Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
184584/12.2YIPRT.G1
Relator: PAULO DUARTE BARRETO
Descritores: PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
FACTURA COMERCIAL
PAGAMENTO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A execução do contrato só termina com o cumprimento ou pela verificação de outra das causas de extinção das obrigações.
II - O pagamento das facturas em dívida e o incumprimento da devedora requerem uma apreciação jurisdicional sobre a execução do contrato, pelo que o litígio é emergente dos contratos outorgados entre as partes e integra-se na sua execução.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2.ª) do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
Nestes acção declarativa, com processo ordinário, em que é Autora P…, Ld.ª, e Ré A…., SA, o tribunal a quo proferiu decisão a julgar proceder a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, com a consequente absolvição da ré instância e prejuízo da apreciação do pedido reconvencional deduzido.
Não se conformando com tal decisão, dela recorreu a Autora, tendo formulado as seguintes conclusões:
“ a) A Apelada não impugna quer o vencimento, quer o montante, quer a execução das obras, constantes das facturas cujo pagamento se reclama;
b)Quer o montante, quer o objecto das facturas em causa nos autos foram objecto de aprovação pela Recorrente;
c) Sobre as facturas cujo pagamento se reclama não subsiste qualquer litígio emergente quer da interpretação, quer da execução dos contratos nos termos dos quais fosse necessária a submissão a julgamento por Tribunal Arbitral;
d) Os autos tratam de mero pedido de pagamento de facturas, sem que tenha sido posto em questão a legitimidade das obras facturadas e da oportunidade da facturação, logo sem que impenda litigio quanto à interpretação e muito menos quanto à execução do contrato, pelo que não há que recorrer ao Tribunal Arbitral;
e) A douta sentença “a quo” fez indevida interpretação dos factos e má aplicação do direito, violando, nomeadamente, o disposto nos artºs 494º alªj) e 495º do CPC.”
Não houve contra alegações.
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II – Fundamentação
O objecto do recurso afere-se do conteúdo das conclusões de alegação formuladas pela recorrente (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º - A, do Código de Processo Civil, redacção do DL 303/2007). Isso significa que a sua apreciação deve centrar-se nas questões de direito nele sintetizadas e que, in casu, se restringe à excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral.
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A questão sujeita a recurso é limitada à interpretação da cláusula 12.ª dos contratos, entre as partes celebrados, denominados de “Contrato de Subempreitada por referência à obra designada por “CO 09/045 –Execução da Nova Escola EB 2,3, na zona da Bemposta, em Portimão” e “Contrato de Subempreitada por referência à obra designada por “CO 08/044 – Empreitada de Construção das Centrais Mini Hídricas do Alvito e de Odivelas do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva”.
Nestas cláusulas, de igual teor, consta que “em caso de litígio emergente do Contrato, quer relativo à sua interpretação, quer à sua aplicação e execução, será o mesmo decidido em Tribunal Arbitral, nos termos da Lei nº 31/86 de 29 de Agosto…” Mais ficou consignado que o Tribunal Arbitral teria sede em Braga.
Não discute a apelante a natureza de cláusula compromissória de atribuição exclusiva de competência ao tribunal arbitral, nos moldes definidos pelo STJ, em acórdão de 21.01.2011, processo n.º 2207/09.6TBSTB.E1.S1, e seguido, por exemplo, pelo acórdão da Relação de Lisboa, de 06.10.2011, processo n.º 193098/09.7YIPRT.L1-2, jurisprudência que pode ser encontrada em dgsi.pt.
A aqui recorrente, aceitando tal cláusula compromissória, diz, contudo, que se limita às questões de interpretação, aplicação e execução dos contratos, matéria que, segundo ela, não está em causa no seu pedido. Como resulta das conclusões c) e d), sustenta a apelante que sobre as facturas cujo pagamento reclama não subsiste qualquer litigio emergente quer da interpretação, quer da execução dos contratos nos termos dos quais fosse necessária a submissão a julgamento por Tribunal Arbitral, tratando os autos de mero pedido de pagamento de facturas, sem que tenha sido posto em questão a legitimidade das obras facturadas e da oportunidade da facturação, logo sem que impenda litigio quanto à interpretação e muito menos quanto à execução do contrato, pelo que não há que recorrer ao Tribunal Arbitral.
Por conseguinte, a questão é de interpretação da cláusula 12.ª dos contratos, nomeadamente a de saber se a pretensão da recorrente se inclui no compromisso de atribuição exclusiva de competência ao tribunal arbitral.
Como ensinou o saudoso civilista Prof. Mota Pinto, na interpretação da declaração da vontade das partes serão atendíveis «todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta» (Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pg. 421). Por sua vez, Antunes Varela assim explica a ratio daquela teoria: «O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir» e, mais adiante, acrescenta: «a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante» (P.Lima e A. Varela, Código Civil anotado, vol. I, anotação ao artº 236º) – citados no supra referido acórdão do STJ.
Vejamos então se a questão em apreço é de interpretação, aplicação ou execução dos contratos.
“Afirmando que o contrato deve pontualmente ser cumprido, a lei (art.º 406.º, n.º 1, do Código Civil) quer dizer que todas as cláusulas contratuais devem ser observadas, que o contrato deve ser cumprido ponto por ponto, e não apenas que ele deve ser executado no prazo fixado, como poderia depreender-se do sentido usual do vocábulo pontualmente” – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed. revista e actualizada, pg. 373.
“ A obrigação extingue-se normalmente pelo cumprimento, ou seja, quando o devedor realiza a prestação a que está vinculado (…); Não realizando o devedor a prestação a que está vinculado, não há cumprimento, mesmo que se realize um acto ou se verifique um facto que resulte a extinção da obrigação; estes actos ou factos, equivalente ao cumprimento, em certos aspectos, como causa extintivas do direito à prestação ou dever de prestar (cfr. art.º 592.º, n.º 2), estão regulados nos artigos 837.º e seguintes” – Obra citada, Vol. II, 3.ª edição revista e actualizada, pgs. 1 e 2.
Do exposto decorre que a execução do contrato só termina com o cumprimento ou pela verificação de outra das causas de extinção das obrigações. O pagamento das facturas em dívida que a recorrente reclama manifestamente decorre da execução do contrato, sendo claro, por outro lado, que o incumprimento da Ré requer uma apreciação jurisdicional sobre a execução do contrato.
Em síntese, por um lado, enquanto não se extinguir, o contrato mantém-se em execução, e, por outro, só há incumprimento se houver contrato em execução.
Acresce, como vimos, que todas as cláusulas contratuais devem ser cumpridas, isto é, o contrato deve ser cumprido ponto por ponto. E assim, ao contrário do que sustenta a recorrente, não é possível apreciar, em separado, a questão do pagamento das facturas. Note-se que a requerida, nos artigos 18.º e seguintes da oposição, diz nada dever à recorrente, sendo até credora em virtude de diversos incumprimentos contratuais. É matéria controvertida e objecto da presente lide, saber qual das partes incumpriu e quem deve o quê a quem.
Finalmente, tendo sido admitido o pedido reconvencional, decisão com a qual a recorrente se conformou, o objecto da presente lide, como bem refere o tribunal a quo, é, não só a falta de pagamento parcial de algumas facturas, mas também as questões contrapostas pela recorrida, em sede de incumprimento dos prazos estabelecidos no contrato para o fornecimento e aplicação de pavimentos autonivelantes, anomalias a suprir, emissão um auto de abandono da obra, imputação dos custos decorrentes do incumprimento, emissão de notas de débito, etc.
Por conseguinte, pelos motivos expostos, o litígio é emergente dos contratos outorgados entre as partes e integra-se na sua execução, pelo que se inclui no compromisso de atribuição exclusiva de competência ao tribunal arbitral.
E, assim, improcede a apelação.
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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da apelação pela Recorrente.
Guimarães, 17 de Setembro de 2013
Paulo Barreto
Filipe Caroço
António Santos