razão de ciência.
- Todavia, do depoimento desta mesma testemunha (gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal entre os pontos 16:09:49 a 16:08:00), não resulta tal factualidade, pois em momento algum, do depoimento desta testemunha, resulta que fossem os filhos a suportar o respectivo encargo. Quem lhe pagava era a A.
- Quanto ao ponto f) da matéria de facto dada como não provada, fundamentou tal decisão, de acordo com o já referido no que diz respeito ao ponto 31 da matéria de facto dada como provada, temos que necessariamente este ponto da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, tem igualmente que ser alterado porquanto, de acordo com a testemunha E. S., em quem o tribunal depositou inteira credibilidade, referiu que foi a A. quem sempre lhe pagou, tudo num total de 11.040,00€.

- A Recorrente Ré, por seu lado, alega em síntese que na valorização dos danos permanentes/ajudas às dependências permanentes, se o “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível” entendeu que a Autora não necessitava de ajuda/apoio permanente de 3ª pessoa, apenas de uso de canadiana, deveria o Tribunal, se de tal conclusão dissentir, proceder à análise critica e fundamentação da prova que aponte em sentido contrário, o que, assim, não ocorreu no caso dos autos.
- Já que não é pelo simples facto de se haver dado como provado que os filhos da Autora vêm pagando a 3ª pessoa 2h (5 €/h) em 5 dias úteis/semana que se pode concluir pela necessidade de apoio diário/contínuo/permanente à Autora de 3ª pessoa.

Ora, como é sabido, a análise crítica das provas produzidas e especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção (art. 607º, nº 4 do C.P.C.) não se resume ao mero elencar descritivo das provas produzidas em audiência e bem assim à simples declaração daquelas que mereceram acolhimento, em detrimento das outras.

Analisar criticamente os elementos probatórios significa apreciá-los e valorizá-los, seja um por um, intrinsecamente, seja conjugadamente, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.

E porque a prova como demonstração efectiva - segundo a convicção do juiz - da realidade de um facto “não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida - certeza histórico-empírica” -, é necessário fazer uma análise crítica dos elementos probatórios produzidos nos autos, isto é, apreciá-los e valorizá-los de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.

O juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 607º, nº 5 do CPC).

Nesta actividade não está o tribunal submetido a critérios ou regras pré-estabelecidas (salvo quando a lei exige, para prova do facto, certo meio de prova – p. ex., documento ou confissão), devendo considerá-las a todas, apreciá-las em conjunto, fazer a sua análise crítica, tendo em conta as regras da ciência, da lógica e da experiência comum a todo o homem médio, e, por fim, especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 607º, nº 4 do CPC), assim permitindo que se ‘possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado’ (8) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.

A convicção do julgador não se traduz em qualquer convicção subjectiva, numa mera opção ‘voluntarista’ por uma versão ou outra dos factos discutidos na lide (uma convicção emotiva e puramente subjectiva, fundada na sinceridade do julgador), mas antes numa convicção objectivável e motivável, fruto de processo que só se completa e alcança por via racionalizável, pois que fundada nas regras comuns da lógica, da experiência, do bom senso e, quando for o caso, dos ensinamentos da ciência.

A fundamentação da decisão cumpre uma “função endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica e habilitar as partes, em caso de recurso, a exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente, e uma função extraprocessual que garanta o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica” (9).

Ora, o legislador ao determinar a afirmar que a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto, designadamente, se a prova produzida ou documento superveniente impuseram decisão diversa – artigo 662, nº1, do C.P.C. -, pretendeu que o tribunal de 2.ª instância fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto.

O Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (10), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (11).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (12).

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).

Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (13).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (14).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.

A propósito refere Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC”: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto.
No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida.
Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância.
É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem”. (15)

Assim, não é compatível com a exigência da lei, em termos de reapreciação da matéria de facto, o exercício (apenas formal) por parte da Relação de um poder que se fique por afirmações genéricas de não modificação da matéria de facto, por não se evidenciarem erros de julgamento ou se contenha numa simples adesão aos fundamentos da decisão, ou numa pura aceitação acrítica das provas, abstendo-se de tomar parte activa na avaliação dos elementos probatórios indicados pelas partes ou adquiridos oficiosamente pelo tribunal.

Todavia, afigura-se-nos também inquestionável que, constatando-se ter o tribunal a quo procedido a uma avaliação da matéria de facto, deixando expressa a interpretação que fez dos meios de prova produzidos sobre os factos impugnados, e fundamentado desse modo a sua convicção, nos quais igualmente se alicerça a impugnação deduzida, se possa assegurar o cumprimento do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, procedendo à análise das razões determinantes da consistência ou inconsistência que lhe foi atribuída, já que o conteúdo não foi questionado, efectuando, dessa forma, um novo julgamento, em vista à prossecução de uma convicção própria, igualmente fundada nesses mesmos meios probatório.

E é á luz do que se acaba de expender que importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório e com o que os meios de prova produzidos nos autos, impõem concluir.

Ora, na situação vertente a questão em dissenso no recurso com relação à decisão recorrida, no que concerne aos meios probatórios valorados pelo tribunal, incide não só sobre a valoração crítica que deles efectuou o tribunal recorrido, ou seja, sobre a credibilidade e consistência que foi atribuída a cada um deles e que esteve na origem da fixação da matéria de facto objecto de impugnação, mas também sobre o respectivo conteúdo formal dos meios de prova produzidos.

Mas procedamos então à análise dos concretos meios probatórios produzidos em ordem ao aquilatar da consistência da fundamentação efectuada pelo tribunal recorrido e da argumentação alternativa em que se sustenta a impugnação da aludida matéria de facto.

Ora, como alega a Recorrente e resulta da própria motivação, o tribunal a quo fundamentou a resposta dada ao ponto 28 da matéria de facto dada como provada, no depoimento das testemunhas E. S. e M. F., as quais, segundo aí se refere, “de forma inequívoca, confirmaram a factualidade profissional da A – agriculta prédios próprios, vendendo parte dos produtos e destinando a outra a outra para seu consumo (o que constitui uma poupança), e o que auferia em média (vendas + poupança).
Além disso, dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 3 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média de 2.900€ por ano – aqui foi muito assertiva a M. F., pois é o que ela aufere nas jeiras, que dava em nº muito semelhante ao da A”.

Analisado o teor do depoimento prestado pela testemunha E. S. constata-se que, efectivamente pela mesma foi declarado que auferia nos três/quatro dias de jorna semanais que andava à jorna para terceiros 30, 35 € por dia, o mesmo sucedendo com a testemunha M. F. que declarou também que a aferiria mais ou menos 30€, 35 €, por dia de jorna ascendendo a um média mensal de mais ou menos 300,00 €.

E segundo os depoimentos dessas mesmas testemunhas, para além de trabalhar à jeira, a A. ainda exercia a actividade agrícola da qual retirava produtos para consumo próprio e, outros para venda sendo o valor resultante desta actividade, de um montante de cerca de 250,00€ mensais e, não de apenas 150,00€ mensais.

Na verdade, em conformidade com os depoimentos prestados por essas testemunhas, em quem o tribunal depositou total credibilidade, a A. retirava em produtos para consumo próprio um rendimento mensal de, pelo menos, 100,00€, a que acrescia o valor não inferior 150,00€ mensal, resultante da venda de produtos a terceiros.

E assim sendo, a impugnação da matéria de facto terá de proceder nesta parte.

Relativamente ao facto constante do nº 31, dos provados, alega a Recorrente que uma tal factualidade, designadamente, no que concerne à segunda parte deste ponto, o tribunal recorrido fundamentou tal decisão no depoimento da testemunha E. S., a quem atribuiu credibilidade, referindo-se na fundamentação que A 2ª parte do facto provado 31) resultou do depoimento de E. S. (“quem lhe paga são os filhos”), que, precisamente era a pessoa que auxiliava a A e por isso tinha óbvia razão de ciência.

Sucede, no entanto, que do depoimento desta mesma testemunha, não resulta tal factualidade, pois em momento algum, do depoimento desta testemunha, resulta que fossem os filhos a suportar o respectivo encargo, pois quem lhe pagava era a A.

No que concerne a este depoimento, e pese embora esta testemunha ter efectivamente declarado que quem lhe pagava era a A., também declarou que são os filhos quem a ajuda porque ela “não tem reforma” e “não tem nada”.

Parece assim poder conclui-se com linear clareza que a testemunha embora tenha afirmado a A. lhe paga não pretendeu afirmar que ela o tenha feito com recursos próprios, resultando claro do seu depoimento que a sua intrínseca convicção é a de que ela o fará com recursos disponibilizados pelos filhos, ou seja, são estes e não a A. quem realmente suporta os custos com o apoio de que necessita e prestado pela testemunha em referência.

E assim sendo, improcedendo a impugnação nesta parte, pelas mesmas razões acabadas de referir terá de improceder também com relação à matéria contida no ponto f), da matéria de facto dada como não provada.

E assim sendo, na procedência parcial da impugnação, decide-se proceder à alteração da matéria de facto, tendo-se por demonstrado o facto 28 nos seguintes termos:

A A. à data do acidente exercia a actividade agrícola para si e para terceiros.
Para terceiros, porque dava jornas, registando uma média de actividade para terceiros da ordem de 4 dias por semana, à razão de 30 € por dia, numa base de cerca de 8 meses por ano, auferindo uma média superior a 3.360,00€ por ano.
Para si, agricultando prédios próprios, do que parte dos produtos era para consumo próprio e outra parte destinava-se a revenda.
O valor dos produtos consumidos e vendidos ascendia a uma média total de cerca de 250 € por mês, num total de 3.000,00 € anuais.”

Veio também a Recorrente Ré impugnar a matéria de facto, alegando como fundamento que na valorização dos danos permanentes/ajudas às dependências permanentes, se o “Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível” entendeu que a Autora não necessitava de ajuda/apoio permanente de 3ª pessoa, apenas de uso de canadiana, deveria o Tribunal, se de tal conclusão dissentir, proceder à análise critica e fundamentação da prova que aponte em sentido contrário, o que, contudo, assim não ocorreu no caso dos autos.

E também não é pelo simples facto de se haver dado como provado que os filhos da Autora vêm pagando a 3ª pessoa 2h (5 €/h) em 5 dias úteis/semana que se pode concluir pela necessidade de apoio diário/contínuo/permanente à Autora de 3ª pessoa.

E assim sendo, deveria tal facto ser dado como indemonstrado, até porque do facto 25 conta como demonstrado que “as sequelas decorrentes do acidente provocaram à A um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica (DFP) de 29,1 pontos”, sendo “tal Défice é compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implica esforços suplementares”.

Ora, previamente à análise da concreta situação em causa nos autos, cumprirá referir que, nem a perícia é uma prova insindicável pelo julgador, nem uma testemunha qualificada com igual, ou idêntica, valência técnico-profissional de um perito emite «meras opiniões».

Precisando, lê-se no art. 388º do C.C. que “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando seja necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuam”.

Logo, a prova pericial «traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais, (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas». (16)

Compreende-se, por isso, que se a prova pericial é exigida em contextos em que o julgador (pessoa já necessariamente diferenciada pela sua preparação académica e técnica, e pela respectiva experiência profissional) não se encontra habilitado a, por si só, percepcionar factos, ou a apreciá-los, por convocarem «conhecimentos especiais» que não possui, a credibilidade inerente à competência própria dos peritos não possa ser atribuída a outras indiferenciadas pessoas (partes ou testemunhas).

Contudo, lê-se no art. 389º do C.C. que a “força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”. “Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos”. (17)

“Não tem, inclusivamente, de haver qualquer prevalência dos resultados da segunda perícia sobre os da primeira e, embora aquela se destine a corrigir a eventual inexactidão dos resultados obtidos desta (art. 487-3), os resultados de ambas são valorados segundo a livre convicção do julgador (art. 489” (18).

Precisa-se, porém, que, se por força desse princípio da livre convicção, o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos nela expostos.

Com efeito, uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova e outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos (Manuel de Andrade, ibidem).

Logo, o “juiz, querendo responder, num certo sentido, a determinados pontos de facto controvertidos, relativamente aos quais o relatório pericial inculca uma resposta diferente, deverá naturalmente analisar criticamente as restantes provas (…) e mostrar, até certo ponto, que as razões invocadas pelos peritos para lograr determinadas respostas não são convincentes à luz do quadro mais geral de certas provas, que terão inculcado na mente do julgador uma diferente convicção” (19).

Deverá, assim, reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova (maxime, da prova testemunhal), em abstracto concede-se que nem sempre a razão estará do lado do maior número, havendo que igualmente admitir a possibilidade de um perito ser induzido em erro.

Isto assente e reportando agora à situação vertente a análise critica da prova efectuada na motivação da decisão, embora refira que a convicção positiva sobre a materialidade contida no facto 22., dos factos provados, teve por fundamento “a prova produzida e/ou examinada em audiência”, o certo é que de um modo expresso apenas se fundamenta no relatório pericial junto aos autos, o qual, às queixas da Autora, refere o seguinte:

A1- “… não consegue caminhar sem auxilio de uma canadiana”;
“… dores na perna e pé esquerdos, que se agravam quando caminha. Dores no punho e dedos da mão direita, quando faz movimentos com a mesma”.
A2- “… dificuldades em fazer as actividades da vida diária e fazer a higiene pessoal (não consegue tomar banho sozinha).
- “… deixou de trabalhar na agricultura, por não conseguir desempenhar qualquer actividade da vida rural”, entendeu, na valorização dos danos permanentes que, e no item “AJUDAS” às Dependências Permanentes, a Autora necessita de:
- Ajudas medicamentosas (analgésicos e anti-inflamatórios);
- Tratamentos médico-regulares-fisioterapia; e
-Ajudas técnicas – canadiana.

Assim, e apesar das queixas apresentadas pela Autora, o Sr. Perito Médico não considerou que a A. não necessitava de apoio de 3ª pessoa, e que embora com esforços suplementares o seu Défice Funcional permanente era compatível com a actividade agrícola.

Ora, conforme resulta do disposto no artigo 655, nº 1, do C.P.C., o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Nesta actividade, com excepção dos casos em que a lei exige, para prova do facto, determinado meio probatório, não está o tribunal submetido a critérios ou regras pré-estabelecidas, devendo, considerá-las a todas, apreciá-las em conjunto, fazer a sua análise crítica, tendo em conta as regras da ciência, da lógica e da experiência comum a todo o homem médio.

Daqui decorre, como é sabido, que a convicção do julgador, não se reconduz a uma qualquer convicção subjectiva, mas antes numa convicção objectivável e motivável, fruto de um processo que apenas se completa e alcança por via racional, fundada nas regras da lógica e da experiência comum, do bom senso e, sempre que necessário, do conhecimento da ciência, terá de ser clara e inequivocamente explicitada, em ordem a, por um lado, promover a persuasão, o convencimento e a anuência das partes, e, por outro, a permitir também que a análise crítica dos elementos probatórios produzidos no processo seja controlada ou sindicada, igualmente de uma forma racionalmente fundada, quer pelas partes, como ainda pelo tribunal superior.

Nisto se traduz o princípio da fundamentação dos actos jurisdicionais instituído pelo artigo 205, nº 1), da C.R.P, que, contudo, se não refere apenas às decisões sobre o mérito da causa, mas a todas e quaisquer decisões em relação às quais o legislador resolva estender o princípio, incluindo o acto processual das respostas aos quesitos sobre a matéria de facto a que respeita o art. 653º, nº 2 do CPC (20).

Ao proceder à consagração de tal princípio constitucional, o art. 653º, nº 2, do CPC, visou, no essencial, alcançar dois desideratos:

a) Impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante do divergente’ (função de ordem endoprocessual);
b) Tornar possível um controlo externo sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão (função de ordem extraprocessual) (21).

Pode, assim, dizer-se, que a explicação da convicção do julgador tem em vista não só obter o convencimento das partes como permitir que a análise crítica dos elementos probatórios produzidos no processo seja sindicada, também de forma racionalmente fundada, pelas partes e pelo tribunal superior, além de permitir o controlo externo da decisão.
Por outro lado, tem vindo entender-se que na motivação, devem ser especificados os fundamentos decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos, incumbindo ao juiz o dever de indicar os “fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado’, sendo certo que tal exigência de motivação não se destina a ‘obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão”, já que através “dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente” (22).

Todavia, necessário se não revela, para o cabal cumprimento do dever constitucional de fundamentar a decisão proferida sobre a matéria de facto, fazer exarar pormenorizadamente todo o percurso lógico em que o julgador fez assentar a sua convicção, revelando-se suficiente se proceda a uma explanação do essencial e relevante ao esclarecimento da decisão, ou seja, a uma identificação precisa dos meios de prova em que o julgador assentou a sua convicção acerca de cada facto (ou conjunto de factos), com a expressa menção das razões justificativas da sua opção.

Destarte, e em decorrência do exposto pode afirmar-se que para que exista uma válida motivação necessário se revela a realização de uma análise crítica dos elementos probatórios produzidos nos autos, isto é, que se proceda á sua apreciação e valorização de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros) e também apreciar da sua consistência intrínseca (da sua verosimilhança), tudo isto à luz das regras da normalidade e da experiência da vida ou dos ensinamentos da ciência.

E é á luz de tudo o que se acaba de expender, que cumprirá apreciar se na decisão impugnada o Sr. Juiz a quo efectuou ou não uma expressa apreciação crítica dos elementos probatórios produzidos no processo por forma a justificar a sua convicção positiva sobre o facto em referência.

E, analisada a motivação realizada e acima transcrita, não se vislumbra a razão justificativa para a resposta proferida quanto ao facto 22. da matéria tida por demonstrada, pois que, sendo evidente que o aludido Relatório pericial a não pode alicerçar, e pese embora refira outros meios de prova produzidos e/ou examinados em audiência, o certo é que não indica nem efectua qualquer expressa análise de tais meios que permitam concluir sobre os meios probatórios de que se terá servido para ter considerado demonstrada tal factualidade.

Na verdade, não se nega que possa existir, e que até uma tal conclusão possa mesmo ter assento em prova produzida em audiência para que, conclusivamente, e sem qualquer análise crítica, se remete na motivação da decisão da matéria de facto.

Na verdade, não existem dúvidas é de que não se encontra expressamente descrita no despacho censurado a razão justificativa da resposta dada ao facto 22 da matéria controvertida.

Falta, pois, a fundamentação da resposta ao facto 22., dos factos tidos como demonstrados, uma vez que a decisão recorrida não enunciou as razões pelas quais determinou a conclusão de ter sido demonstrado, em juízo, a realidade do facto controvertido.

E, assim sendo, nos termos do 662º, nº 2, alínea d), do CPC, determinar a baixa dos autos à 1ª instância para que aí se fundamente a decisão quanto à resposta ao facto 22. da matéria de facto controvertida, em conformidade com as exigências previstas no art. 607º, nº 4 do CPC, nos termos acima expostos.

Em face do acabado de decidir, prejudicado fica o conhecimento das demais questões suscitadas na apelação - art. 608, nº2, do C.P.C.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em determinar, nos termos do art. 662º, nº 2, al. b), do CPC, a baixa do processo à 1ª instância para que o Sr. Juiz, em conformidade com as exigências previstas no art. 607º, nº 4 do CPC e nos termos acima expostos, fundamente a resposta proferida quanto ao facto controvertido com o número 22., da matéria de facto controvertida.

Custas a determinar a final.
Guimarães, 19/ 04/ 2018.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.

1. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127.
2. Ac. do STJ (4ª secção) de 12.03.2015 (Mário Belo Morgado), proc. 756/09.5TTMAI.P2.S1, in www.dgsi.pt.
3. Abrantes Geraldes, in ob. cit. págs. 228 e 229.
4. Cfr. A. Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora - 1984 - págs. 419 e 420.
5. Cfr. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
6. Cfr. Alberto do Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245.
7. Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
8. Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
9. Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol. (2ª edição revista e ampliada), p. 253 (citando a opinião de Michelle Taruffo).
10. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
11. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
12. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
13. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
14. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
15. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017)
16. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 262/263, com bold apócrifo.
17. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 583).
18. José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 298
19. Cfr. J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, p. 560).
20. Cfr. neste sentido, Acórdão do T.C. de 24/03/1994, BMJ 435-475.
21. Cfr. o Acórdão do T.C., mencionado na nota anterior.
22. Cfr.Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.