Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3066/14.2T8GMR-A.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: CIRE
PER
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Tendo ocorrido impugnação da lista provisória de créditos relativamente a alguns dos créditos reclamados, devem os credores ser notificados dessas impugnações, uma vez que lhes é legalmente reconhecido o direito de resposta, decorrente da necessidade de garantia do contraditório que o artigo 3º, nº2 e 3 do NCPC, aplicável ex vi do artigo 17º do CIRE.

II - Os curtíssimos prazos estabelecidos nos nºs 2 e 3 do artº 17º-D, do CIRE, não são compatíveis com a produção de prova testemunhal.

III - A decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, assentando apenas em prova documental.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: Banco AA…, S.A..

Recorrido: BB…, S.A..

BB…, S.A., com sede em Rua Padre João Moreira Leite, 1297, Sta. Eufémia de Prazins, Guimarães, veio instaurar o presente processo especial de revitalização.

A fls. 177 e ss veio o Administrador Judicial provisório fazer junção da lista provisória de créditos a que se refere o art. 17- D, n03 do CIRE.

A aludida lista foi impugnada pelos credores CC Banco (cfr. Fls. 202 verso), Banco AA (fls. 333) e Banif (fls. 356).

Foi proferido despacho que, incidindo sobre as reclamações apresentadas, decidiu reconhecer parte do crédito reclamado pela Apelante, Banco AA, pelo montante de 289.289,00 €.

Inconformado com tal decisão, apela a Reclamante, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

Primeira: O Banco ora Recorrente reclamou os seus créditos no montante de € 752.036,83 (setecentos cinquenta e dois mil e trinta e seis euros e oitenta e três Cêntimos) com a natureza de garantidos por força do penhor constituído.

Segunda: Tais créditos foram na lista provisória reconhecidos na integralidade pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, com a natureza de garantidos.

Terceira: A aqui Recorrida/ali Impugnante BB S.A. Impugnou a Lista Provisória de Créditos nos termos do nrº 3 do artigo 17º-D do CIRE, invocando no que concerne ao Banco Apelante, que parte do crédito reconhecido na Lista Provisória respeita a uma garantia Bancária com o nº 962300488003614, no montante de € 289.289,00 emitida pelo Banco ora Recorrente / Apelante em 10 de Janeiro de 2011, em nome e a pedido da sociedade Requerente BB S.A. a favor do IAPMEI – INSTITUTO DE APOIO ÀS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS E À INOVAÇÃO (Beneficiário), que se encontra extinta.

Quarta: Para tal fundamentou que a referida garantia para além de nunca ter sido accionada pelo Banco Santander Totta SA, encontra-se “extinta por decorrência do prazo legal estipulado e em virtude do IAPMEI ter decidido libertar a garantia bancária nº 962300488003…”.

Quinta: Notificado da Impugnação apresentada o aqui Recorrente respondeu à mesma nos termos legais.

Sexta: Alegando que a referida garantia bancária não se encontra extinta, está sim válida e em vigor.

Sétima: Nessa resposta, o aqui recorrente em cumprimento das regras do ónus da prova e do contraditório ofereceu a respectiva prova (testemunhal).

Oitava: Entendeu o Tribunal a quo, na douta decisão que se recorre, que “não há no PER resposta às impugnações, o saneamento, a instrução e o julgamento previstos nos artigos 131º, 136 e seguintes do código” e ainda que “ não há no PER uma norma que faça uma remissão para aquele regime mais complexo e o artigo 17º - D expressa uma tramitação própria “.

Nona: Ora com tal fundamento, o juiz a quo ignorou, desconsiderou, “fez tábua rasa, da RESPOSTA À IMPUGNAÇÃO e da Prova nela apresentada pelo Banco ora Recorrente /Apelante

Décima: A Possibilidade da Resposta à impugnação, é incontestável, face à necessidade de garantia do contraditório que o artigo 3º nrº 2 e 3 do NCPC, aplicável ex vi do artigo 17º do CIRE assegura.

Decima primeira: Aliás este entendimento é pacifico quer na doutrina quer na jurisprudência, vide, a titulo de exemplo o ACÓRDÃO Tribunal da Relação do Porto DE 27-02-2014, PROFERIDO NA APELAÇÃO Nº 208/13.9tbchv.P1.

Décima segunda: Por esta ordem de razões, face à violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes, padece a douta sentença recorrida de uma nulidade insanável e consequentemente deve ser revogada e substituída por decisão de V.Exªs que admitindo a resposta à Impugnação do Créditos admita a prova testemunhal nela oferecida com a consequente anulação dos subsequentes termos processuais que dela dependiam.

Ademais,

Décima Terceira - Pode ainda ler-se na fundamentação da douta decisão recorrida que:

“ (…) consta da DECISÃO DE CERTIFICAÇÃO DE DESPESA/ PAGAMENTO /ENCERRAMENTO que aqui se junta com a referida impugnação sob o doc. nrº 3 e na qual expressamente se decide: “b) Libertar a garantia bancária nrº 962300488003614, emitida em 10/01/2011, pelo Banco AA, no valor de € 289.289,00, correspondente a 35% do Incentivo homologado, em conformidade com o definido na Norma de Pagamentos, após a devolução do incentivo e resolução dos incumprimentos para o IAPMEI “ (sublinhado nosso)

Décima quarta – Do exposto concluiu a douta sentença em crise (tal como a Recorrida/Impugnante ), que tal significa que a referida garantia bancária 962300488003614 constituída a favor do IAPMEI além de nunca ter sido accionada pelo Banco AA, encontra-se já extinta por decorrência do prazo legal estipulado e (…) em virtude do IAPMEI ter decidido libertar a garantia bancária nrº 962300488003… emitida em 10/01/2011, pelo Banco AA, no valor de 289.289,00 € .

Décima quinta - Ora com o devido respeito, há aqui um manifesto erro de julgamento e de apreciação da prova, isto porque, no documento supra referido e junto pela Impugnante / Recorrida como documento nrº 3 da sua Impugnação, no ponto VII com o titulo “Conclusão e Parecer “é proposto e não decidido libertar a garantia bancária nrº 962300488003---, emitida em 10/01/2011, pelo Banco AA, no valor de € 289.289,00, após a devolução do incentivo e resolução dos incumprimentos para o IAPMEI”.

Décima sexta: É patente e manifesto em tal documento que não há nenhuma decisão do IAPMEI de libertar a garantia em crise, há sim, apenas uma proposta de a libertar condicionada a devolução do incentivo e resolução dos incumprimentos para o IAPMEI, condição esta que não se verificou ( nem tão pouco foi alegada a sua verificação pela Recorrida/ Impugnante).

Décima Sétima: Tem-se, pois, que concluir, necessariamente que se mantém válida a garantia, aliás como o atesta o documento nrº 1 ora junto, devendo por isso, considerar-se como reconhecido a totalidade do crédito reclamado pelo Banco AA e reconhecido na lista Provisória, ainda que o montante de € 289.289,00 respeitante à garantia, seja um crédito sob condição e, assim, revogada, a sentença recorrida seguindo-se então os ulteriores termos.

Décima Primeira: Ao ter julgado como julgou o Meritíssimo juiz a quo, violou, entre outras as normas dos artigos 3º nrº 1, 2 e 3, do C.P.C. aplicável ex vi artigo 17º do CIRE, artigo 342 do C.C. e ainda o artigo 131º do CIRE e fez uma errada apreciação da prova.

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A Apelada não apresentou contra alegações.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar se no âmbito do processo de revitalização, na situação de impugnação da lista provisória de créditos, é admissível resposta à impugnação.

- Apreciar se no âmbito do processo de revitalização, na impugnação da lista provisória de créditos, ou da sua resposta, se admissível, será de admitir qualquer tipo de prova e, em consequência, se deve ser produzida toda a prova requerida pela recorrente.

- Apreciar se a prova documental oferecida era bastante para o crédito ser reconhecido na sua totalidade.

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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A considerar, por relevante para a decisão a proferir, além da matéria de facto já referida no relatório deste acórdão, haverá ainda o despacho proferido nos autos que tem o seguinte teor:

“(…)

A aludida lista foi impugnada pelos credores CC Banco (cfr. Fls. 202 verso), Banco AA (fls. 333) e Banif (fls. 356).

O aludido art. 17°-D, nº 3 do ClRE dispõe que: “... podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.

A lei consagrou um regime de cariz voluntário, optativo e de pendor marcadamente extrajudicial.

O quórum deliberativo para aprovação do plano de revitalização de empresa é calculado com base nos créditos relacionados, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17°-D.

Nos termos do art.17°-F, nº 3, da lei, para esse quórurn, o juiz pode computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

Confrontando este regime, especificamente no que respeita às impugnações, com o previsto nos arts.128° e seguintes da lei, para o processo de insolvência, detectamos diferenças essenciais:

Não há no PER a resposta às impugnações, o saneamento, a instrução e o julgamento previstos nos arts.131º, 136° e seguintes do código.

Não há no PER uma norma que faça uma remissão para aquele regime mais complexo e o art.17°-D expressa uma tramitação própria.

E entende-se que assim seja porque, no PER, entre as impugnações e a conclusão das negociações medeiam 2 meses, no máximo três, sendo certo que para a deliberação do plano deverão estar os credores interessados.

Cumpre assim decidir cada uma das impugnações apresentadas. CC Banco, SA.”

(…)

Banco AA.

Conforme consta da DECISÃO DE CERTIFICAÇÃO DE DESPESA/PAGAMENTO/ENCERRAMENTO que aqui se junta com a referida impugnação sob o doe. 11.°3 e na qual expressamente se decide: "b) Libertar a garantia bancária n° 962300488003614,emitida em 10/01/2011, pelo Banco AA, no valor de 289289,00Euros, correspondente a 35% do Incentivo homologado, em conformidade como definido na Norma de Pagamentos, após a devolução do incentivo e resolução dos incumprimentos para com o IAPMEI.".

Significa isto que, a referida garantia bancária n." 962300488003614 constituída a favor do IAPMEI além de nunca ter sido accionada pelo Banco AA, encontra-se já extinta por decorrência do prazo legal estipulado e em virtude do IAPMEI ter decidido libertar a garantia bancária n? 962300488003614 emitida em 10/0112011, pelo Banco AA, no valor de 289.289,OO€.

Pelo exposto e decidindo:

Deve o crédito do Banco AA no montante global de 752.036,83€ ser reduzido em conformidade, ou seja, deduzido o montante de 289.289,00€ referente à garantia bancária não accionada e já extinta, devendo o crédito reconhecido na lista provisória de credores ser alterado para 462.748,00€.

(…)”

Fundamentação de direito.

A sustentar a sua pretensão recursória alega o Recorrente que o tribunal recorrido desconsiderou ou fez tábua rasa da resposta à impugnação por si apresentada e da prova nela apresentada, sendo que, em seu entender, face à necessidade de garantia do contraditório, é incontestável a possibilidade de resposta à impugnação, razão pela qual deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que admita a resposta à impugnação dos créditos, bem como a prova testemunhal nela oferecida, com a consequente anulação dos subsequentes termos processuais.

O processo especial de revitalização surge como resposta estratégica à necessidade da criação de uma envolvente favorável à revitalização do tecido empresarial português numa altura particularmente sensível do seu desenvolvimento, com o objectivo de se afirmar como uma solução de reestruturação empresarial em ordem a promover a viabilização e/ou recuperação do devedor.

Assim, em conformidade com o que se dispões no artigo 17°-A, nºs. 1 e 2, do CIRE, “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”, e pode "ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação".

Com a introdução do Processo Especial de Revitalização no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a satisfação dos direitos dos credores deixou de consistir no objectivo primordial, ou quase único, da liquidação do devedor, passando, desde então, a revitalização do devedor a consubstanciar, também, um fim a ter em conta no âmbito do CIRE, alterando-se, assim, o paradigma da legislação falimentar.

Na verdade, a introdução deste tipo de processo especial teve em vista possibilitar ao devedor, em situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, o estabelecimento de ajustes, por acordo com os respectivos credores, por forma a concluir com estes um pacto que vise a sua revitalização e consequente recuperação económica.

O processo especial de revitalização reveste, assim, uma natureza negocial e extrajudicial, do devedor com os credores, sob a coordenação, direcção e escrutínio do administrador judicial provisório, em ordem, como se disse, à prossecução de um confessado propósito exteriorizado num acordo, ou seja, num plano de recuperação, que promova a reestruturação da em-presa, permitindo a respectiva revitalização, o qual, a final, poderá ou não ser aprovado, seguindo, para o efeito, os termos do disposto nos artigos 17°-F e 17º-G, do CIRE, onde se estabelece o quórum necessário para a aprovação.

Sendo este um processo onde impera o primado da vontade dos credores que, quase plenamente, dele decidem, confiou-se, no entanto, ao administrador judicial, e, de algum modo, ao devedor, a responsabilidade de obviarem a abusos nefastos para aqueles e para a saúde da economia, restando, assim, para a intervenção do Juiz, neste processo, um papel residual, cabendo-lhe, quase em exclusivo, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis, e cujo cumprimento, constitui pressuposto da homologação do plano, e que contendem, quer com as regras procedimentais a respeitar, quer com o próprio conteúdo do plano.

O processo de revitalização assume, assim, uma natureza e a estrutura de um processo declarativo, a cujo regime está sujeito, com as especialidades previstas no CIRE, sendo assim aplicáveis, para além do mais, os mesmos princípios, regras e preclusões, do que qualquer outro, dessa mesma natureza, e, designadamente, as normas atinentes à consagração e cumprimento do princípio do contraditório.

Como é consabido, o princípio do contraditório é hoje entendido “como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirectamente, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. Cfr. Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 7-8.

Assim se conclui que o fim principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.

Destarte, não faria muito sentido que o tribunal decidisse sobre a admissibilidade ou não de um crédito, e da sua eventual inclusão nas listas provisória e definitiva, como tudo quanto por inerência daí decorre para a concretização do direitos dos credores e da subsequente evolução do próprio processo, sem se facultar ao alegado credor a possibilidade de discutir com o devedor as razões por este aduzidas em sede de impugnação do seu crédito.

Certo que, como defendem Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, “a decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, pelo que é meramente acessória desta. O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos.

A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do nº2 do artigo 96º do CPC não constitui caso julgado fora do respectivo processo. Esta é, aliás, a solução que mais se coaduna com os objectivos do PER. O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental.

Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de poder dispor de todos os meios de defesa e prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que – em última análise – comprometeria os objectivos do PER ou, pelo menos, lhe traria uma complexidade desnecessária”. Cfr. Salazar Casanova e David Cequeira, O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE, Coimbra Editora, Março de 2014, pág. 79.

Todavia, e sem embargo dessas características de celeridade e simplicidade do PER, como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 27/02/2014 Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 27/02/2014, proferido no processo nº 208/13.9tbchv.P1, in www.dgsi.pt. , “(…) em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 17º-D do CIRE, logo que receba a notificação do despacho a nomear o administrador judicial provisório, deverá o devedor comunicar aos credores que não subscreveram a declaração escrita, que foi dado início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas mesmas.

Em relação aos credores, o despacho de nomeação do administrador judicial provisório determina, a partir da sua publicação no mesmo portal electrónico, o início do prazo de 20 dias para qualquer deles reclamar os seus créditos, incluindo os que assinaram a declaração com a manifestação de vontade de encetarem negociações e referida no n.º 1 do artigo 17.º-C do CIRE.

As reclamações são remetidas ao administrador judicial provisório, que, num um prazo de 5 dias, elaborará lista provisória de créditos que, apresentada na secretaria do tribunal, será publicada no portal Citius.

Após a publicação, a lista pode ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, convertendo-se em definitiva, na ausência de impugnações, como se extrai dos n.ºs 2 a 4 do artigo 17.º-D do CIRE.

A lei não regulamenta de forma específica a impugnação pelos credores da lista provisória de créditos para o processo especial de revitalização.

Na falta de regulamentação própria, a impugnação da lista provisória deve processar-se segundo as regras previstas para a impugnação dos créditos no processo de insolvência, designadamente as dos artigos 130º e 131º do CIRE, e podendo ter por fundamento a “…indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualidade dos créditos reconhecidos, como dispõe o n.º 1 do art.º 130.º do CIRE.

(…)

“Após esta breve incursão no ritualismo do processo especial de revitalização, importa agora equacionar se, no caso aqui objecto de debate, tendo ocorrido impugnação da lista provisória de créditos quanto a três dos créditos reclamados pela credora e ora apelante “C…, S.A.”, se exigia que esta fosse notificada dessa impugnação e se a lei lhe reconhece a faculdade de responder à mesma.

Quanto à exigência da notificação, a mesma é incontestável, face à necessidade de garantia do contraditório que o artigo 3º, nº2 e 3 do NCPC, aplicável ex vi do artigo 17º do CIRE, assegura.

A segunda questão encontra resposta no que já antes se deixou afirmado: a falta de regulamentação própria quanto ao procedimento da impugnação da lista provisória de credores nos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE, designadamente quanto aos seus fundamentos e quanto ao modo de processamento, deve ser suprida com recurso às normas disciplinadoras de tal matéria previstas no aludido diploma para o processo de insolvência, com as devidas adaptações. Nomeadamente, quanto ao prazo de resposta que não deve ser superior ao fixado pelo artigo 17º-D, nº3 para as reclamações.

Importa notar que se o devedor ou a maioria dos credores concluírem antecipadamente que não é possível obter acordo, ou no caso de ser ultrapassado o prazo a que se refere o nº5 do artigo 17º-D do CIRE, o administrador provisório deve comunicar ao processo o encerramento do processo negocial, nos termos do nº 1 do artigo 17º-G do mencionado diploma.

Nestas circunstâncias, segundo determina o nº 4 do referido normativo, “compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência”.

Configurada esta hipótese, convertido o processo de revitalização em processo de insolvência e decretada esta pelo juiz, a lista definitiva dos credores é aproveitada neste processo e “…prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D”, conforme dispõe o nº7 do referido artigo 17º-G.

Esta circunstância, aliada ao processo de votação pelos credores do plano de revitalização e ao cálculo do quórum deliberativo exigido para o efeito, “…com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D” justificam plenamente que, havendo impugnação da lista provisória de créditos, seja assegurado ao credor reclamante dos créditos objecto dessa impugnação o direito de a ela responder”. Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 04.02.2014, processo nº 622/13.0TBCHV-A.P1, acórdão da Relação de Lisboa de 09.05.2013, processo nº 2134/12.0TBCLD-B.L1-2, ambos em www.dgsi.pt.

Ao Recorrente terá assim de ser reconhecido o direito de discutir as razões ou fundamentos da impugnação deduzida, o que na presente situação, assim não sucedeu, já que o tribunal recorrido, por entender não haver no PER resposta às impugnações, saneamento, instrução e julgamento previstos nos artigos 131º, 136 e seguintes do CIR, não conferiu qualquer relevância à resposta apresentada, e bem assim, à prova documental com ela junta.

Questão substancialmente diversa será já a de saber quais os meios probatórios admissíveis em sede de resposta à impugnação.

Se é certo que a letra da lei não veda expressamente a produção de qualquer tipo de prova, a sua interpretação sistemática e teleológica aponta, no nosso modesto entender, para conclusão restritiva a este respeito, e, desde logo, os curtíssimos prazos estabelecidos nos nºs 2 e 3 do artº 17º-D não são compagináveis com a produção de prova testemunhal.

Pra tanto bastará atentar na dilação processual que implica qualquer diligência que imponha a intervenção de mandatários e testemunhas para logo se concluir que o respeito pelo prazo legal ficaria irremediavelmente comprometido.

Aliás, a admitir-se outro tipo de provas para além da documental, porque razão se admitiria apenas a testemunhal e não já também a prova pericial?

A produção de prova que não seja de natureza meramente documental protela, necessariamente, a prolação da decisão, circunstância que o legislador não podia desconhecer quando fixou o prazo de 5 dias, legitimando, portanto, a interpretação no sentido da exclusiva admissibilidade da prova documental.

Como se disse, “a decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, pelo que é meramente acessória desta”, não visando o PER dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos e sendo “um processo que se quer simples e célere, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental”.

Assim, a impugnação de créditos e as subsequentes avaliação e decisão judiciais só podem ser suportadas em prova documental e esta última tem carácter definitivo nos termos e para os efeitos do processo de revitalização em que se insere.

Portanto, e em decorrência de tudo o exposto julga-se procedente a presente apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se seja substituída por outra que admita a resposta à impugnação dos créditos e a prova documental nela oferecida, em vista à sua subsequente valorização, anulando-se os subsequentes termos processuais.

Sumário- artigo 667, nº 3, do C.P.C..

I - Tendo ocorrido impugnação da lista provisória de créditos relativamente a alguns dos créditos reclamados, devem os credores ser notificados dessas impugnações, uma vez que lhes é legalmente reconhecido o direito de resposta, decorrente da necessidade de garantia do contraditório que o artigo 3º, nº2 e 3 do NCPC, aplicável ex vi do artigo 17º do CIRE.

II - Os curtíssimos prazos estabelecidos nos nºs 2 e 3 do artº 17º-D, do CIRE, não são compatíveis com a produção de prova testemunhal.

III - A decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, assentando apenas em prova documental.

IV- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a apelação procedente, e, em consequência, decidem revogar a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que admita a resposta à impugnação dos créditos e a prova documental nela oferecida, anulando-se todos os termos processuais subsequentes.

Sem custas.

Guimarães, 01/06/2015.

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo