Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
425/09.6TAFAF.G3
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: PROVAS EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A regra do art. 328 nº 6 do CPP, que fixa o prazo máximo de 30 dias para o adiamento da audiência, refere-se apenas à fase da produção da prova. A sentença constitui uma nova fase do julgamento, nada obstando a que seja lida e depositada para além do prazo de 30 dias após a deliberação.
II – O mesmo prazo de 30 dias não se aplica no caso da sentença que, tendo subido em recurso, é anulada por falta de indicação dos factos ou por falta de fundamentação, voltando os autos tribunal recorrido para ser suprido o vício. A prova produzida anteriormente é válida, independentemente do tempo que o tribunal levar a proferir a nova sentença, porque o juízo sobre os factos provados se mantém intacto.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

Avelino C... foi condenado, para além do mais, na pena única de 195 (cento e noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6,50, no montante global de € 1.267,50, pela prática de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153º, nºs 1 e 2 e de três crimes de injúria, p. e p. pelos arts. 181º e 182º, todos do Código Penal.

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Inconformado recorre o arguido, suscitando, em síntese, as seguintes questões:

- nulidade decorrente da falta de leitura pública da sentença e da não notificação do arguido;

- perda de eficácia da prova por violação do prazo de 30 dias a que alude o art. 328º., nº.6 CPP;

- impugnação da matéria de facto.

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O MP e as assistentes responderam ao recurso pugnando pela respectiva improcedência.

O Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

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II- Fundamentação

Perante a natureza das questões suscitadas importa transcrever, desde já, a matéria pertinente da sentença recorrida.

A- Factos provados

“1) No dia 14 de Maio de 2009, cerca das 15 horas e 15 minutos, junto à porta do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, sito na Praça José Florêncio Soares na referida cidade, o arguido dirigiu-se às assistentes e disse-lhes: “Rezai para eu não ter uma doença grave, que vou-vos matar a todas”.

2) Nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido, dirigindo-se às assistentes, disse “suas putas, suas ladras, mentirosas, só vindes dizer mentiras, são os remorsos”.

3) O arguido e as assistentes tinham saído de uma diligência no âmbito do Proc. nº. 1481/07.7TBFAF, a correr seus termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe.

4) As assistentes são testemunhas no referido processo (entre outros) em que uma das partes envolvidas é o arguido e a outra parte é o Centro Social onde as mesmas são funcionárias.

5) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de proferir as expressões referidas em 2).

6) O arguido agiu com o propósito de ofender as assistentes na sua honra e consideração, bem sabendo que as referidas expressões eram adequadas e susceptíveis de atingir, como atingiram, e pôr em causa a honra, dignidade e consideração que lhe são devidas.

7) O arguido bem sabia que a expressão aludida em 1) é susceptível de provocar sentimentos de receio de que pudesse concretizar os actos que anunciava, resultado que logrou alcançar.

8) As palavras proferidas pelo arguido feriram as assistentes na sua honra, bom-nome e consideração.

9) As assistentes levaram a sério as palavras do arguido e ficaram com medo de que aquele pusesse em prática o que anunciava.

10) O arguido sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

Provou-se ainda que:

11) O arguido não confessou os factos de que vinha acusado.

12) Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

Provou-se igualmente:

13) O arguido tem 44 anos, é casado e tem um filho com 6 anos de idade.

14) É gerente de uma firma de madeiras, auferindo €550,00 por mês.

15) A referida empresa tem 5 funcionários.

16) A esposa do arguido trabalha num escritório de advogados.

17) Residem em casa da mãe do arguido.

18) Estudou até ao 9º ano de escolaridade”.

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B- Factos Não Provados

“a) Que as assistentes tivessem gasto a quantia global de €60,00 em deslocações ao Tribunal.

b) Que as assistentes tenham medo de sair à rua desacompanhadas e de encontrar o arguido.

c) O que lhes causa perturbação, ansiedade e pavor.

d) Que, em virtude do comportamento do arguido, as assistentes tivessem ficado deprimidas e entristecidas, deixando de apresentar a força de viver”.

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C- Motivação de Facto

“O Tribunal fundou a sua convicção, no que respeita à factualidade provada e não provada, nas declarações do arguido, nas declarações das assistentes e nos depoimentos prestados pelas testemunhas, criticamente apreciados e conjugados com as conclusões que derivam da aplicação de regras da lógica e da experiência comum ao caso concreto.

Quanto à presença do arguido e assistentes no local dos factos na data e hora referidas na acusação, foi a mesma por todos confirmada.

O arguido negou a prática dos factos, dizendo que nesse dia, de facto, houve uma diligência no Tribunal de Fafe, que acabou por ser adiada, mas que não houve qualquer troca de palavras.

No entanto, esta versão do arguido foi totalmente contrariada pelos depoimentos das assistentes, Sandra N..., Maria F... e Maria T..., que afirmaram peremptoriamente, e de forma concordante, que o arguido proferiu as expressões supra referidas e que as ameaçou.

Vejamos:

A assistente Sandra N..., professora e pertencente à Direcção do C... Medelo onde estava acolhido o padrinho do ora arguido, o Sr. Avelino C..., onde acabou por falecer, disse conhecer o arguido de vista, de quando ele visitava o padrinho. Esclareceu que existem vários processos judiciais em que são partes o Centro Social e o ora arguido, tudo devido ao facto de o dito Sr. Avelino “não ter querido dar nada ao afilhado”.

Referiu que no dia em causa nos autos (há cerca de 2 anos), da parte da tarde, tinha ido ao Tribunal no âmbito de uma diligência dessa outra acção e, como o julgamento foi adiado, ia a descer as escadas do Tribunal com as outras duas assistentes – a Maria F... e a Teresa (também aí testemunhas), quando, já no exterior do Tribunal, o arguido dirigindo-se a elas disse: “suas putas, suas ladras, mentirosas, só vindes dizer mentiras, são os remorsos”; “rezai para eu não ter uma doença grave, que vou-vos matar a todas”.

Disse ainda que estavam acompanhadas por mais um senhor, a testemunha Manuel N... e duas senhoras, as testemunhas Maria G... e Liliana L... (estas últimas também estavam presentes no Tribunal para outro processo, tendo-as encontrado por acaso). Quanto ao arguido, estava no exterior do Tribunal, acompanhado por outras pessoas.

Tais expressões e as alegadas motivações foram confirmadas, de forma séria e credível, pelas outras duas assistentes – Maria F... e Maria T....

A assistente Maria F... disse que é auxiliar no C... Medelo, tendo cuidado do padrinho do ora arguido, sendo que, quanto a este último, disse apenas conhecê-lo de vista. Confirmou que o arguido, no dia 14 de Maio, há 2 anos, já no exterior do Tribunal, “lhes botou uns olhos” e disse “putas, ladras, mentirosas”, “só vindes dizer mentiras, os remorsos hão-de roer esses ossos, rezai para que eu não tenha nenhuma doença grave, se não quem vos mata sou eu”.

Já a assistente Maria T..., funcionária do C... Medelo, relatou, à semelhança da Sandra e da Maria F..., o sucedido no dia 14 de Maio de 2009. Disse que tinha vindo ao Tribunal porque tinha sido indicada como testemunha no âmbito de um processo entre o ora arguido e o Centro Social e que, à saída, quando vinha com as outras duas assistentes, com o Sr. Manuel, com a Helena e com a Liliana, o arguido, dirigindo-se às assistentes, disse: “suas putas, suas ladras, mentirosas”, “pedi que não me aconteça nada, que eu vou vos matar a todas”.

Do teor destes depoimentos o Tribunal percebeu que existe um conflito, mormente civil, entre o ora arguido e o C... Medelo, isto porque existe um testamento em que foi instituído como universal herdeiro do falecido Avelino C..., o Centro Social e da Paróquia de S. Martinho de Medelo, havendo uma acção intentada pelo ora arguido peticionando que o mesmo seja anulado (Proc. 2126/08.3TBFAF). Ora, no âmbito desse processo e também do proc. n.º 1481/07.7TBFAF (do 2º Juízo deste Tribunal), foram arroladas pelo Centro Social várias testemunhas, entre elas, as aqui assistentes.

Face aos depoimentos prestados, ficou claro para o Tribunal que aquelas expressões foram, de facto, proferidas pelo arguido e com o objectivo de intimidar / amedrontar as ora assistentes, que eram testemunhas na acção cível.

As assistentes conseguiram trazer ao julgamento, no essencial, as expressões proferidas pelo arguido, o tom e o modo como as mesmas foram proferidas e a própria expressão e postura do arguido quando emitiu tais palavras. Não obstante a sua qualidade de assistentes no processo, descreveram os factos de forma circunstanciada, linear e concordante e, aos olhos do Tribunal, séria.

Além dos mais, as suas declarações foram corroboradas pelo depoimento das testemunhas Manuel N..., Maria G... e Liliana L..., que se encontravam igualmente no local e que a tudo assistiram.

A testemunha Manuel N..., que era igualmente testemunha na acção cível, referiu que quando iam a sair do Tribunal (ele, a Teresa, a Fernanda, a Dra. Sandra e “duas raparigas novas”) o arguido disse: “suas putas, suas ladras, suas mentirosas”, “pedi a Deus que eu não tenha uma doença grave senão mato-vos a todas”.

Tais expressões foram confirmadas pelas testemunhas Maria G... e Liliana L.... Estas testemunhas demonstraram conhecimento directo dos factos, conseguiram descrever as circunstâncias espácio-temporais dos factos, prestaram depoimentos desinteressados, não conheciam sequer o arguido, não parecendo, aos olhos do Tribunal, que o quisessem prejudicar ou beneficiar as assistentes. Mostraram-se depoimentos sérios, isentos e imparciais, merecendo por isso credibilidade.

Deste modo, ficou o tribunal convencido de ter o arguido proferido as expressões referidas nas acusações, com base essencialmente nas declarações das assistentes, em conjugação com os depoimentos das testemunhas nos termos supra referidos, que se revelaram coerentes, circunstanciados e credíveis.

A postura do arguido durante as suas declarações e a forma como apresentou a sua versão dos factos não convenceram o tribunal.

A testemunha Isabel C..., amiga do arguido e que estava presente no dia em causa no Tribunal (sendo também testemunha no aludido processo cível), referiu que nada ouviu. Esclareceu que ela e o arguido estavam à conversa com o Dr. Luís e que as ora assistentes passaram mas não ouviu nada.

Esta testemunha prestou um depoimento bastante comprometido e pouco consistente, notando o Tribunal a preocupação desta testemunha em relatar parte dos factos e omitindo totalmente outras, não mereceu por isso credibilidade.

A testemunha António G..., conhecido do arguido há 20 e poucos anos, referiu que é testemunha do ora arguido no processo cível e que no dia em causa também tinha ido ao Tribunal. Mais esclareceu que desceu com a sua mulher e ficaram à porta do Tribunal a falar com o Dr. Luís e, entretanto, chegou o arguido e a D. Isabel. Quando questionado disse que nada ouviu, que viu passar as ora assistentes mas não ouviu chamar nomes, nem se apercebeu de qualquer situação. Mais referiu que terá sido de manhã, em Junho ou Julho deste ano (2011) … Mais uma vez, agora a instâncias da Ilustre Procuradora, diz novamente que nada ouviu. Este depoimento foi pouco seguro e inconsistente, limitando-se esta testemunha a dizer que “nada viu”, “nada ouviu”, apenas e só. Mesmo acreditando que esta testemunha esteve, de facto, no local, foi perceptível que não quis contar tudo o que viu / ouviu, limitando-se a afirmações vagas, imprecisas e genéricas, na tentativa de ilibar o ora arguido.

Maria L... (mulher da testemunha António) referiu que, em dia que não sabe precisar, mas “não vai há um ano”, esteve no Tribunal porque ia ser testemunha num processo que acabou por ser adiado. Ao contrário da testemunha anterior (seu marido), disse que desceu sozinha e que foi logo embora, que não ficou a conversar cá em baixo e que, portanto, a nada assistiu. Num primeiro momento, referiu que eles estavam a conversar em baixo, mais à frente no seu depoimento já disse que afinal ficaram a conversar em cima, no átrio. Esta testemunha revelou-se muito comprometida, bastante confusa, sendo que o modo como depôs denunciou plenamente o seu pouco à vontade e o seu comprometimento.

Já Luís Soares e Silva, referiu que no dia 14 de Maio de 2009, pelas 14 horas, tinha uma diligência no Tribunal que acabou por ser adiada, sendo o ora arguido testemunha nesse processo, mais esclarecendo que tem conhecimento que existem mais processos e que estarão todos conexos. Referiu que no dia em causa, quando chega ao exterior do Tribunal, já lá estavam os seus clientes, o Sr. Carlos C... (ora arguido) e a D. Maria , não conseguindo, no entanto, precisar há quanto tempo é que estes já estariam em baixo a conversar. Disse que viu um grupo de pessoas – umas 5, 6, 7 – que seriam “as testemunhas da parte contrária”, não conseguindo identificar as ora assistentes, pois não as conhecia nem conhece. Disse que não ouviu nada nem assistiu a qualquer zaragata. Quanto a esta testemunha ficou o Tribunal sem perceber se terá assistido a todos os momentos ou apenas a parte deles, na medida em que o dito grupo onde estava inserido o arguido já tinha descido para o exterior do Tribunal, tendo esta testemunha ficado para trás a falar com a magistrada.

Posteriormente, já no exterior do Tribunal afirmar que vê um grupo sair – que seriam as “testemunhas da parte contrária”, não conseguindo dizer se nesse grupo se incluíam as assistentes.

Ora, destes três últimos depoimentos, não obstante terem dito que “nada viram ou ouviram”, não se pode retirar a conclusão de que as coisas não aconteceram. Na verdade, dos restantes depoimentos, mormente das declarações das assistentes e das testemunhas Manuel N..., Maria G... e Liliana L..., ficou o Tribunal que as coisas ocorreram como vêm relatadas nos factos provados.

Pelo que, os depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas pelo arguido, não abalaram a convicção formada pelo Tribunal.

Como foi evidente, no julgamento apresentaram-se duas versões opostas. Mas, como é bom de ver, não tem que se verificar unanimidade de depoimentos para o julgador seguir uma determinada direcção. Julgar pressupõe optar, escolher, decidir. E aqui o Tribunal considerou a versão das assistentes mais consentânea, revelando-se as testemunhas Manuel N..., Maria e Liliana mais isentas, mais consistentes e descomprometidas.

Na verdade, “(…) não basta para se considerarem provados factos, que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre questões num determinado sentido ou versão, já que ele (o julgador) não é um mero depositário de depoimentos, sendo que a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-se atender a uma multiplicidade de factores que tem a ver, designadamente, com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tomo de voz, o comportamento, as coincidências, as contradições, linguagem gestual etc.” (Acórdão da Relação de Guimarães de 04/04/2005, proc. n.º 1477/04-1).

Cumpre igualmente dizer que a existência de divergências entre os depoimentos produzidos por pessoas que presenciaram uma mesma factualidade não é necessariamente sintoma do carácter inverídico do respectivo conteúdo, podendo ser, bem pelo contrário, demonstrativa da sua natureza não estereotipada e da sua espontaneidade.

Todos os depoimentos e declarações proferidas, como qualquer meio de prova oral, estão sujeitos ao princípio da livre convicção, consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal, sendo que o julgador pode e deve socorrer-se das regras da experiência.

Não obstante a qualidade de assistentes neste processo, os depoimentos de Sandra Raquel, Maria F... e Maria T... não se mostraram comprometidos, conseguiram manter a firmeza e objectividade que transparece a quem fala com verdade.

Além do mais, os factos em apreço não surgem do nada, sem explicação, mas em virtude das assistentes serem testemunhas num (ou vários) processos em que o arguido é parte (ou, pelo menos, interessado). Na verdade, o comportamento do arguido teve como objectivo tentar condicionar as assistentes na sua posição de testemunhas, de forma a que as mesmas, em última análise, até desistissem de depor. Foi assim uma forma de as intimidar e condicionar.

Portanto, nenhuma dúvida ficou ao Tribunal quanto aos factos se terem passado como descritos nos factos provados. Aqui não cabe, pois, o princípio “in dubio pro reo”, que só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva” (Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novíssimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).

O encadeamento sequencial e lógico dos restantes factos provados e as regras da experiência comum, permitem-nos concluir pela verificação dos elementos subjectivos.

As consequências que para as assistentes advieram dos factos praticados pelo arguido provaram-se com base nas suas declarações e nos depoimentos de Manuel N..., Maria e Liliana, bem como na conjugação de tais elementos com as regras da experiência comum. Da conjugação de todos estes elementos resultou a convicção do tribunal de que as assistentes se tenham sentido envergonhadas e ofendidas e tenham sentido receio.

Para a prova dos factos atinentes à sua condição pessoal, profissional e económico-social baseou-se o Tribunal nas declarações do arguido e nos documentos de fls. 203.

A ausência de antecedentes criminais do arguido provou-se com base no Certificado de Registo Criminal junto aos autos.

A não demonstração dos factos dados como não provados resultou da ausência de qualquer elemento de prova credível produzido sobre os mesmos em audiência de julgamento, ou por meio de prova admissível”.

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Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (arts. 402º., 403º. e 412º., nº.1, todos do Código de Processo Penal e Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ nº.458, pág. 98), devendo conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões desenvolvidas no corpo da motivação que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.

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Apreciando

1- Nulidade decorrente da falta de leitura pública da sentença e da não notificação do arguido

O recorrente invoca de novo a nulidade decorrente da falta de leitura pública da sentença recorrida e da não notificação do arguido.

Tais matérias foram já devidamente analisadas na decisão sumária proferida pelo Exº Desembargador Cruz Bucho a 14-1-2013 (fls. 627 a 629 dos autos) e que se encontra devidamente transitada em julgado.

Ali se escreveu, entre o mais, o seguinte acerca da falta de leitura da nova sentença proferida em 1ª instância:

“… Contudo, também se tem vindo a entender que feita a leitura pública da sentença, interposto recurso desta, declarada a nulidade da mesma pela Relação e ordenada a prolação de nova sentença, limitando-se esta a completar, na parte relativa à fundamentação da matéria de facto, a outra que já havia sido proferida e lida de viva voz na sala de audiências, não tem a nova sentença de ser lida publicamente, sendo suficiente o seu depósito e notificação aos sujeitos processuais, com entrega de cópia integral (cfr., neste sentido o Ac. do STJ de 22 de Setembro de 2004 e os Acs desta Rel. de Guimarães de 9 de Março de 2009, proc. 2625/08-1, rel. Cruz Bucho e da Rel. de Lisboa de 25 de Outubro de 2011, proc. nº 410/04.4 PBFUN.L2-5, rel. Jorge Gonçalves, ambas in www.dgsi.pt).

O próprio Tribunal Constitucional através do seu Ac nº 698/04, de 15 de Dezembro, concluiu que “não implica qualquer violação da Constituição, nomeadamente do seu artigo 206°, uma interpretação normativa extraída da que, em caso de reformulação de acórdão condenatório declarado nulo por insuficiência de fundamentação e em que o acórdão a proferir em nada se afastou da matéria de facto dada como provada, é dispensada a leitura da decisão reformulada, sendo a mesma notificada às partes e estando acessível a qualquer um que esteja legitimado por um interesse no seu conhecimento”.

Improcede, pois, a arguida nulidade…”.

Ou seja, a eventual nulidade decorrente da falta de leitura pública da sentença recorrida foi julgada improcedente, não havendo que apreciar de novo tal questão.

Já a não notificação pessoal da nova sentença ao arguido esteve na base da decisão de baixa dos autos à 1ª instância, tendo-se escrito o seguinte sobre a matéria:

“… Ocorre, porém, uma circunstância que obsta ao conhecimento do recurso.

No caso de decisões relativas à sentença, a lei é muito clara: ela deve ser notificada aos sujeitos processuais por elas visados e aos respectivos advogados, valendo a data da última notificação (ou do sujeito ou do seu advogado) - cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, Lisboa, 2007, pág. 296.

No caso em apreço, a nova sentença apenas foi notificada aos ilustres advogados das assistentes e do arguido.

Nem as assistentes, nem o arguido foram, porém, notificados.

Contrariamente ao que sustentam quer as assistentes quer o Ministério Público, nas suas doutas respostas, não existe qualquer similitude com a notificação do acórdão proferido por esta Relação.

Na verdade, conforme constitui jurisprudência uniforme, não é necessária a notificação pessoal do acórdão do tribunal superior bastando, em princípio, a notificação do arguido através do seu defensor, bem como a notificação dos representantes dos assistentes e das partes civis, fundamentalmente por se entender que para efeitos do artigo 113°, n° 9 do CPP por "sentença" se entende apenas a que foi proferida pela 1 a instância e não a tirada em instância de recurso (cfr. a numerosa jurisprudência mencionada por Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal - Notas e Comentários, Coimbra, 2008, págs. 927-929, 934-936 e 986-987).

Em conclusão, como quer o arguido quer as assistentes não foram ainda notificados da sentença, a expedição do recurso interposto pelo mandatário do arguido antes daquela notificação é prematura.

III - Decisão

Nestes termos e ao abrigo do disposto no artigo 417°, nº6, alínea a) do CPP, por a expedição do recurso ter sido prematura, decide-se não tomar conhecimento do mesmo e determinar a devolução dos autos à 1ª instância para aí se diligenciar pela notificação da sentença ao arguido e às assistentes …”.

E, tal qual se apreende nos autos, as notificações determinadas mostram-se agora efectuadas, maxime ao arguido (vd. fls. 607 verso), não se vislumbrando, por isso, qualquer fundamento para a insistência na questão nesta fase.

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2- Perda de eficácia da prova por violação do prazo de 30 dias a que alude o art. 328º., nº.6 CPP

Alude o recorrente à perda de eficácia da prova por ultrapassado o prazo de 30 dias para o Tribunal a quo proferir a sentença devidamente fundamentada em acatamento de decisão da Relação de Guimarães que anulou a primitiva sentença.

Contudo, não tem qualquer razão.

O art. 328º. CPP consagra o princípio da continuidade ou da concentração, à luz do modelo do § 229.° da StPO Alemã. A ratio da lei é esta: a imediação e a descoberta da verdade são prejudicadas pela inter­rupção da produção de prova repetidas vezes ou por períodos longos, pois ela torna impossível a captação da uma imagem global dos meios de prova e a formulação de um juízo concatenado sobre toda a prova. Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª. ed., 2009, pág. 825

Constitui jurisprudência uniforme e pacífica nos dias de hoje o entendimento de que a regra do nº. 6 do art. 328º. do CPP se refere apenas à fase da produção da prova, pretendendo o legislador que esta seja concentrada, de forma a proporcionar ao julgador a evocação fácil do conjunto das provas produzidas oralmente, devendo a deliberação seguir-se imediatamente ao termo da produção da prova (art. 365º, nº 1 do CPP) e que, por seu turno, a sentença constitui uma nova fase do julgamento, que pressupõe a prévia deliberação, nada obstando a que seja lida e depositada para além do prazo de 30 dias após a deliberação, não constituindo, pois, nenhuma nulidade ou irregularidade o facto de, no caso dos autos, a sentença ter sido proferida ou lida, após anulação da primitiva, mais de 30 dias depois do encerramento da produção da prova. Cfr., por ex., os Acds. STJ de 30-3-2006, pr. 780/06 – 5ª Secção, de 13-12-2007, pr. 07P4283 ou de 28-10-2009, pr.121/07.9 PBPTM.E1.S1 (3ª. secção), todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj ou, ainda, os Acds. Rel. Coimbra de 28-1-2009, pr. 29/07.8 GCLRA.C1 e de 23-9-2009, pr.35/05.7 JELSB.C1, igualmente disponíveis em www.dgsi.pt/jtrc


Assim, por exemplo, no Ac. STJ de 13-12-2007 escreveu-se:

“… Na verdade, o artigo em causa tem o seu campo de aplicação limitado à continuidade numa fase processual que é a audiência. Sucede, porém, que a mesma audiência se integra no ciclo processual do julgamento, e tem a seu montante os actos preliminares e a jusante a fase de sentença.

Compreende-se o espírito do legislador ao inviabilizar em sede de audiência a sua descontinuidade, impedindo que o tribunal ou algum dos seus membros perca a orientação da prova produzida em virtude do desgaste do tempo e das limitações naturais da memória dos homens (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág 641).

Assim, em termos sistemáticos o artigo 328º., nº.6 do CPP apenas se aplica àquela fase de audiência.

Igualmente é certo que em fase de sentença a lei veio expressamente prever os tempos da prática dos actos processuais, ou seja, encerrada a discussão o tribunal retira-se para deliberar - arts. 361º. e 365º. do mesmo diploma - e, concluída a mesma, elabora a sentença. Nos casos de especial complexidade o presidente fixa publicamente a data dentro dos sete dias seguintes para leitura da sentença.

Se a deliberação não sucede imediatamente após o encerramento da discussão, ou se o prazo de prolação da sentença não é respeitado, estaremos em face de uma irregularidade processual a arguir nos termos do art. 123º. do mesmo diploma.

E nem sequer se poderá argumentar com o facto de as razões que motivam a ineficácia da prova produzida quando exista o hiato de trinta dias entre as audiências se aplicam também quando tal interregno se verificar entre a audiência e a sentença. Na primeira hipótese estamos num cenário de produção de prova directa e indirecta que o julgador terá de ter globalmente presente de modo a concluir sobre a matéria de facto que considera provada; no segundo caso, e previamente à sentença, o juiz teve de concluir sobre a mesma em sede de deliberação.

Assim, conclui-se que, mesmo a existir um hiato temporal superior a trinta dias entre o final da audiência e a sentença, tal não configura qualquer patologia processual. Por outro lado o eventual desrespeito do prazo de leitura de sentença constitui uma irregularidade a invocar nos termos e prazo do art. 123º. do Código de Processo Penal…”.

E no recente Ac. Rel. Guimarães de 7-10-2013, pr. 119/11.2 GCVRM.G1, ponderou-se que:

“I – A audiência e a sentença são fases distintas do julgamento em processo penal.

II – A norma do art. 328 nº 6 do CPP, que fixa em 30 dias o limite máximo para o adiamento da audiência, sob pena de perda de eficácia da prova já produzida, reporta-se somente à fase da audiência (em sentido estrito) e não também à de elaboração e leitura da sentença”.

Além disso, tem-se entendido, também, que o prazo de 30 dias não se aplica no caso da sentença que sobe em recurso, é anulada por falta de indicação dos factos não provados ou falta de fundamentação e desce ao mesmo tribunal para suprir o dito vício. A prova produzida anteriormente é válida independentemente do tempo que o tribu­nal levar para proferir nova sentença, pela razão de que o juízo sobre os factos provados se mantém intocado (vd., por ex., acórdão do STJ, de 6-11-1996, in CJ, Acs. do STJ, IV, 3,195; acórdão do STJ, de 20-11-1997, in CJ, Acs. do STJ, V, 3, 243; acórdão do STJ, de 29-1-2004, in CJ, Acs. do STJ, XII, I, 184 ou o Ac. Rel. Évora de 4-12-2009, pr. 227/08.7 GTABF.E1 1ª. secção criminal).

Daí que, acompanhando a jurisprudência em causa e sem necessidade de quaisquer outras considerações, se julgue improcedente esta parcela do recurso.

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3- Impugnação da matéria de facto

Censura o recorrente a sentença recorrida por entender que o Tribunal a quo teria apreciado mal a prova, insurgindo-se contra o facto de o mesmo ter alicerçado a sua convicção no declarado pelas assistentes e pelas testemunhas de acusação e ter entendido como não credíveis os depoimentos das testemunhas de defesa.

Analisemos, então, a questão relativa à impugnação da matéria de facto, cumprindo adiantar alguns tópicos sobre o tema em face da forma como a mesma surge colocada.

Ao contrário do que por vezes se pensa, o recurso nesta sede não tem por finalidade nem pode ser confundido com um "novo julgamento" da matéria de facto, assumindo-se antes como um “remédio” jurídico.

Como várias vezes salientou o Prof. Germano Marques da Silva, presidente da Comissão para a Reforma do Código de Processo Penal:

- “… o recurso é um remédio para os erros, não um novo julgamento” (conferência parlamentar sobre a revisão do Código de Processo Penal, in Assembleia da República, Código de Processo Penal, vol. II, tomo II, Lisboa 1999, pág. 65);

- “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” (Forum Justitiae, Maio/99);

- “Recorde-se que o recurso ordinário no nosso Código é estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida.” (Registo da prova em Processo Penal, Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001).

A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (assim, o acórdão do STJ de 21-1-2003).

Importa não esquecer, também, que o recurso da matéria de facto tão pouco se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127º. do CPP. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma "convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais" - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, voI. I, ed.1974, pág. 204.

Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava Alberto do Reis “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre apreciação é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” CPC anotado, vol. IV, págs. 566 e segs.

Não espanta assim que as normas processuais que regulam o recurso em matéria de facto se encontrem em perfeita harmonia com o supra-exposto, dispondo o art. 412º., n°.3, al. b) do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que “permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

De facto, como múltiplas vezes se tem escrito, em matéria de impugnação ampla dos factos, à Relação caberá, sem esquecer as limitações decorrentes, por exemplo, da ausência da imediação, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, não bastando, para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.

Assim, se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com o benefício da imediação e da oralidade - apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.

Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”, sendo imperiosa a demonstração de que as provas indicadas impõe uma outra convicção.

Torna-se necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.

Tudo isto para se dizer que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado e não provado, o que como tal se consignou na sentença (cfr. Acórdãos do STJ de 23/4/2009 e de 29/10/2009, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.).

O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão (cfr. Acórdãos do STJ de 15/7/2009, de 10/3/2010 e de 25/3/2010, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.).

As declarações dos arguidos e a prova testemunhal são apreciadas segundo a regra da livre convicção do julgador.

E o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode servir para subverter o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da primeira instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.

Daí que o recurso da decisão da primeira instância em matéria de facto não sirva para suprir ou substituir o juízo que aquele tribunal formulou, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade de declarantes e testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento - como parece entender o recorrente - mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade dos intervenientes no julgamento. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.

Ora, o recorrente não alega qualquer destes erros (nem estes se detectam da análise dos autos).

Limita-se a contestar basicamente o juízo do tribunal da primeira instância sobre a credibilidade e fiabilidade não atribuída aos depoimentos de algumas testemunhas.

Fundamentalmente, está em causa a credibilidade de depoimentos que o tribunal da primeira instância não aceitou como credíveis mas que o recorrente entende que deveriam ser aceites como tal.

Como está bom de ver, na decorrência do supra-exposto, esta é uma questão que, de forma exemplar, escapa ao juízo do tribunal da segunda instância, por estar estreitamente dependente da imediação.

Não está aqui em causa qualquer erro de julgamento (no sentido acima indicado), mas tão só a contestação da decisão do tribunal da primeira instância sobre a credibilidade e fiabilidade dos depoimentos em causa, tão pouco sendo indicadas quaisquer provas que imponham distinta decisão.

Ademais no presente caso o Tribunal a quo objectivou adequadamente a sua convicção, ao esclarecer com detalhe de forma racional, lógica e correctamente articulada a respectiva ponderação efectuada, sendo certo que nada do que vem invocado no recurso permite colocar em crise tal julgamento.

Daí que não se vislumbre qualquer razão para afastar o juízo de valoração da prova levado a cabo pelo Tribunal a quo, resultante de uma apreciação “livre” mas devidamente fundamentada, em obediência à lei.

Por outro lado, resulta manifesto, também, o incumprimento pelo recorrente do respectivo ónus de impugnação especificada a que aludem as diversas alíneas do art. 412º., nº3 CPP (que nada tem que ver com qualquer transcrição integral de depoimentos), o que sempre impediria igualmente que este Tribunal da Relação pudesse apreciar o recurso nesta sede de impugnação da matéria de facto.

Refira-se, também, que não se detecta qualquer violação da aplicação do princípio in dubio pro reo, nem sequer se apreendendo a que se refere o recorrente ao aludir de forma manifestamente conclusiva à pretensa violação do mesmo, sem que alguma vez aponte de que forma concreta e em que medida tal ocorreu.

Improcede, assim, o presente recurso.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.