Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
804/10.6PBVCT.G1
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: SENTENÇA ORAL
RECURSO
TRANSCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECIDIDO NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário: Em caso de recurso, a sentença oral proferida em processo sumário ou abreviado deve ser integralmente transcrita no tribunal a quo.
Decisão Texto Integral: DECISÃO SUMÁRIA

I.

1. No âmbito do processo abreviado n.º 804/10.6PBVCT do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, por sentença de 10.01.2011, foi o arguido, ora recorrido, Rui C..., condenado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 40 [quarenta] dias de multa à taxa diária de € 7,00 [sete euros] e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 [três] meses.

2. Inconformado com o assim decidido recorreu o Ministério Público, concluindo por enfermar a sentença, ao ter dado como provado que o arguido conduzia com uma TAS de 1,60 g/l [e não 1,74 g/l, conforme constava da acusação] - o que terá ocorrido em consequência de o julgador ter procedido à aplicação da margem de erro prevista na Portaria n.º 1556/2007, de 10.12 – em erro notório na apreciação da prova – [cf. artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP], vício, cuja “sanação” solicita a este tribunal de recurso, defendendo, um agravamento das penas principal e acessória, as quais deveriam ser fixadas, respectivamente, em 60 dias [multa] e 4 meses [proibição de conduzir].

3. Por despacho de fls. 49 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito e determinada a remessa dos autos a este Tribunal.


II.

Nos termos do artigo 417.º, n.º 6 do CPP o relator profere decisão sumária quando, entre outras causas, ocorrer circunstância que obste ao conhecimento do recurso – cf. al. a), o que se nos afigura suceder no caso.

Vejamos.

Os autos em referência, seguiram a forma do processo abreviado, tendo a audiência de julgamento e a sentença que se lhe seguiu tido lugar já em plena vigência das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, designadamente do seu artigo 391.º - F, à luz do qual é aplicável à sentença o disposto no artigo 389.º - A, que rege para o processo sumário.
Da análise dos autos resulta que a sentença foi proferida oralmente, documentada através de gravação no sistema “H@bilus Media Studio”, e o processo remetido a este Tribunal de recurso sem que tal peça processual haja sido objecto de integral transcrição.
A questão que importar dilucidar traduz-se em saber se, em caso de recurso, antes de o processo subir ao tribunal superior, tem, ou não, o tribunal recorrido de proceder à dita transcrição.
Sobre a necessidade de elaboração da sentença por escrito dispõe o n.º 5 do artigo 389.º - A: “Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.”
Parece, pois, evidente que não é em tal preceito – ao qual se nos afigura alheia a problemática do recurso - que se vai ancorar a posição daqueles que, como nós, defendem a necessidade de integral transcrição da sentença, sempre que interposto recurso, em momento prévio ao da remessa dos autos para o tribunal superior.
Com efeito, independentemente da natureza da pena aplicada ou da excepcionalidade ditada pelas circunstâncias do caso, situações que, certamente pelo maior melindre, mereceram um cuidado acrescido por parte do legislador, o que dizemos, não obstante a ausência de lei expressa, é que em face das normas, designadamente dos artigos 374.º, 379.º, 380.º, 410.º, n.º 2, 425º, n.º 4, todos do CPP, não pode deixar de ter lugar a dita transcrição, nos termos supra preconizados, divergindo-se, assim, da posição defendida pelo Ilustre Professor Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, pág. 1009.
Acompanhamos o entendimento do Ilustre Juiz Desembargador Cruz Bucho, quando, a propósito, refere: “… em caso de recurso, a lei é omissa sobre se a gravação da sentença deverá ou não ser integralmente transcrita.
(…)
Pela nossa parte afigura-se-nos que em caso de recurso a sentença deva ser integralmente transcrita.
Repare-se que nos termos do n.º 4 do artigo 425.º é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, pelo que tais acórdãos são nulos quando não contiverem as menções referidas no artigo 374.º, n.º 2 e 3 alínea b) do CPP, entre as quais se inscreve a enumeração dos factos provados e não provados bem como a exposição quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Por isso, as mais das vezes o tribunal de recurso vê-se obrigado a transcrever os factos provados e não provados e a respectiva motivação. Só depois, está habilitado a conhecer, sucessivamente, das nulidades da sentença (artigo 379.º), dos vícios do artigo 410.º, da impugnação da matéria de facto e das questões de direito.
Ora, não se vê que nessa tarefa seja exigível ao tribunal de recurso, nem à secretaria nem muito menos ao desembargador relator, a prévia transcrição da gravação da sentença.
Tudo indica, pois, que em caso de recurso a sentença deva ser transcrita ainda no tribunal a quo.” – [cf. “A Revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português”, Guimarães, 8-11-2010, disponível in www.trg.mj.pt/Estudos].
Por nós, nenhuma dúvida séria nos suscita a necessidade de, em caso de recurso, ainda no tribunal a quo, a sentença ter de ser objecto de integral transcrição, sem o que o tribunal superior, em face do complexo normativo citado – enformador, no fundo, de parte significativa da sua “actividade” e do modo como se processa -, não poderá do mesmo conhecer.

III.

Termos em que ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 6, al. a) do CPP, em função da sentença não se mostrar integralmente transcrita, se decide não tomar conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público, determinando-se a devolução dos autos ao tribunal a quo a fim de aí se proceder à integral transcrição da decisão recorrida.

Sem tributação

Guimarães, 23 de Maio de 2011