Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
275/10.7TBPTB.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRAZO PRESCRICIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I- À responsabilidade civil do Banco (intermediário financeiro), é aplicável o regime específico previsto no artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, e, no caso de existência de culpa leve ou levíssima, é aplicável o prazo de prescrição é de dois anos, previsto no artigo 324.º, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários.

II- E, tratando-se de dolo ou culpa grave, é aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.

III- Revelando-se, em sede de responsabilidade contratual, inaplicável o prazo prescricional previsto no artigo 498.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: 23

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

Apelação nº 275/10.7TBPTB.G1

Relator: Jorge Teixeira.


Largo João Franco, 248 - 4810-269 Guimarães – Telefone: 253 439 900 – Fax: 253 439 999

Correio electrónico: guimaraes.tr@tribunais.org.pt; Internet: www.trg.mj.pt


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA...

Recorrido: “Banco BB, S.A.”,

Tribunal Judicial de Viana do Castelo- Instância Central, Secção Cível.

AA, residente no lugar do C…, P…, Ponte da Barca, veio propor contra “Banco BB, S.A.”, com sede na Praça D. João I, …Porto, a presente acção ordinária n.º 275/10.9TBPTB, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 500.000,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Como fundamento alega, em síntese, no contexto de uma campanha de angariação de cliente, promovida pelo Réu, designada de “Campanha Accionista BCP 2000”, entre os anos 1999 e 2000, o A. comprou milhares de acções do B.C.P., da PT e da Sonaecom, num investimento global total de € 565.946,06.

Para financiar esse investimento, além das poupanças de que dispunha, contraiu ainda empréstimos junto do Réu, no valor global de 409.014,28.

Mais alega que, apesar dos avultados valores envolvidos, não lhe foi prestada qualquer informação ou aconselhamento específico sobre a natureza, o alcance e os riscos das transacções envolvidas, não obstante ter sido o gerente do balcão de Ponte da Barca quem o incentivou a gastar as suas economias na compra das acções, e o persuadiu a contrair o aludido empréstimo.

Por outro lado, e apesar de lhe ter emprestado o mencionado montante para a compra das acções, não cuidou o Réu de apurar da sua situação patrimonial e financeira, de molde a poder avaliar a sua capacidade de endividamento, sendo sempre os empréstimos concedidos rápida e facilmente, com decisão, muitas vezes, na hora, ao nível do próprio balcão, e sempre com aprovação da concessão do crédito que nunca excedia as 24 horas.

O A., funcionário da GNR, não possui outras fontes de rendimento para além da retribuição do seu trabalho, sendo que, ao contrário do lucro e liquidez que lhe foram assegurados pelo Réu, o negócio da compra de acções veio a revelar-se absolutamente ruinoso, uma vez que durante o ano de 2000, a cotação das acções adquiridas foi descendo e, em vez do lucro prometido, o A. sofreu um prejuízo não inferior a € 500.000,00.

Assim sendo, actuar do modo descrito, o Réu, por um lado, violou grosseiramente os deveres contratuais de protecção a cuja observância estava legalmente obrigado, e, por outro, em lugar do comedimento que era imperioso colocar na avaliação do risco inerente a um investimento de tão avultado valor, o banco Réu comportou-se de forma leviana, sem qualquer consideração dos interesses patrimoniais do A..

Com estes fundamentos conclui pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de indemnização, o montante de € 500.000,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Citado que foi de forma válida e regular, o Réu contestou em tempo, e defendendo-se por via de excepção, invocou a excepção da prescrição do eventual direito invocado pelo A..

Defendendo-se por impugnação, alegou ainda que o A., sendo um experimentado apostador e jogador de bolsa, como o propósito de obter mais valias, para além dos investimentos em causa nos autos, efectuou outros e avultados investimentos em acções ou fundos de acções, de mais de € 300.000,00, por intermédio do banco Réu, e para o desempenho dessa actividade nunca pediu qualquer aconselhamento, tendo sido sempre ele quem, deslocando-se aos balcões do BCP, deu as ordens que entendeu, umas vezes de compra e outras de venda dos títulos e participações de que era titular, anunciando-se sempre como conhecedor do mercado e da razão de ser das decisões tomava.

Com estes fundamentos conclui pela improcedência da acção.

Terminados os articulados, foi proferido despacho saneador, onde se procedeu à selecção da matéria de facto e se afirmou a validade e regularidade da instância.

Realizado o julgamento, foi elaborado despacho que respondeu à matéria de facto controvertida, que não mereceu qualquer censura, sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformado com tal decisão, apela o Autor, pugnando pela revogação da decisão, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:

“1. A sentença recorrida baseia-se em dois fundamentos: (i) por um lado, o crédito indemnizatório do autor ter-se-á extinto, por actuação da prescrição prevista no art. 324.º 2 do CVM; (ii) por outro lado, o réu teria, de qualquer modo, cumprido os deveres cuja violação lhe era imputada.

2. Entende o apelante que ambos os fundamentos da sentença se acham afectados por erros de direito que determinam a sua improcedência - e, portanto, a procedência do presente recurso

3. O direito do autor, a que corresponde a obrigação de indemnizar do réu, não prescreveu.

4. A norma do art. 324.º/2 do CVM não é aplicável ao caso dos autos.

5. A norma do art. 324. do CVM, que integra o regime do incumprimento dos deveres emergentes dos específicos contratos de intermediação financeira previstos no respectivo Capítulo II do Titulo VI do Cv1VIl não é aplicável ao caso dos autos porque, justamente, o que neles está em causa é I) incumprimento de outra categoria de deveres, sujeita a um regime diverso (arrumado no Capítulo I do Titulo VI do CVM) - os deveres gerais do intermediário financeiro

6. Mesmo que se admitisse a tese da aplicabilidade da norma do art. 324º/2 do CVM, sempre seria de julgar improcedente a excepção de prescrição, uma vez que não se provou nos autos o facto de que o legislador faz depender o início do prazo de prescrição que aí se prevê.

7. Os deveres gerais dos bancos intermediários financeiros (aqueles que se encontram estatuídos nos arts. 74º e 76º do RGICSF e 304.° e 310. do CMVM são verdadeiros deveres contratuais (incluídos no conteúdo da relação emergente do "contrato bancário geral), estando a obrigação de indemnizar resultante da sua violação sujeita ao regime da responsabilidade contratual.

8. Sabendo-se, em relação ao direito português (…) não ter feito carreira a ideia de que o prazo previsto para a responsabilidade por factos ilícitos, no art, 498.º/1 seria também aplicável à responsabilidade contratual ao crédito indemnizatório referente a danos causados pela violação dos deveres gerais do banco intermediário financeiro, é aplicável, na falta de disposição especial que acolha solução diferente, o art. 309 do Código Civil, que estabelece em 20 anos o prazo ordinário de prescrição.

9. O cumprimento é um facto extintivo do direito do credor, pesando sobre o devedor, portanto, o ónus da sua prova, precisamente nos termos do ar t, 342º/2 do CC.

Não era, pois, ao autor que competia a prova do incumprimento dos deveres a que estava sujeito o réu, mas a este que incumbia a prova do seu cumprimento.

Os factos probatoriamente adquiridos no processo demonstram, que o réu infringiu a proibição de intermediação excessiva, a respeito quer da aquisição de valores mobiliários, quer da concessão de crédito para a financiar, e incumpriu os seus deveres de cuidado e diligência a respeito da integridade do património do autor - proibição (que se manifesta num dever de abstenção) e deveres previstos nos arts. 74º e 76º do RGICSF e 304º e 310,° do CVM.

12. O banco réu, que qualifica o autor como “apostador e jogador de bolsa experimentado”, não se portou de modo muito diferente do dono do casino que empresta dinheiro ao, jogador para ele poder continuar a jogar na expectativa de ganhar para pagar os empréstimos já anteriormente concedidos para financiar as apostas.

13. O tribunal recorrido confundiu dois planos juridicamente distintos e autónomos: o plano da validade dos específicos contratos relativos à aquisição de valores nobiliários e à concessão de crédito para financiá-la celebrados pelo autor (em que relevam os vícios da vontade); e o plano da responsabilidade civil do réu (em que releva a violação dos deveres emergentes do "contrato-quadro” em que consiste o "contrato bancário geral" que antecede aqueloutros),

14. O tribunal recorrido violou as seguintes normas jurídicas: o art. 324,°/2 do CVM\1; o art. 314/2 do CVM; o art. 342/ 2 do CC; o art. 309, do CC; o art. 799.°/1 do CC; e os arts. 74º e 76º do RGlCSF e 304º e 31º do CVM.”

*

O Apelado apresentou contra alegações, concluindo pela improcedência do recurso interposto.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar e decidir da verificação ou não da excepção da prescrição do alegado direito indemnizatório do Autor.

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

A) - O Autor é cliente do Réu há mais de 10 anos.

B) - Consta dos autos a fls. 39 um escrito, co-subscrito pelo Autor, datado de 19/03/2001, contendo o seguinte teor, com relevo para os presentes autos:

Exmº Sr. Eng. …, Presidente do Conselho de Administração do BB

Assunto: Reestruturação de Dívidas

AA, CC…, DD e EE Exmº Sr. Engenheiro, Os n/ respeitosos cumprimentos

Apresentamos desde já as nossas desculpas, por tomarmos a liberdade de nos dirigir a V.Exa., mas o assunto é tão delicado para nós e nossas famílias, que só apelando a alguém com enorme espírito de compreensão e humanismo, como sabemos possuir, teremos hipóteses de olhas as n/ vidas futuras com sentido positivo.

Somos clientes da … de Ponte da Barca. Sempre tivemos um forte envolvimento com o Banco. Este sempre nos apoiou em crédito, dado termos uma enorme apetência para a compra e venda de acções. Todas as operações de crédito foram feitas com cobertura das acções e fundos de investimento, e atingiam normalmente rácios de cobertura de 140 %.

Infelizmente as últimas operações não correram bem. Por um lado, o mercado de capitais, por outro, o tipo de acções que adquirimos e focamos, aqui essencialmente a PT-Multimédia, empurraram-nos para uma situação que nos traz apreensivos e desgastados. Os rácios de cobertura desceram para 65, 73, 97 e 66 %, respectivamente.

A única saída seria alterar os empréstimos de curto para médio prazo. O Banco aceitou, mas quer a nível do prazo, quer a nível de período de carência não foi de encontro ao nosso poder de solvência das dívidas. Os prazos passaram para 8 e 6 anos, carência apenas no capital (3 meses) e pagamento imediato mensal de juros.

Somos pessoas de bem. Queremos cumprir com as nossas obrigações. Mas estas reestruturações vão-nos levar a um beco sem saída, pois não temos capacidade para efectuar o pagamento.

Todas as nossas carteiras de acções estão já entregues à XX… Investimentos – Gestão de Patrimónios.

Neste sentido vimos solicitar a V.Excia., se digne intervir neste nosso “gravíssimo problema e Autorize que todas as contas empréstimos passem para o prazo de 15 anos, a carência de capital para um ano, e o pagamento de juros seja feito no primeiro ano de 6 em 6 meses. Assim pode V. Excia ficar com a certeza absoluta que teremos capacidade para ir pagando atempadamente e nós esperançados que o mercado de capitais possa também dar a sua ajuda e assim mais rapidamente liquidemos todos os n/ compromissos.

Gratos pela atenção dispensada nos subscrevemos com elevada consideração e estima”.

1.º,2.º - No 2.º semestre de 2000, o Réu organizou a “Campanha Accionista BB 2000”, destinada a que os clientes comprassem no mercado acções do BB SA, sendo intenção do Réu, como efeito secundário dessa campanha, que os compradores dessas acções pudessem vir a ser, também, adquirentes de outros produtos e serviços financeiros por ele fornecidos.

3.º - Esta campanha era para a rede de retalho, ou seja, para os balcões do Réu, cujos funcionários receberam instruções para convencerem o público a adquirir acções do BB.

4.º - Nessa campanha, o Réu instituiu um sistema de incentivos de € 25,00 por cada novo accionista angariado e € 0,10 por cada acção colocada, sendo tais valores imputados na conta de exploração de cada sucursal.

5.º - Nessa campanha foram fixados pelo Réu objectivos para cada balcão, sendo os gerentes, em última análise, os responsáveis pelo respectivo cumprimento.

6.º - A direcção comercial do Réu dava instruções aos gerentes para que estes e os seus colaboradores realizassem os referidos objectivos.

7.º - Face aos aludidos incentivos, o então gerente do balcão de Ponte da Barca do Réu promoveu, junto do Autor, a aquisição por este de acções do BB.

8.º - Em 2000, o então gerente do balcão do Réu de Ponte da Barca promoveu, junto do Autor, a aquisição por este de acções de outras empresas, através do Réu como intermediário financeiro.

9.º - Pelos serviços de intermediação financeira que prestava aos clientes, de transacção e depósito das acções que estes adquiriram, o Réu cobrava as comissões correspondentes.

10.º - Como argumento das promoções referidas nas respostas aos quesitos 7.º e 8.º, o gerente do balcão de Ponte da Barca referia a expectativa de que as acções se iriam valorizar.

11.º - No contexto descrito nas respostas aos quesitos 7.º a 10.º, entre 1999 e 2000 o Autor comprou milhares de acções do BB, da PT Multimédia e da Sonaecom.

12.º - Os negócios de compra referidos na resposta ao quesito anterior custaram ao Autor € 723.108,00.

13.º - Para financiar parte desse investimento e entre Fevereiro e Outubro de 2000, o Autor, incentivado pelo gerente do balcão de Ponte da Barca do Réu, contraiu os empréstimos referidos em B).

20.º - Em 1999 e 2000, o Autor pertencia à GNR.

21.º - Em finais de Março de 2000, a cotação das acções da PT Multimédia sofreu uma quebra acentuada.

22.º - Apesar disso, o gerente do balcão de Ponte da Barca do Réu continuava a incentivar o Autor a comprar as mesmas acções e a contrair empréstimos para o efeito, alimentando a expectativa da sua revalorização.

23.º - A cotação das acções da PT Multimédia não recuperou.

24.º - Entre a aquisição de Fevereiro de 2000 e a de Outubro de 2000, ambas efectuadas pelo Autor, as acções da PT Multimédia desceram, no seu valor unitário, de € 104,59 para € 36,99.

25.º - As acções adquiridas pelo Autor, depois de integradas na carteira gerida pelo Réu, viriam a ser vendidas por este, que usou os fundos daí resultantes para se fazer pagar de parte da dívida, resultante dos empréstimos que concedera ao Autor.

26.º - Depois da desvalorização das acções, o Réu, através do seu serviço de contencioso e perante a iminência de executar os bens do Autor, pressionou este a constituir hipoteca sobre a sua própria casa, de modo a assegurar o reembolso e os juros correspondentes.

27.º - O Autor acabou por hipotecar a sua casa, adquirida com recurso a crédito bancário, para garantir os empréstimos que o Réu lhe concedera para comprar acções.

28.º - Até hoje, grande parte do rendimento do agregado familiar do Autor é canalizada para o reembolso dos empréstimos e respectivos juros, situação que se manterá por vários anos.

29.º - À semelhança de outros bancos nacionais, o Réu desempenhou um papel na organização e colocação das ofertas públicas de venda das acções da Sonaecom e da PT Multimédia.

30.º - Desde Junho de 1996, o Autor vinha investindo na compra e venda de acções, no propósito de obter mais valias.

31.º - Entre Junho de 1996 e Outubro de 2000, o Autor foi titular de uma carteira de acções composta por títulos da Brisa, Cimpor, A. Silva Silva, Gestnave, Sonae, Jerónimo Martins, EDP, Crédit Lyonnais, Portucel, Mota Engil, Inapa, Cofina, Império Bonança, Axa Portugal, Banco Espírito Santo, Lisgráfica, Finibanco, Sonae Indústria, Somague, Mundial Confiança, Banco BPI, Portugal Telecom, Vodafone, PT Multimédia e BCP.

32.º - No mesmo período, o Autor era também titular de participações em fundos de acções.

33.º - As ordens de compra ou venda de acções e participações referidas nas respostas aos dois quesitos anteriores foram dadas pelo Autor ao Réu, através dos seus funcionários.

34.º - Entre Junho de 1998 e Outubro de 2000, o Autor, na gestão da sua carteira de títulos, transmitiu ao Réu mais de 200 ordens de compra e venda de títulos cotados, movimentando mais de duzentas mil acções.

35.º - Nas ordens de compra e venda de títulos referidas nas respostas aos quesitos 31.º a 34.º, o Autor movimentou centenas de milhares de euros.

39.º - O Réu, através dos seus funcionários, sempre cumpriu as ordens emanadas pelo Autor.

40.º - Nessas transacções, o Réu prestava aconselhamento ao Autor, nomeadamente no que se refere ao valor dos títulos e previsível evolução da sua cotação, aos custos das operações desejadas e ao processamento das mesmas.

42.º - Em 10 de Agosto de 2000, o Autor adquiriu 4371 acções do BB, pelo preço unitário de € 5,75.

43.º - Em 27 de Novembro de 2000, o Autor vendeu 4500 acções do BB, onde se incluíam referidas na resposta ao quesito anterior, pelo valor unitário de € 5,79.

44.º - O Autor fez sua a mais valia decorrente do negócio referido nas respostas aos quesitos 42.º e 43.º.

45.º - As referidas na resposta ao quesito 42.º foram as únicas acções do Réu adquiridas pelo Autor durante o período da “Campanha Accionista BB 2000”.

46.º - Os empréstimos concedidos pelo Réu ao Autor em 2000, para compra de acções, não se referem a títulos do BB.

50.º - Desde 1996 até ao início de 2000, o Autor não foi titular de mais de 9000 acções do BB.

54.º - A expectativa referida na parte final da resposta ao quesito 22.º era partilhada pelo Autor.

55.º - Os empréstimos do Réu ao Autor em 2000 perfizeram € 384.074,38 e foram aplicados na compra de títulos diferentes do BB, designadamente da PT Multimédia.

56.º - Com a esperada subida do valor destas acções, o Autor acreditou que poderia não só pagar tais empréstimos, como também recuperar parte da menos valia entretanto sofrida com a desvalorização de títulos anteriormente comprados no mesmo ano.

57.º - Os empréstimos concedidos pelo Réu ao Autor foram aprovados não na agência de Ponte da Barca, mas a nível central, na Direcção de Crédito do Réu.

58.º - A aprovação desses créditos seguiu o normal processamento instituído dentro dos serviços do Réu, nomeadamente a elaboração de pareceres relativos às propostas apresentadas pelo Autor por vários departamentos do Réu e não só ao nível da agência de que o Autor era cliente.

59.º - As reformas das livranças de Julho e Agosto de 2000, bem como o último empréstimo, de Outubro do mesmo ano, foram concedidos pelo Réu face às expectativas referidas nas respostas aos quesitos 22.º e 54.º.

61.º - O Réu concedeu os empréstimos ao Autor tendo presente o perfil do cliente e o seu passado de investidor no mercado de capitais.

62.º - O Autor contraiu tais empréstimos de livre vontade.

63.º - Os títulos comprados pelo Autor não subiram a sua cotação, não permitindo ao Autor a compensação das perdas nem a obtenção dos valores dos empréstimos do Réu.

64.º - Em 2001, o Réu aceitou conceder ao Autor prazos mais alargados para o pagamento dos empréstimos.

65.º - O Autor tem pleno conhecimento dos negócios celebrados com o Réu e dos respectivos termos há mais de 10 anos.

Fundamentação de direito.

Sendo estes os factos tidos como demonstrados, cumpre agora proceder à apreciação da sua relevância e enquadramento jurídico tendo sempre em vista as pretensões do Recorrente ínsitas e contidas nas conclusões formuladas, que definem e delimitam o objecto do presente recurso.

E, como resulta do exposto, a única questão a decidir consiste na de apreciar se se verificará ou não a excepção da prescrição do direito indemnizatório que o A. pretende fazer valer nestes autos.

Ora, e como se refere na decisão recorrida, “Estriba o Autor a sua pretensão indemnizatória num conjunto de factos que, na sua versão, configuram uma actuação do Réu desconforme quer à lei que rege a actividade bancária (D.L. n.º 298/92, de 31 de Dezembro) quer às normas do Código de Valores Mobiliários (CVM, aprovado pelo D.L. n.º 486/99, de 13 de Novembro): como intermediário financeiro, o Réu teria, de forma agressiva, sem respeitar os direitos do cliente e sem curar de saber se o mesmo tinha património para os garantir, persuadido o Autor a contrair empréstimos para compra de acções que, contra a garantia dada pelo Réu, se desvalorizaram, provocando um grande prejuízo ao Autor”.

Como é sabido, impende sobre as instituições de crédito, designadamente os seus administradores e empregados, nas suas relações com os clientes, o dever de “proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados”, informando-os, designadamente, da “remuneração que [aquelas instituições] oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados”, devendo ainda “Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, (…) proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores”. – Cfr. artigos 74, 75 e 76, do D.L. 298/92, de 31/12.

E, considerando que a situação em apreço se situa no âmbito da intermediação financeira, entende-se na decisão recorrida, que lhe é aplicável o regime previsto no artigo 324, nº 2), do CVM.

Assim, aí se conclui que, atento a que “a concessão dos empréstimos referidos em B), e usados nas acções cuja cotação desceu a pique, configura um serviço auxiliar dos serviços de investimento prestados pelo Réu no âmbito da intermediação financeira, não se vê como excluir a aplicação de tal prazo de prescrição”, que, “aliás, exactamente pela supra referida presunção de culpa, e também pela nulidade das cláusulas que excluam a responsabilidade do intermediário financeiro por actos praticados por seu representante ou auxiliar (prevista no art. 324.º, n.º 1, CVM), ao cerrado escrutínio e controlo que a lei faz (e bem) impender sobre quem faz investimentos de risco para outrem, geralmente de montante considerável, deve corresponder um curto prazo de prescrição, porque o impacto de uma actuação negligente do intermediário não é situação que passe despercebida ao lesado, que não necessita, por isso, de muito tempo para reagir”.

Sendo este os fundamentos aduzidos na decisão recorrida, a alicerçar a sua pretensão revogatória de uma tal decisão, alega, por seu lado, o Recorrente, em síntese, que o seu direito, a que corresponde a obrigação de indemnizar do réu, não prescreveu, nem lhe é aplicável a norma do art. 324.º, nº 2 do CVM, que integra o regime do incumprimento dos deveres emergentes dos específicos contratos de intermediação financeira previstos no respectivo Capítulo II do Titulo VI do CMV, já que, no caso dos autos, o que em causa é o incumprimento de outra categoria de deveres, sujeita a um regime diverso (arrumado no Capítulo I do Titulo VI do CVM), que são os deveres gerais do intermediário financeiro.

Mas, ainda no entender do Recorrente, mesmo que se admitisse a tese da aplicabilidade da norma do art. 324º, nº2, do CVM, sempre seria de julgar improcedente a excepção de prescrição, uma vez que não se provou nos autos o facto de que o legislador faz depender o início do prazo de prescrição que aí se prevê.

Mais alega que os deveres gerais dos bancos intermediários financeiros (aqueles que se encontram estatuídos nos arts. 74º e 76º do RGICSF e 304.° e 310. do CMVM são verdadeiros deveres contratuais (incluídos no conteúdo da relação emergente do "contrato bancário geral), estando a obrigação de indemnizar resultante da sua violação sujeita ao regime da responsabilidade contratual, sendo, por isso, aplicável ao crédito indemnizatório referente a danos causados pela violação dos deveres gerais do banco intermediário financeiro, na falta de disposição especial que acolha solução diferente, o art. 309 do Código Civil, que estabelece em 20 anos o prazo ordinário de prescrição.

E, sendo o cumprimento um facto extintivo do direito do credor, em seu entender, será sobre o devedor impende o ónus da sua prova, precisamente nos termos do art. 342º/2 do CC.

Ora, como supra se expendeu, como fundamento da pretensão indemnizatória que deduziu, alegou o A., em síntese, que no contexto de uma campanha de angariação de clientes, promovida pelo Réu, designada de “Campanha Accionista BB 2000”, entre os anos 1999 e 2000, o A. comprou milhares de acções do BB., da PT e da Sonaecom, num investimento global total de € 565.946,06.

Para financiar esse investimento, além das poupanças de que dispunha, contraiu ainda empréstimos junto do Réu, no valor global de 409.014,28, sendo que, e apesar dos avultados valores envolvidos, não lhe foi prestada qualquer informação ou aconselhamento específico sobre a natureza, o alcance e os riscos das transacções envolvidas, não obstante ter sido o gerente do balcão de Ponte da Barca quem o incentivou a gastar as suas economias na compra das acções, e o persuadiu a contrair o aludido empréstimo.

Por outro lado, e apesar de lhe ter emprestado o mencionado montante para a compra das acções, não cuidou o Réu de apurar da sua situação patrimonial e financeira, de molde a poder avaliar a sua capacidade de endividamento, sendo sempre os empréstimos sido concedidos rápida e facilmente, com decisão, muitas vezes, na hora, ao nível do próprio balcão, e sempre com aprovação da concessão do crédito que nunca excedia as 24 horas.

E, ao contrário do lucro e liquidez que lhe foram assegurados pelo Réu, o negócio da compra de acções veio a revelar-se absolutamente ruinoso, uma vez que durante o ano de 2000, a cotação das acções adquiridas foi descendo e, em vez do lucro prometido, o A. sofreu um prejuízo não inferior a € 500.000,00.

Assim sendo, ao actuar do modo descrito, o Réu, por um lado, violou grosseiramente os deveres contratuais de protecção a cuja observância estava legalmente obrigado, e, por outro, em lugar do comedimento que era imperioso colocar na avaliação do risco inerente a um investimento de tão avultado valor, o banco Réu comportou-se de forma leviana, sem qualquer consideração dos interesses patrimoniais do A..

Ora, e como resulta da decisão proferida, o Autor tendo alegado “factos que a terem-se demonstrado, configurariam violações graves desses deveres por parte do Réu”, tais como, “as insistências do respectivo gerente de agência em comprar acções do próprio Banco, a falta de aconselhamento ao Autor quanto aos riscos dessa compra, sem que fosse por aquele averiguado o perfil de investidor do Autor ou a sua capacidade de endividamento, e a rapidez com que os empréstimos para compra de acções eram concedidos, ao nível do balcão e nunca demorando mais de 24 horas na aprovação, sendo o penhor a única garantia pedida”, não os conseguiu, no entanto, demonstrar, sendo certo que estão em causa factos que integram o seu ónus probatório, nos termos do art. 342.º, n.º 1, Código Civil.

Todavia, e abstraindo dessa circunstância, inquestionável que afigura que a sua pretensão se alicerça em alegada violação de deveres, designadamente, os de diligência, respeito e de informação, por parte da instituição de crédito Ré.

E assim sendo, dúvidas se não podem suscitar de que a responsabilidade em causa assume natureza claramente contratual, emergindo do alegado incumprimento de um contrato (de intermediação financeira), sendo-lhe aplicável o regime especificamente previsto para a regulação desse contrato.

A tal respeito dispõe o já supra mencionado artigo 324º, nº 2, do CVM que, “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”, sendo que, e por outro lado, dispõe o nº 2 do artigo 314, do CVM (na redacção vigente à data da prática dos factos), que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Não sendo de aplicar um tal prazo de prescrição no caso de dolo ou de culpa grave, qual será, então, o regime a aplicar nestas situações?

É hoje pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que o regime previsto no artigo 498, do C. Civil, se não aplica à responsabilidade contratual, pois que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “O prazo prescricional fixado neste artigo é inaplicável à responsabilidade contratual. De contrário, ficariam a coexistir, injustificavelmente, dois prazos de prescrição para a responsabilidade ex contractu: um prazo (de vinte anos) para a prescrição do direito à prestação convencionada e outro (de três anos) para a prescrição do direito a indemnização pelo incumprimento”. Cfr. Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, pág. 505.

E sobre esta mesma questão se pronunciou também o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 24.10.1995, cujo sumário se transcreve: “I - O prazo prescricional estabelecido no artigo 498 do Código Civil é aplicável apenas à responsabilidade extra contratual, delitual ou aquiliana. II - Mas, se a responsabilidade é resultante ou derivante de um contrato, o correspondente direito indemnizatório já prescreve, não no prazo mencionado naquele preceito, mas no ordinário, fixado no artigo 309 do Código Civil”. Cfr. Acórdão do S.T.J., de 24.10.1995, Proferido no Processo n.º 087375, in http://www.dgsi.pt

Assim, e sintetizando, o prazo aplicável à prescrição suscitada será de vinte ou de dois anos, consoante se prove ou não a culpa grave ou o dolo do Banco.

De tudo quanto se acaba de expender, decorrem, assim, e de um modo linear, as seguintes conclusões:

- O prazo de prescrição é de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima (art. 324.º, n.º 2, do CVM);

- O prazo de prescrição é de 20 anos nos casos de dolo ou de culpa grave (art. 309.º do CC);

- E sobre o intermediário financeiro recai a presunção de culpa.

Aqui chegados, e tendo em consideração a materialidade tida como demonstrada, haverá agora que determinar qual o regime de prescrição aplicável à situação em apreço, em ordem a esclarecer se esta excepção peremptória resulta ou não verificada.

E quanto a este aspecto, muito pouco ou mesmo, praticamente nada, haverá de acrescentar-se ao que consta da fundamentação da decisão recorrida, onde expressamente se refere que “o Autor não logrou provar que, na actuação do Réu, tenha havido dolo ou culpa grave: se é verdade que, depois da descida da cotação das acções da PT Multimédia, o gerente do balcão da Ponte da Barca do Réu continuava a incentivar o Autor a comprar as mesmas acções e a contrair empréstimos para o efeito, alimentando a expectativa da sua revalorização, também o é que essa mesma expectativa era partilhada pelo Autor; quer dizer, este não foi enganado nem iludido por um funcionário do Réu (caso em que haveria dolo) nem se fez qualquer prova que aquela expectativa fosse irrealista face ao estado do mercado ou da empresa em causa (o que poderia configurar culpa grave).

Aliás, a este respeito basta atentar na carta aludida em B), que o Autor subscreveu nos idos de Março de 2001: “Todas as operações de crédito foram feitas com cobertura das acções e fundos de investimento, e atingiam normalmente rácios de cobertura de 140%. Infelizmente as últimas operações não correram bem. Por um lado, o mercado de capitais, por outro, o tipo de acções que adquirimos e focamos, aqui essencialmente a PT-Multimédia, empurraram-nos para uma situação que nos traz apreensivos e desgastados. Os rácios de cobertura desceram para 65, 73, 97 e 66 %, respectivamente.”

Não se pode ser mais claro nem objectivo: durante algum tempo, o Réu emprestou dinheiro para a compra de acções, e o Autor obtinha lucros apreciáveis; depois, teve azar ou, como se diria noutras lides, “apostou no cavalo errado”, e não só perdeu o que já tinha ganho como ficou com uma enorme dívida. São os riscos do investimento na bolsa, que o Autor tão bem conhecia (mas, pelos vistos, não o lado lunar…)”.

E refere-se ainda na fundamentação dessa decisão que, “por um lado, não se provou que tenha havido violação de deveres de informação por parte do Réu, em relação à concessão dos empréstimos em causa; por outro, ficou demonstrado que, com a esperada (também pelo Autor) subida das acções da PT Multimédia, o Autor acreditou que podia pagar os empréstimos e até recuperar da menos valia entretanto sofrida, e foi nessa convicção que livremente os contraiu. Ou seja, houve uma intervenção activa e consciente do Autor em todo o processo que rodeou aqueles empréstimos, que não pode agora ser esquecida como se só o Réu tivesse contribuído para o resultado ao disponibilizar o dinheiro ao Autor”.

Destarte, mais não restará do que concluir, como se fez na decisão recorrida, ou seja, de que apesar de indiscutíveis os elevados prejuízos sofridos pelo Autor, resulta indubitável a verificação da excepção peremptória da prescrição, não podendo o Réu ser responsabilizado por eles, não lhe assistindo, assim, qualquer obrigação de indemnização perante o Autor.

Improcede, pois, e na íntegra, a presente apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.Civil.

I- À responsabilidade civil do Banco (intermediário financeiro), é aplicável o regime específico previsto no artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, no caso de existência de culpa leve ou levíssima, é aplicável o prazo de prescrição é de dois anos, previsto no artigo 324.º, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários.

II- E, tratando-se de dolo ou culpa grave, é aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.

III- Revelando-se, em sede de responsabilidade contratual, inaplicável o prazo prescricional previsto no artigo 498.º do Código Civil.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.



Custas pela Apelante.

Guimarães, 29/01/2015.

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo