Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
83/12.0GBBGC.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CONDENAÇÃO
CRIME
ARGUIDO
ATENUAÇÃO DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) A expressão “imagem negativa” do arguido porque desacompanhada de quaisquer acontecimentos “exteriores” ou “psíquicos”, não deve estar incluída na enunciação da matéria de facto da sentença.

II) É que, para além do mais, trata-se de uma expressão de significado vago e impreciso, insusceptível de permitir o exercício do direito ao contraditório.
III) Ressaltando do quadro factual apurado que o comportamento do arguido revela significativa persistência de vontade e uma considerável organização de meios e mesmo hierarquia, com divisão de tarefas de armazenamento, doseamento, embalagem e venda por diversas outras pessoas, considerando a particular intensidade das exigências de prevenção geral no crime de tráfico de estupefacientes, ainda que de canábis, pela dependência que estas substâncias podem induzir, pelas nefastas consequências que provocam na saúde e na vida dos consumidores e pelas incidências de ordem social que o consumo fomenta, impõe-se concluir pela não aplicação, in casu, da atenuação especial da pena.

Decisão Texto Integral: Processo 83/12.0GBBGC.G1





Tribunal da Relação de Guimarães



Processo 83/12.0GBBGC.G1


Página 30 de 30
Página 29 de 30

Tribunal da Relação de Guimarães




Processo 83/12.0GBBGC.G1



Acordam em conferência os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo comum nº 83/12.0GBBGC, após audiência de julgamento, o tribunal colectivo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança proferiu acórdão em 20 de Outubro de 2014, que conclui com o seguinte dispositivo (transcrição) :

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem o Tribunal Colectivo em:

I) Julgar a acusação parcialmente provada e procedente, nos termos sobreditos, e, consequentemente:

A)1. Absolvem o arguido Carlos V. da prática, em co-autoria material, de oito crimes de lenocínio;

2. Condenam o mesmo arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1, com referência à tabela I-C, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3. Condenam o mesmo arguido pela co-autoria de um crime de lenocínio p. e p. pelo art. 169º/1 do C. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

4. Em cúmulo jurídico, condenam o arguido Carlos V. na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.

B) Condenam o Arguido F. F. pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1, com referência à tabela I-C, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão efectiva.

C) 1. Absolvem o arguido Domingos S. da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1; mas,

2. Condenam o mesmo arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º-a) do DL 15/93 de 22/1, na pena de 1 (um) anos e 10 (dez) meses de prisão;

3. Suspendem-lhe a execução da pena, pelo mesmo prazo.

D)1. Absolvem o arguido Sérgio O. da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1; mas,

2. Condenam o mesmo arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º-a) do DL 15/93 de 22/1, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

3. Suspendem-lhe a execução da pena, pelo mesmo prazo.

E) 1. Absolvem o arguido Cristopher F. da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1; mas,

2. Condenam o mesmo arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º-a) do DL 15/93 de 22/1, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;

3. Suspendem-lhe a execução da pena, pelo mesmo prazo.

F)1. Absolvem o arguido Nelson P. da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1; mas,

2. Condenam o mesmo arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º-a) do DL 15/93 de 22/1, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

3. Suspendem-lhe a execução da pena, pelo mesmo prazo.

G)1. Condenam o arguido Ernesto V. pela co-autoria de um crime de um crime de lenocínio p. e p. pelo art. 169º/1 do C. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.

2. Suspendem-lhe a execução da pena, pelo mesmo prazo, sob condição de pagar ao Estado, no período da suspensão, a quantia infra referida em II) B), correspondente à vantagem ilícita.

H) Declaram o perdimento a favor do Estado da droga, dos objectos, veículos, dinheiro... supre referidos em II) D) 6.1.

Ordenam a entrega ao arguido Carlos do remanescente do dinheiro apreendido (ou seja, do que vai além de 3.100 €).

II) Julgar o pedido de perda de vantagens formulado pelo MP parcialmente procedente e provado, nos termos sobreditos, e, consequentemente:

A) Dele absolvem o arguido Nélson P.;

B) Condenam os arguidos Carlos V., Francisco F., e Ernesto V., a pagar ao Estado, cada um deles e respectivamente, as quantias de 18.000,00 € (dezoito mil euros), 11.000,00 € (onze mil euros) e 18.000,00 € (dezoito mil euros), absolvendo-os do demais peticionado a tal título.”

2. Inconformado, o Arguido Francisco A. interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição):

1ª Quando aplique pena de prisão não superior a cinco anos, o tribunal deve preferencialmente suspender a execução da mesma;

2ª Entende o recorrente que face aos requisitos legais mormente a sua personalidade, condições de vida, conduta anterior aos factos, mesmo as circunstâncias do cometimento, a não suspensão da execução da pena resulta em tremenda injustiça;

3ª O produto estupefaciente em causa, canábis, como bem reconhece o douto acórdão recorrido, é uma droga dita leve, sendo certo que o arguido nunca teve qualquer contacto com qualquer outra droga, nomeadamente com as ditas drogas duras;

4ª O arguido, recorrente, sempre teve hábitos de trabalho, como prova o facto de trabalhar desde os 17 anos, dedicar-se ao seu semelhante, através do voluntariado exercido nos Bombeiros V. e ainda ajudar os seus pais nos trabalhos agrícolas, ou a valorização de competências pessoais que procurou no EP;

5ª Cumprindo, como cumpre, os requisitos plasmados no artº 50º nº 1 do Código Penal, sempre o juízo de prognose terá que ser favorável, no sentido de se mostrar garantida a ressocialização do arguido e que o mesmo conduzirá, doravante, a sua vida de forma socialmente responsável e sem qualquer comportamento desviante, seja, livre do cometimento de quaisquer outros crimes;

6ª Ao invés, no modesto entendimento do arguido recorrente, a não suspensão da execução da pena para lá de injusta e infundada, em nada concorrerá para a sua ressocialização;

7ª O tribunal terá esquecido, ou pelo menos desvalorizado em demasia, o facto de o arguido ser primário, de ter confessado e colaborado com as autoridades desde o início, de não ser um desocupado, de ser um indivíduo com hábitos de trabalho, de ter trabalho garantido quando restituído à liberdade, de se encontrar integrado social e familiarmente, integração também garantida quando seja restituído á liberdade;

8ª Tudo indica, pois, que o arguido conseguirá, como defendem Simas Santos e Leal Henriques, “ele próprio, com as suas forças, reintegrar-se na sociedade”.

9ª O tribunal deveria ter suspendido a execução da pena aplicada ao arguido, ainda que, caso assim se entendesse ser necessário, mediante a imposição do cumprimento das condições previstas no nº 2 do artigo 50º do C.P., nomeadamente cumprimento de deveres e regime de prova.

3. O arguido Carlos V. apresentou igualmente recurso do acórdão condenatório e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) :

I - Nos presentes autos, ao arguido Carlos V., foi julgada pelos doutos juízes que constituíram o Tribunal Coletivo, a acusação parcialmente provada condenando o arguido pela prática de um crime de estupefacientes, com referencia à tabela I-C, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pela co-autoria de um crime de lenocínio, na pena de 10 (dez) meses de prisão, após o cumulo jurídico, foi condenado o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.

II - O tribunal à quo, deu como provado, que o arguido Carlos V. detinha uma imagem social negativa. - Cfr. Fundamentação (II) de Facto (A), ponto 30, in fine

III - Salvo o devido e merecido respeito, que aliás muito é, não pode o arguido conformar-se com esta decisão, visto que da prova produzida em audiência de julgamento, não se alcança que tal facto tenha sido efectivamente provado, bem pelo contrário. – Cfr. transcrição parcial do depoimento de Joaquim V. entre os pontos 15:14:27 a 15:24:11

IV - Até porque, com excepção da testemunha Joaquim V., mais nenhuma das testemunhas arroladas, quer de acusação, quer de defesa, se pronunciaram a respeito da imagem social do arguido.

V - E como se poderá depreender do testemunho supra transcrito, certo é que, a única testemunha que depôs sobre a imagem social do arguido, foi peremptória em afirmar que o mesmo, detinha uma imagem social muito positiva na comunidade onde se inseria.

VI - Não obstante, o tribunal a quo ignorou pura e simplesmente (com o devido e merecido respeito que aliás muito é) o referido depoimento, quando a referida testemunha era a única, repete-se, com conhecimento direto nos autos do meio onde o arguido residia e trabalhava, como seja, MADRID.

VII - O tribunal a quo, e salvo melhor opinião, formou a sua convicção sobre o relatório social do arguido, ao considerar, como se disse, a imagem do arguido Carlos V., perante a sociedade, é negativa.

VIII - Quando assim não deveria acontecer, porque do relatório Social, constata-se, inter alia, que o mesmo foi, entre outros, elaborado com base, em informações recolhidas no local de origem (… – Bragança), concluindo, com base nessas informações “no meio de origem a imagem social de Carlos V., não é abonatória”.

IX - Desta conclusão, impõe-se, dizer o que se segue:

a) O arguido não reside em (…Bragança – Portugal) há muitos, mas muitos anos, desde que terminou a 4ª Classe. - Cfr. ponto 30 da matéria de facto dada como provada.
b) Do relatório social não refere em nenhuma momento que a imagem social do arguido é negativa, outrossim, não é abonatória (sinónimos diferentes)!
c) Ora, a ser assim, e tendo também em consideração que o referido relatório social é omisso quanto a informações recolhidas da imagem social do arguido no local de residência (Madrid), o tribunal a quo não poderia concluir pela má imagem social do arguido, quando, assim não é.

X – Impunha-se decisão diversa, pelo que ao valorar as provas produzidas de forma diversa incorreu o Tribunal “a quo” em erro notório de apreciação da prova, estando pois o presente acórdão ferido desse vício.

XI - Ao dar como provado este facto (imagem social negativa), sem que nenhuma prova o sustente de forma inequívoca, violou o Tribunal “a quo” a Constituição da República Portuguesa, no artº 32º, nº2, dando como provada uma mera presunção, sendo certo que as presunções não são meios de prova num Estado de Direito.

XII - O presente recurso tem ainda por fundamento, a discordância do ora recorrente face à dosimetria da pena de prisão em que foi condenado, quando na verdade, este tinha uma boa imagem social junta da comunidade onde se inseria.

XIII - Tal facto, foi valorado de forma inversa, levando a que a pena do arguido fosse superior em relação a outros que igualmente foram condenados pela prática do mesmo crime.

XIV - Assim sendo, no cálculo da medida da pena deveria o tribunal a quo atender à boa imagem social do arguido, bem como na sua reintegração na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, de forma a aproximá-lo dos princípios dominantes na comunidade.

XV - O arguido, ora recorrente, para além da boa imagem social que detinha junto da comunidade onde residia (Madrid), foi sempre um individuo de trabalho, desde de tenra idade, tudo sempre em prol da sua família, mormente 4 filhos, dois deles menores. – Cfr. art. 30 matéria de facto.

XVI - Sem olvidar que, “por causa do seu trabalho como mineiro, veio a desenvolver problemas respiratória e de hérnias e artrose, entre outros, vindo a ser submetido a cirurgia, e reformado por invalidez, auferindo uma pensão de 420 euros mensais”, levando a que o mesmo, e para sustentar a sua família, e como tem hábitos de trabalho, mesmo incapacitado e com sofrimento, continuava a trabalhar de “forma esporádica, sobretudo em obras de beneficiação e restauro no âmbito da construção civil”. Cfr. art. 30 da matéria de facto.

XVII - Acresce que, desde a detenção e a consequente prisão preventiva decretada ao arguido, em concorrência as doenças adquiridas com o seu trabalho nas minas, levou a que fosse diagnosticado no estabelecimento prisional uma tuberculose, agravando o seu já débil estado de saúde, tendo inclusive sido transferido para uma cela individual.

XVIII - Por tudo isto, a pena privativa da liberdade causará ao arguido um mal maior, não só na sua saúde, até porque ao invés de o aproximar dos princípios da comunidade, afasta-o, isto não olvidando que nas cadeias prolífera a droga, não sendo este meio inibidor da prática da actividade, prática essa que o arguido está arrependido e não mais voltará a praticar. Por via disso, o ora recorrente não pode deixar de manifestar a sua profunda discordância pelo facto de, dentro de uma moldura penal abstracta, o tribunal "a quo" lhe ter aplicado uma pena concreta privativa da liberdade.

XIX - A aplicação de pena privativa da liberdade, foi feita ao arrepio das modernas correntes doutrinais, que lograram acolhimento do legislador no actual código penal, segundo as quais as penas devem reflectir essencialmente uma vertente preventiva e ressocializadora.

XX - Deverá assim o Tribunal Superior, de quem se espera uma melhor e mais adequada aplicação de justiça, quer pela experiência, quer pelo seu reconhecimento, dar preferência fundamentada a uma pena inferior e não privativa da liberdade, pois que ela se mostra suficiente à recuperação social do arguido e satisfaz as exigências de recuperação e de prevenção do crime.

XXI - Considerando ainda que, nos termos do artigo 28º da Constituição da República Portuguesa, as normas penais, hão-de ser estritamente necessárias, devendo os limites máximos da legislação Penal aferir-se pela sua necessidade, cremos assim, que o recorrente deveria ser condenado em pena mais próxima do limite mínimo da norma incriminadora, como seja, igual ou inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

XXII - A pena em que foi condenado, parece-nos, com o devido respeito, desajustada à conduta e personalidade do recorrente, às suas condições de vida, ao seu passado, à sua conduta anterior e posterior aos factos puníveis, demais envolvente processuais e ainda as necessidades e finalidades da pena, sendo estes os factores fulcrais para a determinação do "quantum punitivo".

XXIII - Acresce ainda que deve ser dada ao Recorrente a possibilidade de não cair, aos 47 anos, no lodaçal da prisão, atendendo à filosofia que subjaz ao Código Penal, que aponta no sentido de, não se descurando o carácter sancionatório das penas, se procure humanizar o direito penal, não se esquecendo que por detrás do mais infame condenado, há sempre um ser humano.

XXIV - Deve, salvo opinião mais douta, ser a pena de prisão revogada, reduzida no seu quantum, suspendendo-se a sua execução, nos termos do artigo 50º do C.P., de modo a permitir a dissuasão e reintegração do arguido.

XXV – Consequentemente, por insuficiência de base factual, revertendo a dúvida em favor do arguido, a condenação na perda a favor do Estado (dos bens supra referidos) não pode manter-se, sendo de revogar, nessa parte, o decidido.

XXVI - Na mesma esteira, a condenação do arguido Carlos V. na quantia de €18.000,00 a título de perda de vantagens formulado nos autos, é exagerado, ante a base factual provada nos presentes autos. Nessa senda, o mesmo montante não poderá manter-se, devendo o mesmo revogado, ou na pior das hipóteses, reduzido, relativamente ao decidido.

4. O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Bragança apresentou respostas, concluindo pela improcedência dos recursos.

5. Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto formulou fundamentado parecer concluindo que deve ser negado provimento aos recursos.

6. Como é dado assente, o âmbito do recurso e os podres de cognição do tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação (artigos 403º e 412º nº 1 do Código de Processo Penal), naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.

Assim, as questões suscitadas pelos recorrentes são fundamentalmente as seguintes, pela ordem lógica de conhecimento:

- Recurso do arguido Carlos V.: a) Impugnação da decisão da matéria de facto por erro de julgamento quanto aos factos constantes dos pontos; b) Consequências jurídicas dos factos que integram o cometimento do crime de tráfico de estupefacientes (atenuação especial, medida concreta da pena, suspensão da execução da pena); c) Perdimento a favor do Estado.

- Recurso do Arguido F. F.: Suspensão da execução da pena.

7. Para compreensão e análise das diversas questões suscitadas nos recursos, torna-se necessário transcrever a decisão do tribunal colectivo sobre matéria de facto.

No acórdão, o tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição):

1) O arguido Carlos V. é irmão do arguido Ernesto V..

2) Os restantes arguidos conhecem-se todos por estarem ligados ao consumo/tráfico de estupefacientes.

3) Nos finais do ano de 2011, o arguido Carlos V. abordou o Arguido F. F. - seu conhecido desde os tempos de infância por serem ambos naturais de (...) - e propôs-lhe a compra de cannabis para o mesmo vender a consumidores da região, uma vez que tinha plantação própria em Espanha.

4) O Arguido F. referiu não ter poder económico para pagar o produto, tendo o arguido Carlos V. sugerido que ficasse com a droga à consignação e que tentasse vendê-la pelo preço máximo que pudesse.

5) O Arguido F. aceitou a proposta, tendo-lhe o arguido Carlos V., poucos dias após, entregue 300 gramas de cannabis, numa residência que este possui, na Rua C. das Pereiras, n.º 18, em (…).

A partir de então e até à data da sua detenção, em Novembro de 2013, o Arguido F. passou a entregar a droga fornecida pelo arguido Carlos V. a consumidores da região.

Do primeiro fornecimento, o Arguido F. entregou ao arguido Carlos V. a importância de € 750,00, tendo ambos combinado que, a partir daí, o Arguido F. entregaria ao arguido Carlos V. entre € 3,50 e 4,05 € por cada grama de cannabis, se se tratasse de 1 kg, ou valor superior, mas sempre inferior a 6 €, se as quantidades fossem inferiores ao kg, retirando para seu benefício pessoal o lucro consistente na diferença entre tais valores e o preço porque vendia a droga; uma pequena parte do dinheiro era utilizado pelo Arguido F. para custear o seu consumo.

6) Para além da mencionada entrega, o arguido Carlos V. entregou ao Arguido F. quantidades de cannabis, acondicionadas em embalagens compreendidas entre os 200 gr. e o kg., de cada vez.

Assim, entregou-lhe, pelo menos, as seguintes quantidades

- 1 kg e 800 gramas, no Verão de 2012;

- 1 kg, no Natal de 2012;

- 2 kgs e 700 gramas, em Março de 2013;

- 1 kg, em Junho de 2013.

7) A droga era trazida de Espanha pelo arguido Carlos V. no automóvel ligeiro de matrícula (::: ), sua propriedade.

8) O arguido Carlos V. abastecia habitualmente de cannabis o Carlos M. da Silva.

Efectivamente, em 2011, o arguido Carlos V. propôs ao Carlos S. pagar-lhe com cannabis uma dívida que tinha para com ele, no valor total de € 1.500,00.

O Carlos S., que é consumidor de cannabis há cerca de 20 anos, aceitou a proposta, tendo, a partir de então, o arguido Carlos V. passado a fornecer-lhe cannabis periodicamente, até perfazer o montante do crédito, numa base de € 7,50 o grama.

Uma vez resgatado o crédito, o arguido Carlos V. continuou a vender cannabis ao Carlos S., ao mesmo preço, primeiro, e depois, a 5 € o grama, sendo as entregas feitas, por vezes, mediante contacto telefónico estabelecido entre ambos.

O Carlos S. comprava-lhe no mínimo 3 gramas de cada vez.

9) O Arguido F. doseava a droga fornecida pelo arguido Carlos V., embalava-a e vendia-a ao preço de € 10,00 o grama e, muito excepcionalmente, a € 7,50 a grama, retirando, assim, significativos dividendos do negócio.

10) Como o negócio estivesse em expansão, a partir de certa altura o Arguido F. angariou outros indivíduos que passaram a colaborar com ele na venda de estupefacientes, quer fornecendo as suas residências para a ocultação, armazenamento e venda da droga, quer ajudando-o a doseá-la, embalá-la e vendê-la, recebendo do Francisco, como contrapartida, droga e dinheiro.

Entre esses indivíduos contavam-se:

- o arguido Domingos R., conhecido por “Shock”, que guardava, por conta do Arguido F., a cannabis na sua residência, sita na Rua C., n.º 65, (...), Bragança, até Julho de 2013 e novamente a partir de 25/8/2013, e onde, por vezes, o Francisco vendia a droga, e que colaborava com o Arguido F. no doseamento e embalagem da droga, e para além disso, chegou a entregá-la, por conta deste, a alguns consumidores da região;

- o arguido Sérgio O. que, juntamente com o Arguido F., doseava e embalava a cannabis, tendo também guardado a droga pertencente ao mesmo na sua residência, sita na Rua E. da Choa, n.º 4, Santulhão, Vimioso, pelo menos entre os dias 17 e 29 de Julho de 2013, e onde, por vezes, o Francisco vendia a droga, sendo que, para além disso, entregou a droga, por conta do Francisco, a alguns consumidores da região;

- o arguido Cristopher que colaborava com o Francisco na dosagem e no embalamento da canabis, tendo-a também guardado na sua residência, sita na E. N. …, Km 16, (...), Bragança, pelo menos entre 30/7 e 11/8/2013, onde, por vezes, o Francisco vendia a droga,

12) Assim, o Arguido F., por si só ou contando com a colaboração dos arguidos Domingos, Sérgio e Cristopher, nos termos vistos, vendeu droga, entre muitos outros, aos seguintes consumidores:

A. Paulo P., a quem abasteceu de canabis desde o Natal de 2011 até Setembro de 2013, vendendo-lhe, em média, um grama por semana ao preço unitário de € 10,00.

Pelo menos por uma vez, o Arguido F. disse ao Paulo R. para se deslocar ao parque de estacionamento do Café “(...)”, sito em S., Vimioso, onde a droga lhe foi entregue pelo arguido Sérgio O., cumprindo instruções do Arguido F., sendo certo, no entanto, que o pagamento foi sempre feito directamente pelo Paulo R. ao Arguido F..

B. Pedro V., a quem abasteceu de canabis desde o final de 2011 até Setembro de 2013, vendendo-lhe, em média, dois gramas por semana ao preço unitário de € 10,00.

As entregas eram feitas pelo Arguido F. mediante contacto telefónico prévio, sendo que, por vezes, a droga era transaccionada no armazém do arguido Domingos dos Santos R., sito na Rua C., n.º 65, (...), onde este último guardava a droga, por conta daquele, sendo que o Arguido F. dividia e embalava a canabis com a colaboração do Domingos; quando o Arguido F. não tinha disponibilidade para tal, era o arguido Domingos quem, seguindo instruções do mesmo, entregava a droga ao Pedro, mas os pagamentos eram sempre feitos directamente ao Francisco.

Outras vezes, as vendas eram feitas pelo Arguido F. na residência do arguido Sérgio, sita na Rua E. S., Vimioso, onde era habitual o Arguido F. embalar e guardar a droga, com a colaboração do arguido Sérgio. Outras vezes ainda, as vendas eram feitas pelo Arguido F. na residência do arguido Cristopher, sita Estrada N. n.º …, Km … (...), Bragança, onde era habitual o Arguido F. embalar e guardar a droga, com a colaboração do arguido Cristopher.

C. Armando G., a quem abasteceu de canabis desde o início de 2012 até Setembro de 2013, vendendo-lhe, em média, um ou dois gramas por semana, ao preço unitário de € 10,00. As entregas eram feitas pelo Arguido F. mediante contacto telefónico prévio.

D. Manuel F., a quem abasteceu de canabis por diversas vezes, desde o ano de 2011 até Setembro de 2013.

As entregas eram feitas pelo Arguido F. por norma mediante contacto telefónico prévio.

E. Alexandre L. da Costa H., a quem abasteceu de cannabis desde o final de 2011 até Setembro de 2013, vendendo-lhe, em média, dois gramas por semana ao preço unitário de € 10,00.

Habitualmente, as entregas eram feitas pelo Arguido F. mediante contacto telefónico prévio.

Quando o Arguido F. não tinha disponibilidade para tal, era o arguido Domingos quem, no seu armazém/garagem, entregava a droga ao Alexandre, seguindo instruções do Arguido F., sendo certo, no entanto, que os pagamentos eram sempre feitos directamente pelo Alexandre ao Arguido F. e tal ocorreu pelo menos por duas vezes.

F. Telmo L., a quem abasteceu de canabis desde o Verão de 2012 até Setembro de 2013, vendendo-lhe, em média, um ou dois gramas por semana, ao preço unitário de € 10,00.

As entregas eram feitas pelo Arguido F., em regra, mediante contacto telefónico prévio e normalmente aconteciam junto à ponte de G..

G. Rui L., a quem abasteceu de cannabis desde o Verão de 2013 até Setembro de 2013, vendendo-lhe, em média, um grama de cada vez, ao preço de € 10,00. As entregas eram feitas pelo Arguido F. mediante contacto telefónico prévio e normalmente aconteciam na Estrada N., à saída de (...) para (…).

H. Carlos M. da Silva, a quem o Arguido F. vendeu canabis por diversas vezes, ao preço de € 7,50 o grama desde o ano de 2011 até Setembro de 2013. As entregas eram feitas pelo Arguido F. por norma mediante contacto telefónico prévio.

I. Sérgio O., a quem, até de Julho de 2013 - data em que passou a auxiliá-lo no armazenamento, embalamento e venda da droga - abasteceu de cannabis, vendendo-lhe, em média, um grama de cada vez, ao preço de € 10,00.

13) Para estabelecer os contactos com o arguido Carlos V., seu fornecedor de canabis, e com os colaboradores e consumidores, o Arguido F. começou por utilizar o telemóvel com o n.º 96.2124715, tendo posteriormente passado a utilizar o telemóvel com o n.º 962295478.

14) Nas suas deslocações relacionadas com a actividade, o Arguido F. usava sempre o veículo de marca Volkswagen G., matrícula 86-FQ-08, sua propriedade.

15) Para além de vender cannabis a consumidores, o Arguido F. vendia também droga a outros indivíduos que a adquiriam para a transacionarem.

De entre esses indivíduos destacava-se o arguido Nelson P., conhecido por "…", que, por diversas vezes, comprou cannabis ao Arguido F. para revenda. Efectivamente, o Arguido F. vendeu cannabis ao arguido Nelson pelo menos por sete vezes, desde o Natal de 2012 até à sua detenção, num total não inferior a 350 g, ao preço que cerca de 6 €/g.

A droga adquirida pelo arguido Nelson era pelo mesmo dividida, embalada e revendida a consumidores da região, ao preço de 7.5 € a 10,00 €; algumas vezes, o arguido cedia gratuitamente a amigos, nuns “fumos”.

16) No dia 7/11/2013, entre as 19 e as 20 horas, no âmbito de buscas efectuadas pela GNR, apurou-se que os seguintes arguidos detinham na sua posse os seguintes estupefacientes e bens:

A - Arguido Carlos V.:

a) No interior da sua residência, sita na Rua das (…), n.º …, (...), Bragança:

- um frasco em vidro transparente, contendo no seu interior seis bolotas com o peso líquido de 63,755 gramas, de uma substância que, após ser submetida a exame pericial - conforme o teor do relatório de fls. 858/859 que aqui se dá por reproduzido -, se constatou ser canabis (resina);

- uma balança de precisão, de marca Nevir, contendo resíduos de canabis;

b) Na sua posse:

- a quantia de € 4.010,52, em notas e moedas do Banco E. com valor corrente, divididas da seguinte forma: 4 notas de € 100,00; 16 notas de € 50,00; 111 notas de € 20,00; 55 notas de € 10,00; 7 notas de € 5,00; 1 moeda de € 2,00; 2 moedas de € 1,00; 1 moeda de € 0,20; 2 moedas de € 0,10; 2 moeda de € 0,05; 1 moeda de € 0,02.

- um telemóvel da marca Nokia, modelo 205, com os IMEI 355947056777645 e 355947056777652, em funcionamento com o cartão da rede Movistar n.º 0034634970093 e o cartão da rede Optimus n.º 934509986.

c) Foi-lhe ainda apreendido o veículo de marca Mercedes , matrícula (:::: ), sua propriedade, examinado e fotografado a fls. 676 a 679.

B) Arguido F.:

a) No interior da sua residência, sita na Rua F. de Bessa, n.º 14, (...), Bragança:

- a quantia de € 60,00, em notas de € 10,00 do Banco E. com valor corrente;

b) No interior da viatura de marca Volkswagen G., matrícula 86-FQ-08, sua propriedade, examinada e fotografada a fls. 672 a 675:

- uma bolsa de cor castanha, contendo uma embalagem de um produto com o peso líquido de 5,021 gramas, de uma substância que, após ser submetida a exame pericial - conforme o teor do relatório de fls. 858/859 que aqui se dá por reproduzido -, se constatou ser canabis (resina);

- dois moinhos manuais, contendo resíduos de canabis.

c) Na sua posse:

- um telemóvel da marca Sony, modelo Xperia, com o IMEI (…), em funcionamento com o cartão da rede TMN, com o n.º …;

d) Foi-lhe ainda apreendido o veículo de marca Volkswagen supra referenciado.

C) Arguido Domingos R.:

a) No interior da sua residência/armazém, sito na Rua C., n.º 65, (...), Bragança:

- uma caixa própria para guardar tabaco, contendo uma embalagem de um produto com o peso líquido de 3,752 gramas, de uma substância que, após ser submetida a exame pericial - conforme o teor do relatório de fls. 858/859 que aqui se dá por reproduzido -, se constatou ser canabis (resina);

- um saco plástico contendo sementes de canabis, com o peso líquido de 0,654 gramas;

- um moinho triturador, contendo resíduos de canabis;

- uma balança de precisão, de marca Diamond, modelo 500, contendo resíduos de canabis;

- um enrolador de cigarros, contendo canabis já triturada e pronta a ser consumida,

b) Na sua posse:

- um telemóvel da marca Nokia, com o IMEI …., em funcionamento com o cartão da rede TMN, com o n.º ….

17) No dia 23/11/2013, entre as 17,20 e as 18,15 horas, no âmbito de uma busca efectuada pela GNR, apurou-se que o arguido Nelson detinha:

A – No interior da sua residência, sita na Rua dos F…, n.º …, 1.º Andar, n.º .., Mogadouro:

a. um produto com o peso líquido de 0,135 gramas, de uma substância que, após ser submetida a exame pericial - conforme o teor do relatório de fls. 855/856 que aqui se dá por reproduzido - se constatou ser canabis (resina);

b. uma balança de precisão, modelo VTBAL1, contendo resíduos de canabis;

c. um triturador, contendo resíduos de canabis;

d. uma caixa em metal de marca Royal – Baking P., contendo resíduos de canabis.

B – Na sua posse:

- um telemóvel da marca Nokia, com os IMEI … e …, em funcionamento com o cartão da rede Optimus, com o n.º ….

18) Da quantia monetária apreendida ao arguido Carlos V. (4.010,52 €) pelo menos a correspondente a 3.100 € foi obtida através da através da actividade de compra e venda de canabis, e bem assim a de 60 € apreendida ao Arguido F..

Os telemóveis apreendidos eram utilizados para estabelecer os contactos com os fornecedores e compradores da droga.

Por sua vez, os trituradores e as balanças de precisão eram usados para moer a droga e para a pesarem com vista ao seu doseamento.

Os veículos eram utilizados pelos arguidos Carlos V. e Francisco para transportarem a droga e a transaccionarem.

19) Todos os referidos arguidos conheciam a natureza, características e qualidades dos produtos em questão, e que a cannabis (vulgo haxixe) é da tabela I-C.

Bem sabiam não estarem autorizados a comprar, deter, armazenar, embalar, dosear e vender tais produtos.

Agiram os arguidos livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.

20) Os arguidos Carlos V. e Ernesto V. acordaram entre si abrir e explorar um estabelecimento de bar para a prática da prostituição, como forma de auferirem proventos económicos.

Para o efeito, o arguido Ernesto estudou as alternativas de arrendamento que existiam na região e optou por um imóvel localizado num local isolado, na “Quinta dos …” (também conhecida por “Quinta da …”), Bragança, composto por um estabelecimento de café no rés-do-chão e habitação no primeiro andar.

Uma vez negociado o preço da renda com os proprietários do imóvel, José F. e Maria F., outorgou o arguido Ernesto o respectivo contrato de arrendamento a 24 de Maio de 2013, pelo prazo de um ano, mediante o pagamento de uma renda anual de € 12.000,00.

21) Então, os arguidos Carlos e Ernesto V. estabeleceram contactos com várias mulheres de diferentes nacionalidades a quem propuseram que trabalhassem no estabelecimento, nas seguintes condições:

- na actividade de alterne, recebendo as mesmas 50% do preço das bebidas consumidas pelos clientes; e,

- na prática da prostituição, praticando actos de cariz sexual num dos três quartos existentes no primeiro andar do imóvel, mediante o pagamento, pelo cliente, do preço mínimo de 40 € por cada relação sexual, que não podia exceder meia hora, sendo que parte desse dinheiro, mais concretamente ficava para a casa.

22) Como algumas tivessem concordado com a proposta, no início do mês de Junho de 2013 os arguidos abriram ao público o bar a que deram o nome de “…”.

Porém, poucos dias após a abertura, o arguido Ernesto ausentou-se do País (foi para França), tendo ambos os arguidos acordado em que o arguido Carlos V. ficasse à frente do estabelecimento, explorando-o para os dois, mantendo contactos telefónicos regulares.

O arguido Carlos V. manteve-se assim até inícios de Agosto de 2013, altura em que, por pressão da mulher, regressou a Espanha.

O arguido Ernesto passou a assegurar, por si próprio, a exploração do estabelecimento, que funcionou ininterruptamente até Dezembro de 2013.

23) Trabalharam no estabelecimento entre duas a nove mulheres que ocasionalmente iam sendo substituídas por outras, sendo que, cada uma delas, mantinha diariamente, em média, pelo menos uma relação sexual paga com os clientes.

24) O rés-do-chão do estabelecimento funcionava como bar, onde as mulheres se davam a conhecer aos homens que aí se dirigem com o propósito de manterem relações sexuais e por estes eram escolhidas após uma breve conversa sobre o preço desses serviços.

Em regra, as mulheres tentavam ainda convencer os clientes a pagar-lhes uma bebida, sendo que, do valor das bebidas que estes lhes oferecessem, uma parte revertia a favor das mesmas, como referido.

25) Acertado o encontro sexual, o cliente era convidado a sair para o exterior do edifício e a entrar novamente por uma porta das traseiras, onde a mulher escolhida ia ter com ele através de uma porta situada atrás do balcão do café.

De seguida, subiam para o primeiro andar do edifício através de umas escadas interiores e mantinham relações sexuais num dos três quartos ali existentes.

26) No dia 24 de Novembro de 2013, entre as 00,30 e as 4,30 horas foi realizada pela GNR uma busca ao “Bar M.” e ao primeiro andar do imóvel, tendo sido identificadas as seguintes cidadãs que trabalhavam no estabelecimento, por conta e sob as ordens dos arguidos Carlos e Ernesto V.:

a) Cenira A., de nacionalidade brasileira, que trabalhava no estabelecimento, quer como alternadeira, quer praticando sexo a troco de dinheiro. Conforme o acordo estabelecido, a Celina recebia 50% no preço das bebidas consumidas pelos clientes, mas por cada relação sexual cobrava, em regra, € 50,00, sendo € 20,00 entregues aos arguidos;

b) Sandra R., de nacionalidade brasileira, que trabalhava no estabelecimento pelo menos desde Setembro, quer como alternadeira, quer praticando sexo a troco de dinheiro. Conforme acordo estabelecido, a Sandra recebia 50% do preço das bebidas consumidas pelos clientes e por cada relação sexual cobrava, em regra, € 40,00, sendo 10 € entregues aos arguidos;

c) Sónia C. ., de nacionalidade brasileira, que trabalhava no estabelecimento, quer como alternadeira, quer praticando sexo a troco de dinheiro. Conforme acordo estabelecido, a Sónia recebia 50% do preço das bebidas consumidas pelos clientes e, do dinheiro auferido por cada relação sexual, entregava aos arguidos € 10 €;

d) Maria C., de nacionalidade portuguesa, que trabalhava no estabelecimento, quer como alternadeira, quer praticando sexo a troco de dinheiro. Conforme acordo estabelecido com os arguidos Carlos e Ernesto V., a Maria C. recebia 50% do preço das bebidas consumidas pelos clientes e, por cada relação sexual, cobrava, em regra, € 40,00, sendo 10 € entregues aos arguidos;

e) Su/ M.., de nacionalidade brasileira, que trabalhava no estabelecimento, quer como alternadeira, quer praticando sexo a troco de dinheiro. Conforme o acordo estabelecido, a Sueli recebia 50% no preço das bebidas consumidas pelos clientes e por cada relação sexual cobrava, em regra, € 50,00, sendo € 20,00 entregues aos arguidos;

f). Yen J., de nacionalidade paraguaia, que trabalhava no estabelecimento desde Junho, quer como alternadeira, quer praticando sexo a troco de dinheiro. Conforme acordo estabelecido, a Yeni recebia 50% do preço das bebidas consumidas pelos clientes e, do dinheiro auferido por cada relação sexual, entregava aos arguidos € 20,00;

g) Rad L., de nacionalidade romena, que trabalhava no estabelecimento desde Junho, quer como alternadeira, quer praticando sexo a troco de dinheiro. Conforme acordo estabelecido, a Radu recebia 50% do preço das bebidas consumidas pelos clientes e por cada relação sexual cobrava, em regra, € 40,00, sendo 10 € eram entregues aos arguidos.

No decurso da busca foram encontrados diversos objectos relacionados com a prática sexual, designadamente preservativos em grande quantidade, muitos já usados, gel vaginal e uma cinta com um pénis em silicone.

27) Os arguidos Ernesto e Carlos, mediante acordo prévio e em conjugação de esforços, desde a abertura até inícios de Agosto de 2013, e, a partir daí, até Dezembro de 2013, apenas o arguido Ernesto, exploraram (e a contar de inícios de Agosto de 2013, explorou apenas o arguido Ernesto) o prostíbulo, a funcionar nos moldes que se descreveram e durante o período de tempo referido, gerindo a actividade em moldes empresariais, como se de uma vulgar actividade comercial se tratasse, encarando as mulheres que aí comerciavam relações sexuais como prestadoras de um serviço, consistente na cedência do próprio corpo para trato sexual, e os clientes que as procuravam e com elas se relacionavam sexualmente como meros consumidores desse serviço.

28) Os arguidos Carlos e Francisco retiraram, da sua actuação, proventos não inferiores a 18.000 € e a 11.000 €, respectivamente.

O arguido Ernesto retirou, da sua actuação de exploração da prostituição, proventos não inferiores a 18.000 €.

29) Os arguidos Carlos e Ernesto V. sabiam que ao levar a cabo tal conduta, aproveitando-se economicamente dos relacionamentos sexuais mantidos pelas mulheres, atentavam contra a dignidade destas, enquanto pessoas humanas.

Não obstante, não se coibiram de as admitir a praticar alterne e trato sexual no seu estabelecimento e indiferentes à degradação moral e física daí decorrente para tais mulheres, resultado este que representaram.

Agiram os arguidos, quando em conjunto, de comum acordo e em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente gizado por ambos.

Actuou cada um dos dois arguidos de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de com isso lucrarem, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.

30) Carlos V. é de modesta condição.

Abandonou precocemente os estudos, após ter concluído a 4ª classe, e emigrou para Espanha, para trabalhar nas minas, e onde constituiu família, após o divórcio, conheceu uma nova companheira, com quem vive em união de facto.

Dessas duas sucessivas relações, nasceram 4 filhos, dois deles menores.

Por causa do seu trabalhão como (…), veio a desenvolver problemas respiratórios e de hérnias e artrose entre outros, vindo a ser submetido a cirurgia, e reformado por invalidez, auferindo uma pensão de 420 € mensais; desde então, tem, trabalhado apena de forma esporádica, sobretudo em obras de beneficiação e restauro no âmbito da construção civil.

No EP, tem tido comportamento normativo, e frequentou um curso profissional.´

A sua imagem, perante a sociedade, é negativa.

31) O Arguido F. é de humilde condição.

Tem o equivalente ao 12º ano de escolaridade, através da frequência do programa das Novas O..

Á data dos factos, trabalhava como (….), auferindo cerca de 700 € mensais.

No EP, manifestou sempre conduta adaptada às normas prisionais, e frequentou, após ter já concluído um, outro curos profissional.

Goza do apoio incondicional dos pais, e tem várias propostas de emprego.

32) O arguido Domingos é de modesta condição, e tem o 9º ano de escolaridade.

Á data dos factos não trabalhava com regularidade, fazendo antes pequenos “biscates” com o pai, no ramo das canalizações, e prestava serviço nos Bombeiros V. de (...).

Actualmente, trabalha, a tempo parcial (3 horas diárias) numa padaria, auferindo 20 € diários.

Aufere igual montante da sua actividade no piquete dos Bombeiros V..

Goza do apoio da família e do seu meio social.

33) O arguido Cristopher é de modesta condição, e tem o 10º ano de escolaridade.

Encontra-se a residir em França, junto da mãe, porteira, sendo que o arguido aí desenvolve a actividade de picheleiro.

A situação financeira do agregado é estável, mantendo a mãe e o filho forte relação afectiva

34) O arguido Sérgio é de modesta condição social.

Abandonou os estudos com, e apenas, o 4º ano feito., e esteve emigrado em França, até sofrer um acidente de trabalho tendo, então, regressado a Portugal.

Vive com a mãe e o padrasto.

Encontra-se a trabalhar numa quinta agrícola, como (…), auferindo o salário mínimo nacional, e, ainda, uma pensão de 400 € por trimestre, proveniente de França, por incapacidade parcial física subsequente a um acidente de trabalho.

35) Nelson P., é de mediana condição

Tem o 7º ano de escolaridade.

Reside em Mogadouro, passando parte do tempo com a namorada, grávida, e outra parte em casa dos pais.

Recentemente, começou a trabalhar em Sendim, num stand, como mecânico, e exerce ainda funções, aos-fins-de-semana, como segurança.

Reparte o seu quotidiano entre o acompanhamento á família e namorada e o trabalho.

36) O arguido Nélson já foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, em prisão suspensa, no PCS (….) (do entretanto extinto 1º Juízo do TJ de Bragança), com regime de prova e condições.

Os restantes arguidos não têm antecedentes criminais.

Na motivação da decisão, o tribunal colectivo fez constar o seguinte (tanscrição):

O tribunal formou a sua convicção com base na prova produzida e examinada em audiência, conjugada com as regras da experiência comum.

1. Designadamente, e, quanto aos factos provados, baseou-se:

a) nas declarações do arguido Carlos V., que acabou por admitir que entregava a droga ao Arguido F., para esta a revender, mas que tentou fazer crer que a canabis pertencia a em suposto indivíduo espanhol, e que ele, Carlos, não passava de um intermediário que “nada lucrava” com as transacções, versão que, evidentemente, desafia as mais elementares regras da experiência e foi desmentida pelo co-Arguido F., além de ser incompatível com as transcrições das escutas telefónicas, e nem ao próprio arguido convence, pois, percebendo que a sua versão era insustentável, foi-a alterando, entrando em claras contradições e de suposto mero intermediário sem interesse no negócio passou a suposto “fiador” (garante dos pagamentos do Francisco), que não só recebia o dinheiro como até ficava com ele (vejam-se os 2.000 €…) e que, afinal, até tinha uma plantação de canabis em casa, em Espanha (também a sua mulher o admitiu) e daí, de resto, provinha a droga apreendida no frasco – não merecendo qualquer crédito quando quis fazer crer que nada percebia de plantação de cannabis, pois, para além de inverosímil em si mesmo (se assim fosse não teria plantação) é desmentido pela circunstância de saber fazer o “chocolate” (resina) e pelas transcrições das escutas telefónicas.

Relativamente ao estabelecimento, e no que tange ao escopo e á actividade que nele se desenvolvia (alterne e prostituição), moldes e condições (percentagem nas bebidas, muito “caras” quando eram pagas pelos clientes às mulheres, quantia para a “casa” nas relações sexuais, limite temporal), o arguido prestou declarações confessórias, e mereceu crédito quanto ao período temporal em que esteve á frente do mesmo (à frente do mesmo pois até o arguido admitiu que os outros lhe obedeciam, embora quisesse fazer crer que apenas cumpria ordens do irmão Ernesto, que lhe ligava para o efeito do estrangeiro), mas não mereceu crédito quanto ao “negócio” ser do Ernesto – porque desmentido quer por várias testemunhas, quer pelo teor das transcrições – nem quanto ao facto do “negócio” ser muito modesto – quer porque desmentido por testemunhas, quer porque as próprias declarações do arguido levam à inexorável conclusão contrária, na medida em que referiu que o irmão continuou depois de Agosto a manter contactos com o irmão e que este nunca se referiu a um aumento de clientela e sabemos que, aquando da última busca estavam lá 8 mulheres a trabalhar, o que incute a clara ideia de um bom aviamento; aliás, só assim se pode perceber a vigência da norma da “casa” quanto ao tempo de duração máxima de cada relação sexual – evidentemente que essa norma visa potenciar o nº de relações.

b) Nas declarações do Arguido F., que confessou grande parte dos factos, designadamente, relatando ser fornecido pelo arguido Carlos V., da forma e nos moldes que se deram por provados (á consignação, quantidades – aqui, o arguido admitiu que as embalagens de droga nunca eram inferiores a 150 g. e que por norma eram de 200 g.; note-se, porém, que foi afirmado que podiam chegar ao kg porque tal resulta das transcrições das escutas) e que o tal indivíduo espanhol, a que se referiu o arguido Carlos, era apenas um conhecido, que nada tinha que ver com o negócio deles, e a quem (ele Arguido F.) vendeu, e o tipo de colaboração que lhe era prestada os arguidos Domingos, Sérgio e Christopher, contrapartidas (aqui, referiu que aos arguidos Sérgio e Cristopher, em troca, cedia gratuitamente, e apenas cannabis, mas que não o fazia ao Domingos, que nada receberia, no que não convenceu, por afrontar, directa e ostensivamente, as mais elementares regras da experiência, e tanto assim é que o recebimento de droga e de dinheiro foi confessado pelo arguido Domingos – sendo evidente que o sistema era igual para todos), as vendas ao arguido Nelson P. “…” que tudo corresponde no essencial ao que ficou provado.

Na parte em que negou ter traficado até à data da sua detenção, não mereceu crédito, porque desmentido pelas transcrições das escutas telefónicas.

Essas declarações, na parte em que abrangem os co-arguidos (pois, só em relação a estes é que se coloca a questão), para além de em si mesmas perfeitamente valoráveis, mereceram crédito, não só pela forma como foram, em grande parte, prestadas mas também porque corroboradas por outros meios de prova (transcrições das escutas, apreensões, testemunhas).

Este arguido referiu ainda que trabalhava numa serralharia (auferindo 700 € mensais) o que, de resto, foi corroborado pelo seu patrão.

c) Nas declarações do arguido Domingos, que confessou parte dos factos que lhe eram imputados (incluindo as entregas por conta do Francisco) com excepção dos referentes ao doseamento e embalagem mas nesta precisa parte não mereceu crédito, face às declarações do Arguido F. e aos objectos que lhe foram apreendidos (moinho triturador e balança de precisão).

d) Nas transcrições das escutas telefónicas, que espelham bem as respectivas actuações, e são claras, e que constam dos apensos I e II, sendo de realçar, por particularmente impressivas, as seguintes:

i) quanto à actividade de tráfico:

Apenso I – sessões («produtos») nºs 1318 (o arguido Nelson compra 50 g ao Francisco, por 200 € para revender: “já sabes po que é, pa despachar, meu”), 1556 (de que resulta que o arguido Domingos ajudava o Francisco no doseamento da droga: “o outro [o moinho] também, que se andou a moer um dia com o outro também”), (…) (“era para saber se posso levar os meus jogos hoje para a tua casa”, diz o Francisco ao Sérgio – trata-se evidentemente de droga; de resto, corrobora as declarações do Arguido F.), 2638 (mostra bem a colaboração do arguido Sérgio; “armavas 4 ou 5 dos pequenos, de 1 e 2”), 2778 (o Nelson até se propõe colaborar com o Francisco para “fazer desaparecer” ou seja, vender a droga daquele), 3253 (o Cristopher guardava a droga do Francisco e “mexia” nela: “fui eu que a abri”) 3817 (bem elucidativa quanto à actividade do Nelson “dois sacos, de 20”, “depois pesei”; o Arguido F. entregou 40 g ao Nelson e este queixa-se do preço), 4292 (mostra a colaboração do Domingos no doseamento e embalagem da droga: “precisava de 5 bijus” “é tudo num pão”), 5213 (o Nelson revende por conta do Francisco, entregando-lhe o dinheiro: “nem me dá tempo de despachar”, “mas já tenho seiscentos, se quiseres que tem leve” – sendo de realçar a data: 30/9/13), 5531 (em 13/10/13, o Arguido F. ainda não cessou a sua actividade de tráfico, pois, nessa data, o Nelson ainda lhe diz que “a cena já foi tudo e o pessoal ainda num quase pagou” ao que o Francisco lhe responde que não havia problema, para ficar “tranquilo”), 6316 (o Carlos fala com o Francisco dos problemas que teve com a plantação de canabis, e qe “está a fazer o castanho”), 6355/6356 (em 5/11/13, o Nelson continua a vender por conta do Francisco), 6361 (o arguido Carlos é o “…”), 6377 (a 5/11/13 o Nelson entrega dinheiro ao Francisco: 340€).

Apenso II – sessões («produtos») nsº 26 (os fornecimentos podiam chegar ao kg, que vale 10 mil euros), 29 (o Carlos V. abastece o Silva de droga, variando o preço conforme as quantidades).

ii. Quanto à actividade no Bar M.: sessões («produtos») nsº 212 (o arguido Carlos assume-se como dono, explica as condições a uma mulher venezuelana que aí pretende trabalhar no alterne e na prostituição), 256 (os arguidos Carlos e Ernesto falam um com o outro acerca da exploração do bar), 259 (o arguido Carlos contribui com dinheiro próprio para o estabelecimento: “vamos ter que trazer para aqui 4 ou 5 mulheres, eu dou-lhe o dinheiro, na caixa sabes que não há´”),

e) Nos relatos de vigilância e informações de serviço de fls. 22/23, 24, 26 a 30, 113, 151, 175, 206, 210, 214, 239, 396/398, 882.

f) Nos documentos juntos aos autos, avultando os de fls. 5, 150, 153, 177, 180, 181, 240, 246, 248 e 250, 312, 855/856 e 858/859 (perícias LPC), 1018 a 1022, 1349 a 1351, e os juntos em audiência quanto às declarações de bom comportamento e demais actividades exercidas no EP de Carlos e Francisco e de disponibilidade para dar emprego ao Francisco.

g) Nos autos de busca a apreensão de fls. 525 a 527, 529, 544 a 546, e 555 a 557, 558, 562 a 563, 564 a 565, 566, 580, 690 a 692, 693/694, 718 a 720 (e fotos de fls. 752 a 769),

h) Nos depoimentos das testemunhas:

- Paulo C., que, de forma assertiva e convincente, acompanhou (verão de 2013) por duas vezes o Francisco ao armazém do Cristopher, que lhes abriu a porta e desceu com o primeiro ao armazém para irem buscar droga e que chegou a ir ao “…” e onde viu o arguido Carlos, que se comportava como o dono, e viu meia dúzia de mulheres.

- Rui L., investigador do processo, que relatou as diligências a que os OPC procederam, e as confirmou (buscas, apreensões, diligências externas, transcrições das escutas…), e, quanto á actividade de tráfico, descreveu a actividade dos arguidos (incluindo o Domingos, o Cristopher, o Sérgio, o Nelson – mas aqui, pese embora tenha relatado que este revendia por sua conta, da escutas resulta que tal aconteceu no início, já não no final), com ênfase para a plantação de canabis do Carlos embora não soubesse dize se toda a droga que fornecia ao Francisco provinha da plantação, que nunca ouviram falar no tal espanhol (José); quanto á casa “…”, para além de ter confirmado – como de resto já se assinalou em relação a todas as restantes diligências – o auto de diligência externa de fls. 214 (sublinhando que, então, em 30/7, estava presente, o arguido Carlos, a coordenar tudo) e bem assim o de busca de fls. 718 e ss., referiu que a partir de finais de Agosto de 2013, o Carlos foi-se embora, ficando então lá o Ernesto.

- Lázaro M., NIC da GNR de Bragança, que confirmou a diligência de busca ao arguido Domingos, e bem assim a de busca ao Madrugada, com o Ernesto “á frente.

- José P., NIC da GNR de Bragança, que confirmou as diligências de busca às casas do Nelson, Carlos, e ao Bar M..

- Benedita D., NIC da GNR de Bragança, que confirmou as diligências de inquérito em que participou.

- Serafim C., NIC da GNR de Bragança, que confirmou as diligências de inquérito em que participou.

- Carlos S., que corroborou as compras de canabis aos arguidos Carlos e Francisco, desde 2011 até serem presos, 2 ou 3 g. de cada vez, a preços compreendidos entre os 7,5 € e os 10 €, e que começou com a amortização da dívida.

No que toca ao Bar M., frequentou-o e confirmou a ocorrência de relações sexuais, e viu primeiro o Carlos a mandar (de resto, o Carlos referiu-lhe que tinha lá gasto dinheiro) e depois o irmão Ernesto.

- Paulo P., que corroborou a compra de canabis ao Francisco e também cedências gratuitas, e relatou que pelo menos por uma vez foi buscar três “saquetas” de canabis ao arguido Sérgio, que lha entregou, por ordem do Francisco (o Francisco disse-lhe para ir ter com o Sérgio a fim de este lhe entregar a droga) embora a testemunha tenha entregado o dinheiro ao Francisco.

Confirmou, ainda, ter-se deslocado a casa do arguido Cristopher, acompanhando o Arguido F. e verificou que aquele guardava canabis, por conta deste, dentro de uma caixa de sapatos.

- Pedro V., que relatou que os arguidos Cristopher e Domingos, guardavam, cada um deles, a droga por conta do Arguido F., explicando a sua razão de ciência (esteve lá com eles todos, Francisco incluído).

- Alexandre H., que confirmou que os arguidos Domingos e Cristopher guardavam, cada um deles, a droga, a mando do Francisco, e explicou a sua razão de ciência (também ele esteve lá).

- Maria C., que trabalhou no “Madrugada”, já no tempo do arguido Ernesto, não tanto quanto à actividade do bar (alterne e prostituição, pagamentos e como se processavam e controlavam, percentagens), confessada que foi pelo arguido Carlos e de forma muito pormenorizada, mas sobretudo quanto ao aviamento (o máximo de mulheres que lá houve foi 9, e “numa noite boa, havia mulheres que poderiam fazer 7 a 8 subidas” e “beber 4 a 5 cocktails por noite”, sendo certo que nessas noites “boas” poderiam entrar, no estabelecimento, cerca de 200 homens e até mais) de resto perfeitamente coerente com a existência, que a testemunha referiu de forma assertiva, de uma duração máxima para cada relação sexual e de uma sanção se fosse ultrapassada, o que só se percebe pela existência de uma clientela pelo menos muito razoável, pois, doutra foram, não teria sentido tal limite e muito menos a previsão de sanção pela sua violação.

- no depoimento para memória futura, de Maria H., genericamente, quanto à actividade do estabelecimento.

- Luís C., que confirmou que o Nelson lhe cedeu gratuitamente cannabis.

- Santiago G., que, pese embora começasse por negar, acabou por confirmar as declarações por si prestadas em inquérito a fls. 737 dos autos, as quais foram lidas em audiência dentro do condicionalismo legal, como da acta consta (e que confirmam a que se destinava a “casa”).

- José A., que frequentou logo no início (verão de 2013) o Bar M. e aí manteve uma relação sexual, e a quem o Carlos se assumiu, então, como dono.

- Maria F. e marido José F., os donos do imóvel onde funciona o estabelecimento (e quartos), na parte em que referiram que foi o Ernesto quem negociou com eles, que foi com ele, e que apenas viram o Carlos, a primeira vez, quando veio pagar a renda de 1.000 € mensais.

- Radu L., que trabalhou na casa, e descreveu a actividade do estabelecimento, em moldes correspondentes aos factos provados e que referiu que poderia fazer, ela, 2 a 3 “subidas por noite”, e que o Ernesto era o patrão.

- Joaquim V. “Peixoto”, que viu em casa do Carlos a plantação cannabis.

- Inês P., companheira do arguido Carlos, há 16 anos, que salientou problemas de saúde do marido, que é medicado, e que é verdade que ficou “a tomar conta do estabelecimento”, enquanto o Ernesto esteve fora, e que ela veio cá, com as filhas, pressionando-o para regressar, o que conseguiu; na parte em que tentou fazer crer que a plantação se estragou totalmente, no verão de 2013, não mereceu crédito, pois da mesma foi feita a resina apreendida.

- Orlando F., abonatória do Arguido F., e o caracterizou como trabalhador.

- Óscar C., 2º comandante dos bombeiros, que afiançou que seria recebido de novo nos bombeiros.

- Humberto R., que garantiu que lhe daria trabalho.

- Virgínia P., que abonou a personalidade do Domingos.

- Rui S., padeiro, patrão actual do arguido Domingos, que o caracterizou como excelente trabalhador e pessoa.

De realçar que:

- O depoimento de Vítor D., prestado em audiência, pela forma como o foi, manifestamente parcial, e porque contraditório com as suas declarações, prestadas em inquérito a fls. 741 e 742, lidas que foram em audiência dentro do condicionalismo legal, como da acta consta, não mereceu crédito.

- O depoimento de Gilberto F., que trabalhava no Madrugada, pela forma ostensivamente parcial e comprometida como foi prestado, também o não mereceu.

i) Nos CRC´s de fls. 1145 a 1150, 1168 e 1169 e nos relatórios sociais de fls. 1510/1512, (Domingos), 1514/1515 (Cristopher), 1518/1520 (Sérgio), 1523/1524 (Nelson) e os juntos em audiência (Francisco e Carlos) – saliente-se que no que toca ao aspecto atinente à personalidade dos arguidos, modus vivendi…, ou seja, às condições pessoais. familiares, profissionais, económicas, o tribunal deu prevalência, pela sua objectividade e isenção, até porque se trata de órgão oficial, aos relatórios, em detrimento de algumas abonatórias.

j) Quanto ao apuramento do lucro, o tribunal baseou-se nos dados objectivos – duração da actividade, quantidades vendidas, preços de compra e revenda (rectius, de consignação, no caso do Arguido F.) – sendo de salientar que:

i. No que respeita ao arguido Carlos, temos que pelo menos a maior parte da droga provinha das plantações que ia fazendo, o que, evidentemente, minora os custos. Face às quantidades fornecidas ao Francisco (mais de 6 kgs.), o preço praticado (no mínimo, 3,5/g,), obtemos 21.000 €.

Com base nas quantidades vendidas pelo Carlos ao Silva (primeiro, a 7,5 € o g. e depois a 5 €, à razão de 3 g. de cada vez, de forma regular, durante quase dois anos), e dado que liquidou completamente os 1.500 €, com base no preço de 7,5€/g, e que continuou, com base em 5 €/g., obteremos 2.000€, num total de 23.000 €.

Retirando-lhe cerca de ¼ para despesas obteremos 18.000 €, que constitui o lucro.

ii. No que respeita ao Arguido F., partiu-se das quantias fornecidas e confessadamente alienadas, devendo sublinhar-se que só desde o verão de 2012, ao arguido foram fornecidos cerca de 6 kgs de canabis, mas como a sua actividade começou em finais de 2011, fácil é verificar que uma parte significativa de droga fornecida não está aí incluída.

Partindo-se daí, vemos que o arguido revendia o g. a 10 €, só em casos muito excepcionais é que a revendia a 7,5 €; obtinha-a à consignação por, no máximo 6 €, mas podia ser muito menos (3, 5€).

Anda que a comprasse toda a 6 €, o que não acontecia, revendendo-a a 10 €, preço normal, apura-se uma realização de 4 €/g, o que dá mais de 24.000 €, numa base de 6 kgs. Retirando ¼ para o consumo e ¼ para as despesas, obtemos um lucro que se arredondou por baixo, para 11 mil euros.

iii. No que respeita ao arguido Ernesto. Esteve, cerca de 4 meses, sensivelmente, a explorar o estabelecimento, no qual havia entre 2 a 9 mulheres, sendo que cada uma, em media, subia pelo uma vez por dia (10 € para a casa, no mínimo, em cada subida), mas que havia dias em que as subidas eram muito frequentes, e que fomentavam os consumos de bebidas (os preços das bebidas para os clientes são muitíssimo mais elevados do que os normais, como até o próprio arguido e metade é para a casa), obtemos, numa média de4 a 75 mulheres, pelo menos 200 €/noite, o que logo perfaz 24.000€.

- Tirando-lhe ¼ de despesa – obtemos 18.000 €.

Não se afirmou o lucro do Nelson, porque vendeu por poucas vezes (7) vezes e quantidades moderadas; outrossim, quanto à actividade no bar, não se deu por provado o lucro do Carlos (a não confundir com a intenção de lucrar), dado o curto período temporal em que perdurou a sua actividade (não chegou a 2 meses).

2. Quanto aos factos não provados, resultaram da prova do contrário ou da insuficiência da prova produzida.

8. No seu recurso, o arguido Carlos V. insurge-se com a decisão recorrida em matéria de facto restringindo o seu dissentimento ao segmento em que se julgou provado, na parte final do ponto 30, que “a sua imagem perante a sociedade é negativa”. Na motivação o recorrente indica trechos do depoimento da testemunha Joaquim V. para fundamentar a sua pretensão.

A afirmação de que uma comunidade tem uma “imagem negativa” de uma certa pessoa, longe de traduzir a existência de factos ou eventos da vida real, envolve necessariamente uma anterior apreciação crítica ou juízo de valor a partir de um conjunto de diversos factos interiores ou “psíquicos”.

Sabemos que na fundamentação da decisão, o tribunal deve ater-se a factos no sentido de ocorrências materiais, não devendo aí incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto. Logo por aqui, a expressão em causa, desacompanhada como se encontra de quaisquer acontecimentos “exteriores” ou “psíquicos”, nem devia ter sido incluída na enunciação da matéria de facto da sentença, seja provada, seja não provada.

Ainda que assim não fosse, a expressão é em si mesma de significado vago e impreciso, susceptível de se referir a realidades muito diversas, que não permite o exercício do direito ao contraditório constitucionalmente garantido (artigo 32.º n.º 1 e n.º 5 da Constituição da República Portuguesa) e, nessa medida, ofende as garantias de defesa do arguido.

Também por este motivo, a expressão em causa não devia ter sido incluída na fundamentação e agora não pode ser considerada.

Ainda assim, sempre se dirá o seguinte:

A referência constante do acórdão ter-se-á ficado a dever ao texto constante do relatório da DGRS (fls. 1549 a 1552). Pode-se extrair desse relatório que nos últimos anos o arguido tem mantido a sua residência fixa com a companheira e filhas em Espanha, mas que tem feito deslocações regulares a Portugal para visitar os pais, passando curtos períodos de tempo em (...) e/ou Bragança. Segundo as informações recolhidas pelo técnico da DGRS, “No meio de origem a imagem social de Carlos V. não é abonatória, é referenciado como um indivíduo pouco sociável e observado com reservas por algumas fontes contactadas, devido ao facto de exteriorizar um estilo de vida marcado por grande mobilidade e conotado como pessoa com fracos hábitos de trabalho. Contudo não se constata rejeição social face à sua eventual presença na vila de (...)”.

Por outro lado, apenas se pode concluir da transcrição efectuada pelo recorrente que a testemunha Joaquim V., vive em Espanha a uma distância de cerca de 40 a 50 km do recorrente que considera “bom amigo”. A testemunha acrescentou ainda que considera que o arguido “é uma pessoa sempre pronta a ajudar os outros”.

Em nossa apreciação, estes elementos nunca nos permitiriam a formulação de um juízo de valor, nem de uma “imagem negativa”, nem de “boa imagem social” do arguido.

Pelo exposto, decide-se alterar a decisão da matéria de facto, por forma a se excluir a frase “A sua imagem, perante a sociedade, é negativa do ponto 30 dos factos provados.

Nada mais havendo a apreciar neste âmbito, nem se vislumbrando vício decisório, encontra-se assim estabilizada a decisão em matéria de facto.

9. No recurso, não vem impugnado o enquadramento jurídico-penal dos factos provados, nem a medida das penas fixadas pelo tribunal colectivo para os crimes de lenocínio e cumpre de seguida apreciar e decidir o recurso do arguido Carlos V. quanto às consequências jurídicas do crime de tráfico de estupefacientes.

Ao crime cometido corresponde uma pena de prisão, a fixar entre um mínimo de quatro anos e um máximo de doze anos e o arguido recorrente entende merecer uma atenuação especial e a suspensão da execução da pena.

Como insistentemente se afirma na doutrina e jurisprudência, as finalidades de aplicação de uma pena decorrem primordialmente da necessidade de tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, da preocupação de se alcançar a perfeita reinserção do agente na comunidade, observando-se sempre que a culpa constitui o limite superior e inultrapassável da punição concreta.

A partir da moldura abstracta, dever-se-á delinear uma “sub moldura” para o caso em análise, cujo limite superior condiz com o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior se fixa na exacta medida correspondente às exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção, o tribunal deve fixar a pena concreta de acordo com as exigências de prevenção especial, quer na vertente da socialização, quer na advertência individual de segurança ou inocuização do delinquente Dias, Jorge de Figueiredo As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1995, págs. 228 e segs, Rodrigues, Anabela Miranda, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora pag. 570 a 576 Jescheck, HH Tratado, Parte General , II, pag. 1189 a 1199.

.

Nesta tarefa de individualização, o tribunal dispõe dos módulos de vinculação na escolha da medida da pena constantes do artigo 71.º do Código Penal, consignando os critérios susceptíveis de “contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar” ” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2008, Rel. Souto Moura, cit. por Martins, A. Lourenço, Medida da Pena, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp 242).

Se da ponderação desses factores resultar uma diminuição acentuada da ilicitude do facto e da culpa do agente ou da necessidade da pena, então o tribunal tem o poder-dever de aplicar o regime da atenuação especial, prevista no artigo 72º do Código Penal.

Como tem sido entendido na doutrina e jurisprudência, a redução da moldura abstracta constitui uma autentica “válvula de segurança” do sistema e apenas se pode justificar em situações “extraordinárias” ou peculiares : serão relevantes as circunstâncias que determinem uma diminuição de tal forma acentuada da culpa ou das exigências de prevenção que a imagem global do facto surja com uma gravidade manifestamente inferior à que seria expectável pelo legislador ao conformar os limites normais da moldura penal (Dias, Figueiredo, DPP As Consequências, Ed. Noticias, 1993, paginas 302 a 309, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29.4.1998, Colectânea, II, pag.191, de 25.5.2005, Colectânea, II, p. 207, de 5.12.2007 Raul B. 07P3266 in www.dgsi.pt).

A quantidade e qualidade das substâncias que o arguido manteve em seu poder e negociou permitem aferir da intensidade do perigo de ofensa dos bens jurídicos protegidos com a incriminação.

No caso concreto, a matéria de facto provada evidencia que durante um período de tempo de pelo menos onze meses, o arguido Carlos V. obteve por plantação própria, deteve e entregou ao Arguido F. Ferreira, para revenda a terceiros, diversas quantidades de “cannabis”, em parcelas que variaram entre 1 Kg e 2,7 kg, num total de 6,5 kg ; Assim como se provou que o mesmo arguido cedeu a um consumidor outras quantidades da mesma substância, inicialmente para “pagamento de uma dívida”, num valor total seguramente superior a 1500 € .

Ao longo de todo este tempo o arguido agiu sempre com dolo directo, de intensidade mediana. Não sendo consumidor, o recorrente actuou com o único objectivo de obter lucro económico.

Se é verdade que a actividade de tráfico destes autos envolve uma substância que normalmente produz um efeito pernicioso inferior ao de outras drogas como a heroína ou a cocaína, a circunstância de se tratar de uma quantidade tão elevada de cannabis não pode deixar de agravar de forma considerável o juízo de censurabilidade da conduta.

No mais, será de notar que o comportamento do arguido revela uma significativa persistência de vontade e uma considerável organização de meios e mesmo hierarquia, com divisão de tarefas de armazenamento, doseamento, embalagem e venda por diversas outras pessoas.

Interessa ainda ter presente que o arguido, embora com incipiente preparação escolar e sofrendo doença incapacitante, tem revelado hábitos de trabalho e também beneficia de adequado enquadramento familiar, o que atenua moderadamente as exigências de prevenção especial.

No que respeita aos elementos relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto há a referir a ausência de antecedentes criminais e o comportamento “normativo” no ambiente de reclusão.

Deve ainda ter-se em consideração a particular intensidade das exigências de prevenção geral no crime de tráfico de estupefacientes, ainda que de canabis, pela dependência que estas substâncias podem induzir, pelas nefastas consequências que normalmente provocam na saúde e na vida dos consumidores e pelas incidências de ordem social que o consumo fomenta.

Na ponderação conjunta de todos estes elementos, impõe-se concluir pela manifesta improcedência da pretensão do arguido em ver aplicada uma atenuação especial da pena:

Com acima se expôs, ficou por comprovar a invocada “boa imagem social” do arguido perante a comunidade. Assim como não será seguramente a ponderação dos hábitos de trabalho ou a circunstância de recentemente lhe ter sido diagnosticada uma doença grave em ambiente prisional que poderá fundamentar uma acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção geral e especial, aqui decorrentes de um crime de tráfico de estupefacientes envolvendo a obtenção, detenção e venda de 6,5 kg de canabis. Na realidade, o arguido, sem antecedentes criminais, revelando vontade de trabalho e beneficiando do apoio da mulher, filhas e amigos, reúne um conjunto de circunstâncias comuns a uma generalidade de pessoas, pelo que não se verifica uma gravidade manifestamente inferior à que seria expectável pelo legislador ao conformar o tipo de crime e os limites normais da moldura penal do artigo 21.º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.

Sopesando em conjunto todas as enunciadas circunstâncias, concluímos que a pena de cinco anos e seis meses de prisão constitui a reacção institucional necessária para corresponder às específicas exigências de prevenção geral positiva ou prevenção de integração e, ainda assim, justa e adequada para a culpa exteriorizada pelo arguido nos factos cometidos.

Sendo pena de medida superior a cinco anos de prisão, não se verifica o pressuposto formal previsto no artigo 50.º do Código Penal e encontra-se irremediavelmente afastada a possibilidade de suspensão de execução da pena.

Deve por isso manter-se a condenação do tribunal de primeira instância.

10. O recorrente Carlos V. censura a decisão de perda a favor do Estado da quantia de 3100 € , do telemóvel e do veículo Mercedes apreendidos nos autos, bem como a condenação do arguido no pagamento da quantia de 18000€ a título de perda de vantagens e para tanto, tece considerações sobre o regime legal constante da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro e invoca a verificação do que considera ser “insuficiência de base factual”.

Após a realização da audiência de julgamento, o tribunal colectivo julgou provado na sentença, além do mais que “da quantia monetária apreendida ao arguido Carlos V. (4.010,52 €), pelo menos a correspondente a 3.100 € foi obtida através da através da actividade de compra e venda de canabis (…),A droga era trazida de Espanha pelo arguido Carlos V. no automóvel ligeiro de matrícula M-8789-YC, sua propriedade.

Os veículos eram utilizados pelos arguidos Carlos V. e Francisco para transportarem a droga e a transaccionarem.” (…)Os telemóveis apreendidos eram utilizados para estabelecer os contactos com os fornecedores e compradores da droga. (…) e o arguido Carlos retirou da sua actuação proventos não inferiores a 18.000 € (pontos 18 e 28 do elenco da matéria de facto provada)”.

Neste âmbito, o tribunal colectivo fez constar na motivação o raciocínio lógico e dedutivo, assente em prova indirecta ou por presunções, que a partir dos factos conhecidos e mediante a aplicação de regras gerais empíricas ou regras de experiência, permite julgar provado esse circunstancialismo de facto.

No que concretamente diz respeito às vantagens do crime, o acórdão enuncia o raciocínio nos seguintes termos:

Quanto ao apuramento do lucro, o tribunal baseou-se nos dados objectivos – duração da actividade, quantidades vendidas, preços de compra e revenda (rectius, de consignação, no caso do Arguido F.) – sendo de salientar que:

i. No que respeita ao arguido Carlos, temos que pelo menos a maior parte da droga provinha das plantações que ia fazendo, o que, evidentemente, minora os custos. Face às quantidades fornecidas ao Francisco (mais de 6 kgs.), o preço praticado (no mínimo, 3,5/g,), obtemos 21.000 €.

Com base nas quantidades vendidas pelo Carlos ao Silva (primeiro, a 7,5 € o g. e depois a 5 €, à razão de 3 g. de cada vez, de forma regular, durante quase dois anos), e dado que liquidou completamente os 1.500 €, com base no preço de 7,5€/g, e que continuou, com base em 5 €/g., obteremos 2.000€, num total de 23.000 €.

Retirando-lhe cerca de ¼ para despesas obteremos 18.000 €, que constitui o lucro.”

O raciocínio seguido na decisão recorrida assenta numa pluralidade de dados seguramente provados, precisos e concordantes (referentes à concreta realização de transacções, as quantidades envolvidas e os respectivos preços). Mediante a aplicação de simples cálculos aritméticos, revela-se possível induzir os valores globais recebidos pelo arguido a partir dos concretos actos de venda efectuados e preço aplicado; por fim, também se pode extrair de situações idênticas que as “despesas” com a actividade de tráfico são sempre muito inferiores as receitas, sendo razoável a aplicação de uma percentagem de um quarto ao valor dos recebimentos. O valor calculado de lucro ou vantagem, obtido após o desconto das prováveis despesas, apenas poderá pecar no caso concreto por defeito, nunca por excesso.

Não tendo sido sequer esboçada a impugnação da decisão nesse segmento da matéria de facto, mediante a imprescindível especificação dos factos provados e a indicação dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, sempre se encontraria inviabilizada a reapreciação por este tribunal de recurso.

Também não vislumbramos a verificação de algum dos vícios decisórios, enunciados no art.º 410.º n.º 2 do Código do Processo Penal, ou seja, que nesse segmento da decisão em matéria de facto se verifique um erro grosseiro de apreciação da prova, a antinomia ou contradição na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão

O enquadramento legal desta matéria de facto terá de ser encontrado no regime específico da perda dos instrumentos, produtos e vantagens no crime de tráfico de estupefacientes, constante dos artigos 35.º a 39.º do Decreto-Lei nº n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Assim, estando demonstrado que o veículo automóvel se revelou indispensável para as deslocações necessárias ao transporte e venda da “canabis”, que os aparelhos telemóveis serviram para os contactos essenciais para essa mesma actividade e que o valor monetário apreendido de 3100 € é fruto directo da actividade de venda de estupefacientes, nenhum reparo merece a declaração de perda a favor do Estado, que encontra plena justificação à luz do disposto no art. 35.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01 (“.São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos”.)

Ao mesmo tempo, uma vez que se encontra provado que Carlos V. obteve um lucro ou vantagem patrimonial “líquida” com a prática do crime de tráfico de estupefacientes de 18000 €, a condenação do mesmo arguido na entrega do correspondente valor tem o seu fundamento no disposto no artigo 36.º n.ºs 2 e 4 do mesmo diploma legal (2-São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem (…)4 - Se a recompensa, os direitos, objectos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor).

Nestes termos em que improcede o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida.

11. Quanto à pretensão de suspensão da execução da pena aplicada ao Arguido F. F.:

Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena de prisão, ainda que sob a obrigação de cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou sob regime de prova (artigos 50º a 54º do Código Penal, na redacção hoje vigente, da Lei 59/2007, de 4 de Setembro).

Para este efeito, verificado o pressuposto formal de que a pena de prisão previamente determinada não seja superior a cinco anos, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime e sopesando em conjunto as circunstâncias do facto e da personalidade, atendendo às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto, possa fazer uma apreciação favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de antecipar ou prever que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, o mesmo é dizer, para garantir a tutela dos bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade, entendida aqui como perspectiva que o condenado não volte a delinquir no futuro.

Uma vez que a função da culpa se esgotou no momento da determinação da medida da pena de prisão, o juízo de prognose necessário para eventual aplicação de pena de substituição, designadamente da suspensão de execução, depende em exclusivo de considerações de prevenção especial de socialização e de prevenção geral positiva. Por isso se conclui sempre que, desde que aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias Dias, Figueiredo, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, 1993, pag. 332 e 333 , Robalo Cordeiro, A Determinação da Pena in Jornadas, CEJ, II, Lisboa 1998, pag. 48, Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida concreta da pena privativa da liberdade e a escolha da Pena RPCC I 1991, nº 2, 243. .

Aplicando agora as considerações gerais na situação dos presentes autos:

Segundo consta do elenco dos factos provados, Francisco F. estudou até ao 12º ano de escolaridade, na data dos factos trabalhava como serralheiro, auferindo cerca de 700 € mensais, manifestou sempre conduta adaptada às normas prisionais e frequentou cursos profissionais, beneficia do apoio incondicional dos pais, e, agora com 31 anos de idade, tem várias propostas de emprego.

O arguido confessou parcialmente os factos de que vinha acusado. Esta circunstância, sendo susceptível de revelar o reconhecimento da censurabilidade da conduta, atenua moderadamente as exigências de prevenção especial. Ainda assim e como bem se enfatiza no acórdão recorrido, a circunstância de o arguido ter desenvolvido toda a actividade criminosa apesar de trabalhar e de auferir rendimentos desse trabalho, faz razoavelmente recear que o mesmo arguido, de novo aliciado pela significativa compensação económica normalmente proveniente do tráfico, venha de novo a dedicar-se à compra e venda a terceiros de substâncias estupefacientes.

São as intensas exigências de prevenção geral decorrentes da gravidade dos factos cometidos pelo arguido que particularmente impressionam no caso concreto

De forma que se poderá considerar como unânime a nível do Supremo Tribunal de Justiça e claramente maioritária nos tribunais da relação, a jurisprudência tem enfatizado a particular gravidade do tráfico de estupefacientes, ainda que de “cannabis”, pelas nefastas consequências que estas substâncias normalmente provocam na saúde e na vida dos consumidores e pelas incidências de ordem social que o consumo fomenta. Daí que, persistentemente, a jurisprudência tenha rejeitado a possibilidade de suspensão de execução de penas de prisão aplicadas pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes do artigo 21º do DL 15/93, com fundamento em particulares exigências de prevenção geral de intimidação, que se colocam com particular acuidade pela gravidade do crime, considerado como um autêntico “flagelo social”.

Naturalmente que não podem existir crimes que pela sua natureza logo sejam insusceptíveis de suspensão de execução de pena de prisão não superior a cinco anos e tudo deve depender da análise que o caso concreto permita quanto ao preenchimento dos pressupostos legais.

No caso vertente, haverá que ter em conta os elementos da personalidade e as circunstâncias de vida do arguido, o seu comportamento anterior e posterior ao cometimento do crime, mas também a circunstância de se tratar de actos repetidos no tempo, de aquisição e venda de mais de 6 kg de uma substância estupefaciente.

Apesar de se tratar de uma substância de menor efeito pernicioso por comparação com a cocaína ou a heroína, a quantidade traficada envolveu necessariamente a criação de um perigo para a saúde de milhares de pessoas e para a segurança da vida em sociedade, pelo que a reacção criminal que se restringisse a uma suspensão de execução da pena de prisão, com a consequente libertação da pessoa responsável por esses factos, sempre seria incompreensível para a comunidade.

Com efeito, quer por força de exigência de prevenção especial, quer atendendo a exigências de prevenção geral do caso concreto somos forçados a concluir que a simples censura do facto e a ameaça de execução da pena, ainda que acompanhadas por regime de prova ou pelo cumprimento de deveres, não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impondo-se a necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão pelo Arguido F. F., como forma de corresponder a exigências mínimas de tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e vigência das normas jurídicas atingidas.

12. Os arguidos decaíram no recurso que interpuseram e têm de ser responsabilizados pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que deram causa (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro). De acordo com o disposto no artigo 8º nº 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC. Entende-se adequado e equitativo fixar a taxa de justiça em cinco UC para cada um dos dois recorrentes .

13. Pelos fundamentos expostos, os juízes desembargadores deste Tribunal da Relação de Guimarães modificam a decisão da matéria de facto nos termos constantes do ponto 8 e, mantendo em tudo o mais o acórdão recorrido, negam provimento ao recurso do arguido Carlos V. e negam provimento ao recurso do Arguido F. F..

Pelo decaimento no recurso, condena-se cada um dos arguidos recorrentes no pagamento das custas do recurso, com 5 UC de taxa de justiça.

Guimarães, 23 de Fevereiro de 2015.

Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.

João Lee Ferreira

Maria Isabel Cerqueira