Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2143/15.7T8VCT.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULAS DE EXCLUSÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Tendo sido demandada na acção a seguradora e admitida a intervenção do banco tomador do seguro, e não tendo estes conseguido provar o cumprimento do ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, não pode a seguradora opor-lhe as cláusulas de exclusão ou limitação de riscos não comunicadas ou sobre as quais este não foi devidamente informado.

II - Tendo o Autor pretendido acautelar uma situação de invalidez absoluta e definitiva, o princípio da boa fé impunha que fosse informado da cláusula constante do contrato, ao qual aderiu, e que procede à definição de tal situação de forma absolutamente restritiva; não estando demonstrado que foi informado, tal cláusula deverá ter-se a mesma por excluída, sem que tal signifique a verificação da indeterminação de aspectos essenciais do contrato ou um desequilíbrio nas prestações em desfavor da seguradora, atentatório da boa fé.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

JOSÉ, casado, residente na Rua do …, freguesia de D…arque, Viana do Castelo, instaurou a presente acção de processo comum contra Seguros X, COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., com sede na Rua …, Lisboa, peticionando a condenação da Ré no pagamento ao Autor da quantia de €41.000,00 (quarenta e um mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, contados sobre a referida quantia e desde a data da participação do sinistro, até integral e efectivo pagamento; e, subsidiariamente, a condenação da Ré no pagamento ao Banco A, S.A. do montante do empréstimo em dívida e no pagamento ao Autor das prestações que pagou ao Banco desde que ficou incapacitado para exercer a sua actividade (Fevereiro de 2013) e até à data do pagamento da Ré ao Banco A, S.A..

Para tanto, e em síntese, alega que:

A 12 de Junho de 2007 contratou com a Ré o seguro denominado “Crédito à habitação – Vida Habitação Seguro de Vida Grupo 2 Cabeças” pelo qual a Ré se obrigava a pagar ao Autor a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros), em caso de morte, tendo como beneficiários os seus herdeiros legais, e a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) em caso de invalidez absoluta e definitiva, tendo como beneficiário o aqui Autor.
Que após admissão no Instituto Português de Oncologia do Porto FG, EPE, no Porto, em Fevereiro de 2013, o Autor apresentava um quadro de tumefação cervical submandibular esquerda, com evolução de cerca de 3 meses, otalgia reflexa e sensação de maxilar preso associado e que actualmente, encontra-se a fazer tratamento experimental - ensaio clínico LUX Head e Neck - afatinib adjuvante vs placebo após radio-quimioterapia, mantendo seguimento no IPO Porto.

Mais alega que enviou à Ré documentação que atestava que o mesmo é portador de uma incapacidade permanente de 84% e que se encontra incapacitado para o exercício de qualquer actividade profissional, necessitando de terceira pessoa.
Mais invoca ter sofrido danos morais.
A Ré contestou alegando em síntese que o Banco A SA previamente à subscrição da proposta de seguro comunicou ao autor as cláusulas inseridas no contrato e informou os elementos essenciais à sua celebração; mais alegou que o Autor não reúne as condições necessárias para que se considere em invalidez absoluta e definitiva.
Foi admitida a intervenção principal da mulher do Autor Maria (lado activo) e foi admitida a intervenção principal do Banco A, S.A. (lado passivo).

O Autor formulou ainda articulado superveniente, pedindo a condenação da Ré no pagamento ao Autor da quantia €9.833,48.
Foi realizada a audiência prévia, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Em face de todo o exposto julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a ré Seguros X – Companhia de Seguros Vida, S.A.:
-a) a pagar ao Banco A, S.A. o montante ainda em dívida relativo ao empréstimo mencionado no ponto 17 dos factos provados e que, em Fevereiro de 2013 – data do sinistro/doença – ascendia a € 34.854,83;
-b) a pagar ao Autor as quantias que este pagou no âmbito do aludido empréstimo, desde Fevereiro de 2013 em diante e, bem assim, todas as prestações que o Autor pagar até que a ré cumpra com o acima determinado.
-c) a pagar ao Autor os juros, à taxa legal, sobre as quantias mencionadas em b), desde as datas em que o Autor as desembolsou e desembolsará, até integral pagamento.
No mais, julgo a acção improcedente, absolvendo-se a ré dos restantes pedidos”.
Inconformada, apelou a Ré da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

1. Não se conformando com a decisão proferida, nomeadamente no que respeita à aplicação da lei ao casos dos presentes autos, vem a ora Recorrente apresentar as suas alegações de recurso no que concerne a:

· Das Cláusulas Contratuais Gerais e Da sua Comunicação
· Das Cláusulas Contratuais Gerais e Da Nulidade do Contrato
2. Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral, a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do seu teor ao aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova - artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26.Julho, actual artigo 78.° do DL 72/2008, de 16 de Abril e pelo artigo 342.° do Código Civil.
3. De facto, convém ter presente que o seguro é feito em benefício essencialmente do Tomador (o Banco é o beneficiário essencial) logo é absolutamente excessivo penalizar a seguradora pelo incumprimento praticado por quem, verdadeiramente, é o dono do negócio (o Tomador).
4. É o Banco que negoceia com a Seguradora os termos em que quer o contrato de seguro até para se proteger relativamente aos riscos dos seus empréstimos.
5. É o Banco que, em consequência da sua actividade, informa os clientes (futuros segurados) da necessidade de aderirem a um seguro em seu próprio benefício.
6. É o Banco que determina quem pretende ou não incluir no contrato de seguro (e não a seguradora que quando muito poderá recusar pedidos de inclusão).
7. É o Banco que recebe o valor em caso de sinistro coberto para ressarcimento dos valores mutuados.
8. Assim, se conclui que o Banco actua por si próprio, em seu próprio nome, no seu próprio interesse, por sua própria conta, como Tomador de Seguro e Beneficiário e é nessa qualidade que ele está obrigado a informar o Segurado do teor das cláusulas contratuais.
9. Assim, não tendo o A. demandado a instituição de crédito tomadora do seguro, não pode ser oposta à seguradora demandada a violação do dever de comunicação e informação do conteúdo das cláusulas contratuais gerais.
10. A primeira daquelas características das cláusulas contratuais gerais permite distingui-las do contrato pré-formulado.
11. As cláusulas contratuais gerais excluem a liberdade de estipulação – mas não a liberdade de celebração.
12. A ordem jurídica não podia, na verdade, ficar indiferente aos riscos e abusos que as cláusulas gerais encerram, atendendo à situação de precariedade e de vulnerabilidade em que colocam frequentemente os contraentes aderentes. Essa tutela desenvolve-se, não apenas ao nível do conteúdo do negócio concluído na base de cláusulas contratuais gerais, mas desde logo – compreensivelmente – no momento da formação do contrato.
13. Não está em causa a qualidade do contrato ou seja o equilíbrio e a razoabilidade dos termos contratuais mas a qualidade da contratação, i.e., um nível satisfatório de realização de pressupostos informativos e situacionais de formação esclarecida da vontade contratual.
14. Para assegurar a protecção do aderente, a lei disponibiliza um disciplina especial que faz depender a inserção das cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares de um dever de comunicação ao aderentes dessas cláusulas e de um dever de informação sobre o seu alcance (artºs 5 e 6 da LCCG).
15. Ora, e conforme já exautivamente supra se expôs, no caso em concreto, o dever de comunicação das cláusulas era do tomador de seguro – Banco.
16. A inobservância destes deveres é sancionada com a sua expurgação do contrato singular concreto de seguro celebrado, que, em princípio, subsistirá mediante o recurso às normas supletivas integradoras gerais (artºs 8 e 9 da LCCG).
17. O contrato, porém, não subsistirá se, apesar da aplicação das normas supletivas ou das regras de integração dos negócios jurídicos, se verificar uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais desse mesmo contrato ou um desequilíbrio nas prestações, gravemente atentatório da boa fé, hipótese em que o contrato se deve ter irrefragavelmente nulo (artº 9 nº 2 da LCCG).
18. No caso, pergunta-se: essa exclusão implica uma indeterminação, em absoluto insanável ou insuprível dos elementos essenciais do contrato de seguro, que implique a declaração da sua nulidade e o estabelecimento entre os contraentes de uma relação de liquidação? A resposta que se tem por exacta é positiva.
19. Ora, uma das grandes “traves mestras” da actividade seguradora assenta precisamente na análise do risco e na consequente adequação dos prémios de seguro às circunstâncias concretas de cada caso, de modo a que seja possível assegurar uma razoável proporcionalidade entre o risco assumido pelo segurador, e o prémio de seguro a suportar pelo tomador.
20. Esta relação entre o risco a assumir pela companhia de seguros e o prémio a suportar pelo tomador, configura precisamente uma das características principais do contrato de seguro: trata-se de um negócio jurídico bilateral, na medida em que dele resultam obrigações recíprocas para ambas as partes contratantes.
21. Assim, não obstante a clara tendência de se sacrificar a posição contratual das Seguradoras, no pressuposto de que estas figuram, na verdade, como sendo o “lado forte” do contrato, na medida em que, em regra, encontram-se numa posição economicamente mais favorecida, não será admissível impor às Seguradoras a aceitação ou o pagamento de todo e qualquer risco/prejuízo, ainda que não contratados, no pressuposto que estes possam ser inerentes à celebração de um contrato de seguro.
22. Nesta medida, e ressalvando novamente o devido respeito, que é muito, a condenar-se a ora Recorrente no pagamento dos montantes indemnizatórios peticionados pelo Recorrido considerando a exclusão em apreço nula, violar-se-ia, por completo, o equilíbrio contratual das partes.
23. Assim, e pelo que se acaba de referir, seria gravemente atentatório da boa-fé e equilíbrio das prestações manter o contrato em questão com exclusão de cláusulas essenciais para a validade do mesmo.
24. Isto porque, o que se pretendeu com a cláusula em causa nos presentes autos foi definir a invalidez absoluta e definitiva por critérios diversos dos que definem invalidez total e permanente e poer critérios diversos dos que regem, por exemplo, a atribuição de reforma por invalidez pela Segurança Social ou por qualquer outro regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou ainda qualquer classificação oficial de inválido para outros fins, por exemplo, para efeitos de IRS ou acidentes de trabalho.
25. A realidade aqui contemplada é, pois, diversa da que consta naqueles regimes, que o A. e segurado vive sem dependência permanente de terceira pessoa pois come, fala, expressa-se, lava-se, deita-se, levanta-se, desloca-se sozinho na rua, etc...
26. Na verdade, se é dada ao segurado a opção de escolha entre uma cobertura de invalidez absoluta e definitiva e uma cobertura de invalidez total e permanente é porque entre elas existe alguma diferença, não só no que respeita ao valor a liquidar pelo prémio de seguro como, consequentemente, pelos critérios necessários para o preenchimento da referida cobertura, que serão, numa questão de senso-comum, tanto mais restritivos quanto menor o prémio a liquidar.
27. Não podendo, por isso, ficar a cobertura do contrato de seguro, livremente escolhida, aquém daquilo que o autor podia de boa-fé contar, tendo em consideração o objecto, a finalidade e a livre opção do acordo firmado.
28. Ou seja, ainda que, possa considerar-se o segurado a “parte mais fraca” na
relação segurado/seguradora, não poderemos, sob a alçada de tal argumento, penalizar a seguradora por uma escolha que foi do segurado, tendo o mesmo livremente optado pela cobertura mais restritiva por forma a liquidar um prémio de seguro mais diminuto.
29. No que tange aos fins intencionados pela seguradora, temos que ela visa obter uma retribuição pelo facto de assumir o risco, ou seja, a eventualidade de vir a ter de indemnizar o segurado ou o beneficiário do seguro. Donde, tal retribuição (prémio do seguro) deve estar correlacionada com a maior ou menor possibilidade de o risco vir a concretizar-se. Assim, na perspectiva da ré, seria, claramente, atentório da boa-fé, como já supra se expôs, impor-lhe o pagamento de uma indemnização para a qual não recebeu o respectivo prémio de seguro, quando tal escolha foi do segurado.
30. Face a tudo quanto antecede, e para efeitos do disposto no art. 639º do CPC, é entendimento da ora Recorrente que o Tribunal de primeira instância não fez uma correcta aplicação da Lei, nomeadamente no que respeita ao DL 72/2008 e Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, nos termos já supra expostos, devendo, por isso, ser alterada a decisão proferida e de que ora se recorre”.
Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso e, consequentemente, pela revogação da sentença recorrida e pela sua absolvição do pagamento do montante peticionado pelos Recorridos.
O Autor contra alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:

1 - Saber se recaía sobre a Ré seguradora ou sobre o Interveniente Banco A SA o dever de informação ou comunicação ao Autor sobre as limitações e exclusões da garantia do contrato de seguro;
2 – Saber se a exclusão da clausula III.3.3. do contrato de seguro determina a nulidade do próprio contrato de seguro (por se verificar uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais do contrato ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. Em 12 de Junho de 2007 o Autor contratou com a ré a apólice de seguro com o nº 15…, a que corresponde o Certificado n.º …, denominada de “Crédito à Habitação – Vida Habitação Seguro de Vida Grupo 2 Cabeças”, pela qual a Ré se obrigava a pagar ao Autor a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), em caso de morte, e tendo como beneficiários os seus herdeiros legais, e a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) em caso de invalidez absoluta e definitiva, e tendo como beneficiário o aqui Autor.
2. Acontece que, após admissão no Instituto Português de Oncologia do Porto, no Porto, em Fevereiro de 2013, o Autor apresentava um quadro de tumefação cervical submandibular esquerda, com evolução de cerca de 3 meses, otalgia reflexa e sensação de maxilar preso associado.
3. Após ter sido avaliado no Hospital K, foi diagnosticada ao Autor uma lesão ocupando a região supraglótica direita com extensão para o seio piriforme direito, região pós cricoideia ultrapassando a linha média.
4. Realizou laringoscopia em suspensão com exérese da lesão que se revelou positiva para carcinoma epidermoide moderadamente diferenciado.
5. Realizou também citologia aspirativa do conglomerado adenopático esquerdo positivo para carcinoma epedermóide.
6. Realizou uma TC que objectivou duas lesões, uma ao nível da base da língua à esquerda e outra envolvendo o seio piriforme direito.
7. O Autor apresentava uma neoformação infiltrativa ocupando toda a base da língua esquerda com extensão para a valécula homolateral e uma massa vegetante implantada a nível da prega ariepiglótica direita com extensão para a face interna do seio piriforme condicionando diminuição da mobilidade da corda vocal direita.
8. Apresentava ainda uma tumefação submandibular esquerda com cerca de 5cm de maior diâmetro e uma área submandibular direita com cerca de 2cm.
9. O doente tinha dois tumores: um tumor a nível da base da língua estadiado como T2 N0 M0, e um tumor a nível do seio piriforme direito estadiado como T3 N2 M0.
10. O Autor foi proposto em Consulta de Grupo para início de quimioterapia de indução, tendo realizado 4 ciclos de quimioterapia com protocolo TPF (docetaxel, cisplatino, 5- fluorouracilo), tendo-se verificado resposta quase total ao nível do tumor primário e uma resposta superior a 50% ao nível das adenopatias.
11. Foi o Autor, após, proposto em Consulta de Grupo para continuação do tratamento com radio-quimioterapia, tendo terminado, a 02/08/2013 radioterapia perfazendo 70 Gy/35 fracções a 2Gy/d, dirigido à base da língua esquerda, seio piriforme direito, nível II e III à direita e nível III à esquerda, com técnica IMRT + 50 Gy/25 fracções a 2 Gy/dia, dirigido a níveis I-V bilateralmente, com técnida IMRT num total de 35 fracções, com energia de 6Mv; quimioterapia radiossensibilizadora com cisplatina.
12. O tratamento decorreu com boa tolerância clínica e hematológica em 45 dias, sem interrupções. Na TC de reavaliação foi objectivado espessamento da mucosa da cavidade oral e faringolaríngea, não se identificando imagens inequívocas de persistência tumoral nem adenomegalias jugulares internas, referindo-se apenas foco de captação de contraste com 1,5 cm de diâmetro na base da língua à esquerda, de significado impreciso, que se mantém em vigilância.
13. O Autor, actualmente, encontra-se a fazer tratamento experimental - ensaio clínico LUX Head e Neck - afatinib adjuvante vs placebo após radio-quimioterapia, mantendo seguimento no IPO Porto.
14. O Autor enviou à Ré documentação que atestava que o mesmo é portador de uma incapacidade permanente de 84%.
15. A incapacidade permanente de 84% foi certificada ao Autor por uma Junta Médica efectuada a 28-10-2014.
16. O Autor encontra-se incapacitado para o exercício de qualquer actividade profissional.
17. O Autor e a esposa celebraram junto do Banco A, S.A., em 8 de Junho de 2007, um crédito à habitação pelo montante de € 40.000,00.
18. Concomitantemente à negociação do empréstimo, o Autor e a esposa subscreveram um seguro de vida junto da ré.
19. Em 27 de Dezembro de 2006, o Autor e a esposa subscreveram um seguro de vida associado ao crédito à habitação.
20. Os efeitos do contrato de seguro iniciaram-se na data da celebração do empréstimo, em 08.06.2007.
21. Consta do boletim de subscrição junto a fls. 17 e 18 e assinado pelo Autor, “Do capital seguro, a Seguros X (…) entregará ao Banco A S.A. o capital em dívida”.
22. O que consta também da apólice de seguro junta a fls. 19 dos autos.
23. Na data do sinistro reportado – Fevereiro de 2013 – a dívida ao Banco ascendia a € 34.854,83.
24. Consta das condições especiais da apólice que “Para efeitos deste seguro complementar, entende-se por Invalidez Absoluta e Definitiva a incapacidade total da Pessoa Segura para o exercício de qualquer actividade necessitando do recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação” (cláusula III.3.3. das condições especiais da cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva por doença ou acidente junta a fls. 19v e seguintes).
25. Após aceitação do contrato de seguro, a ré enviou ao Autor e à esposa a respectiva apólice e a Condições Gerais e Especiais (documento junto a fls. 26v e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
26. O Autor participou o sinistro em 10.11.2014, tendo entregue a documentação no balcão do Banco A, que foi reencaminhada para a Seguros X.
27. Nos termos do atestado médico de incapacidade multiuso, datado de 28 de Outubro de 2014, o Autor tem uma incapacidade permanente global de 84%, “susceptível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de 2019”.
28. A ré enviou uma carta ao Autor, em 21.11.2014, informando não ser possível dar seguimento ao pedido por o alegado sinistro não preencher as condições da garantia complementar de invalidez absoluta e definitiva (documento junto a fls. 27v dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
29. Entre Fevereiro de 2013 e Maio de 2017 o Autor pagou ao Banco A, S.A. o montante de € 9.833,48.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

Tendo o funcionário da referida instituição bancária informado o Autor que a apólice contratada era necessária e que, em caso de qualquer tipo de incapacidade que lhe limitasse ou impedisse de exercer a sua actividade profissional, a seguradora lhe pagaria a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros).
Na data da celebração do contrato de seguro titulado na apólice referida não foi entregue ao Autor qualquer exemplar da apólice, ou lhe explicaram mais nada senão o referido no pretérito artigo.
O Autor comunicou verbalmente de imediato o sinistro à ré.
O Autor, com todo este processo, tem perdido tempo nas várias deslocações que teve de efectuar à instituição de crédito.
Vive atormentado atentas as dificuldades que está a sofrer motivadas no não pagamento por parte da Ré.
Tem dificuldade em adormecer devido a tal circunstância.
O Banco entregou ao Autor um exemplar das condições gerais e especiais da apólice.
O Banco comunicou ao Autor em que consistia a invalidez absoluta e definitiva.
O Autor sabia que a invalidez absoluta e definitiva implicava que: a pessoa i) estivesse totalmente incapaz para exercer qualquer actividade e ii) precisasse da assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo higiene e alimentação.
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Da decisão recorrida consta ainda que “Não se faz alusão ao demais alegado pelas partes nos articulados respectivos, por se tratar de matéria conclusiva, matéria de direito ou considerações sobre os factos”.
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3.2. O Direito

A Ré veio interpor recurso da decisão proferida em 1ª Instância pretendendo ver alterada a decisão de mérito, mas conformando-se com a matéria de facto julgada pelo tribunal a quo.
A primeira questão colocada pela Ré no presente recurso prende-se com o dever de informação e de comunicação das cláusulas constantes do contrato de seguro e sobre quem deve recair esse dever, designadamente quando estão em causa limitações e exclusões da garantia do mesmo.
A Recorrente entende que tal dever não recai sobre si mas sobre o Banco A SA, tomador do seguro, cuja intervenção principal, no lado passivo, foi admitida nos presentes autos.
Em primeiro lugar cumpre referir que não vem questionado nos autos que o Autor contratou com a Ré a apólice de seguro com o nº 15…, a que corresponde o Certificado n.º …, denominada de “Crédito à Habitação – Vida Habitação Seguro de Vida Grupo 2 Cabeças”, pela qual a Ré se obrigava a pagar ao Autor a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros), em caso de morte, tendo como beneficiários os seus herdeiros legais, e a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) em caso de invalidez absoluta e definitiva, tendo como beneficiário o aqui Autor.
Parece-nos também pacífico, sendo nesse sentido a posição da Recorrente, que estamos perante um seguro de grupo, negociado entre a Ré, seguradora e o Interveniente Banco A SA, e destinado a um número indeterminado de clientes, entre os quais se inclui o Autor, encontrando-se este impossibilitado de interferir na concreta modelação do conteúdo do contrato, ao qual se limitou a aderir.
Neste tipo de contratos o clausulado é negociado apenas entre o tomador do seguro e a seguradora, limitando-se os segurados a subscrevê-lo ou aceitá-lo, através de simples declaração individual de adesão.
Nos contratos de adesão a liberdade do aderente fica praticamente circunscrita a aceitar ou a rejeitar, sem poder realmente interferir na conformação do conteúdo do negócio que lhe é proposto, sendo certo que se o aderente decidir contratar, terá de se sujeitar às cláusulas previamente determinadas por outrem, ao exercício de um “law-making power" de que este, de facto, dispõe, limitando-se aquele a aderir a um modelo prefixado.
Será pois de ter aqui presente o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais previsto no Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, conforme também refere a Recorrente ao considerar que o seguro de grupo, sendo contrato de adesão, está sujeito ao regime instituído por aquele diploma.
O artigo 1º do DL nº 446/85, de 25/10 prescreve que as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma (n.º 1), acrescentando-se que o mesmo também se aplica às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado, o destinatário não pode influenciar (n.º 2), recaindo o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo (n.º 3).
E nos termos previstos em tal regime impõe-se ainda aos contratantes que recorram a cláusulas contratuais gerais o ónus da comunicação e o dever (ónus) de informação.

Prevê assim o artigo 5º do referido diploma que as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscreve-las ou a aceitá-las, devendo a comunicação ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência, cabendo o ónus da comunicação adequada e efectiva ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
Por outro lado, prevê ainda o artigo 6º que o contratante que recorra a estas cláusulas deve informar de acordo com as circunstâncias a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique devendo ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

E nos termos do disposto no artigo 8º do mesmo diploma consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos referidos ou as comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo.
Como referem os Professores Almeida Costa e Menezes Cordeiro (“Cláusulas Contratuais Gerais”, págs. 24 e 25) “Os problemas específicos postos pelas cláusulas contratuais levaram o legislador a concretizar o dever pré-contratual de comunicação. Ele incumbe à pessoa que se prevaleça a qual deve provar, nos termos do n.º 3, o seu conhecimento. Este preceito corresponde, aliás, ao regime geral (artigo 342° do Código Civil). O dever de comunicação é uma obrigação de meios, não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Por outro lado, a boa fé impõe, durante a fase pré-contratual, não só a comunicação das cláusulas a inserir no contrato, mas também que sejam prestados os esclarecimentos necessários a um exercício adequado da liberdade contratual, e esse regime já resultava do artigo 227°, nº 1, do Código Civil”.

No caso concreto não resulta demonstrado que esse dever de comunicação e informação foi cumprido; pelo contrário, não ficou provado que o Banco entregou ao Autor um exemplar das condições gerais e especiais da apólice e comunicou ao Autor em que consistia a invalidez absoluta e definitiva e nem que o Autor sabia que a invalidez absoluta e definitiva implicava que: a pessoa i) estivesse totalmente incapaz para exercer qualquer actividade e ii) precisasse da assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo higiene e alimentação.

Conforme consta da decisão recorrida “contrariamente ao alegado em sede de contestação, a ré não logrou provar que O Banco comunicou ao Autor em que consistia a invalidez absoluta e definitiva, assim como não logrou provar que o Autor sabia que a invalidez absoluta e definitiva implicava que: a pessoa i) estivesse totalmente incapaz para exercer qualquer actividade e ii) precisasse da assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo higiene e alimentação”.
A Recorrente entende que tal dever de informação e de comunicação das cláusulas constantes do contrato de seguro, designadamente quando se trata de limitações e exclusões da garantia do mesmo, não recai sobre si mas sobre o Interveniente Banco A SA, tomador do seguro.

De todo o modo, o tomador do seguro, o Banco A SA encontra-se também nos presentes autos, ao lado da Ré, pois que o Autor requereu, e foi admitida, a sua intervenção principal do lado passivo; e também este não fez prova nos presentes autos de ter informado e comunicado ao Autor em que consistia a invalidez absoluta e definitiva tal como definida na cláusula III.3.3. do contrato de seguro.
Assim, e estando ambos, Seguradora e o Banco tomador do seguro, nos presentes autos, a verdade é que não foi demonstrado o cumprimento do dever de informação e de comunicação, seja pela Ré seguradora seja pelo Banco.

A resposta a dar à questão colocada pela Recorrente não é pacífica na jurisprudência que se vem dividindo em torno de duas teses opostas.

De um lado, perfilha-se a tese, que nos parece assumir-se como maioritária, que defende que o dever de informação recai unicamente sobre o tomador do seguro e o incumprimento por parte deste não pode ser oponível ao segurador, defendendo ainda que a disciplina legal prevista para o seguro de grupo afasta a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais definido pelo DL 446/85, de 25 de Outubro, no que é com ele incompatível, nomeadamente no que respeita aos sujeitos do dever de informação. Podemos aqui citar, pois que ilustrativo da mesma, o acórdão do STJ de 15 de Abril de 2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza (disponível em www.dgsi.pt) em cujo sumário se pode ler que:

“IV - O STJ já teve ocasião de se pronunciar diversas vezes sobre a questão de saber sobre quem recai a obrigação de informação das cláusulas de exclusão de riscos ao segurado que adere a um contrato de seguro de grupo contributivo, decidindo, no sentido que resulta do art. 4.º do DL n.º 176/95, 26-07, que incumbe ao tomador do seguro o dever de informação dos segurados, quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações”; e que à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro deveria cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato”.
V - A imposição do dever de informação ao tomador do seguro está de acordo com a configuração do contrato de seguro de grupo e impede o tratamento do banco-tomador do seguro como um representante ou intermediário da seguradora;
VI - Não criando a lei nenhuma responsabilidade objectiva da seguradora, o incumprimento pelo banco-tomador do seguro dos seus deveres de informação, não é oponível à seguradora, não implicando, portanto, a eliminação das cláusulas de exclusão de riscos.
VII - Tal não significa que esse incumprimento seja desprovido de sanção – o banco é responsável pelos prejuízos que causar ao segurado – nem que o segurado não possa demandar o banco para o responsabilizar, ou para discutir a violação de qualquer outra regra. A circunstância de se não afirmar expressamente a responsabilidade civil do banco não significa que não sejam aplicáveis as regras respectivas.
VIII - O regime especificamente previsto pelo do DL n.º 176/95, 26-07, para o contrato de seguro de grupo afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo DL n.º 446/85, de 25-10, no que é incompatível com aquele. Assim sucede quanto à definição dos sujeitos do dever de informação”.

Do outro lado, temos aqueles que defendem que o regime previsto no Decreto-Lei 446/85, de 25/10 deve ser aplicado para regular as relações entre o segurado e a seguradora, designadamente no que toca aos deveres decorrentes dos seus artigos 5º e 6º, e que tendo sido demandada na acção a seguradora, mas nela tenha intervindo o Banco tomador do seguro, e não conseguindo aqueles demonstrar que o ónus de informar foi cumprido, é oponível pelo segurado/aderente a falta de cumprimento do ónus de informação e, consequentemente, deve ser excluído o clausulado em relação ao qual foi violado o dever de informação.
Não obstante minoritária, é esta a tese que perfilhamos por nos parecer inexistir qualquer justificação para subtrair o segurador ao regime instituído pelo referido Decreto-Lei 446/85, designadamente quanto ao dever de informação e comunicação, o qual emerge do próprio princípio da boa fé contratual consagrado no artigo 227º do Código Civil, e se deverá estender necessariamente a todas as partes que tenham poder de impor cláusulas contratuais ao consumidor, e por isso ao segurador, sendo esta a posição que se nos afigura também mais conforme com toda a evolução doutrinal e jurisprudencial no sentido da protecção do consumidor, designadamente como contraente mais fraco.

A ilustrar a tese que perfilhamos podemos aqui salientar o acórdão do STJ de 14 de Abril de 2015 (disponível em www.dgsi.pt) onde se defende que “o ato de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma protecção equivalente à do segurado num contrato individual, aplicando-se o DL 446/85, de 25/10 para regular as relações entre o segurado e a seguradora” e que “os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos artigos 5º e 6º do DL 446/85 e resultam directamente do princípio da boa-fé contratual consagrado no artigo 227º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor”.

E ainda o acórdão do STJ de 29 de Novembro de 2016 (igualmente disponível em www.dgsi.pt) onde, partindo do princípio da boa-fé, se conclui que “Não se pode esquecer que, tratando-se de uma relação negocial complexa, imposta pelo interesse contratual do banco mutuante e da seguradora que, normalmente lhe está associada em ostensiva sinergia económica, o aderente fica entre dois colossos: não tem, como consumidor, protecção eficaz perante as duríssimas consequências advenientes de lhe ser oponível a violação contratual perpetrada pelo tomador e beneficiário do seguro (ponto V do respectivo sumário)”.
No sumário deste acórdão pode ainda ler-se que “VI. A posição jurídica do aderente que, não tendo sido informado das cláusulas de exclusão do seguro, se vê surpreendido pela actuação da seguradora que declina a responsabilidade assumida por via do contrato de seguro de grupo após a adesão, tem fraca protecção no direito que o aderente pode actuar contra o tomador do seguro se a indemnização que lhe puder exigir se reportar à reintegração, no seu património, do valor dos prémios que despendeu – indemnização pelo interesse contratual negativo – podendo não lhe ter servido de quase nada a protecção do seguro, lá e quando, como no caso, uma incapacidade permanente e definitiva surge: como consumidor não se vislumbra onde a lei protege eficazmente o aderente. (…) VIII. A interpretação que protege o consumidor, como parte mais fraca, deverá considerar que, nos casos em que tiver sido demandada na acção a seguradora, mas nela tenha intervindo o Banco tomador do seguro, e não conseguindo este (nem aquela, diga-se) provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, ante a dialéctica discussão, é oponível pelo aderente, que para nada contribuiu nem violou o contrato, a falta de cumprimento do ónus de informação, e, consequentemente, deve ser excluído o clausulado em relação ao qual o tomador do seguro violou o dever de informação.(…) X. Na vigência do artigo 4º do DL. 176/95, de 26 de Julho, não tendo o Banco tomador e beneficiário do seguro, provado ter cumprido o ónus de informação “sobre as coberturas exclusões contratadas”, não pode a seguradora, demandada como Ré, e o Banco que na acção foi interveniente principal, opor ao aderente do contrato de seguro de grupo do ramo vida, as cláusulas que não foram informadas, para se eximirem do pagamento do capital seguro, verificado o risco previsto.”

Da mesma forma, e ainda que nos termos do artigo 78º n.º 1 do DL 72/2008, de 16 de Abril, o dever de informação recaia, primordialmente, sobre o tomador do seguro, que deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador, competindo-lhe provar que forneceu as informações, entendemos que a seguradora não pode opor ao aderente as cláusulas de exclusão ou limitação de riscos não comunicadas ou sobre as quais este não foi devidamente informado.
Nesta questão seguimos ainda de perto o acórdão desta Relação de Guimarães de 04 de Maio de 2017, relatado por João Peres Coelho, e que remete para a sua Dissertação de mestrado subordinada ao tema “As Cláusulas Contratuais Gerais e o Seguro de Grupo Contributivo – Tutela do Aderente”, cujos fundamentos e argumentação também subscrevemos.
Cremos, por isso, como mais acertado concluir que a Ré não pode opor ao Autor as cláusulas de limitação e exclusão da garantia do seguro que não lhe foram devidamente informadas, em concreto a constante da cláusula III.3.3. do contrato de seguro onde se encontra a definição do que deveria entender-se por invalidez absoluta e definitiva (“a incapacidade total da pessoa para o exercício de qualquer actividade necessitando do recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação”).
E devendo ter-se por excluída tal clausula definidora da invalidez absoluta e definitiva temos apenas que o contrato de seguro em causa garante a invalidez absoluta e definitiva; o que entender então por invalidez absoluta e definitiva?
No que respeita à interpretação e integração das declarações negociais estabelece o artigo 10º do citado Decreto-Lei 446/85 que “As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluem”.
E a interpretação das cláusulas contratuais gerais faz-se, em princípio, segundo as regras gerais de interpretação das declarações negociais previstas nos artigos 236º a 238º do Código Civil, atendendo ao circunstancialismo específico do contrato interpretando em que as cláusulas se inserem, devendo ser entendidas com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal, colocado na posição do aderente real, ou seja, à luz da “impressão do destinatário”.
De facto, no que toca à interpretação das declarações de vontade, prevê o artigo 236º do Código Civil que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante; o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, medianamente instruído e diligente colocado na posição do declaratário normal. Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que se pretende proteger o declaratário (v. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Volume I, página 223), sendo certo que o sentido objectivo correspondente à teoria da impressão do destinatário (artigo 236º do Código Civil) não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, conforme decorre do nº 1 do artigo 238º do Código Civil.
Nesta conformidade, pensamos que o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, no caso o Autor, pode deduzir no comportamento do declarante (artigo 236º nº 1) e que tem correspondência com o texto do respectivo documento (artigo 238º nº 1), é que estaria abrangida na cobertura do contrato de seguro por si o seu estado de incapacidade que o deixasse totalmente incapaz de exercer actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência; e o Autor é portador de uma incapacidade de 84% que o torna incapaz para o exercício de qualquer actividade profissional.
Concordamos por isso com a decisão recorrida que considerou que “para um contraente normal, invalidez definitiva para o trabalho significa que em virtude das lesões corporais resultantes da doença ou de acidente, o segurado deixou de poder trabalhar. E, por isso, deixou de auferir rendimentos que lhe permitiam fazer face à obrigação assumida com o Banco.”
Temos contudo de referir ainda que na decisão recorrida, não obstante as alegações da Recorrente, a nulidade da referida cláusula é considerada tendo por base o entendimento de que a mesma é abusiva por contrária ao princípio da boa fé e por força do preceituado nos artigos 15º e 16º do referido Decreto-Lei 446/85, sufragando-se a decisão recorrida no acórdão desta Relação de 19/03/2013.
Assim, e independentemente da questão colocada pela Recorrente de saber sobre quem deve recair o dever de informação e de comunicação das cláusulas constantes do contrato de seguro, designadamente quando se trata de limitações e exclusões da garantia do mesmo, sempre estaria em causa o carácter abusivo das cláusulas gerais expressas neste tipo de contrato, para o que estabelece o referido artigo 15º que “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”, e a nulidade daí decorrente, tal como consta da decisão recorrida, pois que quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa fé contar, tais cláusulas devem ser consideradas nulas.
E no caso concreto a celebração do contrato de seguro em causa foi condição para o Autor obter do tomador (o Banco Interveniente) a concessão de crédito à habitação, pelo que para o Autor a finalidade do contrato era necessariamente a de prevenir o risco de ocorrência da morte ou de invalidez absoluta e definitiva que não lhe permitisse ou dificultasse o pagamento das prestações devidas pela concessão do crédito.
Daí ser de concluir que a exigência de um estado que incapacite completa e definitivamente de exercer qualquer actividade remunerada e implique ainda o recurso à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos básicos da vida diária, incluindo necessariamente a dependência total de terceiros para a higiene e alimentação, não é justificada, sendo desproporcionada à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro visou prevenir. Conforme impressivamente se escreveu no acórdão do STJ de 27/05/2010 (disponível em www.dgsi.pt) “haveria um desequilíbrio significativo da situação jurídica dos contraentes em detrimento do autor se, apesar dessa incapacidade, para se preencher aquele pressuposto, ainda fosse necessário que o segurado estivesse num estado de “praticamente defunto”, ou seja, num estado em que já não podia lavar-se, alimentar-se, vestir-se, deslocar-se na sua residência e depender de terceira pessoa para a realização desses actos”, caso em que a cobertura do contrato de seguro “ficaria manifestamente aquém daquilo que o autor podia de boa fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato”.
Temos pois também como certa a posição que teve acolhimento pelo tribunal a quo de que a cláusula é abusiva por contrária ao princípio da boa fé.
E aqui chegados importa então apreciar, à luz deste princípio, a outra questão suscitada pela Recorrente: se a exclusão da clausula III.3.3. do contrato de seguro determina a nulidade do próprio contrato de seguro por se verificar uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais do contrato ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.
E entendemos que a resposta terá de ser negativa, considerando desde logo o que já se foi referindo.
Se não podemos deixar de concordar com a Recorrente quando refere que uma das grandes “traves mestras” da actividade seguradora assenta na análise do risco e na consequente adequação dos prémios de seguro às circunstâncias concretas de cada caso e que esta relação, entre o risco a assumir pela companhia de seguros e o prémio a suportar pelo tomador, configura uma das características do contrato de seguro, estando o prémio do seguro correlacionado com a maior ou menor possibilidade de o risco vir a concretizar-se, já não podemos aceitar a conclusão que retira que ao considerar-se a cláusula de exclusão em causa nula se violaria o equilíbrio contratual das partes e o principio da boa fé.
É que se por um lado as seguradoras visam obter uma retribuição como contrapartida da assunção do risco e aquela está directamente relacionada com a maior ou menor probabilidade de o risco vir a concretizar-se e de ter de indemnizar o segurado, sendo compreensível que pretenda restringir o mais possível o risco seguro, não nos podemos esquecer que do outro lado está o segurado que visa assegurar determinadas garantias ao celebrar o seguro, pelo que o risco seguro terá de ter sempre um mínimo intransponível.
Assim, e para que seja assegurado o necessário equilíbrio contratual o seguro deve cobrir sempre o risco que o segurado pretendia acautelar e ao prémio, que como contrapartida paga, deve corresponder efectivamente a assunção desse risco pretendido acautelar. Ou seja, e no caso concreto, acautelar a possibilidade de algo acontecer ao Autor que o viesse a impossibilitar de pagar o empréstimo e de, por via disso, poder perder a sua habitação.
E, nada nos autos permite concluir, conforme pretende a Recorrente, que o segurado/Autor teve a possibilidade de escolha entre uma cobertura de invalidez absoluta e definitiva e uma cobertura de invalidez total e permanente, que ambas lhe foram apresentadas e explicadas.
Tendo o Autor pretendido acautelar uma situação de invalidez absoluta e definitiva, o princípio da boa fé impunha que fosse informado da cláusula constante do contrato, ao qual aderiu, a qual que procede à definição de tal situação de forma absolutamente restritiva; não estando demonstrado que foi informado tal cláusula deverá ter-se a mesma por excluída, sem que tal signifique a verificação da indeterminação de aspectos essenciais do contrato ou um desequilíbrio nas prestações em desfavor da seguradora, atentatório da boa fé.
Em face de todo o exposto, improcede integralmente a apelação.
***

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 25 de Janeiro de 2018


(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)