Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3533/10.7TJVNF.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESCRIÇÃO
RECIBO DE QUITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional, o lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
II – O facto de não ter sido apresentada oportunamente queixa criminal não colide com o alongamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do art. 498º do Código Civil.
III – Os recibos de quitação são válidos e impedem o lesado que os subscreveu de pedir reparação de prejuízos que ultrapassem o montante nos mesmos fixados, a não ser que se trate de danos que só posteriormente vieram a ser revelados e, assim, imprevisíveis.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, Companhia de Seguros, S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe:
a) uma indemnização pelos danos patrimoniais, a título de lucros cessantes, cujo montante ascenderá à quantia a liquidar em execução de sentença, atenta a incapacidade permanente profissional a determinar nos presentes autos, acrescido dos juros de mora, à taxa legal e anual, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) a indemnização de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais por este já sofridos e cuja liquidação foi possível fazer até à presente data, bem como a indemnização pelos danos não patrimoniais que esta ainda vai sofrer, e cujo montante não é possível prever e, por isso, relega-se a sua liquidação para execução de sentença, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal e anual, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta este pedido, em síntese, na ocorrência de um acidente de viação ocorrido em 21.10.2005, no qual foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 70-33-PA, propriedade da sociedade “CC, Lda.”, de que é gerente, e por si conduzido, e o veículo ligeiro com a matrícula 78-47-OG, propriedade de DD e por este conduzido, atribuindo a culpa na eclosão do acidente ao condutor do veículo OG, estando a responsabilidade civil emergente da sua circulação transferida para a ré, a qual, aliás, reconheceu a culpa do referido condutor, tendo já indemnizado a dita sociedade pelos danos patrimoniais sofridos pelo OG. Mais alega que do acidente resultaram danos para a sua integridade física e saúde, cuja gravidade apenas recentemente foi detectada, dos quais se quer ver ressarcido nos montantes peticionados.
A ré contestou aceitando que o acidente em causa se ficou a dever a culpa exclusiva do seu segurado, alegando, porém, porém, que o autor foi devidamente tratado e indemnizado pela ré das lesões que sofreu e que, além da indemnização recebida pela proprietária do veículo conduzido pelo autor, a ré pagou a este, em 11.05.2006, a quantia de € 11.068,28, correspondente a salários retidos, transportes e outras despesas e a título de danos morais, tendo o autor dado quitação total à ré em virtude desse pagamento, concluindo nada dever ao autor.
Invocou ainda a excepção da prescrição, defendendo que o crime subsumível ao acidente dos autos foi o de ofensas corporais simples negligentes, sendo que o conhecimento do direito do autor a ser indemnizado ocorre desde a data do acidente.
No mais impugna a factualidade alegada, nomeadamente as lesões invocadas, que diz não resultarem do acidente, alegando também desconhecer a sua origem e extensão.
Conclui pela sua absolvição do pedido e pela condenação do autor como litigante de má-fé.
Houve réplica, concluindo o autor como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e a que constituiu a base instrutória, a qual não foi objecto de reclamações.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:
«Com fundamento no atrás exposto:
a) condeno a ré BB Companhia de Seguros, S.A a pagar ao autor a quantia de € 32.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação, até efetivo e integral pagamento.
b) absolvo a ré BB Companhia de Seguros, S.A, do restante pedido contra si deduzido.
c) julgo improcedentes as exceções de prescrição e de cumprimento da obrigação invocadas pela ré.
Não se indicia litigância de má-fé.
Custas por autor e ré na proporção dos seus decaimentos».
Inconformada, a ré apelou do assim decidido, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«I – Na sua douta decisão, entende o Tribunal recorrido “…que os danos reivindicados pelo autor neste processo, como se verifica compulsando a p.i., correspondem a sequelas lesivas do acidente que se manifestaram posteriormente, e que o autor apenas vai ter conhecimento serem consequência deste, quando for notificada da presente sentença.”.
II – Ou seja, o Tribunal vai informar o A. sobre qual deverá ser o objeto do seu pedido, ao notificá-lo da sentença! O que frontalmente contraria o que se encontra instituído no nº 1 do art.º 609º do CPC: “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”, sob pena de nulidade.
III - Ora, se não exorbita na quantidade, o douto Tribunal a quo fá-lo já na qualidade, ou seja, estabelece qual é que deveria ser o objeto do pedido do A., quando o notifica da sentença! Mais grave é que, ao fazê-lo, estabelece um novo prazo prescricional, remetendo-o para “a fixação da matéria de facto provada”, pois apenas nessa altura “o autor passa a ter conhecimento do direito à indemnização”.
Entende a R. / Apelante que assim não é, nem pode ser.
IV - Na verdade, já no artigo 36º da sua p.i., o A. refere que “…com dores fortes e persistentes, dirigiu-se a um médico especialista, mais concretamente, o Prof. Dr. Armando Mansilha, que o acompanhou desde meados daquele ano de 2006, em consultas de angiologia e cirurgia vascular”.
Na sequência desta observação, ter-lhe-á sido diagnosticada, por aquele Médico, a “oclusão da carótida interna direita”, “confirmada por angioressonância” – artigo 37º da p.i.
V - Na Clínica Médica do Dr. Campos Costa, num exame efetuado em Fevereiro de 2007 (doc. nº6 junto com a p.i.), viria a confirmar-se a dita “oclusão da carótida”, e é da mesma data, i. é, Fevereiro de 2007, o relatório do Instituto de Radiologia Dr. Pinto Leite, resultante de uma “angiografia colorida carotídea e vertebral” que conclui padecer o A. de “oclusão pós-bulbar da carótida interna direita”.
VI - Ora, na sequência de todos estes meios complementares de diagnóstico a que entendeu por bem recorrer, e com a opinião escrita do Prof. Dr. Armando Mansilha “de que as lesões foram provocadas pelo acidente de viação” (pelo menos, foi esse o entendimento que o A. quis dar ao relatório deste Médico e que foi, a final, sufragado pelo Tribunal a quo) “o Autor, em Março de 2007, deu conhecimento desse facto à R., com pedido de reabertura de processo que, posteriormente, instruiu com todos os exames efetuados…” – artigo 43º da p.i.
VII - São, portanto, de meados de 2006 e Fevereiro / Março de 2007 – e segundo as próprias afirmações do A. na sua p.i. – as opiniões dos Clínicos, consubstanciadas nos exames nessa altura efetuados, de que teria ocorrido uma oclusão da carótida direita do A., fenómeno que seria a origem de toda a patologia verificada.
VIII - Não é, pois, verdade, que tenha sido na sequência do relatório final do Dr. Joaquim Pinheiro, de 28 de Setembro de 2010, que o A. tomou conhecimento das lesões e, desta forma, do direito que lhe compete – cfr. artigos 48º e 49º da p.i. – e, por maioria de razão, não será verdade que venha a ter conhecimento desse direito, com a notificação da sentença!
IX - Este relatório de Setembro de 2010 – aliás, muito conveniente, face à necessidade da propositura da ação, em Outubro do mesmo ano – limita-se a elencar os factos relatados pelo A. e a confirmar, através de uma ressonância magnética, as lesões já constatadas mais de três anos antes! De resto, o relatório refere uma Síndrome de Horner (que, diga-se, também pode ter causa congénita), com alguns dos seus principais sintomas: Ptose (queda parcial da pálpebra) e Miose (constrição da pupila), aspetos que, diga-se de passagem, resultam da simples observação visual.
X - Ilustríssimos Desembargadores, é muito claro para a R. e Apelante, conforme será já para Vs. Exªs também: no caso sub judice, o lesado teve conhecimento de direito que lhe assistia bem antes do Relatório que o A. convenientemente arranjou em Setembro de 2010, bem sabendo que toda a sua situação clínica – que ele atribui ao acidente de que foi vítima – já se encontrava definida, pelo menos, desde Março de 2007, ou seja, bem para lá dos três anos que haviam de decorrer até que a ação fosse intentada e a R. fosse citada!
XI - Acresce que a douta sentença a quo – a aqui, andou bem - nem sequer considerou o prazo específico concedido pelo nº3 do art.º 498º do C.C., para o caso do facto ilícito ser considerado crime, mas sim o nº1, do mesmo preceito. E mesmo que assim não fosse, é o A. que “cria” a qualificação do crime, na douta p.i., classificando-o de “ofensa à integridade física grave” (e, deste modo, enquadrando o caso no prazo prescricional de 5 anos).
XII - Mas, na verdade, e como é bom de ver, do acidente dos autos poderia apenas resultar uma acusação por crime por ofensa à integridade física por negligência – artº 148º, nº1 do C.P. mas, como também é consabido, o procedimento criminal depende de queixa – nº4 do referido artigo – procedimento que inexiste, pelo que se não se conhece qualquer sentença-crime que condene (ou absolva…) o condutor do veículo seguro na R., e de que forma! Ora, “III – Nos casos em que é necessária a queixa para haver procedimento criminal e o titular do direito de queixa o deixar prescrever ou a ele renunciar, torna-se impossível aplicar o prazo mais amplo previsto no nº3 do art.º 498º do C.Civil.”[1]
XIII - Pelo que deveria, assim, e pelo Tribunal recorrido, ser considerada extemporânea a propositura da presente ação e, desta forma, prescrito o direito do A., absolvendo-se a R. do pedido.
XIV – Entendeu, igualmente, o Tribunal a quo, não atender à exceção perentória de cumprimento da obrigação, alegada pela R. / Apelante na sua Contestação, baseando este entendimento no facto de “o alcance da declaração de quitação assinada pelo autor abrange apenas os danos patrimoniais e não patrimoniais de que o mesmo era conhecedor à altura, pois os que vieram a surgir depois não podiam ter sido levados em conta pelo autor por, na altura da subscrição da declaração de quitação, desconhecer a existência desses danos,…”.
XV – Ora, É o próprio A. que menciona, no artigo 47º da sua douta p.i. “…e porque os problemas do Autor persistiam, como ainda hoje persistem, pois padece das mesmas lesões: tem fortes dores de cabeça…”.
Se padece das mesmas lesões, estas não são supervenientes! Já existiam, bem antes de Setembro ou Outubro de 2010..!
XVI - O próprio Prof. Dr. Rui Vaz, o qual observou o A. na sua Clínica, por solicitação da R., refere no seu relatório – e este é igualmente transcrito pelo A., na sua Réplica, na parte que lhe interessa – “1. O acidente de viação ocorreu em Outubro de 2005; 2. O quadro de cefaleia direita intensa que levou ao diagnóstico de oclusão da carótida, ocorreu em Fevereiro de 2007; 3. A circulação colateral que se estabeleceu permitiu que, da oclusão da carótida, não resultasse qualquer lesão encefálica. Neste contexto escrevi, em Maio de 2007, que era impossível confirmar ou excluir a relação entre o acidente e a oclusão arterial, o que mantenho. Na verdade, o intervalo de tempo decorrido e o quadro sintomático de Fevereiro de 2007, torna a possibilidade de relação causa-efeito, em minha opinião, menos provável, mas impossível de excluir.”
XVII - Provado o nexo ou não, impossível de excluir ou não, a verdade é que o “O quadro de cefaleia direita intensa que levou ao diagnóstico de oclusão da carótida, ocorreu em Fevereiro de 2007”!
XVIII - Mais, do mesmo Acórdão de onde o A. retira o teor do artigo 19º da Sua douta Réplica – Ac. TRC, de 11-05-2010, proc. 210/07.0TBCDN.C1, pode retirar-se também:
I - O prazo estabelecido no n.º 1 do art. 498.º do Cód. Civil conta-se do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos - outros danos - que sofreu.”
Ou seja, se falamos de “outros danos”, não falamos, obviamente, de danos que, como já vimos, sempre terão existido (a seguir ao acidente, leia-se…), mas que não foram, em tempo, reclamados.
Ou seja ainda, dormientibus non sucurrit jus, que vale o mesmo que dizer: Se, posteriormente às indemnizações recebidas em Maio de 2006 – nas quais deu, efetivamente quitação total – o A. entendeu existirem recidivas em Fevereiro/Março de 2007, seria nessa altura que deveria exercer o seu interesse direto em demandar.
XIX - Estipula o nº1 do art.º 815º do C. Civil: “A mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor”.
É nesta medida que a R. / Apelante alega ter existido abuso de direito, por parte do A. – artigo 39º da sua Contestação – por este não ter sido exercido em tempo, defraudando, assim, a expectativa da contraparte e a segurança jurídica.
É nesta medida, também, que a R. / Apelante considera ter lugar a exceção perentória de cumprimento da obrigação, e que importa a absolvição do pedido.
XX – No que respeita à fixação da matéria de facto, foi considerada pelo Tribunal a quo como não provada:
a. “Do quesito 19) Tendo apenas ora, mais concretamente, com o último relatório médico, mais concretamente “Relatório de Neurologia”, do Sr. Dr. Joaquim Pinheiro, datado de 28 de Setembro de 2010, junto com o documento nº13, que o autor tomou conhecimento de que as lesões de que padece, que se consubstanciam numa “dissecação da artéria carótida interna”, são consequência direta e necessária do acidente de viação supra descrito”
b. “Do quesito 20) Apenas com este relatório médico, teve conhecimento absoluto e categórico de que a lesão de que padece foi causado pelo acidente de viação.”
c. “Do quesito 23) sendo constantes os alertas que são efetuados pelos médicos que acompanham o autor, no sentido de ter um cuidado extremo com a saúde…como não possui duas carótidas a funcionar de forma a uma compensar a outra – como normalmente acontece – o autor simplesmente não resistirá, sendo quase certa a sua morte súbita.”
d. “Do quesito 24) O que acarreta para o autor um sério receio e um medo constante de morrer…”.
e. “Do quesito 25) e dificuldades de visão.”.
f. “Do quesito 30) Sentindo e antevendo, constantemente, a morte...”.
g. “Do quesito 31) Terrível antevisão que persegue o autor e lhe provoca grande medo, ansiedade e perturbação.”
XXI - Apesar de tudo o supra referido ser considerada como matéria não provada, todos estes factos são utilizados pelo Tribunal a quo, na sua fundamentação para atribuição, v.g., de uma indemnização por danos não patrimoniais! Mais, os quesitos 19) e 20) – também constantes na matéria não provada, e de extrema importância, porque é neste relatório final de Setembro de 2010 que o A. fundamenta o seu petitório, e o Tribunal a quo justifica a sua (errada) decisão de não considerar prescrito o direito!
XXII - Na sua “fundamentação de facto”, o douto Tribunal a quo refere que “atendeu à conjugação de toda a prova produzida em audiência”, e também que “Para além da prova testemunhal, o Tribunal atendeu à prova documental junta aos autos…”. “Muito relevante”, acrescenta”, “foi ainda a prova pericial realizada nos autos…”.
Ora, da prova pericial, faz parte também o já mencionado relatório técnico-científico do INMLCF, do qual a douta sentença apenas parece ter retirado que “…do ponto de vista da hemodinâmica cerebral, a oclusão de uma carótida representa um ‘handicap’.”, mas não retirou, v.g., que “…Note-se que a oclusão carotídea é uma medida terapêutica ainda hoje utilizada em certos tipos de cirurgia vascular. A referência a uma quase certa morte súbita não tem fundamento científico.”…
XXIII - E a “fundamentação de facto” da douta sentença termina deste modo: “Os factos não provados, resultaram da absoluta falta de prova sobre os mesmos, quer porque as testemunhas ouvidas não tinham um conhecimento direto sobre os factos, quer porque da prova documental ou pericial os mesmos também não resultam, quer porque da prova resultou coisa diferente.”.
Na realidade, a absoluta falta de prova dos factos elencados supra (conclusão XXII), não evitou que o Tribunal a quo fundamentasse a sua decisão nos mesmos, contrariando, assim, o que se estipula no nº 4 do art.º 607º do CPC.
XXIV - Ainda na parte da sua “fundamentação”, o Tribunal recorrido refere também:
Com efeito, da prova testemunhal produzida pelo autor,…, desde a data do acidente, ou desde pouco tempo depois, o autor começou a ter queixas de fortes dores de cabeça, que inicialmente relacionadas com o traumatismo do embate, foram sendo desvalorizadas, mas que, mantendo-se, levaram a que o autor fosse consultar uma série de médicos especialistas, donde resultaram uma série de exames específicos, que até aí não haviam sido feitos ao autor, e de onde resultou o diagnóstico da patologia que o mesmo hoje apresenta.”.
Ora, nada de mais errado, e conforme supra já se demonstrou, as queixas de fortes dores de cabeça, as consultas aos Médicos Especialistas e os correspondentes exames auxiliares de diagnóstico, ocorreram já (e pelo menos) desde os princípios de 2007; portanto, o diagnóstico da patologia existe já desde essa altura e não foi descoberto em 2010, quando houve necessidade de instruir um processo!
XXV – Donde se conclui que a sentença em crise violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 815º, nº1 do C. C. e 607º, nºs 3 e 4 e 609º, nº1 do C.P.C., devendo o presente recurso, como delimitado pela Recorrente, ser considerado procedente, anulando-se a sentença recorrida, nos termos do art.º 615º, nº1 – e) ou, se assim não se entender, reformando-a porque o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não fez uma correta subsunção do Direito aos factos».

O autor contra-alegou, batendo-se pela confirmação do julgado.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consistem em saber:
- se a sentença é nula por ter condenado ultra petitum;
- se prescreveu o direito do autor;
- se a quantia paga a título de indemnização pela ré ao autor abrange todos os danos por este sofridos em consequência do acidente ajuizado;
- se houve erro de julgamento.

II – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos[2]:
Dos factos assentes
1. O autor, AA, era (e ainda é atualmente), à data do acidente de viação, ocorrido no dia 21 de Outubro do ano de 2005, gerente da sociedade comercial “CC, Lda.”, legítima proprietária do veículo automóvel ligeiro, da marca Peugeot, com o número de matrícula 70-33-PA [alínea A)].
2. Veículo esse que, na data do acidente de viação, 21 de Outubro de 2005, era conduzido pelo autor [alínea B)].
3. Entre o proprietário do veículo automóvel ligeiro, da marca Volkswagen, modelo Bora, com o número de matrícula 78-47-OG, causador do acidente de viação, DD, e a ré, Companhia de Seguros, existia à data da ocorrência do acidente, um contrato de seguro, titulado pela Apólice nº 004580387799 [alínea C)].
4. Contrato de seguro validamente celebrado, eficaz e em vigor, mediante o qual, o proprietário do referenciado veículo havia transferido para aquela, a respetiva responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo identificado veículo [alínea D)].
5. A ré indemnizou a sociedade “CC, Lda.” dos danos patrimoniais sofridos no veículo automóvel propriedade desta [alínea E)].
6. No dia 21 de Outubro de 2005, cerca das 13 horas, no lugar da Igreja Velha, da freguesia de Calendário, concelho de Vila Nova de Famalicão, ocorreu o supra referenciado acidente de viação, no qual intervieram os identificados veículos automóveis: o veículo automóvel ligeiro, de marca Peugeot, com o número de matrícula 70-33-PA, propriedade da sociedade comercial identificada, da qual o autor era (e ainda é) gerente, e na ocasião por este conduzido, e o veículo automóvel, segurado da ré, propriedade de DD, ligeiro, com o número de matrícula 78-47-OG, na altura do acidente conduzido por este [alínea F)].
7. O veículo automóvel conduzido pelo autor, de matrícula 70-33-PA, circulava no referido lugar da Igreja Velha, junto ao cemitério daquela freguesia de Oliveira São Mateus, a uma velocidade moderada, cerca de 30 Km/hora [alínea G)].
8. Pela sua mão de trânsito, a direita, considerando o seu sentido de marcha, com muita atenção e cuidados ao desenrolar do restante tráfego [alínea H)].
9. Ainda antes de chegar ao entroncamento sem prioridade à direita, existente logo a seguir ao mencionado cemitério, atento o sentido de marcha do autor, súbita, inesperada e inopinadamente, sem que nada o fizesse prever, foi o veículo automóvel de matrícula 70-33-PA, conduzido pelo autor, estrondosa e violentamente embatido na sua frente lateral esquerda, pela parte frontal do veículo 78-47-OG, fazendo colidir o veículo do autor, no seu lado direito, contra a parede do cemitério [alínea I)].
10. Isto porque o seu condutor, DD, saiu do referenciado entroncamento com sinal de paragem obrigatória (Stop), entrou na hemi faixa de rodagem em sentido oposto ao do autor, e, como fez constar na Declaração Amigável de Acidente de Viação, que aqui se junta como sendo o documento nº1, ao arranjar a pala do sol da sua viatura, o condutor DD saiu da sua hemi faixa de rodagem, invadiu a hemi faixa de rodagem onde circulava a viatura conduzida pelo autor e colidiu com esta [alínea J)].
11. O autor em nada contribuiu para a produção do mesmo e, por outro lado, nada pode para fazer evitar o sinistro [alínea L)].
12. Facto que, aliás, foi de imediato reconhecido pelo condutor do veículo automóvel 78-47-OG, segurado da ré, no ponto 5, da Participação de Sinistro, do documento junto sob o nº1, quando declara que quem foi culpado foi o veículo identificado pela letra A (78-47-GO) “porque saiu da sua faixa de rodagem” [alínea M)].
13. Na verdade, o condutor do veículo segurado da ré, entrou na faixa de rodagem onde seguia o autor, e não cuidou manter o veículo que conduzia na sua hemi faixa de rodagem, indo embater frontalmente no veículo conduzido pelo autor [alínea N)].
14. A própria ré assumiu a total responsabilidade emergente do descrito acidente de viação, e em 07 de Dezembro de 2005, procedeu ao pagamento da indemnização no valor de € 4.000,00 (quatro mil euros), referente aos danos na viatura 70-33-PA [alínea O)].

Da base instrutória
15. Devido aos ferimentos e às dores de que padecia, logo após o acidente de viação, foi o autor encaminhado para o Hospital Narciso Ferreira, Misericórdia de Riba de Ave, concelho de Vila Nova de Famalicão onde recebeu os primeiros socorros [quesito 1º].
16. Apresentando-se com dores no peito, na região do pescoço e na cabeça, foi encaminhado para os serviços de radiologia daquele serviço hospitalar, onde efetuou raio-x e esteve em observação algumas horas [quesito 2º].
17. Tendo-lhe sido diagnosticado um traumatismo crânio encefálico, alegadamente, sem maiores sequelas, apesar das dores que manifestava ter, junto da equipa médica, foi-lhe dada alta clínica [quesito 3º].
18. Porém, atentas as fortes dores de que padecia, mormente, cefaleias intensas hemicranianas direitas, durante dias e de forma contínua, ficando, inclusive, incapacitado de trabalhar, recorreu aos serviços clínicos de um médico amigo da família, e teve apoio e seguimento pelo departamento médico da ré [quesito 4º].
19. E assim sucedeu até ao dia 03 de Abril de 2006, data em que teve alta, sem que lhe fosse atribuída qualquer incapacidade para o trabalho [quesito 5º].
20. Sucede que, apesar da alta médica, com indicação de retoma ao serviço em 04 de Abril de 2006, o autor continuava, e continua ainda, a padecer de fortes dores na cabeça, com dificuldades em abrir o olho direito, que implicam esforços suplementares no trabalho [quesito 6º].
21. Pelo que, o autor se viu compelido a recorrer novamente aos serviços clínicos do referido médico, que o aconselhou a ser seguido por serviços da especialidade de angiologia e cirurgia vascular [quesito 7º].
22. O autor, com dores fortes e persistentes, dirigiu-se a um médico especialista, mais concretamente, o Prof. Dr. Armando Mansilha, que o acompanhou, em consultas de angiologia e cirurgia vascular [quesito 8º].
23. Observado pelo Dr. Armando Mansilha foi-lhe diagnosticada “oclusão da carótida interna direita”, confirmada por angioressonância (cfr. declaração médica junta sob o documento nº 5) [quesito 9º].
24. Lesões que, no entender daquele Prof. Dr., teriam como causa o acidente ocorrido e supra relatado, uma vez que o autor não apresentava sinais, pelas análises e exames efetuados, de que tais lesões pudessem ter como causa qualquer trombose – vide documento nº 5 [quesito 10º].
25. Efetuada ressonância magnética pelo Dr. Alfredo Stocker, da Clínica do Dr. Campos Costa, fez-se constar no respetivo relatório (cfr. doc. nº 6), não existir imagem de enfarte constituído, registando oclusão da artéria carótida interna direita intracraniana [quesito 11º].
26. Submetido a exame “Eco-Dopller Transcraniano”, consta do respetivo relatório – (cfr. doc. nº 7) –, que:
a) Na janela orbitária: enquanto a esquerda encontra-se dentro da normalidade, já a direita apresenta fluxo de sentido fisiológico mas baixas velocidades;
b) Na janela temporal: salienta-se um aumento da velocidade de fluxo nos segmentos A1 esquerdo e P1 direito, e inversão do sentido do fluxo no segmento A1 direito, compatível com colaterização para território carotídeo direito [quesito 12º].
27. Sendo que, na conclusão de tal relatório consta que o autor apresenta “sinais de colaterização para território carotídeo direito através da comunicante anterior e da posterior direita…; a artéria oftálmica direita apresenta baixa velocidade de fluxo de sentido fisiológico” (cfr. relatório do exame Eco-Dopller Transcraniano, junto sob o documento nº 7) [quesito 13º].
28. Resultando o mesmo diagnóstico da “Angiodinografia Colorida Carotídea e Vertebral”, (cfr. doc. nº 8), e onde consta em conclusão que o autor padece de “Oclusão pós-bulbar da carótida interna direita.” [quesito 14º].
29. Com a indicação do Prof. Dr. Armando Mansilha – de que a lesões foram provocadas pelo acidente de viação –, o autor, em Março de 2007, deu conhecimento desse facto à ré, com pedido de reabertura do processo, que posteriormente instruiu com todos os exames efetuados e supra referenciados (documentos nº 9 e 10) [quesito 15º].
30. Pedido de apreciação que foi reiterado em Janeiro de 2008 (documentos nº 11 e 12) [quesito 16º].
31. Não obstante, e porque os problemas do autor persistiam, como ainda hoje persistem, pois padece das mesmas lesões: tem constantes e fortes dores de cabeça, com maior incidência para o lado direito, atingindo o olho direito, que tem sérias dificuldades em manter aberto (vide documento nº6, onde é referida a existência de cefaleias tipo hemicrania direita com atingimento ocular), este continuou a ser seguido medicamente, recorrendo ultimamente a especialistas de neurologia [quesito 18º].
32. Como consequência direta e necessária do acidente de viação circunstanciadamente relatado, o autor sofreu um traumatismo craniano que provocou uma dissecação da artéria carótida interna/oclusão da artéria carótida interna direita intracraniana, de carácter irreversível [quesito 21º].
33. Carácter irreversível que advém do facto de lesões não serem passíveis de ser tratadas, encontrando-se inviabilizada qualquer hipótese de cura [quesito 22º].
34. Do ponto de vista da hemodinâmica cerebral a oclusão de uma carótida representa um “handicap”, no entanto impossível de quantificar [quesito 23º].
35. O autor tem medo de morrer por causa deste problema de saúde [quesito 24º].
36. Ora, a angústia de que padece e atormenta o autor, bem como as referenciadas lesões, com dores constantes, originam dificuldades na atividade laboral do autor que tem que lidar a todo o momento com os trabalhadores, fornecedores, clientes das sociedades comerciais que gere [quesito 25º].
37. Assim, o autor, em função da gravidade e irreversibilidade das lesões traumáticas sofridas e sequelas definitivas, permanentes e atuais de que padece, causadas como consequência direta e necessária do sinistro dos autos de que foi vítima, padece de um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 2 pontos [quesito 26º].
38. O autor contava à data do acidente de viação dos autos com 55 anos de idade, – documento nº 14 –, era uma pessoa saudável e com grande capacidade de trabalho, auferindo a quantia de €602,00 e €498,80, a título de remuneração [quesito 27º].
39. Com efeito, o autor sofreu e continua a sofrer dores, tanto no momento do embate, mas principalmente em momento posterior, quantificáveis no grau 2/7 [quesito 28º].
40. O autor tem medo de morrer por causa deste problema de saúde [quesitos 30º e 31º].
41. Com efeito, o autor era uma pessoa saudável, independente, alegre, dinâmica, descomplexado, com grande capacidade de trabalho, e após o acidente tornou-se uma pessoa triste, e por vezes dependente do auxílio e colaboração dos familiares [quesito 33º].
42. Além da indemnização recebida pela proprietária do veículo seguro e referida pelo autor no artº 9 da p.i., a ré pagou ao aqui autor, em Fevereiro, Março e Maio de 2006, a quantia de total de 11.068,28€, correspondentes a salários retidos, transportes e outras despesas e danos morais [quesito 34º].
43. Tendo o autor dado quitação total à aqui ré em virtude de tal pagamento [quesito 35º].
44. Em 11 de Maio de 2006 o autor ficou dado como curado sem incapacidade, pela ré, e como tal foi integralmente indemnizado, tendo dado à aqui ré total quitação, conforme recibo assinado por este [quesito 36º].
45. O Prof. Doutor Rui Vaz foi de parecer que a possibilidade de existência de causa-efeito entre o acidente e o quadro sintomático de Fevereiro de 2007 era pouco provável [quesito 38º].
46. O referido neurocirurgião, entende igualmente não haver sequelas neurológicas enquadráveis na TNI [quesito 39º].
Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos.
- no quesito 4º: «da sua médica de família».
- no quesito 6º: «o incapacitavam de laborar».
- no quesito 7º: «sua médica de família».
- no quesito 8º: «desde meados daquele ano de 2006».
- no quesito 17º: «Sucede que, em resposta aos pedidos efetuados, a ré, através do seu funcionário/colaborador, Sr. João Barros, transmitiu que as declarações médicas e relatórios clínicos já tinham sido analisados e que o seu corpo clínico, mais concretamente o Dr. Bastos que acompanhou o autor e lhe deu alta, mantinha a posição anteriormente assumida, ou seja, que as “mazelas” de que padece o autor não têm como causa o acidente em questão, nada resultando em contrário dos elementos clínicos enviados».
- no quesito 19º: «Tendo apenas ora, mais concretamente, com o último relatório médico, mais concretamente “Relatório de Neurologia”, do Sr. Dr. Joaquim Pinheiro, datado de 28 de Setembro de 2010, junto como documento nº 13, que o autor tomou conhecimento de que as lesões de que padece, que se consubstanciam numa “dissecação da artéria carótida interna”, são consequência direta e necessária do acidente de viação supra descrito».
- no quesito 20º «Apenas com este relatório médico, teve conhecimento absoluto e categórico de que a lesão de que padece foi causada pelo acidente de viação».
- no quesito 22º: «atento o facto de não terem sido sequer detetadas pelos serviços que prestaram os socorros logo após o acidente, nem mesmo o corpo clínico da ré que seguiu o autor até 03 de Abril de 2006».
- no quesito 23º: «Sendo constantes os alertas que são efetuados pelos médicos que acompanham o autor, no sentido deste ter um cuidado extremo com a sua saúde, mormente com a sua alimentação, dado que apenas tem uma carótida a funcionar, do lado esquerdo e, em caso de acidente vascular cerebral, como não possui as duas carótidas a funcionar de forma a uma compensar a outra – como normalmente acontece –, o autor simplesmente não resistirá, sendo quase certa a sua morte súbita ».
- no quesito 24º: «O que acarreta para o autor um sério receio e um medo constante de morrer, pois a morte surge-lhe praticamente “diagnosticada” e iminente, como uma bomba que a qualquer momento pode explodir».
- no quesito 25º: «e dificuldades de visão».
- no quesito 29º: «As dores de que padece agudizam-se com as mudanças climatéricas ou a realização de um esforço maior».
- no quesito 30º: «Sentindo e antevendo, constantemente, a morte, face aos alertas médicos que lhe são feitos de que a qualquer momento pode ser vítima fulminante de acidente vascular cerebral, atenta a lesão que tem na carótida interna direita».
- no quesito 31º: «Terrível antevisão que persegue o autor e lhe provoca grande medo, ansiedade e perturbação».
- no quesito 32º: «Sentindo-se o autor triste, angustiado, deprimido e envergonhado com o facto de não ter conseguir abrir completamente o olho direito, sobretudo quando as dores de cabeça se intensificam, refugiando-se quando possível».
- no quesito 34º: «em 11/05/2006».
- no quesito 37º: «Da posse dos diversos exames radiológicos juntos, a ré marcou ao autor uma consulta no hospital de Santa Maria, com o Prof. Doutor Rui Vaz, em Maio de 2007».
- no quesito 39º: «que acompanhou o autor».
O DIREITO
Da nulidade da sentença
Segundo a recorrente, a sentença é nula por aí se ter considerado “…que os danos reivindicados pelo autor neste processo, como se verifica compulsando a p.i., correspondem a sequelas lesivas do acidente que se manifestaram posteriormente, e que o autor apenas vai ter conhecimento serem consequência deste, quando for notificada da presente sentença.”.
No entender da recorrente, isso significa que é o Tribunal que vai informar o autor sobre qual deverá ser o objecto do seu pedido, quando o notificar da sentença, o que contraria o disposto no nº 1 do art. 609º do CPC, onde se prescreve: “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”
Ainda segundo a recorrente, se “não exorbita na quantidade”, o Tribunal a quo fá-lo já na “qualidade”, ao estabelecer o que deveria ser o objecto do pedido do autor, quando este é notificado da sentença, e mais grave é que, ao fazê-lo, estabelece novo prazo prescricional, remetendo-o para “a fixação da matéria de facto provada”, pois apenas nessa altura “o autor passa a ter conhecimento do direito à indemnização”.
Não tem, porém, razão.
A recorrente parece confundir eventual erro de julgamento com o que seja a nulidade da sentença por condenação ultra petitum prevista na alínea e) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Na verdade, a Mm.ª Juíza a quo pronunciou-se, como se impunha, sobre a invocada excepção da prescrição, decidindo que no caso concreto a mesma não ocorria.
Em momento algum da sentença se estabeleceu aquilo que deveria ser o objecto do pedido do autor. O que se fez na sentença foi considerar que o conhecimento por parte do autor sobre o nexo de causalidade entre as sequelas manifestadas e o acidente, ocorreu apenas com a notificação da sentença onde se fixou a matéria de facto relevante a esse propósito. Se assim é ou não, ver-se-á de seguida.
A sentença não enferma, pois da nulidade invocada.

Da prescrição do direito do autor
Escreveu-se na sentença recorrida:
«(…), os danos reivindicados pelo autor neste processo, como se verifica compulsando a p.i., correspondem a sequelas lesivas do acidente que se manifestaram posteriormente, e que o autor apenas vai ter conhecimento serem consequência deste, quando for notificado da presente sentença.
Com efeito, até ser fixada aqui a matéria de facto provada e não provada, não sabia nem o autor, nem a ré, que as sequelas que este apresenta são consequência do acidente que sofreu em Outubro de 2005, pois que o nexo de causalidade entre o acidente e tais sequelas estava posto em causa, e nem sequer a perícia realizada tinha concluído de uma forma segura pela existência do mesmo.
Nos termos do art. 498º nº 1 o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito.
Assim, o prazo de prescrição não começou sequer a correr a esta data, pois que só com a fixação da matéria de facto provada é que o autor passa a ter conhecimento do direito à indemnização (em relação a esses danos).
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, como decorre do art. 323º nº 1.
A ré foi citada para esta ação em 19 de Outubro de 2010, pelo que, sem qualquer dúvida, nesta data não já havia decorrido o prazo prescricional.
Não se verifica, assim, a invocada exceção da prescrição.»
Insurge-se a recorrente contra este entendimento, sustentando que o autor teve conhecimento do direito que lhe assistia, pelo menos desde Março de 2007, altura em que toda a sua situação clínica já se encontrava definida, portanto para lá dos três anos a que alude o nº 1 do art. 498º do CC, sendo que no caso do facto ilícito ser considerado crime, trata-se de um crime por ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1, do Código Penal, dependendo o procedimento criminal de queixa que, in casu, inexiste, pelo que deveria o tribunal considerar extemporânea a propositura da acção e, desta forma, prescrito o direito do autor.
Vejamos.
Na prescrição, o prazo reflecte o período de tempo durante o qual perdura a negligência do credor, que faz presumir a sua vontade de renunciar ao direito ou não ser merecedor da sua tutela, prazo que, por representar o tempo de duração da negligência, deverá, naturalmente, iniciar-se com o vencimento, com exigibilidade, do crédito. É o que se encontra consagrado nos arts. 306º e 307º do CC.
Constitui um facto extintivo autónomo do direito do credor, a invocar pelo devedor interessado, facto esse que se traduz na oposição de uma não exigibilidade do crédito reclamado (recusa ou oposição ao exercício), operada pelo decurso do tempo – art. 304º, nº 1, do CC.
O prazo prescricional deve começar a correr no momento em que o direito, exigível, pode ser exercido[3].
No caso, não se questiona que ao direito exercitado pelo autor é aplicável, em matéria de prescrição, o disposto no art. 498º C. Civil, ou seja, estão sujeitos a extinção, pelo não exercício, «no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo, a contar do facto danoso».
Escreveu-se a este propósito na sentença recorrida:
«(…), os danos reivindicados pelo autor neste processo, como se verifica compulsando a p.i., correspondem a sequelas lesivas do acidente que se manifestaram posteriormente, e que o autor apenas vai ter conhecimento serem consequência deste, quando for notificado da presente sentença.
Com efeito, até ser fixada aqui a matéria de facto provada e não provada, não sabia nem o autor, nem a ré, que as sequelas que este apresenta são consequência do acidente que sofreu em Outubro de 2005, pois que o nexo de causalidade entre o acidente e tais sequelas estava posto em causa, e nem sequer a perícia realizada tinha concluído de uma forma segura pela existência do mesmo.
Julgou, pois, o Tribunal a quo que o início da contagem do prazo prescricional terá de coincidir com a notificação da sentença, só então tendo o autor conhecimento da existência do seu direito, pois que só a partir daí sabe que as sequelas que apresenta são consequência do acidente que sofreu em Outubro de 2005.
Pensamos que não se ajuizou bem, tendo em consideração o que está adquirido em sede factual.
Ao autor, que foi acompanhado e observado por um especialista médico, o Prof. Dr. Armanso Mansilha, foi-lhe diagnosticada oclusão da carótida interna direita, confirmada por angioressonância, lesões que, no entender do referido especialista, teriam como causa o acidente dos autos, uma vez que o autor não apresentava sinais, pelas análises e exames efectuados, de que tais lesões pudessem ter como causa qualquer trombose [respostas aos quesitos 8º, 9º e 10º].
Depois de ter sido submetido a vários exames médicos e com a indicação do Prof. Dr. Armando Mansilha de que as lesões foram provocadas pelo acidente dos autos, o autor, em Março de 2007, deu conhecimento desse facto à ré, com pedido de reabertura do processo, que posteriormente instruiu com todos os exames efectuados, pedido de apreciação que foi reiterado em Janeiro de 2008 [respostas aos quesitos 15º e 16º].
Como os problemas do autor persistiam, como ainda hoje persistem, pois padece das mesmas lesões, o autor continuou a ser seguido medicamente, recorrendo ultimamente a especialistas de neurologia [resposta ao quesito 18º].
Como vem sendo entendido, para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização “pelos danos que sofreu”[4].
Daí decorre que, a partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado disponha do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento no triénio anterior.
Assim, em regra, ao prever a aplicação do prazo de prescrição ordinário relacionando-a com o facto ilícito danoso, reservando o prazo trienal para os casos de conhecimento do direito, a lei despreza, no prazo curto, a relevância da data do facto ilícito danoso, como início do prazo extintivo, fazendo-a depender apenas do conhecimento do dano.
Prazo que, então, se justificará por o lesado, conhecendo o dano, estar de posse de todos os pressupostos de reparabilidade.
No caso concreto, pode afirmar-se com segurança que o autor, desde pelo menos Março de 2007, quando deu conhecimento à ré de que padecia de “oclusão pós-bulbar da carótida interna direita” e que essa lesão fora provocada pelo acidente dos autos, se encontrava na posse de todos os pressupostos de reparabilidade, tendo-se iniciado aí o prazo prescricional de 3 anos.
Ora, tendo o autor instaurado a presente acção em 15.10.2010, quando já se mostrava ultrapassado o prazo de 3 anos a que alude o nº 1 do art. 498º do CC, haveria que concluir-se pela prescrição do direito de indemnização.
Antes disso, porém, há que indagar se tem aplicação no caso o disposto no nº 3 do art. 498º, segundo o qual, «se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável».
Contrariamente ao alegado pela recorrente, o facto do autor não ter apresentado queixa, não obsta ao alongamento do prazo de prescrição previsto naquele nº 3.
A este propósito escreveu-se no Acórdão desta Relação de 20.02.2014[5]:
«Assim e desde logo a letra do n.º 3 daquele artigo refere-se apenas à circunstância de o facto que fundamenta o pedido indemnizatório constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo e não faz depender a extensão do prazo da apresentação de queixa nem faz qualquer distinção entre as situações em que o procedimento criminal depende da apresentação de queixa daquelas em que não disso não carece; de resto, a apresentação de queixa é um direito que a lei atribui ao lesado e deixa na sua total disponibilidade e não um dever.
Acresce que o alongamento do prazo, independentemente da apresentação ou não de queixa, encontra justificação bastante na circunstância da maior gravidade do facto danoso, a ponto de alcançar relevância penal.
Deste modo, entendemos, com Antunes Varela, RLJ, Ano 123, página 45 e seguintes, “Não é, pois, necessário que haja ou tenha havido acção crime na qual os factos determinantes da responsabilidade civil tenham de vir à barra do tribunal, ainda que observados sob prisma diferente. Basta que haja, em princípio, a possibilidade de instauração de procedimento criminal ainda que, por qualquer circunstância (v.g. por falta de acusação particular, ou de queixa, ou por amnistia entretanto decretada) ele não seja ou não possa ser efectivamente instaurado” (…)»[6].
No seguimento desta posição, que perfilhamos, há que proceder à análise dos factos concretamente provados e determinar se face aos mesmos se mostra, em abstracto, preenchido o tipo legal de crime em referência, no tocante a todos os seus elementos essenciais.
Ora, considerando a factualidade dos pontos 9 a 13 do elenco dos factos provados deste acórdão, conclui-se estar em causa o tipo legal de crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 3, do Código Penal, ao qual corresponde o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artigo 118º, nº 1, alínea c), do mesmo Código, sendo este, consequentemente, o prazo aplicável in casu, nos termos do nº 3 do art. 498º do CC.
Assim, tendo o acidente em causa ocorrido em 21 de Outubro de 2005 e tendo a acção sido instaurada em 15 de Outubro de 2010, não estavam ainda decorridos cinco anos, sendo que, em 19.10.2010, quando a ré foi citada, o prazo prescricional interrompeu-se.
Improcede a apelação nesta parte.

Do cumprimento da obrigação
Sobre esta matéria escreveu-se na sentença recorrida:
«(…) o alcance da declaração de quitação assinada pelo autor abrange apenas, os danos patrimoniais e não patrimoniais de que o mesmo era conhecedor à altura, pois que os que vieram a surgir depois não podiam ter sido levados em conta pelo autor por, na altura da subscrição da declaração de quitação, desconhecer a existência desses danos, não podendo em consequência renunciar antecipadamente a um direito de crédito cuja existência ignorava. Nos termos do artigo 809º do Código Civil, é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores no caso de não cumprimento ou mora do devedor (os direitos de pedir o cumprimento da obrigação, a indemnização pelo prejuízo, a resolução do negócio e o commodum de representação)».
Importa observar a este respeito que do recibo de indemnização de fls. 66 consta o seguinte:
«O(s) abaixo assinado(s) declara(m) ter recebido da BB Companhia de Seguros, S.A., a quantia de três mil e setenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos, Adiantamento de salários de 21/10/2005 a 31/01/2006 em 70% como adiantamento por conta da indemnização total».
Tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que estes recibos de quitação são válidos e impedem o lesado que os subscreveu de pedir a reparação de prejuízos que ultrapassem o montante aí fixado, mas não já quanto aos danos que só posteriormente vierem a revelar-se e que, assim, eram imprevisíveis no momento da quitação, os quais não são abrangidos por aquela[7].
É justamente este o caso dos autos, uma vez que o recibo de quitação foi subscrito pelo autor em data anterior à do conhecimento das lesões em discussão nos autos.
Improcede também nesta parte a apelação.

Do alegado erro de julgamento
Diz a recorrente que a sentença recorrida violou o disposto no art. 607º, nºs 3 e 4 do CPC, nomeadamente por ter “ignorado” certa prova documental existente nos autos.
Antes de mais, importa referir que a alegação da recorrente nesta sede deveria conduzir, coerentemente, à impugnação da matéria de facto, o que aquela não fez, o que nos dispensaria de quaisquer outras considerações sobre a matéria.
Ainda assim, não deixaremos de dizer que a sentença se encontra elaborada em conformidade com o disposto no art. 607º, nºs 3 e 4, do CPC, sendo que a decisão de facto resulta de uma apreciação crítica, conjugada e concatenada de toda a prova produzida, nomeadamente a prova pericial e documental, não se patenteando qualquer vício ou contradição no raciocínio desenvolvido pela Mm.º Juiz a quo que impusesse uma decisão diversa.
Improcedem assim todas a conclusões em sentido contrário, não se mostrando violadas as normas jurídicas invocadas pela recorrente ou quaisquer outras.

Sumário:
I – Para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional, o lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
II – O facto de não ter sido apresentada oportunamente queixa criminal não colide com o alongamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do art. 498º do Código Civil.
III – Os recibos de quitação são válidos e impedem o lesado que os subscreveu de pedir reparação de prejuízos que ultrapassem o montante nos mesmos fixados, a não ser que se trate de danos que só posteriormente vieram a ser revelados e, assim, imprevisíveis.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Guimarães, 14 de Maio de 2015
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves
_______________________________
[1] Ac. STJ de 26.06.2007, Proc. 07A1523, Relator Faria Antunes.
[2] Mantém-se a sequência dos factos da sentença, mas atribuiu-se um número a cada facto, indicando-se no final de cada número a alínea dos factos assentes e o quesito da base instrutória a que respeitam.
[3] Cfr., inter alia, Ac. STJ de 20.03.2014 (Alves Velho), proc. 420/13.0TBMAI.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. STJ de 12.03.96, BMJ 455º-447; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º vol., 1994, p. 431; Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, p. 298; A. Varela, Das Obrigações em Geral, I, 6ª edição, 1989, p. 596.
[5] Proc. 369/11.1TBMNC.G1, relatado pelo Desembargador Carvalho Guerra, disponível in www.dgsi.pt.
[6] No mesmo sentido, inter alia, Ac. RG de 15.03.2012 (Maria Luísa Ramos), proc. 3851/08.4TBBCL.G1 e Ac. STJ de 14.12.2006 (Bettencourt de Faria), proc. 06B2380, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] Cfr., inter alia, o Acórdão de 19.01.2006 (Moitinho de Almeida), proc. 05B3840, in www.dgsi.pt.