Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1551/12.0TBBRG-C.G1
Relator: ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: CIRE
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
CADUCIDADE
PRAZO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Em matéria de sucessão de leis que regem sobre prazos não vale a disciplina do art. 12º do CC mas sim a disciplina específica do art. 297º do CC.
II - Quando o prazo se inicia no domínio da lei velha e a nova lei o encurta, reinicia-se a contagem à luz da lei nova e à data da vigência desta e, posto isso, aplica-se o prazo da lei velha ou o da lei nova consoante o que primeiro expirar.
III - O prazo estabelecido na alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE para a propositura da ação de verificação ulterior de créditos é de caducidade, não sendo esta caducidade de conhecimento oficioso, antes tendo de ser invocada ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.
IV – A norma da alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE, ao determinar que o prazo para a ação tendente à verificação ulterior de créditos só pode ser intentada no prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência, não padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e defesa dos direitos patrimoniais dos credores.
Decisão Texto Integral: Recorrente: D…
A…
Recorrida: F…, S.A.
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Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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Por apenso ao processo de insolvência dos autos principais os autores D…e A… intentaram acção para verificação ulterior de créditos, pretendendo que seja reconhecido o crédito sobre a devedora F…, SA. no valor de € 245.273,70 (duzentos e quarenta e cinco mil duzentos e setenta e três e setenta cêntimos).
Foram citados a massa insolvente, o devedor e os credores nos termos do art. 146º nº1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A massa insolvente deduziu oposição.
Seguidamente foi proferido despacho saneador-sentença que decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência, absolveu a massa insolvente do pedido contra si formulado.
Desta decisão foi interposto recurso pelos AA, que terminaram formulando as seguintes conclusões:
1. O que está em causa, nos presentes autos, é saber, se o direito dos Autores de intentar a acção para verificação ulterior do seu crédito por apenso ao processo de insolvência padece de caducidade ou, se ao invés, a referida acção poderia ser interposta ao abrigo do artigo 146.º n.º 2 alínea b) do CIRE.
2. Deveria o tribunal “ a quo” ter concluído pela inconstitucionalidade da primeira parte da norma da alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE, na medida em que restringe ao prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência o tempo de que o credor dispõe para reclamar ulteriormente o seu crédito e viola o princípio da certeza e segurança jurídicas.
3. Salvo melhor opinião, o prazo indicado e previsto no art. 146º n.º 2 al. b) do CIRE é inconstitucional, no sentido de não permitir aos recorrentes instaurar a competente acção a partir do momento em que tem conhecimento da insolvência, até à efectiva e integral liquidação do património.
4. A legislação permite aos credores recorrerem à acção para verificação ulterior de créditos, para que todos sejam tratados com igualdade e não serem excluídos da insolvência por desconhecimento, ou ignorância da mesma, obtendo o reconhecimento dos seus créditos perante o título universal que é a declaração de insolvência.
5. A acção ulterior de verificação de créditos está sujeita a um prazo de um ano para que os credores possam exercer o seu direito de reclamação de créditos.
6. A limitação temporal desta faculdade legal concedida aos credores poderá acarretar prejuízos e prejudicar os direitos dos credores que não tiveram conhecimento da declaração de sentença de insolvência e não a exerceram no prazo estabelecido na lei, o que sucede no caso dos recorrentes.
7. De facto, os aqui recorrentes só tiveram conhecimento do processo de insolvência com o contacto efectuado do administrador de insolvência para a venda do património da insolvente, que correspondeu a um período de tempo posterior ao prazo concedido por lei, que expirou em Dezembro de 2012.
8. A exclusão dos aqui recorrentes perante o título universal que é a sentença de declaração de insolvência, prejudica-os perante os seus iguais credores perante o mesmo título executivo universal que é a declaração de insolvência.
9. Além de que, no nosso ordenamento jurídico, são por demais evidentes as situações em que a lei estabelece sempre um limite temporal para os cidadãos exercerem os seus direitos desde uma determinada data ou facto.
10. A lei permite que os cidadãos possam também exercer os seus direitos a partir do conhecimento da ofensa aos seus direitos, como acontece relativamente aos embargos de terceiro, previstos e estipulados nos arts. 351º e ss. do C.P.C.
11. No entanto, a lei ao não prever esta situação, a do conhecimento efectivo e concreto da ofensa do direito de garantia patrimonial dos recorrentes, pelo menos até à venda ou liquidação do património, pratica uma grave e injusta ofensa aos seus direitos, uma vez que, o prazo de seis meses para reconhecimento ulterior de créditos pode fazer precludir direitos essenciais dos cidadãos, se estes nunca tiveram conhecimento da sentença de declaração de insolvência dentro desse período de tempo estipulado.
12. Por outro lado, deveria o tribunal “ a quo” ter observado o que prescreve o artigo 12.º do Código civil, o qual prescreve que” a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”, o que significa que, em regra, a lei nova não valora actos ou factos passados, conferindo-lhes efeitos que eles não tinham no momento em que ocorreram.
13. Refere ainda o artigo 12.º n.º 2.º do código Civil que “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa aos factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam á data da sua entrada em vigor”.
14. Deste modo, e da análise do artigo supra referido, tem que se distinguir conforme a lei nova tenha em vista o meio de chegar a determinada situação, ou ao contrário, o conteúdo e os efeitos da mesma.
15. Entendem os Recorrentes - salvo melhor entendimento - que a norma contida no artigo 146.º do CIRE na redacção que lhe foi dada pela Lei 16/12 de 20 de Abril, não é uma lei retroactiva, pois a mesma não se refere expressamente ao conteúdo das relações jurídicas, mas apenas e tão só, a questões de validade formal e substancial de determinados factos. Assim, como se observou “ quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos… entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”.
16. Mesmo que se considerasse que a norma contida no artigo 146.º CIRE era uma excepção á regra contida no artigo 12.º do Código Civil, ou seja, que a mesma configura uma excepção ao principio da não retroactividade, presume-se, que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular, tal como impõe o artigo 12.º n.º 1, 2.º parte do código civil. Na verdade, não seria justo, tendo em conta a unidade do ordenamento jurídico, bem como, a segurança do comércio jurídico - os quais seriam necessariamente colocados em causa, tendo em conta a subsistência de um grande número de situações jurídicas duradouras regidas por uma lei já existente e na qual os cidadãos comuns confiaram, face ao reduzido número ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga, uma vez que, se tratava de um regime puramente legal e não de um regime posto na dependência dos indivíduos, que se entendesse ser de aplicação imediata a norma contida no artigo 146.º do CIRE.
17. Na realidade, é tarefa do direito transitório - expressão adoptada para designar aquele conjunto de princípios e de regras cuja função é delimitar entre si os âmbitos de aplicação temporal de cada lei -coordenar a aplicação dos dois sistemas jurídicos que se sucedem no tempo. Na missão deste, torna-se necessário ponderar os interesses que se contrapõem em ambas as leis, sem esquecer o interesse na estabilidade dos indivíduos, o qual deverá ser devidamente ponderado.
18. Assim, deverá atender-se ao interesse dos indivíduos na estabilidade da ordem jurídica, o que lhes consentirá a organização dos seus planos de vida e lhes evitará o mais possível a frustração das suas expectativas fundadas, bem como á comunidade jurídica no seu global.
19. O pensamento fundamental que se deve ter em conta, tendo em conta o sentido normalmente imperativo dos comandos normativos, é o de que, não se pode exigir ás pessoas, o dom de preverem alterações legislativas do futuro, devendo aplicar-se aos diferentes actos jurídicos as normas em vigor ao tempo da sua prática, por ser, com os efeitos destas, que os interessados, ao agirem, podem e razoavelmente contar (Antunes Varela).
20. De harmonia com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, embora o principio da não retroactividade da lei não tenha assento na constituição vigente, salvo quanto á matéria penal, todavia, uma lei retroactiva pode ser inconstitucional, não por ser retroactiva, mas por contrariar normas ou princípios constitucionais, como, por exemplo, o principio da protecção da confiança ínsito no principio do estado de direito democrático, especificadamente acolhido no artigo 2.º da Constituição, o que sucederá quando a aplicação retroactiva de um preceito legal se revelar ostensivamente irrazoável, quando a norma retroactiva violar de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que os cidadãos e a comunidade hão-de depositar na ordem jurídica que os rege, confiança materialmente justificada no reconhecimento da situação jurídica ou das suas consequências.
21. Ora, pelo exposto e salvo melhor entendimento, a norma do artigo 146.º Cire na redacção que lhe foi dada pela nova lei (Lei 16/2012 de 20 de Abril) - a qual veio estabelecer um prazo mais curto - não deve ser de aplicação imediata às situações jurídicos em curso, uma vez que se deverá ter em linha de conta motivos de interesse público geral.
22. Pelo exposto, a douta decisão impugnada ao fazer valer o art. 146º n.º 2, al. b) do CIRE, com a redacção constante da Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, não pode manter-se, pois violou os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade ou proibição de excesso e da defesa dos direitos patrimoniais dos credores. - cfr. arts. 12º, 13º, 18º e 62º da C.R.P., contidos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e no código Civil, pelo que, devia a acção de verificação ulterior de créditos instaurada pelos aqui Recorrentes ter sido aceite e seguido o seu curso normal.
TERMOS EM QUE,
Por todo o exposto, impõe-se a revogação da douta decisão impugnada, pelo que assim, farão Vossas Excelências inteira e sã J U S T I Ç A!

A apelada não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil.
Das conclusões formuladas pelos recorrentes resulta que a questão a dirimir consiste em saber se o direito dos Autores de intentar a acção para verificação ulterior do seu crédito por apenso ao processo de insolvência padece de caducidade ou, se ao invés, a referida acção poderia ser interposta ao abrigo do artigo 146.º n.º 2 alínea b) do CIRE. Além disso se ocorre inconstitucionalidade da primeira parte da norma da alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE, na medida em que restringe ao prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência o tempo de que o credor dispõe para reclamar ulteriormente o seu crédito e viola o princípio da certeza e segurança jurídicas.
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Vejamos
Foram considerados assentes os seguintes factos:
1. A devedora foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 14 de Maio de 2012;
2. A sentença de declaração da insolvência transitou em julgado no dia 20 de Junho de 2012;
3. A presente acção para verificação ulterior de créditos foi intentada no dia 14 de Maio de 2013;
4. O crédito que os autores pretendem que seja reconhecido é anterior à sentença de declaração da insolvência.
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Decidindo:
A argumentação dos recorrentes é a seguinte (itálico de nossa autoria):
Salvo melhor opinião, o prazo indicado e previsto no art. 146º n.º 2 al. b) do CIRE é inconstitucional, no sentido de não permitir aos recorrentes instaurar a competente acção a partir do momento em que tem conhecimento da insolvência, até à efectiva e integral liquidação do património. A legislação permite aos credores recorrerem à acção para verificação ulterior de créditos, para que todos sejam tratados com igualdade e não serem excluídos da insolvência por desconhecimento, ou ignorância da mesma, obtendo o reconhecimento dos seus créditos perante o título universal que é a declaração de insolvência. No entanto, mas de forma insuficiente, a acção ulterior de verificação de créditos está sujeita a um prazo de um ano para que os credores possam exercer o seu direito de reclamação de créditos. A limitação temporal desta faculdade legal concedida aos credores poderá acarretar prejuízos e prejudicar os direitos dos credores que não tiveram conhecimento da declaração de sentença de insolvência e não a exerceram no prazo estabelecido na lei, o que sucede no caso dos recorrentes. De facto, os aqui recorrentes só tiveram conhecimento do processo de insolvência com o contacto efectuado pelo administrador de insolvência para a venda do património da insolvente, que correspondeu a um período de tempo posterior ao prazo concedido por lei, o qual apenas ocorreu em Dezembro de 2012. A exclusão dos aqui recorrentes perante o título universal que é a sentença de declaração de insolvência, prejudica-os perante os seus iguais credores perante o mesmo título executivo universal que é a declaração de insolvência.
A lei ao não prever esta situação, a do conhecimento efectivo e concreto da ofensa do direito de garantia patrimonial dos recorrentes, pelo menos até à venda ou liquidação do património, pratica uma grave e injusta ofensa aos seus direitos, uma vez que, o prazo de seis meses para reconhecimento ulterior de créditos pode fazer precludir direitos essenciais dos cidadãos, se estes nunca tiveram conhecimento da sentença de declaração de insolvência dentro desse período de tempo estipulado.
A sentença recorrida ao fazer valer o art. 146º n.º 2, al. b) do CIRE, com a redacção constante da Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, violou os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade ou proibição de excesso e da defesa dos direitos patrimoniais dos credores. - cfr. arts. 12º, 13º, 18º e 62º da C.R.P., contidos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e no código Civil, uma vez que, devia a acção de verificação ulterior de créditos instaurada pelos aqui Recorrentes ter sido aceite e seguido o seu curso normal. Deveria o tribunal “ a quo” ter concluído pela inconstitucionalidade da primeira parte da norma da alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE, na medida em que restringe ao prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência o tempo de que o credor dispõe para reclamar ulteriormente o seu crédito e viola o princípio da certeza e segurança jurídicas.
Para além disso o tribunal “a quo” deveria ter observado o que prescreve o artigo 12.º do Código Civil que prescreve que” a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular” e ainda no seu n.º 2 que “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa aos factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam á data da sua entrada em vigor”.
Entendem os Recorrentes - salvo melhor entendimento - que a norma contida no artigo 146.º do CIRE na redacção que lhe foi dada pela Lei 16/12 de 20 de Abril, não é uma lei retroactiva, pois a mesma não se refere expressamente ao conteúdo das relações jurídicas, mas apenas e tão só, a questões de validade formal e substancial de determinados factos. Mas, mesmo que se considerasse que a norma contida no artigo 146.º CIRE era uma excepção á regra contida no artigo 12.º do Código Civil, ou seja, que a mesma configura uma excepção ao principio da não retroactividade, presume-se, que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular, tal como impõe o artigo 12.º n.º 1, 2.º parte do código civil.
Na verdade, não seria justo, tendo em conta a unidade do ordenamento jurídico, bem como, a segurança do comércio jurídico - os quais seriam necessariamente colocados em causa, tendo em conta a subsistência de um grande número de situações jurídicas duradouras regidas por uma lei já existente e na qual os cidadãos comuns confiaram, face ao reduzido número ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga, uma vez que, se tratava de um regime puramente legal e não de um regime posto na dependência dos indivíduos-, que se entendesse ser de aplicação imediata a norma contida no artigo 146.º do CIRE.
De harmonia com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, embora o principio da não retroactividade da lei não tenha assento na constituição vigente, salvo quanto á matéria penal, todavia, uma lei retroactiva pode ser inconstitucional, não por ser retroactiva, mas por contrariar normas ou princípios constitucionais, como, por exemplo, o principio da protecção da confiança ínsito no principio do estado de direito democrático, especificadamente acolhido no artigo 2.º da Constituição, o que sucederá quando a aplicação retroactiva de um preceito legal se revelar ostensivamente irrazoável, quando a norma retroactiva violar de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que os cidadãos e a comunidade hão-de depositar na ordem jurídica que os rege, confiança materialmente justificada no reconhecimento da situação jurídica ou das suas consequências. Ora, salvo melhor entendimento, a norma do artigo 146.º Cire na redacção que lhe foi dada pela nova lei (Lei 16/2012 de 20 de Abril) - a qual veio estabelecer um prazo mais curto - não deve ser de aplicação imediata ás situações jurídicos em curso, uma vez que se deverá ter em linha de conta motivos de interesse público geral, razão pela qual não concordam os Recorrentes com o entendimento sufragado pelo Tribunal “ a quo”.”
Vejamos então.

1. A Caducidade do direito de intentar a acção
Como consta dos factos provados, a devedora foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 14 de Maio de 2012, sendo que a sentença de declaração da insolvência transitou em julgado no dia 20 de Junho de 2012.
A presente acção para verificação ulterior de créditos foi intentada no dia 14 de Maio de 2013, sendo que o crédito que os autores pretendem que seja reconhecido é anterior à sentença de declaração da insolvência.
Nos termos do disposto no art. 146 n.º1 do CIRE, “findo o prazo das reclamações, é possível ainda reconhecer outros créditos, …, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, …”
De acordo com o seu n.º 2, alínea b), a reclamação de outros créditos só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente (redacção da Lei n.º 16/2012 de 20/04).
Como se viu, a presente acção foi instaurada no dia no dia 14 de Maio de 2013, pelo que, tendo a sentença transitado em julgado no dia 20 de Junho de 2012 e sendo o crédito que os autores pretendem seja reconhecido anterior à sentença de declaração da insolvência, o prazo previsto estava ultrapassado.
O prazo acima referido do n.º 2 b) do art. 146 do CIRE foi introduzido pela Lei 16/2012, lei que já estava em vigor (entrou em vigor no dia 20 de Maio de 2012) quando (14 de Maio de 2013) a acção ora em causa foi proposta. Anteriormente à dita lei o prazo era de um ano.
Sendo assim, pela lei antiga o prazo terminava a 20/06/2013
Pela lei nova o prazo terminava a 20/12/2012.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Novembro de 2012, relator Manso Rainho, Proc. n.º 123/11.0TBPCR, “É preciso ver, (citando Mário de Brito em Código Civil Anotado, anotação aos artigos 12º e 297º), que em matéria de sucessão de leis que regem sobre prazos não vale a disciplina do art. 12º do CC mas sim a disciplina específica do art. 297º do CC.
Dispõe o nº 1 desta norma que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar. Isto significa, e como se retira da lição de Menezes Cordeiro (v. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, p. 131) e de Aníbal de Castro (v. A Caducidade, p. 189), que quando o prazo se inicia pela lei velha e a nova lei o encurta, reinicia-se a contagem à luz da lei nova e à data da vigência desta e, posto isso, aplica-se o prazo da lei velha ou o da lei nova consoante o que primeiro expirar”.
Ora, como já acima vimos, no caso vertente, pela lei velha o prazo (contado desde o trânsito da sentença que declarou a insolvência) de um ano de que os Autores dispunham para propor a acção expirava a 20/06/2013, e pela lei nova o prazo de seis meses (contado desde a entrada em vigor da lei nova) expirava a 20/12/2012.
Aplica-se pois ao caso o prazo da lei nova, e face a tal prazo, a acção não foi proposta tempestivamente, ocorrendo a caducidade.
Na verdade, o prazo para a propositura da acção em causa é inequivocamente um prazo de caducidade ou decadência (art. 298º nº 2 do CC), não sendo esta aqui, de conhecimento oficioso. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela (v. Código Civil Anotado, I, anotação ao art. 298º), os prazos para proposição de acções são, em regra, prazos sujeitos a caducidade, e não a prescrição, salvo referência expressa a esta. E como se observa no Ac da RP de 21.10.2008 (disponível em www.dgsi.pt), “não oferece, assim, dúvidas que o prazo fixado no 146º, nº 2, al. b), do CIRE é um prazo de caducidade. E, como tal, está sujeito à aplicação do regime previsto no artº 333º do CCivil. Segundo o artº 333º, nº 1, do CCivil, «a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes». E diz o nº 2 da mesma disposição legal que «se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303º». Por sua vez, dispõe esse artº 303º, integrado no regime da prescrição, que «o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público».
Ora, no caso vertente, a mesma foi invocada por aquela a quem aproveita, no caso a insolvente FDO, pelo que bem decidiu o senhor juiz a quo.

2. A Inconstitucionalidade

Sustentam os recorrentes a inconstitucionalidade da primeira parte da norma da alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE, na medida em que restringe ao prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência o tempo de que o credor dispõe para reclamar ulteriormente o seu crédito e viola o princípio da certeza e segurança jurídicas.
Como já acima vimos, face ao disposto na alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE está caduco o direito do ora apelante à instauração da presente acção.
Deverá esta norma, porém, ser desaplicada por ser inconstitucional, como pretendem os Apelantes?
Parece-nos que não ocorre a pretendida inconstitucionalidade.
Socorrendo-nos do Ac. da Relação de Guimarães de 6 de Janeiro de 2011, Relator Manso Rainho, proc. n.º 2633/08.8TBBRG (também citado pelo senhor juiz a quo), e que subscrevemos, passaremos a transcrever a parte interessante com a qual concordamos inteiramente “O princípio da igualdade não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam estabelecer diferenciações de tratamento, razoável, racional e objectivamente fundadas, sendo legítimo ao legislador usar da plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (tertium comparationis). Como assim, deve receber tratamento semelhante o que se encontre em situação semelhante e diferenciado o que se ache em situação diferente.
Ora, no limite, estaríamos in casu perante uma situação destas, na medida em que é objectivamente aceitável que em atenção à natureza do processo de insolvência e ao bom iter do seu processamento se estabeleça um qualquer prazo, com certa conformação a nível de termo inicial e de termo final, para a instauração da acção tendente à verificação ulterior de um crédito, independentemente do prejuízo que a caducidade possa vir eventualmente a provocar a um pretenso credor que tenha andado mais distraído (como, pelos vistos, é o caso do Apelante, na certeza de que o CIRE prevê [v. art. 37º] que seja dado conhecimento a quem se considere credor, da insolvência e do prazo para a reclamação de créditos).
De resto, há que observar que, como é entendimento pacífico, o tribunal não pode emitir propriamente um juízo “positivo” acerca da solução adoptada na lei, como se fora legislador, para depois concluir pela solução “justa”, “razoável” ou “ideal”, e daqui que a este nível jamais inconstitucionalidade alguma se verificaria.
Também a norma em nada viola quaisquer princípios da proporcionalidade ou da proibição do excesso, e da defesa dos direitos patrimoniais dos credores.
Quanto a esta defesa dos direitos patrimoniais vale aliás o que acaba de ser dito, sendo por isso legítimo ao legislador estabelecer prazo com uma certa e determinada conformação para que se requeira a verificação ulterior de um crédito. Mas, independentemente disto, uma outra razão leva a concluir pela improcedência do recurso nesta parte. É que conquanto seja de entender que o direito de propriedade garantido pela CRP (art. 62º) é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a verdade é que o que é protegido é unicamente o núcleo ou conjunto de faculdades que revestem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (maxime o direito de não se ser privado da propriedade, salvo por razões de utilidade pública, ou de outras dimensões do direito de propriedade essenciais à realização do Homem como pessoa), e não todo e qualquer quid que se relacione com os interesses patrimoniais de uma pessoa. Acontece que a situação vertente, em que está em causa apenas a realização do interesse creditício do Apelante a exercer sobre património alheio, não cai em tal núcleo ou conjunto, sendo por isso excessiva qualquer tentativa de a colar ao artº 62º da CRP.
Parafraseando jurisprudência do Tribunal Constitucional, podemos dizer que o princípio da proporcionalidade se revela, em abstracto, em vários subprincípios, quais sejam, o da adequação (a norma que restrinja direitos, liberdades e garantias deve resolver-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos), o da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato) e o da justa medida (ou proporcionalidade em sentido estrito: não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).
Ora, nada concorre que signifique que estas manifestações não estão presentes in casu, o que é dizer, e atalhando caminho, não se vê que a opção legal seja irrazoável ou arbitrária. Cabe aqui de novo referir que o CIRE já prevê que todos os credores sejam citados (os desconhecidos por éditos), pelo que a opção que o legislador tomou na alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE está muito longe de poder ser vista como desproporcionada. Mas também neste domínio há que observar que, como tem salientado o Tribunal Constitucional, o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade é muito reduzido quando se esteja perante um acto legislativo. Pois que ao legislador é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância na discussão dos requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se devam limitar a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada. E no caso vertente não é”.
Estamos inteiramente de acordo com esta jurisprudência que reputamos de acertada, nada mais acrescentando ao caso.
Na verdade seria estultícia da nossa parte acrescentar mais alguma coisa ao que já está tão bem dito.
Improcede pois a apelação, não padecendo a norma das apontadas inconstitucionalidades, sendo de confirmar a decisão recorrida.

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Sumário (art. 713º nº 7 do CPC):
I - Em matéria de sucessão de leis que regem sobre prazos não vale a disciplina do art. 12º do CC mas sim a disciplina específica do art. 297º do CC.
II - Quando o prazo se inicia no domínio da lei velha e a nova lei o encurta, reinicia-se a contagem à luz da lei nova e à data da vigência desta e, posto isso, aplica-se o prazo da lei velha ou o da lei nova consoante o que primeiro expirar.
III - O prazo estabelecido na alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE para a propositura da acção de verificação ulterior de créditos é de caducidade, não sendo esta caducidade de conhecimento oficioso, antes tendo de ser invocada ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.
IV – A norma da alínea b) do nº 2 do art. 146º do CIRE, ao determinar que o prazo para a acção tendente à verificação ulterior de créditos só pode ser intentada no prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência, não padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e defesa dos direitos patrimoniais dos credores.
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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 6 de Fevereiro de 2014.
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho
Antero Veiga