Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1582/13.2TBVCT-A.G1
Relator: EDGAR GOUVEIA VALENTE
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
AVALISTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A suspensão das acções para cobrança de dívidas prevista no artº 17º-E, nº 1 do CIRE não se estende aos terceiros que, através de aval, sejam garantes da dívida que se pretende cobrar.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
1 – Relatório.
A 13 de Setembro de 2013, no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, por apenso à acção executiva nº 1582/13.2TBVCT, instaurada por C…, CRL (exequente – EXQ) vieram os executados (EXCs) J…, C… e mulher M… deduzir embargos de executado.
Alegaram para o efeito e em síntese [1] que a execução foi instaurada contra os embargantes pelo facto destes se terem constituído avalistas da quantia de € 50.000,00 referente ao contrato de empréstimo em conta corrente com livrança e aval concedido à sociedade “D…, Lda.”. Sucede que, em 25.06.2013, a referida sociedade requereu no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia a instauração de um processo especial de revitalização que corre os seus termos pelo 1° Juízo, sob o n° 800/13.1TYVNG. Nesse processo, a embargada reclamou o seu crédito, no montante de € 28.743,25, o qual foi reconhecido pelo Administrador. A referida sociedade encontra-se a funcionar normalmente e a EXQ não alega que aquela não possa pagar a dívida, designadamente de acordo com o plano de recuperação a ser aprovado maioritariamente pelos seus credores. Deve, assim, execução ser suspensa até que resulte provado que aquela sociedade não tem meios para solver a dívida, o que é permitido pelo disposto no artº 729°, alínea g), 1ª parte do n° 1 do Novo Código de Processo Civil.
Peticionam, a final, a suspensão da execução até ao trânsito em julgado da decisão judicial de aprovação ou não do plano de recuperação da sociedade “D…, Lda.”, bem como a suspensão do prosseguimento da execução, com o recebimento dos presentes embargos.
A oposição foi liminarmente indeferida, por “falta de fundamento legal e manifesta improcedência”.
Inconformados com tal decisão, os EXCs interpuseram recurso de apelação contra a mesma, formulando, a final, as seguintes conclusões (transcrição):
“1.º - A Embargada somente poderá receber da subscritora da livrança o pagamento do seu crédito de acordo com o Plano de Recuperação aprovado (ou não) e homologado (art. 17º-F do CIRE), pelo que a obrigação exequenda ainda não lhe é exigível.
2.º - Os Apelantes, avalistas de livranças que sempre permaneceram no domínio das relações imediatas, podem opor à Exequente a excepção da inexigibilidade que a subscritora lhe poderia opor.
3.º - A medida da responsabilidade do avalista mede-se pela do avalizado e tudo o que favoreça ou desfavoreça o avalizado estende-se ao avalista.
4.º - o art. 32º da LULL impõe que os avalistas ocupem posição igual aquela por quem deram o aval, pelo que a inexigibilidade da dívida aproveita aos Apelantes.
5.º - Dispõe o art. 22º da LULL que o avalista é responsável nos mesmos termos que a pessoa afiançada.
6.º - Pelo que, se a empresa afiançada beneficia da suspensão das acções em curso durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, nos termos do art. 17º-E, n.º 1, do CIRE, até que haja sido aprovado (ou não) e homologado o plano de recuperação, as livranças dadas à execução são, face ao disposto naquele normativo, actualmente inexigíveis, por ser inexigível à sociedade D…, principal pagadora, o pagamento daquelas importâncias!
7.º - Ao decidir de modo diverso, o, aliás, douto despacho recorrido violou o disposto nos art.22º e 32º da LULL, pelo que deve o mesmo ser revogado e substituido por outro que receba os presentes embargos, com as legais consequências.”
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2 – Questão a decidir.
A questão (única) a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões da sua alegação (artigos 635º, nº 3 e 639º, números 1 e 3, ambos do CPC [2], na redacção aplicável a estes autos), é a seguinte:
Ocorre motivo legal para, também relativamente aos embargantes, ser determinada a suspensão da acção executiva a que os presentes autos se mostram apensados, durante todo o tempo em que, no âmbito do processo especial de revitalização (PER) que se encontra pendente contra a sociedade a que aqueles prestaram o seu aval cambiário e co-executada naqueles autos, perdurarem as negociações, nos termos do artº 17º-E, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), até que haja sido aprovado (ou não) e homologado o plano de recuperação ali negociado?
3 – Fundamentação.
I – O teor do despacho recorrido é, apenas no que respeita à presente decisão e em síntese, o seguinte (transcrição):
“Conforme resulta dos autos de execução, a sociedade D…, Lda. é, a par dos aqui embargantes, executada. Efectivamente, e conforme resulta da documentação junta pelos embargantes, a referida sociedade instaurou no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia um processo especial de revitalização, no âmbito do qual foi nomeado administrador judicial provisório (Dr. Miguel Ribas), nos termos do disposto no art.° 17°-C, n° 3, al. a) do CIRE (aditado pela Lei n° 16/2012, de 20104).
A decisão de nomeação do Administrador provisório, obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação (art.º 17°-E, n° 1 do CIRE).
Resulta, assim, das normas supra citadas, que a execução apensa terá necessariamente que ser suspensa, mas apenas e só quanto à sociedade executada, sujeita ao processo especial de revitalização. A referida suspensão não se estende aos executados terceiros garantes.
O processo especial de revitalização é um processo similar ao plano de insolvência previsto no título IX do CIRE (art.º 17°-F, n° 5 do CIRE). Quanto ao plano de insolvência, dispõe o artigo 217°, n° 4 do CIRE que as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, ou seja, não há qualquer restrição ao exercício de direitos dos credores contra os co-devedores ou os terceiros garantes.
O mesmo se passa com o plano de revitalização que não afecta nem pode afectar os direitos dos credores contra os co-devedores ou terceiros garantes.
Não existe qualquer disposição legal que impeça o credor de deduzir reclamação no processo especial de revitalização visando obter o pagamento do seu crédito e simultaneamente intentar execução contra os outros devedores, neste caso, avalistas da sociedade subscritora da livrança.
Acresce que, a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado, antes respondendo solidariamente, conforme flui claramente do disposto nos art.°s 32°, § 1° e 47°, § 1º da LULL, e 77° e 78° do mesmo diploma. A obrigação do avalista é uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da obrigação do avalizado quanto ao aspecto formal, mantendo-se ainda que a obrigação garantida seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (ver artigo 32° § 2° da LULL) - neste sentido Ferrer Correia, in "Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio. Universidade de Coimbra, 1975, pág. 215 e Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in Garantias de Cumprimento, 4a edição, Almedina, págs. 113-115.
É, assim, indiscutível e inequívoco que os embargantes, enquanto avalistas, respondem solidariamente perante o banco exequente, portador da livrança, podendo este demandá-los apenas a eles, mas também conjuntamente com o subscritor da livrança.
De acordo com o Acórdão da Relação do Porto, de 08/03/2012, proc. 3789/10.5TBMTS-C.Pl, in www.dgsi.pt, que entendemos ser inteiramente aplicável ao presente caso, sendo o subscritor da livrança declarado insolvente, o credor não perde o direito de accionar os terceiros garantes, podendo igualmente exercer o seu direito, relativamente ao insolvente, no processo de insolvência.
Mesmo que venha a ser aprovado um Plano de insolvência da sociedade subscritora da livrança, com pagamento da dívida reclamada pelo exequente em prestações, entende-se que tal não é invocável pelo avalista, atento o disposto no já citado art.° 217°, n° 4 do CIRE (veja-se Acórdão da Relação de Guimarães, de 04/12/2008, proc. 2523/08-1, in www.dgsi.pt).
Os embargantes fundamentam os presentes embargos no disposto no art.° 729°, al. g), primeira parte, do Novo Código de Processo Civil (que reproduz o disposto no art.º 814°, al. g) do CPC (anterior à Lei n° 41/20l3), segundo a qual podem os embargos de executado (anteriormente denominado "oposição à execução") terem por fundamento qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação.
Os factos alegados não configuram a existência de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, pelo que não são susceptíveis de fundamentarem os embargos de executado.
Os embargos são liminarmente indeferidos, designadamente, quando o fundamento não se ajustar ao disposto nos art.°s 729° a 731° do NCPC ou forem manifestamente improcedentes (art.° 732°, n° 1, als. b) e c) do NCPC).
No caso concreto, e em face de todo o exposto, entende-se que os factos alegados não se ajustam a nenhum dos fundamentos previstos nos art.°s 729° a 731° do NCPC, sendo os embargados manifestamente improcedentes.
Face ao exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se o indeferimento liminar dos presentes embargos.”
II – Apreciação da questão suscitada.
Nos termos do artº 17º-E, nº 1 do CIRE (a norma invocada pelos recorrentes), a decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artº 17º-C [3] obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Atento o teor literal da norma, desde logo é de salientar que as acções ali indicadas e passíveis de suspensão são as acções para cobrança de dívidas apenas contra a entidade que figura no processo de revitalização como devedor.
Defendem os recorrentes que, atento o disposto no artº 32º [4] da LULL, ou seja, que “o avalista é responsável nos mesmos termos que a pessoas afiançada”, eles próprios devem também beneficiar de tal suspensão, sendo as livranças dadas à execução inexigíveis.
Vejamos.
O nº 4 do artº 217º do CIRE [5] estabelece que “as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra (…) os terceiros garantes da obrigação”. Flui do exposto que, “seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra (…) terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem e no regime de responsabilidade originário.” [6]
Como se sabe, o aval é “o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores. Desta forma, parece fácil indicar a natureza jurídica do aval: é uma garantia” [7], traduzindo-se num “reforço quantitativo da probabilidade de satisfação do crédito” [8] ao dar ao credor a possibilidade de exigir de uma outra pessoa o cumprimento da obrigação cambiária. Com efeito, algumas reflexões sobre a figura da aval apenas confirmam este entendimento.
É certo que, ao invocarem o artº 32º, 1º § da LULL, os recorrentes apelam para o carácter acessório do aval, ou seja, fundamentalmente, a circunstância de o avalista ser responsável da mesma maneira que o avalizado. Pode afirmar-se que, nesta perspectiva, o aval é dependente (e não independente) “da efectiva e concreta obrigação principal garantida”. [9]
No entanto, paralelamente à acessoriedade ali estabelecida (que diz respeito fundamentalmente ao valor da obrigação cambiária garantida), o artº 32º, 2º §, 1ª parte da LULL estabelece um princípio de independência, traduzido na manutenção da obrigação do avalista, quer nos casos em que a obrigação garantida é nula [10], quer nos casos “em que, embora se verifique, a obrigação do avalista se mantém”, ou seja, quando, “não obstante a obrigação do avalizado [seja] válida, mas diversa da do avalista.”
É precisamente a situação prevista no nº 4 do artº 217º do CIRE, em que a obrigação do avalizado (a sociedade “D…, Lda.”) pode vir a, no âmbito do processo de revitalização, vir a ser diversa (através de uma eventual redução) da dos avalistas, ora recorrentes. Tal decorre, naturalmente, da circunstância de a “garantia do aval não [ter] carácter subsidiário, mas cumulativo. Introduz, paralelamente ao valor patrimonial do direito de crédito que é próprio da operação garantida, um novo valor patrimonial para o mesmo direito, que assim acresce ao daquela operação e desta forma o garante.” [11]
“O credor (exequente) deve, assim, manter a possibilidade de exercer, conforme bem entender, os direitos que emergem de avales pessoais de terceiros” [12], não podendo estes opor-lhe a inexigibilidade das livranças dadas à execução.
O recurso é, pois, improcedente.
4 – Dispositivo.
Pelo exposto, os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso de apelação a cargo dos recorrentes, sendo a taxa de justiça fixada de acordo com a tabela I-B, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2013
Edgar Gouveia Valente
Paulo Duarte Barreto
Filipe Nunes Caroço
___________________________________________________________________
[1] Cfr. relatório da decisão recorrida.
[2] Com a redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26.06 (cfr. respectivo artº 6º, nº 4), sendo todas as referências ulteriores a este diploma as resultantes do referido normativo.
[3] O artº 17º-C tem a seguinte redacção:
1 - O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3 - Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adotar os seguintes procedimentos:
a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações;
b) Remeter ao tribunal cópias dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo.
4 - O despacho a que se refere a alínea a) do número anterior é de imediato notificado ao devedor, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 37.º e 38.º
[4] A referência na 5ª conclusão ao artº 22º dever-se-á seguramente a mero lapso.
[5] Aplicável, por ser uma das normas "previstas no título IX", para onde expressamente nos remete o nº 5 do artº 17º-F do CIRE.
[6] Carvalho Fernandes e João Labareda in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, página 724.
[7] Ferrer Correia in Lições de Direito Comercial, Vol. III, 1975, página 206. No mesmo sentido vide o Acórdão do STJ de 10.05.2011 proferido no processo 5903/09.34TVLSB.L1.S1 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 16.10.2003, disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Pestana de Vasconcelos in Direito das Garantias, Almedina, 2010, página 58 e ss.
[9] Paulo Sendin in Letra de Câmbio, L. U. de Genebra, vol. II, Universidade Católica / Livraria Almedina, página 132 (753).
[10] Excepto quando a origem de tal nulidade seja um vício de forma (cfr. 2ª parte do referido §).
[11] Paulo Sendin in Ob. cit., página 127 (733).
[12] Acórdão da Relação de Guimarães de 10.12.2013 proferido no processo 1083/12.9TBBRG.G1 em que o ora relator foi adjunto e, segundo sabemos, nesta data (ainda) não publicado.