Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1201/12.4PFAMD.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: IMPEDIMENTO
IMPEDIMENTO POR PARTICIPAÇÃO EM PROCESSO
RECUSA
REENVIO DO PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I) O âmbito de protecção da norma constante do artº 40º, do CPP está em impedir que o julgamento seja feito por juiz que já se implicou pessoal e directamente com a determinação da sanção «justa» para o caso.
II) No caso dos autos, tendo o juiz discordado da sanção proposta pelo Ministério Público ao arguido, apesar de não haver recusado o processo sumaríssimo, é manifesto que se encontra impedido de intervir no julgamento subsequente desse mesmo arguido.
III) Daí que se justifique a declaração de impedimento, que é oficiosa, nos termos do artº 41º do CPP, com o consequente reenvio dos autos à 1ª instância para que seja realizada nova audiência de discussão e julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
Na Comarca de Braga (Braga – Inst. Local – Secção Criminal – J3), em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc.nº 1201/12.4PFAMD), foi proferida sentença que decidiu (transcreve-se):
a) Condenar o arguido JOÃO F., pela prática, em coautoria material, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (SESSENTA) dias de multa, a 05,00€ (CINCO EUROS) por dia, totalizando o montante de 300,00€ (TREZENTOS EUROS);
b) Condenar a arguida PATRÍCIA M., pela prática, em coautoria material, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (SESSENTA) dias de multa, a 05,00€ (CINCO EUROS) por dia, totalizando o montante de 300,00€ (TREZENTOS EUROS);
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Os arguidos PATRÍCIA M. e JOÃO F. interpuseram recurso desta sentença, suscitando as seguintes questões:
- o juiz que efetuou o julgamento estava impedido;
- os dias de multa devem ser fixados, para cada arguido, no mínimo legal de 10;
- e substituídos por uma admoestação.
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Respondendo, a magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido de proceder a primeira questão suscitada (o impedimento do juiz que efetuou o julgamento), que constitui causa de nulidade insanável.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O impedimento do juiz que efetuou o julgamento
Resulta dos autos o seguinte:
Encerrado o inquérito, a magistrada do Ministério Público requereu a aplicação de penas aos arguidos João C. e Patrícia M. em processo sumaríssimo.
Considerou que a pena adequada para cada um dos arguidos seria 30 dias de multa à taxa diária de € 5,00, devendo, no entanto, o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação, nos termos do art. 60 do Cod. Penal (fls. 53).
Remetidos os autos a juízo, o sr. juiz não aceitou a admoestação proposta, nem os dias de multa, tendo, nos termos do art. 395 nº 2 do CPP, fixado sanção diferente – 60 dias de multa à taxa diária de € 5,00 (fls. 57).
A magistrada do MP manifestou a sua concordância à sanção proposta (fls. 59).
Porém, a arguida Patrícia M. discordou da pena fixada pelo sr. juiz (fls. 84).
Deduzida a acusação em processo comum foram os autos distribuídos ao mesmo juízo do sr. juiz que não aceitou a sanção proposta pelo MP e fixou uma alternativa.
O julgamento foi efetuado por esse mesmo juiz.
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Está em causa a norma do art. 40 al. e) do CPP, nos termos da qual “nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.
No caso, o juiz não «recusou» a forma sumaríssima, mas «discordou» da sanção proposta, tendo fixado uma sanção alternativa.
Porém, isso não afasta o impedimento, pois o âmbito de proteção da norma está em impedir que o julgamento seja feito por juiz que já se implicou pessoal e diretamente com a determinação da sanção “justa” para o caso – cfr. Pinto de Albuquerque, na anotação nº 4 ao artigo em referência.
O que, manifestamente, é o caso destes autos.
Deixa-se só mais uma nota:
Na resposta ao recurso, a magistrada do MP junto do tribunal recorrido argumenta com o acórdão do TC 444/2012 de 16-11-2012 que decidiu “não julgar inconstitucional os artigos 40.º, 43.º, n.º 2 e 398.º, todas do CPP, quando interpretados no sentido de que o juiz que concordou com a sanção proposta pelo Ministério Público em processo sumaríssimo, a qual não foi aceite pelo arguido, não está impedido de intervir no julgamento subsequente desse mesmo arguido” – disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/
Como bem assinala o sr. procurador geral adjunto no seu parecer, as situações são distintas. No caso tratado no referido acórdão do TC “o decisor apenas lançou o despacho judicial recebendo o requerimento para processo sumaríssimo, nada tendo alterado à proposta de pena para os arguidos efetuada pelo MP”.
Repete-se: o essencial da razão do impedimento está em o julgador já se ter implicado pessoal e diretamente com a determinação da sanção “justa” para o caso. O que não acontecia no caso decidido pelo TC.
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A declaração de impedimento é oficiosa – art. 41 do CPP.
Nos termos do art. 119 nº 1 al. a) do CPP constitui «nulidade insanável» “a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição” do tribunal.
É o que se declara – cfr. ac. Relação de Coimbra de 18-12-2013, Proc. 279/10.0PBCTB.C1 (relator Eduardo Martins).
A nulidade torna inválido o ato em que se verificou e a sua declaração determina a repetição do ato – art. 122 nºs 1 e 2 do CPP.
Fica prejudicado o conhecimento d as demais questões suscitadas no recurso.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento ao recurso, anulam o julgamento realizado nos autos e todos os termos subsequentes ao mesmo, ordenando que seja realizada nova audiência de discussão e julgamento, tendo em conta a nulidade declarada.
Sem custas.