Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4321/10.6TBGMR.G1
Relator: CARVALHO GUERRA
Descritores: EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Sustada uma execução e reclamado o crédito noutra execução, não é exigível ao exequente que impulsione a execução sustada, pelo menos enquanto a outra se encontrar pendente, sendo que a questão apenas se coloca no caso de sustação integral, isto é, quando não haja outros bens penhorados pois, de contrário, a execução prossegue quanto aos outros bens e sobre o exequente impende o ónus de a impulsionar.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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Nos autos de execução comum em que é exequente “Tipografia …, Ldª” e executado Alberto …, foi proferido o seguinte despacho:
“A Exequente não impulsiona os termos do processo há mais de 6 (seis) meses.”.
“Assim sendo, por decorrência legal do estatuído no artigo 3º, n.º 1 do Decreto-Lei 4/2013, de 11/01 a instância executiva extinguiu-se”.
“Nesta sequência, determina-se o levantamento de toda e qualquer penhora concretizada à ordem destes autos e que ainda subsista, nomeadamente a penhora sobre imóvel registada a folhas 46”.
Deste despacho apelou a exequente, que conclui a sua alegação da seguinte forma:
- a execução deu entrada em juízo em 26/11/2010;
- após a realização da penhora sobre o prédio urbano constituído por casa com cave, rés do chão, 1º andar, sito no lugar de …, lote …, freguesia da Ponte, do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória de Registo Predial de Guimarães sob o nº …, e inscrito na matriz respectiva sob o artigo …º, inscrito a favor do executado com a apresentação nº 41, de 20/09/1995, penhora levada a registo pela apresentação nº 1709, de 17/12/2010, à exequente, ora recorrente chegou a informação através da Srª. Agente de Execução, que o prédio se encontra penhorado a favor da “Caixa …, SA”, aqui exequente, pela apresentação nº 3655, de 04/06/2009 – 07/05/2011, com a referência 2000454;
- a exequente, em 11/10/2011, por requerimento com a referência 827449, foi reclamar os seus créditos naqueles autos, que corriam termos neste Juízo sob o nº 1086/09.8TBGMR – vide documento 1 junto ao requerimento de 03/0672013 – ref. 2806688;
- não sem antes ter apresentado nos presentes autos requerimento, de 02/08/2011, dirigido a este tribunal em que se requer se providencie junto da SE/AE para sustação da presente execução, por pender sobre os mesmos bens penhorados penhora anterior – ref. 2073805;
- todavia e porque aqueles autos nº 1086/09.8TBGMR já terem sido extintos, existindo ainda uma outra penhora anterior (à da exequente) sobre aquele bem imóvel, a favor da “Caixa …, CRL”, de 19/11/2009, pela apresentação nº 4802, a exequente reclamou os seus créditos nos autos em que era exequente a CCAM, CRL, que correm ainda termos neste mesmo Juízo sob o nº 1452/08.6TBGMR – vide documento 3 junto ao requerimento de 03/0672013 – ref. 2806688;
- neste momento, não havendo quaisquer diligências conhecidas que sejam da exequente, aguarda-se os ulteriores trâmites processuais neste processo;
- estranha e inesperadamente, a recorrente foi notificada de despacho que extingue a instância executiva;
- tendo apresentado requerimento em 03/06/2013, com a referência 2806688, sem decisão;
- isto para dizer que, face ao alegado supra, estando suspensa a execução dos autos, por se verificar que, concretamente, neste mesmo Juízo sob o nº 1452/08.6TBGMR incidia sobre o bem imóvel penhorado uma penhora anterior, mais antiga, a favor da Caixa …, CRL, de 19/11/2009, pela apresentação nº 4802, onde a exequente reclamou os seus créditos e perante a falta de tramitação naquela execução, à exequente não é exigível qualquer impulso processual nos presentes autos;
- e qual seria o impulso, nestas circunstâncias concretas, que à exequente seria exigível? Requerer que as execuções, a presente e aquela que, sob o nº 1452/08.6TBGMR, corre termos neste mesmo Juízo, tivessem impulso processual do Sr. Juiz a quo?;
- à exequente, face ao circunstancialismo concreto, não resta senão aguardar até à venda executiva do bem na execução em que a penhora é mais antiga (proc. nº 1452/08.6TBGMR) ou até ao pagamento voluntário da dívida exequenda e do crédito da exequente reclamante pelo executado ou por terceiro com o pagamento das custas;
- se aí a exequente obtiver satisfação integral do seu crédito, por pagamento coercivo ou voluntário, a execução sustada será julgada extinta por inutilidade superveniente da lide com custas a cargo da exequente;
- não obtendo a exequente, na execução com penhora prioritária, satisfação integral do seu crédito e tendo já ali sido vendido o bem penhorado, já a execução sustada pode prosseguir, uma vez que cessou a causa que motivou a suspensão;
- e só neste caso, isso sim, tem o ónus de impulsionar a execução sustada;
- até aqui o exequente não pode promover o andamento da execução sustada de forma a passar às fases subsequentes: abertura do concurso de credores, venda executiva e pagamento (coercivo ou voluntário) e extinção da execução;
- não se pode olvidar que a suspensão da execução opera ope legis, não carece de ser requerida, declarável pelo Juiz, independentemente do impulso das partes;
- à exequente não é exigível qualquer outro comportamento, tendo ainda tentado provocar a suspensão por determinação de quem de direito, da instância executiva, através do requerimento de 02/08/2011, com a referência 2073805;
- o ónus de impulso processual que recaía sobre a exequente, face às circunstâncias do caso concreto, só poderá ocorrer com o pagamento, com venda naqueles autos mais antigos do bem imóvel (se não obtiver com esta venda satisfação integral do seu crédito) o que não é o caso dos autos;
- tendo, assim, reclamado o seu crédito, nada mais lhe resta do que aguardar pelo seu resultado no processo com penhora anterior;
- o mesmo é dizer que estando perante um caso de suspensão previsto na lei (artigo 276 nº 1, d) ex vi artigo 871º, ambos do CPC) não recai sobre o exequente o ónus de impulsionar a execução (art. 265º, nº 1 do CPC) não podendo afirmar-se que a execução está parada por facto que lhe é imputável (cfr. artígo 512º nº 2 b) do CCJ) ou por sua negligência (cfr. artigo 285 nº 1 do CPC). O prosseguimento da execução sustada está dependente da marcha da execução onde se verifica a penhora anterior que foi determinante da sustação daquela;
- se o bem penhorado já tiver sido anteriormente penhorado noutra execução, susta-se a execução em que a penhora foi posterior, concedendo a lei 3 possibilidades ao exequente: ou reclama o seu crédito na execução em que primeiro foi feita (registada) a penhora (art. 871º, nºs 1 e 2 do CPC); ou desiste da penhora do imóvel e nomeia outros bens em substituição (art. 871º, n.º 3 do CPC); ou reclama o crédito na outra execução e, simultaneamente, nomeia outros bens à penhora, se for previsível a impossibilidade de ser integralmente pago no outro processo, atenta a quantia exequenda e demais créditos ali reclamados;
- no caso sub judice, o exequente optou pela primeira possibilidade - reclamar o crédito exequendo na execução em que primeiro foi feita a penhora;
- agora, só lhe resta aguardar o desenvolvimento no processo executivo em que sobre o bem recai penhora anterior;
- assim sendo, não se mostravam reunidos os requisitos para ser declarada a extinção da instância, por o seu (da instância) desenvolvimento não depender de acto, de impulso da exequente;
- o douto despacho violou o disposto nos arts. 871, 276º, 285º e 291º do Código de Processo Civil, no art. 7º do Código Civil, devendo, por isso, ser revogado e alterado por outro conforme com as citadas normas legais, isto é, que considere a execução totalmente suspensa até à venda do bem na execução em que o Recorrente reclamou créditos.
Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogado e alterado o despacho sob censura, no sentido de que se considere a presente execução suspensa até à venda do bem na execução em que a recorrente reclamou créditos.
Não foram oferecidas contra alegações.
Cumpre-nos agora decidir.
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Delimitado como se encontra o objecto do recurso pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das apresentadas pelos Apelantes resulta que a questão que nos é colocada consiste em saber se, no caso de pender mais de uma execução sobre os mesmos bens e sustada a execução em que a penhora foi posterior, tendo o exequente reclamado o seu crédito na execução em que a penhora é mais antiga, a circunstância de o exequente não impulsionar os termos daquela não determina a sua extinção, nos termos do artigo 3º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 4/2013 de 11/01..
Inserido num declarado esforço no sentido de “... agilizar a tramitação das ações executivas pendentes, independentemente do regime jurídico ao abrigo do qual são tramitadas, com vista a uma mais rápida conclusão das mesmas” ... e no âmbito de “... uma intervenção legislativa pontual destinada a solucionar alguns dos principais óbices, quais sejam, a falta de impulso processual do exequente e a ausência de norma que preveja um desfecho para as execuções mais antigas nas quais, apesar das diversas diligências efetuadas ao longo dos anos, não tenham sido identificados quaisquer bens penhoráveis até à presente data, estando aqueles processos a congestionar, de forma desajustada e desproporcionada, os tribunais”, pretendeu-se que as execuções que estiverem paradas sem qualquer impulso processual do exequente há mais de seis meses, se extingam, mas apenas quando esse impulso seja devido – ver preâmbulo do Decreto-Lei n.º 4/2013 de 11/01.
Nesse sentido, o artigo 3º, n.º 1 deste diploma dispunha que “Os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se”.
Verificando-se a existência de mais de uma execução sobre os mesmos bens, o artigo 871º do Código de Processo Civil determinava a sustação daquela em que a penhora fosse posterior quanto a esses bens, colocando a lei ao alcance do exequente na execução sustada uma de duas possibilidades: reclamar o seu crédito na execução em que a penhora é mais antiga ou desistir da penhora e nomear outros bens em substituição daquele; qualquer destes caminhos é facultativo pelo que nos parece que, sustada uma execução e reclamado o crédito na outra, não é devido ao exequente que impulsione a sustada, pelo menos enquanto a outra se encontrar pendente, sendo que a questão coloca-se apenas no caso de sustação integral, isto é, quando não haja outros bens penhorados pois, de contrário, a execução prossegue quanto aos outros bens e sobre o exequente impende o ónus de a impulsionar.
E, no entanto, objectivo daquele diploma foi, como se disse, obviar a que os processos se eternizassem nas secções o que, na situação em apreço, não lograria alcançar precisamente porque falece o motivo que o justifica, qual seja a inércia do exequente.
Mas ainda que se entendesse que lhe era aplicável o disposto no artigo 3º, n.º 1 do mencionado diploma, para o que não encontramos qualquer fundamento é para a ordem de cancelamento da penhora, porquanto é a própria lei que faculta a reclamação do crédito na outra execução e só a circunstância de esse crédito beneficiar da garantia real que lhe é concedida pela penhora é que permite que ele aí seja atendido impondo-se, por isso, a revogação do despacho nessa parte.
Como quer que seja, o Decreto-Lei n.º 4/2013 foi revogado pelo Código de Processo Civil em vigor e que é aplicável de imediato aos processos pendentes e, neste diploma, a situação encontra-se expressamene prevista e regulamentada.
De acordo com o disposto no artigo 794º, “a sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850º”, cujo n.º 5 permite a sua renovação desde que o exequente indique os concretos bens a penhorar.
Esta norma não poderá deixar de ser levada em consideração neste decisão, até porque não faria qualquer sentido revogar a decisão da 1ª instância que, por força dela, teria de declarar a execução extinta; sem embargo, também se não poderá deixar de atender, para efeitos de custas, que o decaimento não é imputável à Apelante que, por isso, não incorre em condenação em custas.
Termos em que se acorda em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido na parte em que ordena o cancelamento da penhora.
Sem custas.
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Guimarães, 17 de Dezembro de 2013
Carvalho Guerra
José Manso Rainho
Conceição Bucho