Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3/12.2TBMLG.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
VENCIMENTO LÍQUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. “No cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda da capacidade de ganho deve ser considerado, entre outros factores, o salário líquido (e não o bruto) recebido pelo lesado.” – Ac. STJ de 17/1/2013, P. 2395/06.3TJVNF.P1.S1 ( em sentido contrário v. Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 13/1/09, in www.dgsi.pt ).
II. “ é de considerar os 70 anos de idade (com tendência para aumentar )como o termo imaginado da vida activa do lesado”-
III. No cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros importa introduzir factores de correcção, sob pena de enriquecimento ilegítimo e injusto ou injustificado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Anselmo …, Autor nos autos de acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, com nº 3/12.2TBMLG, da Instância central – Secção Cível – J3, da Comarca de Viana do Castelo, veio recorrer da sentença proferida relativamente ao segmento da decisão que conferiu ao Autor o montante de €115.000,00 (cento e quinze mil euros) a título de dano futuro decorrente da IPP.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes conclusões:
1. O Autor discorda do montante de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) que lhe foi atribuído de indemnização a título de dano futuro decorrente da IPP.
2. O Meritíssimo Juiz a quo errou ao não considerar o rendimento ilíquido para o cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes da IPP – veja-se neste sentido, de forma muito clara os seguintes Acórdãos: (...)
3. Por outro lado, voltou a incorrer em erro, ao considerar que o A. efectuava contribuições para a Segurança Social.
4. Na verdade, cf. facto provado 49, o A. é reformado por invalidez desde 2002 (com uma taxa de deficiência/incapacidade de 82% reportada ao ano de 2010) e à data do acidente (e ainda hoje), por tal facto, não efectuava contribuições para a segurança social – cf. artigo 40.º do Decreto-lei n.º 328/93 de 25 de Setembro alterado pelos Decretos - Leis n.º s 240/96, de 14 de Dezembro, 397/99, de 13 de Outubro, 159/2001,
de 18 de Maio, e 119/2005, de 22 de Julho; (diploma legal em vigor à data do acidente).
5. Assim, o rendimento anual do A. a considerar para efeitos do cálculo do dano patrimonial futuro decorrente da IPP é de € 140.691,24, o que dá um rendimento mensal médio de € 11.724,27.
6. Subsidiariamente, o que se alega por mero dever de patrocínio, caso se admitisse que o rendimento a considerar seria o rendimento anual líquido, o mesmo seria de € 91.618,14, o que daria um rendimento mensal de € 7.634,84 (aplicando a taxa de 34,88% ao rendimento anual bruto do A. e dividindo esse valor por 12 meses) – não podemos olvidar que o A. não efectuava, no ano do acidente, nem efectua, hoje, descontos para a segurança social pelo facto de ser reformado por invalidez.
7. Para a determinação do quantum da indemnização é, hoje, generalizado e pacífico na jurisprudência o entendimento de que a indemnização deve ser calculada, em atenção à esperança medida de vida de um homem em Portugal (78 anos) e não ao tempo provável da vida activa do lesado, aos seus rendimentos anuais e à incapacidade sofrida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, até ao fim desse período - ver. Ac.
8. No critério ou fórmula de cálculo e na linha da jurisprudência, o recorrente indica o factor de cálculo que é extraído de tabelas financeiras criadas em função de determinadas taxas de juros projectadas para obtenção de um capital que no final de determinado período de tempo (anos correspondentes à vida futura do lesado), venha a esgotar-se.
9. Considerando, assim, que a vida activa do A. se prolongará até aos 78 anos de idade (esperança média de vida do homem em Portugal), à taxa de juro anual de 1,5% ao ano (taxa anual líquida actualmente praticada pela banca nos depósitos de capital), o factor de cálculo será de 17,90014 (21 anos de vida activa contados desde Novembro de 2011).
10. Aplicando esse factor à remuneração anual do Autor (que seria de € 140.691,24) e ponderado com a incapacidade funcional do Autor (19 pontos), resultará a indemnização de (€ 140.691,24 x 17,90014 x 19%) € 478.494,69.
11. Subsidiariamente, o que se alega por mero dever de patrocínio, caso se admitisse que o rendimento a considerar seria o rendimento anual líquido de €91.618,14, deverá atribuir-se ao A. a quantia de €311.595,73 para ressarcimento do dano patrimonial futuro decorrente da IPP (91.618,14 x 17,90014 x19%).
12. À semelhança do que se decidiu no recente Ac. RP de 25-02-2014 processo 1347/09.6TBBGC.P1, in www.dgsi.pt entendemos que não há lugar ao abate de 1/3 ou ¼ dos rendimentos tendo em conta a importância que o lesado gastaria com ele durante a vida porque, reproduzindo o que aí se decidiu: “ (... )
13. Também não pode efectuar-se qualquer desconto pelo facto de o lesado receber a indemnização de uma só vez pois o facto de o autor receber de uma só vez o capital fixado não lhe traz qualquer enriquecimento injustificado, sendo que a forma como este irá fazer uso da indemnização arbitrada só a este lhe diz respeito, não tendo, por isso, razão de ser fazer actuar qualquer factor de correcção – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-10-2011, proferido no processo 733/06.8TBFAF.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
14. Atendendo ao exposto e caso se admitisse que os cálculos efectuados pelo Meritíssimo Juiz a quo para obter o rendimento mensal ilíquido do A. estivessem correctos, o que, como se viu, não se verifica, e se alega, ainda, subsidiariamente, sempre o montante indemnizatório de € 115.000,00 estaria bastante longe daquele que é, efectivamente, justo para ressarcir o dano patrimonial futuro decorrente da IPP - nesse caso, o montante justo a atribuir seria de € 170.051,33.
15. Assim, concluímos que o montante indemnizatório a receber pelo A. pelo dano patrimonial futuro decorrente da IPP, atendendo às fórmulas de cálculo acima exposta e recorrendo à equidade como factor de correcção deve fixar-se em € 450.000,00 (considerando o rendimento anual ilíquido do Autor), subsidiariamente em € 300.000,00 (considerando o rendimento anual líquido do A. sem contabilizar os descontos para a Segurança Social que nunca foram feitos pelo A.)
16. Por último, caso se considerasse que os cálculos do rendimento do A. efectuados pelo Meritíssimo Juiz a quo estivesse correctos, o que alega, ainda subsidiariamente, sempre a indemnização arbitrada deveria ser fixada no montante de € 170.000,00 e não em €115.000,00.
17. A Sentença recorrida violou os artigos 40.º do Decreto-lei n.º 328/93 de 25 de Setembro alterado pelos Decretos -Leis n.º s 240/96, de 14 de Dezembro, 397/99, de 13 de Outubro, 159/2001, de 18 de Maio, e 119/2005, de 22 de Julho; (diploma legal em vigor à data do acidente) e 483.º do Código Civil.


O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Não foram proferidas contra alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais do artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do Código de Processo Civil ).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil , não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
I. Quantum indemnizatório:
1.- danos futuros decorrentes de IPP :
- deve fixar-se em € 450.000,00 (considerando o rendimento anual ilíquido do Autor) ?
- subsidiariamente, em € 300.000,00 (considerando o rendimento anual líquido do A. sem contabilizar os descontos para a Segurança Social que nunca foram feitos pelo A.) ?
- se se considerasse que os cálculos do rendimento do A. efectuados pelo Meritíssimo Juiz a quo estivesse correctos, ainda subsidiariamente, sempre a indemnização arbitrada deveria ser fixada no montante de €170.000,00 e não em €115.000,00 ?


FUNDAMENTAÇÃO
I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida):
A) O autor nasceu no dia 24 de Novembro de 1953
- Constantes das respostas à matéria da base instrutória:
1) No dia 23 de Novembro de 2010, pelas 19h00, na Rua Dr. Augusto César Esteves, da vila de Melgaço, o Autor iniciou a travessia da passadeira de peões existente na via, em frente ao n.º1 de polícia, no sentido poente para nascente e, quando já tinha atravessado a primeira hemifaixa e atravessava a segunda hemi- faixa, foi atropelado pelo veículo conduzido pelo Réu António …. -Quesito 1º
2) Tal veículo circulava na referida rua Dr. Augusto César Esteves no sentido proveniente da Praça da Loja Nova em direcção à Praça Amadeu Abílio Lopes. -Quesito 2º
3) O atropelamento ocorreu na passadeira sita em frente à "Farmácia Dias Ferreira", na referida rua Dr. Augusto César Esteves, totalmente dentro da hemifaixa ou corredor direito de circulação do veículo conduzido pelo António …, numa área situada entre a linha contínua separadora da hemifaixa direita (sentido praça da Loja Nova - Praça Amadeu Abílio Lopes) com a berma desse mesmo lado. -Quesito 3º
4) Nesse local a estrada tem uma largura de 7,30m. -Quesito 4º
5) Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1) era noite e o tempo estava bom. -Quesito 5º
6) Para quem circula provindo da Praça da Loja Nova, a passadeira é visível à distância de cerca de 40 metros. -Quesito 6º
7) Naquele local, em cada uma das hemifaixas de rodagem, antes de chegar à passadeira, atentos os dois sentidos de circulação dos veículos, existem dois sinais de informação H-7 - de passagem para peões. -Quesito 7º
8) Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1) a via encontrava-se iluminada por sistema de iluminação pública. -Quesito 8º
9) O Réu António … não se apercebeu da presença do Autor, não tendo parado e cedido a passagem quando aquele já atravessava a passadeira. -Quesito 10º
10) Nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas em 1), o Réu António … conduzia o veículo com a matrícula francesa 614CSV95. -Quesito 12º
11) O Réu António …, logo após o acidente, declarou à GNR, à patrulha que fez o levantamento e participação do acidente, que o veículo que conduzia e teve intervenção no sinistro era o de matrícula 52-28-MB. Quesito 13º
12) O que fez devido ao facto de, nessa data, o veículo identificado em 12º não ter seguro de circulação válido vigente. -Quesito 14º
13) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 751907189, o proprietário do veículo de matrícula 52-28-MB havia transferido para a Império Bonança - Companhia de Seguros, S.A. (actualmente, Fidelidade - Companhia de Seguros, S. A.) a sua responsabilidade para com terceiros, resultante dos danos provenientes da circulação do seu veículo. -Quesito 15º
14) À data de 23 de Novembro de 2010, o contrato referido cm 15º estava vigente. -Quesito 16º
15) Logo após o atropelamento, o Autor foi transportado do local, em ambulância, para o Hospital de Viana do Castelo (Unidade de Saúde Local do Alto Minho E.P.E,). -Quesito 17º
16) Aí foi-lhe diagnosticada fractura cominutiva da metáfise proximal da tíbia com atingimento articular, tendo sido sujeito a imobilização com gesso de todo o MIDto, recorrendo ao SU e referindo dor violenta no 1/3 inferior da perna (face interna). -Quesito 18º
17) O Autor esteve internado no serviço de urgências (OBS) do Hospital de Viana do Castelo desde o dia 23.11.2010 até ao dia 25.11.2010. -Quesito 19º
18) Em virtude do atropelamento de que foi vítima, o Autor sofreu contusão hemorrágica temporal direita, fractura do osso frontal, fractura da parede anterior e lateral do seio do maxilar, fractura dos ossos próprios do nariz, fracturas alinhadas do tecto da orbita esquerda e fractura do zigomático. -Quesito 20º
19) Foi transportado ao Hospital de São João no Porto, onde foi atendido no serviço de urgência e observado no serviço de neurocirurgia, ortopedia, oftalmologia e cirurgia plástica. -Quesito 21º
20) O Autor tinha realizado uma cirurgia por descolamento da retina no dia 20 de Novembro de 2010. -Quesito 22º
21) No dia 26.11.2010, o Autor voltou para o Hospital de Viana do Castelo onde esteve internado no serviço de especialidades cirúrgicas e de medicina até ao dia 10.12.2010. -Quesito 23º
22) O Autor teve alta do hospital de Viana do Castelo nesse dia 10.12.2010. -Quesito 24º
23) A partir dessa data, o Autor manteve-se em repouso na sua residência durante alguns meses. -Quesito 25º
24) Para acompanhar a evolução da sua cura clínica o Autor submeteu-se a consultas externas e efectuou exames de diagnóstico. -Quesito 26º
25) O Autor fez tratamentos de fisioterapia desde 25.01.2011 a 12.05.2011. Quesito 27º
26) A consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor verificou-se em 08/10/2011. -Quesito 28º
27) Como consequência directa e necessária do atropelamento, o Autor ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 19 pontos. -Quesito 29º
28) As sequelas de que o Autor é portador em consequência dos danos físicos sofridos no sinistro dos autos são, em termos de repercussão permanente na sua actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. Quesito 29º-A
29) À data do atropelamento, o Autor exercia a profissão de Mediador de Seguros. -Quesito 30º
30) Nos anos de 2010 e 2011, o Autor declarou fiscalmente, a título de IRS, respectivamente, os rendimentos anuais de € 140.691,24 e € 147.954,00. -Quesito 31º
31) A sua esposa, M …, é doméstica não tendo qualquer rendimento do trabalho ou similar. -Quesito 32º
32) Em consequência dos danos físicos resultantes do sinistro em apreço, e suas sequelas, o Autor não consegue exercer a sua actividade da mesma forma como o fazia antes. -Quesito 33º
33) Apresenta dificuldades menésicas consecutivas a lesão cerebral, perturbação ligeira com distratibilidade, lentificação, dificuldades de menorização e de elaboração de estratégias complexas. Quesitos 34º a 36º
34) Com o atropelamento, o Autor danificou os óculos, que ficaram irrecuperáveis, tendo despendido o montante de € 1.040,00 na compra de uns novos. -Quesito 38º
35) Com o atropelamento, o Autor danificou o relógio que usava nesse dia, tendo despendido o montante de € 100,00 na sua reparação. -Quesito 39º
36) Em virtude do acidente, e também pelas lesões sofridas nos ossos da cara, colocou duas peças na prótese dentária superior, no valor global de € 50,00. -Quesito 41º
37) Como consequência do atropelamento, o Autor teve outras despesas médicas, farmacêuticas e consultas no valor global de € 452,48. -Quesito 42º
38) E despesas de deslocação para realizar consultas médicas e exames de diagnóstico, no valor global de € 212,27. -Quesito 43º
39) O Autor sempre foi uma pessoa activa. -Quesito 44º
40) Devido ao atropelamento de que foi vítima, o Autor sofreu fortes dores, e continua a sentir dores. -Quesito 45º
41) Como consequência do atropelamento que sofreu, o Autor sentiu-se triste e angustiado. -Quesito 47º
42) Passou inúmeras noites em dormir. -Quesito 48º
43) Sentiu-se diminuído fisicamente. -Quesito 49º
44) Quando esteve hospitalizado sentiu-se uma pessoa muito só, triste e muito angustiado com medo do que lhe poderia acontecer. Com o esclarecimento que manteve esses sentimentos de tristeza e angústia durante o período de convalescença em casa. Quesito 52º
45) Nos primeiros dois ou três meses após a alta hospitalar, quando esteve em casa, o autor precisou da constante ajuda da sua esposa para realizar as tarefas diárias - para se deslocar, para ir à casa de banho, para realizar n sua higiene pessoal. -Quesito 53º
46) No momento do acidente, o Réu imobilizou o seu veículo no local e saiu do mesmo, prestando imediato socorro ao Autor. -Quesito 58º
47) O Autor, logo que se sentiu com capacidade para tal, reiniciou a sua actividade laboral. -Quesito 61º
48) Jamais o Autor teve o escritório onde exerce a sua actividade profissional encerrado, por possuir outros colaboradores no escritório, não deixando de auferir o seu rendimento mensal, mesmo durante o tempo em que ele esteve impedido de trabalhar em virtude do atropelamento sofrido. -Quesito 62º
49) O Autor é reformado por invalidez, padecendo, à data do acidente, de uma deficiência/incapacidade de 82%
Do apenso Injunção n.º 37467/13.9YIPRT
Está provado que:
Na sequência das lesões sofridas no sinistro dos autos, foram prestados ao autor os seguintes tratamentos na Unidade Local de Saúde do Alto Minho:
Imobilizado o joelho com talas;
Raio-x ao tórax, à bacia, à coluna cervical, à coluna lombar, ao joelho direito;
Ecografia abdominal superior e pélvica;
TAC´s maxilofacial, ao crânio encefálico e orbital;
Foram desinfectadas as feridas, feitas análises, aplicados colírio e terricil na sutura supraciliar e bacitracina nas escoriações da face;
Foi observado por oftalmologia, neurologia e ortopedia;
Foi-lhe ministrada medicação com cloreto de sódio, diclofenac, metoclopramida, soroterapia e injecções por via intravenosa e intramuscular.
Voltou a dar entrada a 26/11/2010, pelas 06,06h, para vigilância, tendo ficado internado nas especialidades cirúrgicas ao cuidado de cirurgia plástica.
A 30/12/2010, pelas 05,36h, voltou aos serviços de urgência, referindo dores, onde voltou a ser observado e efectuou medicação com diclofenac e tramadol e injecções por via intramuscular, recebendo alta no mesmo dia.
A 04/01/2011, 01/03/2011 e 27/09/2011, frequentou consultas externas de ortopedia e fisioterapia.
Na sequência da prestação de todos os cuidados médicos referidos, a Unidade local de saúde do Alto Minho teve uma despesa no valor total de € 3.356,17, tituladas pelas facturas n.ºs 10010341, 11003081, 11009342, 11010481, 11000513 e 12003858.




II) O DIREITO APLICÁVEL
Veio o Autor, Anselmo …, recorrer da sentença proferida relativamente ao segmento da decisão que fixou o montante de €115.000,00 (cento e quinze mil euros) a título de dano futuro decorrente da IPP, pretendendo o apelante a fixação do quantum indemnizatório pelo indicado dano em € 450.000,00 (considerando o rendimento anual ilíquido do Autor), ou, subsidiariamente, em € 300.000,00 (considerando o rendimento anual líquido do A. sem contabilizar os descontos para a Segurança Social que nunca foram feitos pelo A.), ou, ainda, considerando-se que os cálculos do rendimento do A. efectuados pelo Meritíssimo Juiz a quo estivesse correctos, ainda subsidiariamente, requer a fixação da indemnização arbitrada no montante de €170.000,00 e não em €115.000,00.
Em discussão está, apenas, o valor a considerar no cálculo da indemnização pelo indicado dano futuro, nos termos e pelos fundamentos expostos nas alegações do recurso de apelação.
Refere-se a este propósito na sentença recorrida, e com interesse face ás alegações do apelante: “ ... Dano futuro decorrente da IPP : O autor pediu a este título o montante de € 563.182,67 de indemnização por danos patrimoniais futuros, perda de capacidade de ganho (IPP). Tinha à data do acidente 56 anos de idade. Como consequência directa e necessária do atropelamento, ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 19 pontos. As sequelas de que é portador em consequência dos danos físicos sofridos no sinistro dos autos são, em termos de repercussão permanente na sua actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares. À data do atropelamento, o Autor exercia a profissão de Mediador de Seguros. Nos anos de 2010 e 2011, o Autor declarou fiscalmente, a título de IRS, respectivamente, os rendimentos anuais de € 140.691,24 e € 147.954,00.
Se ao valor declarado no ano do sinistro, 2010, deduzirmos o montante que lhe foi descontado em termos de IRS, numa taxa de 34,88% (€ 90.717,00), e de descontos para a Segurança Social, com uma taxa de 29,6% (€ 41.644,00), chegamos à conclusão que o rendimento líquido anual que o autor auferia era de cerca de € 50.000,00, o que dá uma retribuição mensal líquida de à volta de € 4.167,00. (...) Aplicando ao caso os princípios expostos e tendo em conta a factualidade pertinente acima descrita, designadamente o grau de incapacidade funcional fixada (19 pontos), e considerando, também, o facto de as sequelas de que ficou portador, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, serem compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicando apenas esforços suplementares, considerando que o A. tinha à data do acidente, 56 anos de idade e que a esperança de vida é hoje já superior aos 70 anos, considerando um rendimento líquido mensal de € 4.166,00, não esquecendo os previsíveis aumentos ao longo dos anos, a erosão decorrente da inflação, mas também a vantagem de receber de uma só vez, o total da indemnização, ponderando razoável, uma taxa de juro da ordem dos 2%, pensamos ser equitativo fixar a indemnização pelo dano patrimonial futuro em causa, decorrente da perda de ganho, em 115.000,00 € (cento e quinze mil euros)”.
Sendo a factualidade com interesse á apreciação do presente recurso a dos pontos nº 27 a 33 e 49 da matéria de facto, designadamente: “ 27) Como consequência directa e necessária do atropelamento, o Autor ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico - psíquica fixável em 19 pontos – Quesito 29.º.; 28) As sequelas de que o Autor é portador em consequência dos danos físicos sofridos no sinistro dos autos são, em termos de repercussão permanente na sua actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares – Quesito 29.º - A.; 29) À data do atropelamento, o Autor exercia a profissão de Mediador de Seguros – Quesito 30.º.; 30) Nos anos de 2010 e 2011, o Autor declarou fiscalmente, a título de IRS, respectivamente, os rendimentos anuais de € 140.691,24 e € 147.954,00 – Quesito 31.º; 31) A sua esposa, M…, é domestica não tendo qualquer rendimento do trabalho ou similar – Quesito 32.º; 32) Em consequência dos danos físicos resultantes do sinistro em apreço, e suas sequelas, o Autor não consegue exercer a sua actividade da mesma forma como fazia antes – Quesito 33.º; 33) Apresenta dificuldades menésicas consecutivas a lesão cerebral, perturbação ligeira com distratibilidade, lentificação, dificuldades de memorização e de elaboração de estratégias complexas – Quesitos 34.º a 36.º; 49) O autor é reformado por invalidez, padecendo, à data do acidente, de uma deficiência/incapacidade de 82%. “
Nos termos do art.º 564º do Código Civil “ O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (n.º1); “ Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (…) – n.º2 “.
“ Os danos futuros a que se refere o n.º2 tanto podem representar danos emergentes como lucros cessantes (…) Um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade laboral.” – P.Lima e A.Varela, in CCivil, anotado, vol I, pg.549.
Independentemente da afectação, ou não, da capacidade laboral, traduz-se em dano patrimonial indemnizável o dano corporal ou biológico decorrente de IPG ( Incapacidade Permanente Geral ), correspondendo tal dano a dano patrimonial futuro previsível decorrente da afectação, em geral, da saúde e integridade física do lesado em virtude de tal incapacidade, entendimento que vem sendo seguido, com unanimidade, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Como se refere no Ac. de 30/10/2008, do Supremo Tribunal de Justiça, “ (…) os danos futuros decorrentes de uma lesão física “ não se reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; que, por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução. Nomeadamente, não pode ser considerada a relevância da lesão apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).”
O cálculo da indemnização devida pelo referido dano funcional que afecta o recorrente terá que ser essencialmente determinado à luz dos referidos factos e com base nos juízos de equidade a que se reporta o artigo 566º- nº 3 do Código Civil.
No caso em apreço a incapacidade sofrida projecta-se efectivamente na profissão do lesado, pois que resulta dos factos provados que como, consequência directa e necessária do atropelamento, o Autor ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico - psíquica fixável em 19 pontos ( facto provado n.º 27 ), e, em concreto, em consequência dos danos físicos resultantes do sinistro em apreço, e suas sequelas, o Autor não consegue exercer a sua actividade da mesma forma como fazia antes, apresenta dificuldades menésicas consecutivas a lesão cerebral, perturbação ligeira com distratibilidade, lentificação, dificuldades de memorização e de elaboração de estratégias complexas ( factos provados n.º 32, 33 ), sendo ainda que, e tal como resulta dos factos provados (al. A) ), o demandante tinha na altura do acidente 56 anos de idade e exercia a profissão de Mediador de Seguros.
Quanto ao valor da indemnização, a mesma “ (…) é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” ; e, “ Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. “ ( art.º 566º-n.º 1 e 3 do Código Civil), considerando-se que o momento a atender para fixar a indemnização será sempre o da data dos factos nos termos dos art.º 562º, 563º e, em especial, com base na Teoria da Diferença consagrada no n.º2 do art.º 566º do Código Civil, o qual estabelece que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal , e a que teria nessa data se não existissem os danos.
Ainda, e como se refere no Ac. STJ de 17/1/2013, P. 2395/06.3TJVNF.P1.S1 ( citado pelo apelante, mas com um sentido distinto ), em posição que perfilhamos,“ os critérios matemáticos de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos patrimoniais futuros são apenas um instrumento ao serviço do juízo de equidade, devendo os resultados alcançados funcionar como valores de referência que devem ser ponderados com outros elementos objectivos cuja relevância emerge e se impõe naturalmente ao julgador (como são o percebimento de uma só vez e em antecipação da indemnização correspondente a danos que se prolongam no futuro por vários anos, a evolução provável da sua carreira profissional, da taxa de juro, etc).”
No cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda da capacidade de ganho deve ser considerado, entre outros factores, o salário líquido (e não o bruto) recebido pelo lesado” - ( em sentido contrário v. Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 13/1/09, in www.dgsi.pt ) - o que se considera, sob pena de vir a atribuir-se ao lesado uma indemnização superior ao lucro que efectivamente auferiria se não fosse o evento lesivo, o que, cremos, se traduziria num enriquecimento ilegítimo ou injustificado.
Assim, relativamente ao valor base de cálculo da indemnização por perda parcial da capacidade laboral para a actividade profissional que exercia o Autor, tendo-se provado que à data do acidente exercia a actividade profissional de Mediador de Seguros e anos de 2010 e 2011, o Autor declarou fiscalmente, a título de IRS, respectivamente, os rendimentos anuais de €140.691,24 e €147.954,00, reiteram-se os juízos formulados pelo Mº Juiz do Tribunal “a quo” no sentido de obtenção de um valor de rendimento “líquido”, com excepção da dedução das contribuições para a segurança social, nos termos do disposto no artº artigo 40.º do Decreto-lei n.º 328/93 de 25 de Setembro alterado pelos Decretos - Leis n.º s 240/96, de 14 de Dezembro, 397/99, de 13 de Outubro, 159/2001,de 18 de Maio, e 119/2005, de 22 de Julho, atento a que se provou que o autor é reformado por invalidez, padecendo, à data do acidente, de uma deficiência/incapacidade de 82%- facto provado nº 49, nestes termos se obtendo o valor base liquido anual de rendimento de € 91.618,14, sendo este o valor base a que se atenderá para basear o cálculo do dano futuro sofrido pela ocorrência do acidente.
Na fixação da indemnização deverá atender-se ao tempo provável de vida activa do lesado, correspondente à expectativa de manter a sua capacidade de ganho com referência à data em que não padecia das lesões sofridas e que lhe advieram do sinistro. ( A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida – Ac. de 17/6/08, do Supremo Tribunal de Justiça, in www.dgsi.pt ), considerando-se uma esperança de manutenção de vida activa até aos 70 anos de idade ( Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 29/4/2010, e acórdãos de 17/11/05, Proc. n.º 05B3167, de 12/10/06, Proc. n.º 06B2581, e de 06/03/07, Proc. n.º 07189, ITIJ, e de 02/10/07, Col. Jur., Ano XV, t. 3, 68, onde aqueles são mencionados ), com referência à data do acidente, e, ainda, como se refere em recente jurisprudência do STJ, designadamente Ac. de 17/1/2013, supra citado- “ é de considerar os 70 anos de idade (com tendência para aumentar )como o termo imaginado da vida activa do lesado”.
Ainda, é entendimento unânime na doutrina e jurisprudência que a fixação equitativa dos danos não corresponde a juízos de mera discricionariedade do julgador, devendo este seguir-se por critérios de uniformidade existentes e orientadores.
“ A indemnização em dinheiro do dano futuro da incapacidade permanente corresponde a um capital produtor de rendimento que a vítima irá perder, mas que se extinga, no final do período provável da sua vida activa, sendo certo que é, na determinação dos dados dessa operação de cálculo que o julgamento de equidade, necessariamente, intervém, sem prescindir do que é normal acontecer, para o que importa introduzir factores de correcção, nomeadamente, o tempo provável de vida profissional activa do autor, a sua esperança média de vida, a diferença que, em cada época futura, existirá entre o rendimento recebido e o que auferiria, se não fosse a lesão, a flutuação do valor da unidade monetária em que a indemnização se irá traduzir, o desenvolvimento tecnológico, os índices de produtividade, a alteração das taxas de juro do mercado, a inflação, (...) a antecipação imediata da totalidade do capital, o seu grau de incapacidade, o coeficiente de culpa na produção do acidente e, finalmente, a dedução de um quarto na capitalização do rendimento, a fim de se conseguir a extinção do capital, no final do período para que foi calculado, para evitar que a acumulação de juros acabe por penalizar a ré e permitir um enriquecimento injusto, à custa alheia, por parte do autor”. – Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 13/1/09, in www.dgsi.pt, na parte em que se segue a orientação, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/10/08, 9/10/08, 17/6/08, 23/9/08, entre muitos outros, in www.dgsi.pt),
E, ainda, como se escreveu no acórdão do STJ de 17-12-2009, in http;//www.dgsi.pt, “…tem a nossa jurisprudência vindo a fazer um esforço de clarificação dos métodos a adoptar para alcançar tal necessário objectivo, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo de danos que reduzam ao mínimo o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio que, embora jamais se possa excluir destes juízos, se pretende minimizar o mais possível.
Tendo vindo a assentar-se, tal como de forma generalizada se explicitou no citado ac. deste STJ, de 17/6/08, nos seguintes princípios e ideias que presidirão à quantificação da indemnização em apreço e que aqui e agora assim se esquematizam para maior facilidade de exposição e compreensão do nosso pensamento:
a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida, terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade;
d) Deve sempre ponderar-se que a indemnização será paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima (,,,) pois, mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano ora em causa, se apele à esperança média de vida)”.
Nos termos expostos, obtendo-se o valor global base, aproximado, de €244.000,00 ( € 91.618,14 x 14 x 19% ), e, atendendo, ainda, a um valor médio de inflação de 2%, a considerar no montante global da indemnização a fixar, como valorização desse capital, para correcta actualização de tal montante em virtude da desvalorização da moeda decorrente do processo inflacionário e que ao longo dos anos se irá fazer sentir, e, ainda um factor de correcção, por dedução de 30%, em virtude de ir o Autor receber de uma só vez o capital fixado, e a fim de evitar injustificado enriquecimento, considerando-se, ainda, em geral, a afectação funcional causada ao Autor, decorrente do acidente dos autos, julga-se adequada a fixação de uma indemnização no valor de €167.000,00, valor que se fixa em substituição do valor de €115.00,00 fixado na sentença recorrida, nestes termos procedendo, parcialmente, os fundamentos da apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, fixando-se a indemnização ao Autor por dano patrimonial futuro decorrente de IPP no valor de €167.000,00, valor que se fixa em substituição do valor de €115.00,00 fixado na sentença recorrida
Custas pelo apelante e apelados, na proporção dos respectivos decaimentos.

Guimarães, 11 de Junho de 2015
Maria Luisa Ramos
Raquel Rego
António Sobrinho