Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5645/11.0TBBRG-A.G1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: NOMEAÇÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
CIRE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1º- Da conjugação do disposto nos arts. 36º, alínea d), 32º, nº1, 52º, nºs 1 e 2 do C.I.R.E. e art. 2º da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, impõe-se concluir que:
a) A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz que, em regra, não tem de ter em conta as indicações feitas pelo requerente ou devedor, devendo a escolha recair em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência e processar-se por meio de sistema informático que assegure a sua aleatoriedade e a igualdade no números de processos distribuídos aos administradores.
b) Só não será de observar este regime geral quando seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, nomeadamente quando a massa insolvente integre estabelecimento em actividade, caso em que o juiz tem de efectuar a escolha de entre os administradores da insolvência especialmente habilitados para o efeito, sobre ele recaindo, para o efeito, o dever de atender às indicações feitas pelo requerente ou pelo devedor.

2º- E ainda que, nesta última situação, o juiz não esteja obrigado a segui-las, a verdade é que, se o não fizer, a falta de fundamentação da nomeação feita bem como a omissão de pronúncia sobre a indicação feita pelo requerente ou pelo devedor relativamente à pessoa que deve exercer o cargo de administrador da insolvência, integram, respectivamente, as nulidades da decisão previstas nas alíneas b) e d) do art. 668º, nº1 do C. P. Civil.

3º- Resultando dos elementos constantes dos autos não estarmos perante um processo em que não seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, sobre o juiz impende tão só o poder-dever ou o dever funcional, de fundamentar a não nomeação da pessoa indicada e as razões que o levaram a preferir a pessoa nomeada, por força do disposto nos arts. 158º, nº1 e 659º, nº3 do C. P. Civil.

4º- Tratando-se, porém, de um despacho de fundamentação não vinculado, a sua omissão não tem qualquer sanção, não acarretando, por isso, a nulidade da decisão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Manuel F... e Eva da C... no requerimento de declaração da sua insolvência, requereram ainda, nos termos e para os efeitos dos artigos 32º, nº1 e 52º, nº2 do CIRE, que fosse nomeada, para o cargo de Administrador da Insolvência a Srª. Drª. Joana C..., com domicílio profissional na Rua de ..., ..., ..., ..., Porto, considerando o reconhecimento da sua competência em nomeações anteriores, imparcialidade e profissionalismo.

Por sentença proferida em 14 de Outubro de 2011, foi declarada a insolvência dos requerentes e foi nomeado, como administrador da insolvência. o Sr. Dr. Rui M..., com domicílio profissional na Rua de ..., nº 6, 1º andar, ..., Porto, nos termos do disposto no art. 36º, al. d) do C. I. R. E.

Não se conformando com esta decisão, na parte em que não atendeu ao pedido de nomeação do administrador da insolvência que haviam indicado, dela apelaram os requerentes, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“I. O presente recurso tem por objecto a douta decisão do Tribunal Judicial de Braga de 14 de Outubro de 2011 que declarou os Requerentes, ora Apelantes, Insolventes e que, nomeou como Administrador de Insolvência o Exmo. Senhor Dr. Rui M..., com domicílio profissional na Rua de ..., nº. 6, 1º andar, ... Porto.
II. Aquando da petição inicial de pedido de insolvência, requereram os Recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 32º, nº. 1 e 52º, nº. 2 do CIRE, a nomeação da Exma. Senhora Dra. Joana C..., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ... Porto, como Administradora de Insolvência.
III. Fundamentaram a indicação acima referenciada com base no reconhecimento da sua competência em nomeações anteriores, imparcialidade e profissionalismo.
IV. Nos termos do disposto no artigo 52º, nº. 1 do CIRE, “A nomeação do Administrador de Insolvência é da competência do Juiz”, o que não se discute.
V. Porém, nos termos do n.º 2 do preceito supra citado, “(…) podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor (…)”.
VI. Assim, permite o presente normativo, que o devedor ou o credor requerente da insolvência indiquem a pessoa a nomear para Administrador de Insolvência.
VII. Para que, posteriormente, o juiz de processo, atenda ou não a tal sugestão, sendo que a sua decisão deverá ser devidamente fundamentada.
VIII. Dita o artigo 158º, nº. 1 do Código de Processo Civil: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”;
IX. Mais acrescenta o nº. 3 do artigo 659º do mesmo diploma legal: “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”,
X. Da sentença, tão-somente consta: “Nomeia-se, como administrador de insolvência, o Exmo. Senhor Dr. Rui M..., com domicílio profissional na Rua de ..., nº. 6, 1º andar, ... Porto (art. 36º, al. d), do CIRE.”.
XI. Sendo certo que desconhecem os Requerentes o motivo pelo qual não fora a sua indicação atendida.
XII. Da falta de fundamentação, cumpre avaliar da nulidade da sentença nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668º, nºs. 3 e 4 do Código de Processo Civil.
XIII. Dita o artigo 668º CPC, nas suas alíneas b) e d) do nº.1, que a sentença se encontra ferida de nulidade quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, ou quando, por outro lado, “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
XIV. Da presente sentença de que ora se recorre, inexiste fundamentação que clarifique o não acolhimento do Douto Tribunal da indicação dos Requerentes, quanto à nomeação da Administradora de Insolvência.
XV. Parece resultar desta falta de fundamentação uma nulidade parcial da presente sentença no que a esta parte respeita - por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - conforme o disposto nos termos da alínea b) do artigo 668º, nº. 1 do CPC.
XVI. Por outro lado, pela indicação efectuada pelos Requerentes ter sido conforme os trâmites legais e processuais exigidos, sendo-o na petição inicial no seu artigo 38º, incorre ainda a presente sentença na nulidade prevista pela alínea d) do nº. 1 do artigo 668º co CPC: “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
XVII. Isto porque, resulta do artigo 660º, nº. 2: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
XVIII. Isto posto, encontra-se a presente sentença ferida de nulidade, quer por falta de fundamentação da decisão proferida, quer, por outro lado, por falta de pronúncia quanto à matéria colocada sob apreciação.
XIX. Pelo que, em face do exposto, deverá ser reconhecida a nulidade da mesma, no que se refere ao despacho de nomeação de Administrador de Insolvência diverso da pessoa indicada pelos Requerentes, e nomeada a Administradora de Insolvência sugerida pelos Requerentes na petição inicial - Exma. Senhora Dra. Joana C..., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ..., ... Porto.”

Conhecendo da invocada nulidade, ao abrigo do disposto no art. 670º, nºs 1 e 5 do C. P. Civil, o Tribunal a quo decidiu pela sua inverificação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:


FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

Importa, por isso, decidir se a sentença recorrida padece das nulidades previstas nas alíneas b) e d) do nº1 do art. 668º do C. P. Civil.
Mas, porque a resposta a dar depende da questão de saber se, no caso do devedor ter indicado uma determinada pessoa para exercer o cargo de administrador de insolvência, o juiz está, ou não, vinculado a acolher essa indicação, começaremos por abordar este aspecto.
Os factos constantes dos autos e com interesse para a decisão são os seguintes:
1º- Manuel F... e Eva da C... requereram a declaração da sua insolvência, alegando, para além do mais, que os únicos rendimentos do agregado familiar provêm da reforma do requerente marido, no valor de 1.710,18€/mês, sendo donos de dois bens imóveis, que identificam.
2º- Requereram ainda, nos termos e para os efeitos dos artigos 32º, nº1 e 52º, nº2 do CIRE, que fosse nomeada para o cargo de Administrador da Insolvência a Srª. Drª. Joana C..., com domicílio profissional na Rua de ..., ..., ..., ..., Porto, considerando o reconhecimento da sua competência em nomeações anteriores, imparcialidade e profissionalismo.
3º- Na sentença que declarou a insolvência dos requerentes, Manuel F... e Eva da C..., a Mmª Juíza a quo nomeou administrador da insolvência, o Sr. Dr. Rui M..., com domicílio profissional na Rua de ..., nº6, 1º andar, ..., Porto, sem ter fundamentado esta sua escolha e sem se ter pronunciado sobre o mencionado requerimento apresentado pelos devedores em que os mesmos indicavam pessoa diversa da nomeada para o exercício desse cargo.

Invocando a nulidade parcial desta decisão, por falta de fundamentação no que respeita à nomeação de pessoa diversa da que havia sido indicada pelos recorrentes para exercer o cargo de administrador da insolvência judicial e por falta de pronúncia sobre tal indicação, persistem os apelantes em defender a nomeação da Srª Drª Joana C..., para exercer aquele cargo.
Cremos, porém, não lhes assistir razão.
Senão vejamos.
Nesta matéria, estabelece o art. 36 º, al. d) do CIRE, que, na sentença que declara a insolvência, o juiz nomeia o administrador da insolvência, com indicação do seu domicílio profissional.
Dispõe o nº1 do art. 52º do CIRE que “A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz”, estabelecendo o seu nº2 que “Aplica-se à nomeação do administrador da insolvência o disposto no nº1 do artigo 32º, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência”.
Por sua vez, estabelece o art. 32º, nº1 do CIRE que “ A escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda , a redacção actual do nº1 deste art. 32º bem como do nº2 do citado art.52, introduzida pelo DL nº 282/2007 veio alargar «o poder decisório do juiz nesta matéria por duas vias: quando passou a dizer-se que o juiz pode ter em conta a proposta eventualmente contida na petição inicial; e sobretudo, quando limita a atendibilidade dessa proposta aos casos de processos “em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”.
E segundo estes mesmos autores , na interpretação do nº2 do citado art. 52º, há ainda que atender ao disposto no art. 2º do Estatuto do Administrador da Insolvência ( Lei nº 32/2004, de 22 de Julho), o qual estipula que:
“1. Sem prejuízo do disposto no artigo 53º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, apenas podem ser nomeados administradores da insolvência aqueles que constem das listas oficiais de administradores.
2. Sem prejuízo do disposto no nº2 do artigo 52º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a nomeação a efectuar pelo juiz processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos.
3. Tratando-se de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, nomeadamente quando a massa insolvente integre estabelecimento em actividade, o juiz deve proceder à nomeação, nos termos do número anterior, de entre os administradores da insolvência especialmente habilitados para o efeito”.
Mas, se assim é, impõe-se concluir do conjunto das normas citadas que:
1º- A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz que, em regra, não tem de ter em conta as indicações feitas pelo requerente ou devedor, devendo a escolha recair em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência e processar-se por meio de sistema informático que assegure a sua aleatoriedade e a igualdade no números de processos distribuídos aos administradores.
2º- Só não será de observar este regime geral quando seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, nomeadamente quando a massa insolvente integre estabelecimento em actividade, caso em que, por força do disposto no art. 2º, nº 3 do Estatuto dos Administradores da Insolvência, o juiz tem de efectuar a escolha de entre os administradores da insolvência especialmente habilitados para o efeito, sobre ele recaindo, para o efeito, o dever de atender às indicações feitas pelo requerente ou pelo devedor, em conformidade com o disposto nos citados arts. 32º, nº1 e 52º, nº2.
Esta distinção assume particular relevância pois que a falta de fundamentação da escolha de pessoa diversa da indicada pelo requerente ou pelo devedor para exercer o cargo de administrador da insolvência bem como a omissão de pronúncia sobre o requerimento que contém tal indicação tem consequências distintas conforme se esteja perante um processo em que seja previsível, ou não, a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência.
Na primeira situação, estamos perante um dever imposto ao juiz de ter em consideração as indicações feitas.
E ainda que, nesta última situação, o juiz não esteja obrigado a segui-las, a verdade é que, do dever imposto ao juiz de ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimento, decorre, desde logo, a obrigação de fundamentar a sua escolha por pessoa diversa da indicada pelo requerente ou pelo devedor.
Se o não fizer, a sua falta de fundamentação bem como a omissão de pronúncia sobre a pessoa indicada pelo requerente ou pelo devedor para exercer o cargo de administrador da insolvência, integram, respectivamente, as nulidades da decisão previstas nas alíneas b) e d) do art. 668º, nº1, al. b) do C. P. Civil.
Diferentemente acontece sempre que se esteja perante um processo em que não seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência.
É que, nesta situação, mesmo que o requerente ou o devedor tenham feito indicação da pessoa que, no seu entender, deve exercer o cargo de administrador da insolvência, sobre o juiz impende tão só o poder-dever ou o dever funcional, de fundamentar a não nomeação da pessoa indicada e as razões que o levaram a preferir a pessoa nomeada, por força do disposto nos arts. 158º, nº1 e 659º, nº3 do C. P. Civil.
Tratando-se, porém, de um despacho de fundamentação não vinculado, a sua omissão não tem qualquer sanção, não acarretando, por isso, nenhuma das invocadas nulidades.
No caso dos autos, temos por certo não estarmos perante um processo em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram conhecimentos especiais por parte do administrador da insolvência, porquanto resulta dos factos provados que os únicos rendimentos do agregado familiar provêm da reforma do requerente marido, no valor de 1.710,18€/mês e que os mesmos são donos de dois bens imóveis.
Mas se assim é, evidente se torna que a alegada falta de fundamentação bem como a omissão de pronúncia sobre a pessoa indicada pelo requerente ou pelo devedor para exercer o cargo de administrador da insolvência, não integram nenhuma das nulidades da decisão previstas nas alíneas b) e d) do nº1 do art. 668º do C. P. Civil.
Daí inexistir fundamento para nomear administradora da insolvência a Srª Drª Joana C..., em substituição do nomeado Sr. Dr. Rui M....

Improcedem, pois, todas as conclusões da insolvente/apelante.

DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida, ainda que com base em fundamentos não inteiramente coincidentes.
Custas pela insolvente.




Guimarães, 24 de Janeiro de 2012