Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
406/09.0TBCMN.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: PEDIDOS INCOMPATÍVEIS
REIVINDICAÇÃO
DEMARCAÇÃO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: São substancialmente incompatíveis entre si, gerando ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo, os pedidos cumulados de reivindicação de propriedade e de demarcação.
Decisão Texto Integral: Apelação 406/09.0TBCMN.G1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial de Caminha

Relatora: Helena Gomes de Melo
1º Adjunto: Juiz Desembargador Amílcar Andrade
2º Adjunto: Juiz Desembargador Manso Raínho

Acordam os juízes que integram a 1ª secção Cível deste Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
M. veio propor acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra L. e mulher, M.A. e A. e mulher, I., pedindo que:
a) os RR. sejam condenados a largar mão da parcela de terreno de que indevida e intencionalmente se apropriaram, bem sabendo não lhes pertencer.
b) Entregar de facto e de direito essa parcela à A., integrando-a na propriedade que possui em comum com a sua mãe e irmã.
c) Para o efeito deve ser efectuada a demarcação da linha divisória das propriedades confinantes para a colocação de marcos com ou sem autorização dos RR.
d) Serem os RR. obrigados a retirar todos os materiais, designadamente as grandes rochas que depositaram na propriedade da A.
e) A pagar à Autora a indemnização por danos materiais decorrentes da retirada dos blocos de pedra, além de danos morais a calcular em execução de sentença.
Invoca, em súmula, que é comproprietária do prédio rústico sito na freguesia de Moledo, concelho de Caminha, designado por Cachada ou Barroca, inscrito sob o art.º … da matriz predial rústica, com a área igual a 0,101200 hectares. Tal prédio confronta do lado norte, em grande parte, com o então terreno rústico que foi adquirido, por compra, pelos 1ºs RR., que, por sua vez o venderam aos 2ºs RR.. Mais, alega que o seu prédio estava devidamente demarcado com marcos e estacas, alguns dos quais ainda existentes no terreno e assinalados na planta de levantamento topográfico. Aquando dos trabalhos de preparação para construção do terreno adquirido pelos 1ºs RR. e depois vendido aos 2ºs RR., o 2º R. marido fez entrar pela propriedade da A. grandes escavadoras e camiões, sem qualquer pedido daquele ou autorização de qualquer das comproprietárias. As escavadoras serviram para abrir os alicerces da futura moradia, tendo os 1ºs RR. retirado grandes quantidades de pedras que depositaram no interior da sua propriedade. Com esta invasão, os 2ºs RR. arrancaram o marco divisório das respectivas propriedades aí existente e ocuparam uma faixa do prédio da Autora, em toda a extensão da sua propriedade com cerca de 60 m de comprimento e mais de um metro de largura, numa área total de 60 m2, que fizeram integrar na propriedade dos mesmos.
Mais alega que, além de terem derrubado várias árvores existentes na zona limite do seu terreno, os 2ºs RR destruíram a parede que delimitava as duas propriedades e um nicho.
Conclui que a parcela de terreno na extensão de, pelo menos 60 m2, deverá ser incorporada na sua propriedade, devendo a mesma ser feita através da demarcação das extremas da propriedade da A. com o prédio dos 2ºs RR. de acordo com a planta constante do levantamento topográfico, fixando-se dessa forma a linha divisória das propriedades, reivindicando essa extensão de terreno, por ser de seu domínio próprio e sempre assim ter sido considerado pública, pacífica e de registo oficial.
Devidamente citados, todos os RR. contestaram, invocando a sua ilegitimidade para a acção no que respeita aos pedidos formulados sob as als. A), B), C) e D), por já não serem proprietários do prédio em questão. No mais, impugnaram os factos alegados, tendo invocado que desde que os 1ºs RR compraram o prédio, em 2003, e até à data da contestação, sempre o imóvel manteve a sua configuração e delimitação, tendo os limites exactos do terreno sido indicados no local pela vendedora. O prédio não confronta no lado norte com o da A., mas sim a sul/nascente. O prédio que foi dos RR já em 1989 tinha as apontadas limitações e demarcações, sendo que jamais foram interpelados pela A. ou por quem que fosse no sentido de que estavam a apossar-se de propriedade alheia, não admitindo que tenham invadido ou apropriado-se de parte do prédio da A.
A A. replicou, pugnando pela legitimidade de todos os RR. e em requerimento autónomo (fls 92) a A. requereu a intervenção principal dos actuais proprietários do prédio confinante.
A requerida intervenção foi admitida, tendo vindo contestar a acção R. e mulher S. que invocaram a caducidade do direito à acção, pois, em seu entender, trata-se de uma acção de restituição de posse que não foi instaurada dentro do ano subsequente ao esbulho. No mais, defenderam-se por impugnação, alegando, nomeadamente que, quando compraram o prédio já se encontrava construído o muro que separa o seu prédio do prédio da A.
Na réplica, a A. pronunciou-se pela improcedência da excepção de caducidade invocada.
Foi proferido despacho saneador/sentença que declarou nulo todo o processado, por ineptidão da petição inicial – pedidos substancialmente incompatíveis (e falta de causa de pedir relativamente aos pedidos próprios da acção de reivindicação) - e, em consequência, absolveu os Réus da instância, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 193º, nº 1 e 2, al. c), 494, al. b), 493º, nº 2 e 288º, nº 1, al. b), todos do C.P.C..
A A. não se conformou e interpôs o presente recurso, tendo oferecido as seguintes conclusões:
2.1- A sentença de que se recorre conclui que “quer por incompatibilidade de pedidos, quer por ausência de causa de pedir a petição inicial é inepta”.
2.2 – Na penúltima página da decisão afirma-se: ”aos pedidos típicos da acção de reivindicação e que se reconduzem à restituição da parcela de terreno reivindicada a A. não alegou factos que os suportem”
Porém, como é claro do petitório, o pedido da acção é indubitavelmente, o da demarcação de prédios confinantes;
2.3 – Como vem pedido; “deve ser efectuada a demarcação da linha divisória das propriedades confinantes para a colocação de marcos com ou sem autorização dos
RR.”
Assim, o pedido formulado é bem claro: Demarcação da linha divisória das propriedades confinantes com colocação de marcos.”
2.4 – Naturalmente, para se proceder à demarcação indispensável se torna a alegação de factos conducentes à fixação dos limites das propriedades confinantes, por um lado e da legitimidade para formular tal pedido, ou seja, a qualidade dos proprietários confinantes, por outro.
Ora, tal é feito nos artºs 1 a 4, acrescentando-se no artº 5 da P.I. que a propriedade da A. já esteve bem delimitada.
O pedido da demarcação é formulado com base nos factos enunciados nos artºs. 9º a 23º, com conclusões nos artºs. 24 a 27º.
2.5 – Não existem quaisquer incompatibilidades processuais ou contradições entre os pedidos formulados e o mandatário signatário escreve sem erros e constrói devidamente as frases pelo que não arrasou;
2.6 – Na verdade, nas alíneas A) e B) do petitório, ao contrário do afirmado pelo Meritíssimo Juiz, a Autora pede, como pressuposto do pedido na alínea c), “A) Largar mão da parcela de terreno após demarcação;
B) Entregar de facto e de direito essa parcela à A. integrando-a na sua propriedade.”
2.6 – Muito embora, como se vê dos doutos acórdãos citados nestas alegações, não existem grandes diferenças de facto mas têm muito de comum divergindo apenas nos pedidos formulados.
No caso, a A. declarou expressamente que se tratava de acção de demarcação e os factos e, bem assim, o petitório é o adequado e o próprio.
2.7 – A decisão – sentença que julgou a ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de pedidos e por ausência de causa de pedir violou o artº 467 do C.P.Civil por não se verificarem os vícios apontados que violem o artº 193 do mesmo C.P. Civil porquanto, não existe erro na forma de processo nem se cumularam pedidos incompatíveis.

A parte contrária não contra-alegou.
Objecto do recurso:
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. nos recursos apreciam-se questões e não razões; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
se os pedidos formulados pela A. são substancialmente incompatíveis e, em caso negativo, se há falta de causa de pedir relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a), b) e c).

II - Fundamentação:
Nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 193.º do CPC a petição é inepta quando “se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.
A ineptidão da petição inicial fundada em incompatibilidade substancial de pedidos verifica-se quando, em cumulação real, são formulados pedidos cujos efeitos jurídicos mutuamente se repelem e desde que tal incompatibilidade derive de razões substanciais e não do mero desrespeito das regras processuais da cumulação de pedidos vertidas no artigo 470º, nº 1, do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 31º, nº 1, do mesmo diploma legal António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, (2ª ed. revista e ampliada), Coimbra: Almedina, 1998, p.131. . A incompatibilidade substancial de pedidos só existe se houver sido deduzida uma cumulação real de pedidos, não havendo qualquer obstáculo à dedução de pedidos subsidiários substancialmente incompatíveis José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil, vol 1º, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 326..
Defende a A. que com a presente acção visou apenas a demarcação do prédio do qual é comproprietária do prédio adquirido pelos 1ºs RR., vendido por estes aos 2ºs RR que, por sua vez, o venderam aos intervenientes principais.
A Mma Juíza a quo considerou que “do teor dos articulados resulta que a A. confunde as consequências jurídicas da acção de demarcação e da acção de reivindicação, afigurando-se-nos que não tem quaisquer dúvidas sobre a definição das extremas de ambos os prédios, até porque, segundo a sua versão ambos os prédios estavam devidamente demarcados por marco divisório, parede e um nicho. A essência da presente acção, tal como ela está configurada pela Autora, estriba-se na ocupação indevida de uma parcela de terreno pertencente ao prédio de que é comproprietária (60 m2) de que se quer ver restituída. Embora não o expresse claramente está implícito nos pedidos formulados nas als. A) e B) o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre a referida parcela de terreno alegadamente ocupada.
Assim, a Autora formula pedidos típicos de uma acção de reivindicação, inserindo um pedido de demarcação de ambos os prédios confinantes que aliás se mostra claramente deficitário, na medida em que a Autora não descreve como deverá ser realizada essa definição (de onde deverá partir a linha divisória, por onde deverá progredir e onde deverá findar), nem por alusão ao levantamento topográfico que juntou aos autos.
Afigura-se-nos, que os pedidos assim cumulados são substancialmente incompatíveis, pois não pode dar-se por duvidosas as estremas de um prédio e, simultaneamente, dar como certa a propriedade”.
Entendeu, assim, a Mma Juíza na decisão recorrida que a petição inicial era inepta, em virtude da A. ter deduzido cumulativamente pedidos susceptíveis de consubstanciar, simultaneamente pedidos típicos da acção de reivindicação (pedidos formulados nas al A) e B), os quais são incompatíveis com o pedido de demarcação que formula na alínea C).
Vejamos se na decisão sob censura a A. formulou em cumulação real pedidos próprios da acção de reivindicação com pedidos próprios da acção de demarcação.
A acção de reivindicação é um meio facultado ao proprietário para defender judicialmente o seu direito, podendo por essa via exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (nº 1 do artigo 1311ºdo Código Civil).
Na acção de reivindicação do direito de propriedade, o A. tem que alegar os factos constitutivos do direito de propriedade de que se arroga, devendo caracterizar da forma mais precisa possível o objecto a que respeita o seu direito e descrever a ofensa que lhe foi feita ou está a ser feita, delimitando a medida desse ataque ao seu direito, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que afirma pertencer-lhe.
Na reivindicação não é possível requerer que se delimite ou se determine confrontações de terrenos. Estes já estão devidamente definidos, pretendendo-se a sua restituição aos legítimos proprietários, se a ocupação for ilegal.
Na acção de reivindicação não se requer o reconhecimento de um prédio cujas áreas não estejam devidamente delineadas e em que se pretenda que o tribunal defira tal desiderato. Nestes casos, o autor pretende reivindicar uma parcela de terreno, integrando-a no seu imóvel, mas definindo ele própria as confrontações que assinala, como sendo inquestionáveis.
A causa de pedir na acção de reivindicação é complexa “…consistindo no facto jurídico de que deriva o direito de propriedade, materializado este na alegação de uma das formas originárias de adquirir, ou na existência de uma presunção registral, exigindo-se a alegação e prova da ocupação abusiva e da coincidência entre a coisa reivindicada e a efectivamente detida” Conforme se defende no Ac. do TRL de 22.01.2008, proferido no proc. nº 9435/2007, disponível em www.dgsi.pt..
Tenha-se presente que a presunção prevista no art. 7º. do CRP, respeita apenas à propriedade do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial, mas não comprova a maior ou menor porção de terreno abrangido, conforme se defende no Ac. do STJ de 28-6-2007 Proferido no proc. nº 07B1097 e Ac. do STJ de 12.01.2006, proferido no proc. nº 05B4095, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.: “as presunções registrais emergentes do art. 7º. do Código do Registo Predial, não abrangem factores descritivos, tais como as áreas, limites e confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que com os elementos identificadores do prédio se relacione».
Por sua vez, a acção de demarcação tem como fim a determinação das estremas de prédios confinantes entre si (artigo 1353º do Código Civil), demarcação que é feita de acordo com os títulos de cada um dos proprietários confinantes e, na falta de títulos suficientes, de acordo com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova (nº 1 do artº 1354º do CC). Caso os títulos não determinem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário e a questão não puder ser resolvida pela posse ou outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais (nº 2 do artº 1354º do CC).
A demarcação “é a operação material de colocar marcos ou sinais exteriores permanentes e visíveis, que assinalem diversos pontos da linha divisória entre dois prédios contíguos, sendo lícito também aproveitar para o mesmo fim sinais naturais já existentes, tais como um rochedo, um combro, uma árvore, na qual podem ser gravadas as iniciais de um dos proprietários.” António Carvalho Martins, A acção de demarcação, Coimbra: Coimbra Editora, 1988, p. 17 e 18..
Na acção de demarcação a causa de pedir é complexa e consiste na existência de prédios confinantes pertencentes a donos diferentes e de estremas incertas. O direito de demarcação pressupõe a incerteza ou a dúvida sobre a linha divisória entre prédios confinantes, por falta de marcos ou outros sinais exteriores que indiquem as estremas de cada prédio António Carvalho Martins, obra citada, p. 24.. A incerteza ou indefinição sobre os limites dos prédios tanto pode resultar do desconhecimento sobre os limites dos prédios como do desacordo sobre os mesmos Conforme se defende nos Acs. do TRP de 13.10.2009 e de 16.01.2006, proferidos, respectivamente, nos procs. nº 313/07 e 0554858, acessíveis em www.dgsi.pt. .
Nem sempre é fácil distinguir a acção de reivindicação da acção de demarcação, porque, em qualquer dos casos, se discute uma questão de domínio, relativamente a uma faixa de terra. As acções de demarcação, embora não tendo por objecto o reconhecimento do domínio, pressupõe-o. O seu fim específico é o de fazer funcionar o direito, reconhecido ao proprietário pelo art. 1353º do Código Civil, de obrigar os donos de prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas dos seus prédios. António Carvalho Martins Obra citada, p.41 e 42. refere que o problema da distinção entre as duas acções tem tido várias soluções na doutrina, mas que se lhe afigura como a mais correcta a que apresenta como critério “para distinguir entre as duas acções a diferença entre um conflito acerca do título e um conflito entre prédios”. Se as partes discutirem o título de aquisição, o que acontece nos casos em que o A. pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa de terreno ou parte dele porque a adquiriu por um dos títulos permitidos pelo direito, a acção é de reivindicação. Se não se discute o título, mas apenas os termos em que deve ser feita a medição ou a extensão do prédio de que se é dono, sem estarem em causa os títulos de aquisição, então a acção é de demarcação. Conforme se defende no Ac. do STJ de 9.10.2006 Proferido no proc. nº 06ª2504, disponível em www.dgsi.pt. , citado pela A. nas suas alegações, na acção de reivindicação e na acção de demarcação “os pedidos e os resultados jurídico e prático visados – sem prejuízo de se reconhecer que pode haver coincidência prática de resultado - não são confundíveis: - Na reivindicação, se o autor prova os limites que alega vê reconhecido o direito sobre a parcela na sua totalidade (ganha tudo). Se não prova, o litígio mantém-se, pois fica sem se saber quais são os limites (não ganha nem perde); - na demarcação, diferentemente, o autor indica os limites que entende mas sujeita-se a um resultado que pode ou não coincidir com a linha proposta, podendo obter total ou parcial ganho da causa ou nenhum.
A demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas pôr fim a estado de incerteza sobre o traçado da linha divisória entre dois prédios, incerteza que bem pode resultar do anterior insucesso, por falência da prova, da reivindicação de uma faixa de um deles por um dos confinantes. É também o que decorre dos pedidos que, segundo a lei, integram e caracterizam cada uma das acções. Reivindica-se para pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma coisa ou parte dela e a respectiva restituição, mas intenta-se acção de demarcação para obrigar o dono de prédio confinante a concorrer para a definição e fixação da linha divisória, não definida (arts. 1311º e 1353º C. Civil).”
E como se refere no Ac do TRL de 12.02.2009 Proferido no proc. 288/2009, disponível em www.dgsi.pt., face ao que ficou dito, podem configurar-se várias hipóteses:
. se não houver de qualquer dos titulares dos prédios confinantes dúvidas relativamente aos limites dos prédios, não pode como se afigura óbvio, colocar-se qualquer problema de demarcação;
. nos casos em que nenhum dos titulares dos prédios conhece quais os limites de demarcação, impõe-se também, como parece manifesto, o recurso à acção de demarcação:
. nos casos em que cada um dos “…proprietários pensa saber quais os limites dos prédios, mas estão em divergência quanto a esses limites, ou seja, à linha divisória, há dúvidas sobre os limites dos prédios e poderá, também neste caso, haver recurso à acção de demarcação. Mas também qualquer deles poderá recorrer, antes, à acção de reivindicação, se entender que o vizinho está a lesar o seu direito de propriedade. Se um dos proprietários não tem dúvidas e veda o seu prédio ou coloca marcos, mas o proprietário vizinho não aceita a marcação, novamente haverá dúvidas quanto aos limites dos prédios e, então, poderá haver recurso à acção de demarcação. Mas, da parte do proprietário que não tinha dúvidas, também poderá recorrer à acção de reivindicação. Serve o que acaba de referir-se para se concluir que sendo distintas as acções de demarcação e de reivindicação poderão cada uma delas em determinadas situações ser utilizadas indistintamente na prossecução do mesmo objectivo de circunscrever determinada propriedade aos seus justos e claros limites”.
A A. alega que é comproprietária de um prédio rústico inscrito sob o artº … da matriz predial rústica da referida freguesia e concelho que confina do lado norte, em grande parte, com o então terreno rústico que fora adquirido por compra pelos 1ºs RR e posteriormente vendido aos 2ºs RR (que também, por sua vez, o venderam aos intervenientes principais).
Na versão da A., os 2ºs RR. arrancaram o marco divisório das respectivas propriedades aí existentes e ocuparam uma faixa do seu prédio, em toda a extensão da sua propriedade, com cerca de 60 metros de comprimento e mais de um metro de largura, numa área total de 60 m2, que integraram na propriedade dos RR. e destruíram a parede que delimitavam as duas propriedades e um nicho (artigos 14º e 15º).
Mais invoca que deve ser feita a demarcação das extremas da propriedade da A. com o prédio dos 2ºs RR., de acordo com a planta constante do levantamento topográfico junto sob o doc. nº3, fixando-se dessa forma a linha divisória das propriedades (artº 21º).
Atentos os factos alegados pela A. que referimos e o pedido formulado em C), entendemos que a A. pretendeu lançar mão de uma acção de demarcação, embora não tenha invocado onde se inicia e termina a linha de demarcação que pretende ver reconhecida e onde pretende que sejam colocados marcos divisórios. A A. remete para um levantamento topográfico feito e que junta, mas esse documento afigura-se insuficiente para caracterizar e traçar a linha divisória entre os prédios.
Mas a A. alegou também que os RR. ocupam indevidamente uma faixa de terreno de 60 m2, a qual pede que seja incorporada no prédio do qual é comproprietária, reivindicando tal extensão de terreno, invocando ser do seu domínio próprio e ser considerado público, pacífico e de registo oficial (artº 22º). Mais invoca no artº 24º que “os pedidos de reivindicação e demarcação não obedecem a acções próprias e especiais, mas sim a acções comuns e podem, tais pedidos ser cumulados” e no art 25º “assim, se pede, por um lado, a respectiva demarcação com definição clara das extremas das respectivas propriedades confinantes e a colocação de marcos divisórios fixando-se a linha limite e divisória das propriedades confinantes e, por outro lado, a integração da parcela de terreno da Autora, parcela que foi, abusivamente e à força, retirada da propriedade da A….”.
Tratar-se-á simultaneamente de uma acção de reivindicação, como a própria A. alega?
A apelante veio defender que afirma expressamente que a acção é de demarcação. É verdade, mas também afirma expressamente que é também de reivindicação e que nada obsta à cumulação de ambos os pedidos de demarcação e de reivindicação (cfr artigos 24 e 25 da p.i.).
Entendemos (tal como a A. na sua petição inicial) que a presente acção é um misto de acção de demarcação e de reivindicação.
A A., no caso em apreço, tanto poderia ter recorrido à acção de demarcação, como à acção de reivindicação. Se tem dúvidas sobre a possibilidade de provar os limites do seu prédio, então mesmo que os conheça e esteja segura dos mesmos, uma vez que há desacordo entre as partes quanto a esses limites, o recurso à acção de demarcação mostra-se adequado.
E é esta possibilidade de optar por uma ou outra acção nos casos como o dos autos que, certamente, conduziu a que a A. acabasse por formular pedidos próprios de cada uma das acções conjuntamente: da acção de demarcação, na alínea c) e da acção de reivindicação, nas alíneas a) e b) e pedidos acessórios nas alíneas d) e e).
E estes pedidos são substancialmente incompatíveis Conforme se defende no Ac. do TRE de 9.10.2008, proferido no processo 1192/08 e no Ac. do STJ de 21.01.2003, proferido no processo 02A1029, ambos citados na sentença recorrida e disponíveis em www.dgsi.pt. . Na acção de reivindicação é pressuposto desta acção a certeza sobre os limites do prédio e na demarcação, pelo contrário, é pressuposto a incerteza dos limites, seja por se haver dúvidas sobre os mesmos, seja por haver desacordo quanto aos mesmos e se entender que não se consegue provar os limites que se consideram exactos.
Já seria diferente se a A., em vez pedir que se efectuasse uma linha de demarcação, pedisse que os RR. respeitassem a linha de demarcação que ela entendia ser a correcta. Nesse caso, o pedido da autora de condenação dos RR ao respeito de certa linha divisória teria como pressuposto a certeza da definição dessa estrema, pedindo-se o respeito do direito de propriedade da A. de acordo com a extensão definida por essa linha e nesse caso já não seria um pedido de estabelecimento da linha divisória e das estremas, como é próprio da acção de demarcação e poderia ser cumulado com o pedido de reconhecimento da propriedade numa acção de reivindicação Como se considerou no Ac. do TRC de 25.05.2010, proferido no proc. 115/09, disponível em www.dgsi.pt..
Conforme se defende no Ac. do TRG 1.06.2005, proferido no proc nº 980/05, a demarcação, só por si, é imprópria para o caso de as partes se atribuírem o direito de propriedade sobre certa faixa de terreno, impondo, pois, em paralelo, os trâmites de acção ordinária diversa, para que a questão assim posta consiga ser resolvida.
Não merece assim censura a decisão recorrida, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas.
Sumário:
Gera ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processado, a formulação, em cumulação de pedidos próprios da acção de reivindicação como são os pedidos de “largar mão da parcela do terreno, de que indevida e intencionalmente se apropriaram bem sabendo não lhes pertencer” e “ entregar de facto e direito essa parcela à A. integrando-a na sua propriedade…” que constituem pedidos de restituição de propriedade, com o pedido de “demarcação da linha divisória das propriedades confinantes para a colocação de marcos com ou sem autorização dos RR.”, próprio da acção de demarcação, por se tratarem de pedidos substancialmente incompatíveis.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Notifique.

Guimarães, 2 de Junho de 2011

Helena Melo

Amílcar Andrade

José Rainho