Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4595/10.2TBBRG.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: REMIÇÃO
NOTIFICAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Ao contrário do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução, não lhes sendo aplicável o regime do art.º 892.º do CPC.
II - Só a alteração de factos relevantes para a decisão final relevam para a condenação por litigância de má-fé.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
M… , residente na Avenida de ..., freguesia de Priscos, Braga, instaurou a presente acção com processo ordinário contra A… e mulher, L… , residentes na Rua ..., Cedofeita, freguesia de Palmeira, Braga e “Construções… , Lda.”, com sede no lugar do ..., Braga pedindo:
A) Que os Réus sejam condenados a reconhecer à Autora o direito de remissão dos prédios identificados no art.º 2.º da petição inicial e, em consequência, a deles abrir mão a favor da Autora;
B) Efectuado o depósito da venda – 37.500,00 - serem declarados propriedade da Autora os dois remidos prédios;
C) Passada depois à Autora, para efeito de registo da sua aquisição na Conservatória do Registo Predial de Braga, certidão comprovativa dessa remissão e consequente aquisição dos dois mencionados prédios pela mesma Autora.
Para tanto, alega, em síntese, que: no âmbito da execução ordinária que correu termos sob o n.º 8003/91 da 3.ª Secção do 14.º Juízo Cível de Lisboa, contra J… e de M… e outros, foram penhorados dois imóveis; estes prédios foram vendidos por negociação particular, na sequência de proposta do encarregado de venda, pelo preço global de 37.500,00€; os executados não foram notificados da mesma proposta e da subsequente venda; a Autora, que é filha dos executados, pretende exercer o direito de remição, (que entende ser um verdadeiro direito de preferência) relativamente aos ditos imóveis; contudo, não foi notificada da respectiva venda como impunha o disposto no art.º 892.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só agora tendo tido conhecimento da mesma; a falta de notificação dos titulares de direito de preferência, em execução, tem como consequência a subsistência desse direito, que poderá vir a ser exercido em acção própria (artigo 892.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A Ré “Construções… , LDA”, contestou, arguindo a nulidade do erro na forma do processo e invocando que os titulares do direito de remição, ao contrário dos titulares do direito de preferência, não têm de ser notificados da venda em sede de execução, estando já precludido o direito em causa, por não ter sido exercido até ao momento referido no art.º 913.º n.º 1 al. b) do CPC. Alegou também que área do imóvel inscrito no artigo 148.º da matriz predial não é de 1560 m2 mas sim de 5130m2, o que está a ser discutido numa outra acção declarativa ainda pendente.
Os Réus A… e L… , por sua vez, apresentaram contestação arguindo a desconformidade entre a pretensão formulada e o meio processual utilizado, defendendo que o direito de remissão não pode ser exercido em acção declarativa autónoma mas antes e somente no processo executivo. Arguiram também a nulidade da ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido, e invocaram que já decorreu o prazo para o exercício do direito de remição, o que determina extinção do mesmo direito, nos termos do artigo 913.º. Mais alegaram que a autora não procedeu ao depósito do preço e da indemnização, nos termos do artigo 913.º n.º 2 do Código Processo Civil, o que conduz à preclusão do direito a remir.
Defenderam-se também por impugnação, alegando ser falso que, como alegou a Autora, esta só tenha tido conhecimento da venda quando propôs a acção, pedindo que esta seja condenada, como litigante de má-fé, em multa e em indemnização no valor de € 3000,00, correspondente às despesas suportadas pelos primeiros réus.

Realizou-se audiência preliminar e, não tendo sido possível a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador, que conheceu das nulidades e excepções invocadas pelos réus, que foram julgadas improcedentes.
Por se ter entendido que o estado dos autos permitia já o conhecimento do mérito da causa, decidiu-se julgar a acção improcedente, absolvendo-se os réus do pedido, considerando-se que a Autora não devia ser condenada como litigante de má fé.

Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação desta decisão, que foi recebido, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A A. é filha dos Executados e, por isso, goza do direito de remição dos dois identificados prédios — nas alíneas b) e al. c) dos factos assentes;
O direito de remição é um direito de preferência, mas um direito de preferência especial, sendo inclusivamente designado como direito de preferência qualificada ou reforçada, na medida em que prevalece sobre o direito de preferência em sentido estrito;
Deveria, por isso, ter sido notificada do projecto e dos elementos essenciais da proposta de venda por negociação particular;
Os dois referidos prédios foram vendidos por negociação particular sem que lhe fosse comunicado o projecto e os elementos essenciais do negócio, nomeadamente o preço e autor da proposta — al. m) dos factos assentes;
A falta de notificação dos preferentes tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular;
A frustração da notificação do preferente não preclude a possibilidade de propor acção de preferência, nos termos gerais;
A presente acção foi instaurada por a A. não ter sido notificada na pendência da execução do projecto e, consequentemente, os elementos essenciais do negócio, para aí usar do seu direito de preferência, que não é mais do que um direito de remição na sua essencialidade;
Não se provou - nem, aliás, nesta acção chegou a ser alegado - que a ora Recorrente tivesse sido notificada do projecto de venda e respectivas cláusulas para aí exercer o seu direito de preferência;
Em consequência, deveria ter sido reconhecido à ora Recorrente na sentença recorrida - como se requer - o direito reclamado na presente acção nos termos peticionados;
Ao decidir como decidiu, violou o tribunal “a quo” - para além de outros cujo suprimento se espera - o n°2 do art. 2°; o art. 912°; o n° 1 do art. 914°; e os n° 1, n°2 e n°4 do art. 892° do Cód. de Proc. Civil.

Os Réus A… e L… interpuseram recurso de apelação da decisão na parte em que não condenou a Autora como litigante de má fé e ainda recurso subordinado, a apreciar apenas no caso de se julgar procedente a apelação da Autora, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1.ª Vem o presente recurso subordinado de três questões processuais que, no humílimo parecer dos apelantes, ora submetido ao superno crivo de V. Ex.ªs, terão sido erradamente decididas.
2.ª Diversamente do que foi decidido pela douta sentença, o requerimento incidental no âmbito da acção executiva da venda em execução é o meio processual adequado (e o único admissível) para exercício do direito de remição.
3.ª Por isso, ao ter dado entrada a uma acção declarativa própria ou autónoma para exercício do direito de remição (separada dos autos da execução onde teve lugar a venda executiva que originou esse direito), incorre a A./Apelada em uso indevido e inadequado de meio processual.
4.ª Tal desconformidade entre a pretensão formulada pela A./Apelada e o meio processual por si utilizado corporiza uma excepção dilatória que deve ser julgada procedente, com liminar absolvição da instância dos RR., nos termos conjugados da alínea e) do n.º 1 do artigo 288.º, do n.º 2 do artigo 493.º e do inciso entre vírgulas do corpo comum do artigo 494.º do CPC – excepção dilatória atípica –, ou nos termos conjugados dos artigos 193.º, n.º 1 199.º, n.º 1, a contrario, alínea b) do n.º 1 do artigo 288.º, n.º 2 do artigo 493.º e 494.º, alínea b) do CPC – erro na forma do processo.
5.ª A improcedência desta excepção dilatória, decretada na instruída sentença, traz ínsita uma interpretação desconforme aos normativos acima aludidos, bem como ao albergado artigo 909.º, n.º 2 do CPC, que impunham e impõem a decisão de procedência.
6.ª Para aferir da compatibilidade, ou falta dela, entre o pedido e a causa de pedir cumpre atender aos efeitos jurídicos extraíveis de um e outro, pois são esses efeitos que a parte tem em vista com a propositura da acção e são esses que a decisão judicial produzirá.
7.ª A A./Apelada veio exercer o direito de remição alegando a inobservância de uma formalidade legal (a notificação para exercício do direito de remição, cfr. artigos 7, 8, 12 e 14 da PI) para retirar a consequência jurídica de, por via dessa alegada falha processual, lhe aproveitar um prazo acrescido para o exercício do direito de remir.
8.ª A omissão de uma formalidade legal constitui uma nulidade processual secundária a ser arguida oportunamente, sob pena de sanação (artigos 153.º, 201.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1 do CPC); os efeitos da declaração dessa nulidade processual seriam os da anulação da venda em execução dos dois prédios em causa (artigos 201.º, n.º 2, 1.ª parte e 909.º, n.º 1, alínea c) do CPC).
9.ª Todavia, a A./Apelada vem, a final e afinal, formular o pedido de remição dos bens objecto da venda executiva, o que logicamente pressupõe a validade dessa venda e nunca a sua invalidade, decorrente da dita nulidade processual.
10.ª É evidente que ao alegar factos cujo único efeito jurídico extraível é o da invalidade e, concomitantemente, ao formular o pedido de produção de um efeito jurídico que só poderá ocorrer em caso de validade da venda (só se pode remir bens vendidos se eles forem considerados validamente… vendidos!), a A./Apelada incorre em contradição intestina a que corresponde o vício do artigo 193.º, n.º 2, alínea b) do CPC, o qual, por força do n.º 1 do mesmo inciso legal, acarretando a nulidade de todo o processo, configura a excepção dilatória plasmada no artigo 494.º, alínea b), e implica, nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea b) e 493.º, n.º 2, do CPC, a liminar absolvição da instância dos RR.
11.ª A decisão proferida na douta sentença, no sentido de julgar improcedente esta excepção dilatória, é materialmente violadora dos dispositivos legais adjectivos elencados na conclusão antecedente, que impunham e impõem a procedência dessa excepção.
12.ª Ao ter decidido que a A./Apelada não litigou de má fé (sem esclarecer se por falta de elemento objectivo, subjectivo ou de ambos), «ainda que considerando o conhecimento da venda desde a data em que foi obtida a certidão predial», isto é, admitindo como verdadeiro o alegado em 80 a 82 da contestação, a sapiente sentença não terá interpretado correctamente os normativos legais que regem esta temática, nomeadamente os do artigo 456.º, n.ºs 1 e 2, alínea b).
13.ª É nosso entendimento o de que, ao ter afirmado que ela e seus pais só «agora» tomaram conhecimento da venda executiva, a A./Apelada alterou a verdade dos factos que alega como relevantes para a decisão da causa em seu favor (designadamente, para justificar só agora ter proposto a acção judicial).
14.ª Tanto basta para que a sua conduta seja qualificável como litigância de má-fé, por se enquadrar na alínea b) do n.º 2 do artigo 456.º do CPC (tipicidade objectiva), e por não se ver como pode deixar de ter sido intencional ou, no mínimo, grosseiramente negligente (e, como é consabido, para a tipicidade subjectiva, basta, a partir do DL n.º 29-A/95, de 12.12, a negligência grosseira).
15.ª Ao ter decidido que a A./Apelada não litigou de má fé sem atender à factologia alegada nos artigos 83 a 105 da contestação, a douta sentença tornou a não decidir em observância desses normativos, nomeadamente os do artigo 456.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e d) do CPC.
16.ª É que, ao ter omitido factos relevantes, quais sejam os das negociações de seu pai para readquirir um dos prédios vendidos em execução, a A./Apelada pretendeu omitir factos que revelassem que seu pai e, por inerência ou consequência natural, ela própria, desde sempre souberam dessa venda executiva, não tendo exercido oportunamente o direito de remição, que se conformaram com essa venda e a aceitaram, ao ponto de pretenderem adquirir o prédio de quem o adquirira nessa venda executiva.
17.ª Fez assim uso manifestamente reprovável da acção judicial, tentando alcançar por via dela um objectivo ilegal, sendo manifesto que esta deturpação dos factos tem por finalidade subverter a realidade factual e subordiná-la à prossecução do seu objectivo processual, a que bem sabe não ter direito (lide dolosa, ainda que com dolo eventual).
18.ª E, mesmo que pensasse que tinha esse direito, só assim pensaria se desconsiderasse grosseiramente todos os antecedentes, mormente os factuais, que o comprometem irremediavelmente (lide temerária).
19.ª Tudo somando, conclui-se que a A. deduz pretensão que sabe infundada, altera para esse efeito a verdade dos factos e omite outros, e faz do processo o uso manifestamente reprovável de por via dele conseguir um objectivo ilegal, alcançando a proeza de cometer estes atropelos de modo coordenado, sequencial e consciente.
20.ª Inobserva, pois, clamorosa e inaceitavelmente, seja por dolo ou por negligência grosseira, os deveres processuais de que acima demos conta, com tradução expressa nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do artigo 456.º do CPC.
21.ª A A./Apelada não apresentou réplica (que, por ser admissível in casu, seria o articulado próprio para impugnar a factualidade dos artigos 80 82 e 83 a 105 da contestação, em que os RR. estribaram o seu pedido de condenação como litigante de má fé) nem impugnou essa factualidade por meio de requerimento autónomo.
22.ª Ao ser admissível réplica e ao não ter a mesma sido apresentada pela A./Apelada, designadamente para impugnar a factualidade dos artigos 80 a 105 da contestação, essa factualidade deverá ser considerada admitida por acordo e provada por falta de impugnação específica (artigo 490.º, n.º 1, ex vi do artigo 505.º do CPC).
23.ª Por isso, porque a facticidade relevante está já processualmente assente, deverá a A./Apelada ser desde já condenada como litigante de má fé e, qua tale, condenada em multa (em quantitativo a definir pelo Tribunal, devidamente ponderada a gravidade dos factos), no reembolso de todas as despesas suportadas pelos RR./Apelantes e no pagamento dos honorários do seu Mandatário Judicial (por ora avaliados em €: 3.000,00), tudo de acordo com o disposto nos artigos 456.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e d) e 457.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do CPC.
24.ª Subordinadamente, para precatar a eventualidade de não ser entendido que essa materialidade está processualmente assente, deve ser a mesma ser objecto de produção de prova, ordenando-se a realização de audiência de discussão e julgamento para esse efeito.
25.ª As duas questões processuais a que correspondem as conclusões 2.ª a 5.ª e 6.ª a 11.ª não deverão ser conhecidas nesta apelação subordinada se a apelação independente for julgada improcedente (artigos 288.º, n.º 3, 2.ª parte e 660.º, n.º 1, 1.ª parte do CPC) – o que não sucederá com o conhecimento da terceira questão processual, resumida nas conclusões 12.ª a 24.ª) –, conquanto, em caso de deverem ser apreciadas, a procedência da primeira das excepções dilatórias aí consubstanciadas prejudique o conhecimento da segunda (artigo 660.º, n.º 2, 1.ª parte, in fine, do CPC).

A Ré “Construções… , LDA”, respondeu às alegações da Autora pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Considerando que:
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 685-A nº 1 do Código de Processo Civil);
Nos recursos apreciam-se questões e não razões;
Que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
As questões a decidir, no caso em apreço, são as seguintes:
Se deve ser reconhecido, neste momento, o direito de remição que a Autora se arroga;
Se a Autora deve ser condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização aos primeiros réus.
No caso de proceder o recurso interposto pela Autora:
Se existe desconformidade entre a pretensão formulada pela Autora e o meio processual utilizado;
Se existe contradição entre o pedido e a causa de pedir da acção.

A decisão apelada fundamentou-se nos seguintes factos provados:
a) Correu termos sob o n.º 8003/91 da 3.ª Secção do 14.º Juízo Cível de Lisboa, a execução ordinária instaurada pelo Estado (Secretaria de Estado do Tesouro) contra J… e de M… e outros.
b) A Autora é filha de J… e de M… .
c) Nos referidos autos foram penhorados aos referidos executados os dois imóveis seguintes:
“1 - Prédio urbano composto de casa térrea e horta em nome de J… , descrito sob o n.º 148 na matriz predial urbana da freguesia de Priscos, sito no lugar de S. Tomé da referida freguesia, confrontando do Norte com J… , do Sul com Á… , do Nascente com J… e do Poente com caminho público, com o rendimento colectável de 450$00 e descrito sob o n.º 36 180 na Conservatória do Registo Predial de Braga.
2 - Prédio rústico descrito sob o art. 98, em nome de J… , composto de cultura, vides e ramada e fruteiras, confrontando do Norte, do Sul e do Poente com caminho e do Nascente com A… , com a área de 750 m2, com o rendimento colectável de 638$00 e descrito sob o n.º 34371 da Conservatória do Registo Predial”.
d) Foi expedida carta precatória ao Tribunal da Comarca de Braga para a venda por negociação particular dos dois prédios, tendo sido distribuída ao 1.º Juízo Cível, onde correu termos sob o n.º 6166/03.0 TBBRG.
e) De acordo com a avaliação efectuada nos mesmos autos ao prédio identificado no n.º 1, com a área de 1.560 m2, foi atribuído o valor de 60.653,00€; e ao prédio identificado no n.º 2, com a área de 750 m2, foi atribuído o valor de 29.160,00€.
f) Por requerimento de 15/9/2003 o encarregado da venda informou o tribunal das propostas de aquisição dos bens penhorados pelos valores de 25.000,00€ o prédio n.º 1 e pelo preço de 12 500,00€ o prédio n.º 2, apresentadas pelo 1.º réu, A… .
g) Foi então solicitada informação ao processo de execução (n.º 8003/91 da 3.ª Secção do 14.º Juízo Cível de Lisboa) sobre se interessava a venda pelos preços propostos.
h) Naquele processo, por despacho de 2/10/2003 foi ordenada a notificação dos executados para se pronunciarem em 10 dias sobre o preço proposto.
i) E em 7/11/2003 foi comunicado ao Tribunal de Braga (processo n.º 6166/03.0 TBBRG do 1.º Juízo Cível) que interessava a venda pelo preço proposto.
j) Por despacho de 19/11/2003 foi determinada a realização da venda por negociação particular pelo preço proposto.
k) Deste despacho foi notificado o encarregado da venda.
l) Os pais da Autora/Executados não foram notificados da proposta e da subsequente venda.
m) A Autora também não foi notificada da proposta e da subsequente venda para exercer o direito de remissão.
n) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 2/2/2004, no 1.º Cartório Notarial de Braga, o encarregado da venda por negociação particular, no uso dos poderes que lhe foram conferidos, declarou vender ao 1.º réu A… , que declarou aceitar a venda, pelo preço global de 37.500€, dos dois prédios penhorados.
o) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 3/4/2009, no Cartório Notarial sito na Rua do Raio, n.º 205, 2.º piso, Edifício Visconde do Raio, Braga, o 1.º réu A… declarou vender à 2.ª ré “Construções… , Lda.”, que declarou aceitar a venda, pelo preço de 50.000,00€, o prédio identificado sob o n.º 1.

I – Do direito de remissão invocado pela Autora
Pretende a Autora que os Réus sejam condenados a reconhecer que lhe assiste o direito de remição da venda de dois prédios, por negociação particular, no âmbito de uma acção executiva onde eram executados seus pais. Os prédios foram comprados, em sede de execução, pelo Réu A… que vendeu um deles à Ré “Construções… , LDA”.
Fundamenta a Autora a sua pretensão, no essencial, no seguinte:
Na sua qualidade de descendente dos executados na acção executiva assiste-lhe o direito de remissão previsto no art.º 912.º do CPC, relativamente aos dois imóveis ali penhorados e vendidos, pelo preço por que foi feita a venda;
Tal direito constitui um direito de preferência “reforçado” que prevalece sobre os direitos de preferência legais ou convencionais;
Seus pais e executados não foram notificados, na acção executiva, nem da proposta de venda, nem da venda daqueles prédios;
Não lhe foi notificada da proposta de venda por negociação particular pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 892.º n.º 2 do CPC, é-lhe lícito intentar a presente acção a fim de exercer o invocado direito.

A decisão recorrida julgou improcedente a presente acção, por considerar que à autora não assiste a possibilidade de exercer, em acção autónoma, o direito de remição em causa, “visto não ser aplicável o regime previsto no art.º 892.º do Código de Processo Civil.”
Adiantamos desde já que entendemos ser acertada a decisão recorrida, pelos fundamentos nela expendidos, aos quais aderimos, e que aqui apenas reforçaremos.
O direito de remição está previsto nos artigos 912º a 915º do CPC. No caso concreto, conforme decorre dos elementos da certidão extraída dos autos de execução, é aplicável a redacção destas normas introduzida pelo DL 329-A/95 de 12 de Dezembro, conforme art.º 26.º n.º 3 aditado pelo DL 180/96 de 25/09
Dispõe o art. 912º que, “ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”
Como refere Lebre de Freitas Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, 2ª edição, pag. 271. “a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha recta do executado um especial direito de preferência, denominado direito de remição. Tendo por finalidade a protecção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado.”
O direito de remição só pode ser exercido na execução e só pode ter lugar nos prazos determinados no art.º 913.º do CPC.
No caso da venda por negociação particular, tal direito terá de ser exercido “até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta” (alínea b) do art. 913º), isto é, tratando-se de imóveis, até à outorga da respectiva escritura pública.
É entendimento maioritário na jurisprudência e na doutrina mais avalizada, que o remidor, que não é parte no processo executivo, não tem que ser notificado para, querendo, exercer o direito de remir os bens penhorados, já que, tal obrigatoriedade não decorre do disposto no art. 913º, ou de qualquer outra disposição.
Assim entendem Anselmo de Castro Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, pag. 226., Remédio Marques, Curso de Processo Executivo, Almedina 2000, pag. 403. e também Amâncio Ferreira Curso de Processo de Execução, 3ª edição, pag. 304., que escreve o seguinte:
“Diversamente do que ocorre com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução. Dependerão assim para o exercício dos seus direitos do conhecimento que lhes advirá da publicidade que rodear a venda ou da informação que lhes prestar o seu familiar, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda”,
Neste sentido, entre muitos outros, se decidiu nos Acórdãos da Relação do Porto de 15/12/2010, da Relação de Lisboa de 13/3/2008, da Relação de Coimbra de 20/01/2009 e desta Relação de Guimarães de 27/01/2011, todos em www.dgsi.pt. Em sentido contrário, cf. Ac RC de 7/11/2006, Ac RG de 5/6/2008, em www dgsi.pt ).
Como também se escreve na sentença apelada, citando Lebre de Freitas e Remédio Marques Cf. obras. Citadas. o direito de remissão, integrando características essenciais de um verdadeiro direito de preferência, sendo inclusivamente designado como direito de preferência qualificado ou reforçado, na medida em que prevalece sobre o direito de preferência em sentido estrito (cf. artigo 914.º do Código Processo Civil)… assume especificidades e regime próprio que o distingue do direito de preferência.”
Tais especificidades residem, para além do mais, no facto de o direito de remição estar circunscrito à acção executiva e na não obrigatoriedade da notificação dos seus titulares de para o exercerem.
Também é irrelevante que não tenha sido comunicado aos executados o valor das propostas de venda e a sua aceitação. Tais omissão constituem nulidades secundárias que se regem pelas normas dos art.ºs 201.º a 205.º do CPC, pelo que, não tendo sido arguidas atempadamente por aqueles, ficam definitivamente sanadas.
Por isso, não pode escudar-se a Autora na omissão de tal notificação dos executados, já que, como refere Lopes do Rego Comentários ao Código de Processo Civil, pág.609, 1999. “o remidor tem o ónus de acompanhar a situação dos bens, de modo a poder efectivar oportunamente o seu direito, antes de consumada a alienação”.
Termos em que, não sendo aplicável ao caso o regime do art.º 892.º do CPC, deve manter-se a sentença apelada, ficando prejudicado o conhecimento do objecto do recurso subordinado.

II – Da litigância de má fé da Autora
Ao Ré “Construções… , LDA”, peticionou que a Autora fosse condenada, como litigante de má fé, em multa e em indemnização pelas despesas que suportou com a presente causa, que estima em € 3.500,00.
De acordo com o disposto no art.º 456.º n.º 2 do CC, actua como litigante de má fé a parte que, com dolo ou negligência grave:
Deduzir pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento;
Apresentar versão dos factos deturpada ou omissa, violando o dever de verdade;
Usar de modo manifestamente reprovável os meios processuais, a fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar o trânsito em julgado da acção.

Resulta do conteúdo desta norma que constitui má fé processual, tanto a litigância dolosa, como a litigância temerária. Ou seja, quer o dolo, quer a negligência grave caracterizam a litigância de má fé.

Fundamenta a Ré a pretendida condenação nos seguintes factos que alega em sede de contestação:
A autora devia saber e sabe que a sua pretensão de remir está minguada de fundamento, por ser do seu conhecimento que já não podia remir e que seu pai andou a negociar a compra de um dos prédios;
Sabe que, ao afirmar que ela e seus pais só agora tomaram conhecimento da venda executiva, alterou a verdade dos factos que alega;
Também sabe que omitiu factos relevantes, quais sejam as negociações de seu pai para readquirir um dos prédios vendidos em execução;
Pretendeu com isso omitir factos que revelassem que seu pai e ela própria, desde sempre, souberam da venda em sede de execução.
Conclui, assim, que fez do processo um uso manifestamente reprovável.
Tal como se decidiu na primeira instância, o comportamento processual da Autora não é o bastante para fundamentar a sua pretendida condenação por má fé processual.
Fundamenta a Autora a sua pretensão no entendimento de que deveria ter sido notificada, na acção executiva em que eram executados seus pais, para exercer o direito de remição, ao qual considera ser aplicável o regime do direito de preferência, defendendo por isso que o seu exercício nesta acção se justifica em face do disposto no art.º 892.º do CPC.
Ora, não obstante o tribunal ter julgado improcedente o peticionado pela Autora, tal não significa que a mesma litigue de má fé, pois que se limitou a defender uma tese jurídica que até é defendida por alguma jurisprudência minoritária.
A invocada falsidade do facto declarado pela Autora, no sentido de que só “agora” teve conhecimento da venda na acção executiva, não está ainda apurada, porquanto a mesma não pode considerar-se confessada por aquela, tendo em conta a versão que veio trazer aos autos na petição inicial (cfr. art.º 8.º da pi).
De qualquer modo, ainda que se provasse tal falsidade, entendemos, tal como se decidiu na primeira instância, que tal facto não releva para a decisão da causa, pois que a mesma se funda, não num conhecimento informal da venda, mas antes na falta de notificação á Autora, no processo de execução, da proposta de venda dos prédios ali penhorados.
E, assim sendo, não há razão para a pretendida condenação por litigância de má fé, já que, como se defendeu no Acórdão do STJ de 27/01/2005 Proferido no processo 04B4024 e relatado pelo Conselheiro Noronha do Nascimento, publicado em www.dgsi.pt . a má-fé processual existe quando há comportamento censurável e grave da parte no uso de mecanismos que inquinam ou deturpam o funcionamento da máquina judiciária. Daí que a alteração de factos pelas partes só será fundamento de litigância de má-fé quando respeitar a factos relevantes para a decisão final.


Termos em que deve ser confirmada na íntegra a decisão apelada.

Em conclusão:
I – Ao contrário do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução, não lhes sendo aplicável o regime do art.º 892.º do CPC.
II - Só a alteração de factos relevantes para a decisão final relevam para a condenação por litigância de má-fé.


III DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente:
A apelação da Autora e bem assim a apelação da Ré “Construções… , LDA” relativa ao indeferimento do pedido de condenação da Autora como litigante de má fé, confirmando-se, na íntegra, a sentença recorrida.

A autora suportará as custas pelo decaimento do seu recurso.
A Ré “Construções… , LDA”, suportará as custas do recurso que interpôs do indeferimento do pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.
Notifique.
Guimarães, 29 de Novembro de 2011
Isabel Rocha
Jorge Teixeira
Manuel Bargado