Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3812/12.9TBBRG.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: CONDOMÍNIO
EDIFÍCIO
DESPESAS DE CONSERVAÇÃO DE PARTES COMUNS
CENTRO COMERCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – As questões que o juiz deve conhecer reportam-se às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista.
II – A norma do artigo 1424º do Código Civil é uma norma de conteúdo dispositivo e não uma norma de interesse e ordem pública que estabeleça direitos inderrogáveis entre os condóminos.
III - As obrigações relativas às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício constituem um exemplar típico das chamadas obrigações propter rem ou ob rem, impostas em atenção a certa coisa, a quem for seu titular, verdadeiras relações creditórias incrustradas no estatuto do direito real, figurando como elemento do seu conteúdo.
IV- Uma vez que se trata de obrigações impostas em atenção a certa coisa, a quem for seu titular, devido a esta conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa.
V - Isso não significa que, por convenção entre as partes, as despesas não possam ficar a cargo do locatário ou do utilizador - através de qualquer outro título - da fracção ou da loja, caso não estejamos perante um verdadeiro arrendamento urbano, como sucede com edifício afecto a um Centro Comercial.
VI - Só que, neste caso, trata-se de um acordo inter partes, com eficácia obrigacional e que apenas vincula o lojista perante o proprietário e não perante o próprio condomínio, que não lhe pode exigir judicialmente o respectivo pagamento.
VII - Não obstante a inclusão no contrato de utilização de loja ou no contrato de arrendamento de uma cláusula desta natureza, os condóminos (para os efeitos previstos no art. 1424º nº 1 do Código Civil) continuam sempre a ser os proprietários da fracção, únicas pessoas jurídicas aliás com direito de voto na assembleia de condóminos.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
A… propôs a presente acção ordinária contra B… – Administração de Condomínios, Lda., pedindo que se declarem nulas as deliberações tomadas na assembleia geral anual de condóminos do Centro Comercial … realizada no dia 4 de Abril de 2012 e constantes da Acta nº 22, por serem contrárias ao Regulamento e à lei civil.
Para tanto, alegou, em síntese, ser proprietário de algumas fracções que integram o condomínio do Centro Comercial … e que a dita assembleia geral anual de condóminos fez recair apenas sobre os proprietários das fracções o pagamento das despesas e encargos do condomínio, o que contraria o regulamento interno do mesmo, o qual impõe que esses montantes sejam suportados pelos lojistas, de acordo com as permilagens das lojas que ocupam. Acrescenta, ainda, que também a lei civil impõe que o pagamento das prestações de condomínio é da responsabilidade de quem frui directa e efectivamente os espaços comuns e não do proprietário que tenha as suas fracções arrendadas ou exploradas por terceiros.
A ré contestou, contrapondo que a deliberação impugnada pelo autor não viola qualquer disposição legal ou do Regulamento do Condomínio e é válida e vinculativa para todos os condóminos, sendo que os encargos do condomínio do Centro Comercial …, nomeadamente com as partes e serviços comuns, encontram-se cometidos pela lei e pelo referido Regulamento aos proprietários e locatários financeiros, não aos lojistas, entendidos estes como inquilinos ou arrendatários, o que ressalta desde logo do disposto nos arts. 32º nº 6 e 33º nº 7 do mesmo Regulamento, nos quais se prevê que o proprietário é o responsável último pelo pagamento.
Mais alega que, na assembleia de condóminos que delibera o pagamento das despesas e encargos não tomam parte quaisquer arrendatários, mas apenas o conjunto dos proprietários das fracções, o que significa que nunca as respectivas deliberações poderiam vincular aqueles arrendatários.
Concluiu pela improcedência da acção.
Depois de realizada a audiência preliminar, veio a ser proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito da causa, julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.
Inconformado veio o autor recorrer, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões:
« i) Veio o Recorrente pedir a declaração de nulidade das deliberações tomadas pela Assembleia Geral do Centro Comercial … relativa à distribuição das despesas do ano de 2012, datada de 04/04/2012.
ii) Tais deliberações consubstanciam uma verdadeira alteração do Regulamento Interno.
iii) Apesar do Recorrente ter abordado esta questão na parte II, sub-parte B2, da Petição inicial, o Tribunal recorrido não se pronunciou acerca da mesma, em manifesta violação do Princípio da Obrigação de Pronúncia.
iv) Assim, o Tribunal a quo violou a norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, porquanto “É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
v) A este respeito Ana Prata ensina que a obrigação de pronúncia “Verifica-se quando o tribunal não conhece de questão de que devia conhecer, por ela ser relevante para a decisão da causa.”
vi) O alegado pelo Recorrente não se trata de simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos na defesa das teses em presença, sendo, pelo contrário, verdadeiros “pontos de facto”.
vii) Deveria, por conseguinte, o Tribunal Recorrido pronunciar-se sobre todos os factos trazidos à colação, o que efectivamente não fez, in casu.
viii) Estamos perante um vício de nulidade, pela clara violação do supra citado artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
ix) Acresce que, refere, o n.º 6 do artigo 32.º e o n.º 7 do artigo 33.º do Regulamento que “Os pagamentos (...) deverão ser efectuados pelos lojistas antes do vencimento das obrigações a que se referirem, de modo a evitar que a proprietária e/ou Administradora sejam compelidas a pagá-las com os seus próprios recursos, de acordo com o orçamento.”
x) O Regulamento estabelece dois tipos de responsabilidade com efeitos práticos incontornáveis: a responsabilidade principal (ou originária) e a responsabilidade subsidiária (ou secundária).
xi) Colocando a responsabilidade principal (ou originária), do lado dos lojistas. E a responsabilidade subsidiária do lado dos proprietários, pois serão estes que responderão, perante o condomínio, caso haja incumprimento da parte dos lojistas.
xii) É entendido como lojista “… o condómino que ocupa a sua própria unidade ou fracção autónoma, ou a pessoa singular ou colectiva que seja locatária de uma unidade ou fracção autónoma, ou que dela, por qualquer título, tenha uso e fruição” (artigo 2.º do Regulamento).
xiii) O programa da prestação da relação obrigacional traduz-se na obrigação de pagar o condomínio que por estipulação do Regulamento, situa-se, em primeiro lugar, ao lado do lojista. Por outro lado, e apenas se este não cumprir com esse programa de prestação, será chamado o proprietário, com deveres secundários, para responder ao programa de reparação dos danos e prejuízos causados por aquele incumprimento.
xiv) A formulação feita pelo Tribunal Recorrido traduzir-se-á numa errada interpretação da lei,
xv) Pelo facto de na Assembleia Geral de Condóminos se ter decidido colocar a responsabilidade originalmente do lado dos proprietários, contrariando-se uma disposição legal (entendida em sentido estrito – Regulamento).
xvi) Dado que o Regulamento consta do título constitutivo da propriedade horizontal tal deliberação deveria constar da ordem de trabalhos e ser aprovada por unanimidade.
xvii) Em respeito pelo princípio da Liberdade Contratual, através do Regulamento os proprietários colocaram a responsabilidade principal do pagamento das prestações do condomínio ao lado dos lojistas.
xviii) Não se percebe, por isso, a posição adoptada pelo Tribunal Recorrido quando refere que a responsabilidade pelas despesas do condomínio é dos condóminos, sendo que estes poderiam afastar essa responsabilidade, o que na verdade aconteceu e foi absolutamente ignorado pelo Tribunal a quo.
xix) O princípio da Liberdade Contratual sobrepõe-se ao Código Civil desde que não seja contrário a este, pelo que deve ser respeitada a vontade das partes. Inclusivamente, se uma das partes se arrepender da sua opção, não poderá deixar de a respeitar contra a vontade das demais, muito menos sob a alçada dos tribunais...
xx) O artigo 16.º do Regulamento estipula no seu n.º 1 que “Os lojistas estão obrigados a liquidar todas as despesas, encargos ou remunerações que sejam da sua responsabilidade” perante a Administração.
xxi) Sendo as despesas de conservação e manutenção dos espaços comuns, as despesas do condomínio!
xxii) O Tribunal Recorrido violou, desta forma,
A) O disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 668º, não se pronunciando sobre questão levantada na Petição inicial,
B) O princípio da liberdade contratual e por via disso desvalorizou a posição assumida pelas partes na elaboração do Regulamento de condomínio, permitindo a deliberação de uma disposição contrária à lei civil e ao Regulamento, e
C) O Regulamento do condomínio do Centro Comercial….»
Termina pedindo que a decisão recorrida seja substituída por outra que declare nulas as deliberações da Assembleia Geral Anual de Condóminos do Centro Comercial … tomadas no dia 4 de Abril de 2012 e constantes da acta n.º 12.
A ré contra-alegou, batendo-se pela confirmação do julgado, tendo formulado na respectiva alegação as seguintes conclusões:
« I- A deliberação em apreço não é nula, pois não ofende princípio ou norma de interesse e ordem pública, disposição legal imperativa ou o Regulamento do Condomínio.
II- Ao invés, a deliberação e acta onde foi expressa são o corolário do cumprimento pela Recorrida e dos Condóminos da obrigação legal, reiterada no título constitutivo e no regulamento do condomínio, de convocar anual e ordinariamente a assembleia de condóminos do Centro Comercial … para deliberar sobre o orçamento previsional de receitas e despesas anuais do condomínio.
III- A deliberação promana de Assembleia de Condóminos convocada regular e tempestivamente para discutir e decidir matéria que lhe é própria, sem extravasar as suas atribuições e competências, tendo-se limitado a assembleia a cumprir a lei, o título constitutivo e o RC ao deliberar sobre as receitas e as despesas previsíveis com as partes e os serviços comuns do condomínio.
IV- O Título Constitutivo da propriedade horizontal e o Regulamento do Condomínio são claros – o Centro Comercial … constitui um estabelecimento “constituído pelo conjunto da diversas unidades (lojas ou espaços) que o integram e pelas partes comuns” (art.º 3.º do R.C.), a administração é eleita pelos proprietários (art.º 6.º, n.º 1, do R.C.) e exerce obrigatoriamente, entre outras, as funções previstas no art.º 1436.º do Código Civil, nomeadamente a convocação da assembleia de condóminos, a elaboração do orçamento de das receitas e despesas relativas a cada ano, a cobrança das receitas e efectivação das despesas comuns, avisando os lojistas para o pagamento e exigindo dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas.
V - A obrigação de pagamento para o Recorrente tem carácter “propter rem” ou “ob rem”, emerge do art.º 1420.º e do n.º 1 do artigo 1424º do CC, ou seja, da titularidade das fracções autónomas e da indivisível e irrenunciável contitularidade das partes comuns, sem que nenhuma das disposições do Regulamento do Condomínio derrogue ou afaste essa regra, antes prevendo os artigos 32.º, n.º6, e 33.º, n.º 7 desse Regulamento que o proprietário seja compelido a pagar as despesas com as partes e serviços comuns caso os lojistas o não façam depois de avisados pela Administração.
VI - Estabelece consequentemente o R.C. que os pagamentos relativos a essas despesas e encargos deverão ser efectuados pelos lojistas antes do vencimento das obrigações a que se referirem, de modo a evitar que a proprietária e/ou administradora sejam compelidas a pagá-las com os seus próprios recursos de acordo com o orçamento – n.ºs 6 e 7 dos mesmos artigos 32º e 33º do R.C.
VII – O Recorrente não pode assim desonerar-se (n.º 2 do art.º 1420.º do CC), nem considerar-se desonerado pelo Regulamento do Condomínio da obrigação de concorrer com os demais condóminos nas despesas com as partes comuns do Centro Comercial …, regulamento que não só não derroga tal princípio e obrigação decorrentes da lei e do título constitutivo, como os reitera no art.º 2.º e n.ºs 6 e 7 dos artigos 32º e 33º, como refere também a douta sentença.
VIII - A deliberação que o Recorrente pretende nula é, assim, não só válida, como obrigatória face à Lei, ao Título constitutivo e ao Regulamento do Condomínio – art.º 1424.º, art.º 1430.º, art.º 1432.º e art.º 1436.º, alíneas a) e b) do Código Civil.
IX - A assembleia de lojistas do Centro Comercial … é facultativa – art.º 34.º do R.C., e visa cultivar as relações entre os lojistas, representá-los junto da administração e cooperar com esta na promoção e vida do dia a dia do Centro Comercial …, existirá ou não tal assembleia a impulso associativo e segundo o interesse dos lojistas, mas não delibera nem tem competência no que respeita ao orçamento anual e respectivas assembleia e deliberação quanto às receitas e às despesas com as partes comuns.
X- Impende sobre a Administração o dever, emergente do Regulamento do Condomínio, de avisar os lojistas dos valores deliberados pela assembleia geral de condóminos e solicitar o seu pagamento, por forma a que os proprietários não sejam compelidos ao seu pagamento, pelo que não é de todo verdadeira a alegação do Recorrente que está a ser responsabilizado por despesas que não lhe competem, a sua obrigação de comparticipar na fixação das despesas e no seu pagamento emerge da lei, do estatuto do condomínio, neste incluído o regulamento.
XI - A deliberação em crise, por tudo quanto se deixou dito, é iniludivelmente válida, pois cumpre todos os requisitos substanciais e formais da Lei, do Título Constitutivo e do Regulamento do Condomínio.
XII - A douta sentença não omite pronúncia sobre qualquer questão que lhe tenha sido suscitada pelo Recorrente, antes o Tribunal recorrido apurou os factos, atentou nos documentos, incontroversos, que os sustentam e de uns e outros extraiu de forma ponderada e crítica as suas consequências lógicas, de uma forma clara, racional e devidamente fundamentada, ponto por ponto, sempre sem prejuízo de uma eventual divergente interpretação e integração jurídica, coisa bem diferente da alegada omissão de pronúncia.
XIII – A douta sentença realiza o direito e a justiça do concreto caso dos autos, não merece qualquer censura, tendo efectuado correcta indagação, interpretação e aplicação da lei, nomeadamente com respeito pelo regime estatuído no título constitutivo da propriedade horizontal do Centro Comercial …, incluindo o regulamento do condomínio deste integrante, e pelas normas dos art.ºs 1420.º, 1424.º, 1432.º e 1436.º do Código Civil.»

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir:
- se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia;
- se são nulas as deliberações tomadas pela assembleia geral de condóminos do Centro Comercial …, nomeadamente no que respeita à aprovação do orçamento das despesas/receitas para o ano de 2012, por fazer recair apenas sobre os proprietários das fracções a responsabilidade pelo pagamento de tais despesas e não sobre os lojistas ou arrendatários das lojas.


III - FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
No saneador-sentença sob recurso foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
1. Por escritura pública de 8 de Novembro de 1996 foi constituída a propriedade horizontal do prédio inscrito na matriz sob o art. . e descrito na Conservatória sob o n.º ... de Braga (...), com trinta e uma fracções autónomas, distintas e isoladas entre si;
2. Nesse prédio encontra-se instalado o Centro Comercial …;
3. Nessa escritura ficou consignado, nomeadamente, “Que o grupo das fracções autónomas do Centro Comercial formam um conjunto funcional próprio, pelo que os seus condóminos estão sujeitos às limitações decorrentes da sua integração no Centro Comercial, designadamente: a exploração e funcionamento do Centro Comercial reger-se-á por um regulamento interno, o qual faz parte integrante da presente escritura, e obrigatório para todos os condóminos e lojistas, ficando estes sujeitos às sanções nele previstas pelo seu não cumprimento”;
4. As normas desse regulamento interno constam do documento junto a fls. 108 a 128, cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido;
5. Na 2ª. Conservatória do Registo Predial de Braga encontram-se inscritas a favor do Autor as fracções autónomas I, L, S e X do referido prédio destinadas a comércio, actividades económicas ou outras;
6. O Autor tem as suas lojas ocupadas por terceiros, para estes desenvolverem as suas actividades comerciais, não fazendo uso das mesmas;
7. No dia 04 de Abril de 2012 pelas nove horas e cinquenta minutos, reuniu na sala 04 do Cinema … a Assembleia Geral Anual de Condóminos do Centro Comercial …, com a seguinte Ordem de Trabalhos: 1. Apresentação e aprovação das contas do ano 2011; 2. Discussão e aprovação do orçamento das despesas/receitas para o ano de2012; 3. Outros assuntos de interesse comum;
8. Relativamente ao ponto 2. da Ordem de Trabalho (“Discussão e aprovação do orçamento das despesas/receitas para o ano de 2012”) consta da Acta número vinte e dois que “foi aprovado o orçamento previsional das despesas e das receitas do Condomínio para o ano de 2012, no valor de € 273.757,00, conforme anexo VI, com a descriminação do valor mensal de cada condómino e obrigação de pagamento mensal, nos termos constantes do citado documento Anexo”;
9. O referido Anexo VI respeita ao “Orçamento de Condóminos” do citado Centro Comercial, do qual constam apenas os proprietários das fracções como responsáveis pelo pagamento das despesas do condomínio;
10. A quota-parte do Autor ficou aí fixada em € 16.149,01, a que corresponde o valor mensal de € 1.345,75;
11. O Autor votou contra a aprovação da proposta de despesas e receitas constante desse Anexo VI.

B) O DIREITO
Da nulidade da sentença
No que respeita à nulidade invocada pela recorrente, a mesma existe quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento, em violação do disposto no art.º 660, n.º 2, do CPC, isto é, do dever, por parte do juiz, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Refira-se que as questões que o juiz deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo certo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC[1].
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o recorrente alude nos arts. 43.º e seguintes da petição inicial a uma “alteração de regulamento”.
Porém, como bem assinala o Mm.º Juiz a quo no despacho que julgou inverificada a nulidade em causa, decorre claramente do art. 44.º daquele articulado que tal “alteração” é colocada pelo autor como mera hipótese, ao referir “… se se pretendia fazer uma alteração …”, sem chegar a concretizar em que é que se traduziria essa alteração, e sem sequer defender de forma clara que esse era o seu entendimento em face do que se passou.
Ora, como já se deixou dito, as questões que o juiz deve conhecer reportam-se às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista.
Não obstante, o Mm.º Juiz a quo não deixou de apreciar tal “questão” de forma implícita ao apreciar a questão essencial decidenda, ou seja, a alegada nulidade das deliberações da assembleia geral de condóminos do Centro Comercial … realizada em 4 de Abril de 2012.
Com efeito, no saneador-sentença interpretou-se, inclusive, o art. 32º, nº 2, 1.ª parte, do aludido regulamento, conjugando-o com os artigos 2º, 32º, nº 6 e 33º, nº 7, no sentido que do mesmo resultava a responsabilidade dos proprietários perante o condomínio, sendo aqueles os verdadeiros obrigados no plano das relações com este último, e concluiu-se que a mencionada deliberação não contrariava o regulamento interno, o que tornava, desde logo, desnecessária qualquer referência à hipótese levantada pelo autor da mesma poder configurar uma alteração ao regulamento.
Não se verifica, pois a invocada nulidade do saneador-sentença recorrido.

Da alegada nulidade da deliberação da assembleia geral de condóminos
Pretende o autor com a presente acção a declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral anual de condóminos do Centro Comercial … realizada no dia 4 de Abril de 2012 e constantes da Acta nº 22, uma vez que as mesmas fizeram recair apenas sobre os proprietários das fracções os pagamentos das despesas e encargos do condomínio, o que, no entender do recorrente, contraria o regulamento interno do condomínio, que impõe que tais despesas sejam suportadas pelos lojistas, de acordo com as permilagens das lojas que ocupam e, bem assim, a lei civil que impõe que o pagamento das prestações de condomínio é da responsabilidade de quem frui directamente os espaços comuns e não do proprietário que tenha as suas fracções arrendadas ou exploradas por terceiros.
Vejamos se assim é.
Dispõe o artigo 1424º, do CC, no seu nº 1, que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”, sendo em função do valor relativo destas, que se encontra prefixado no título constitutivo da propriedade horizontal, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio[2], como vem complementado pelo artigo 1418º, do mesmo diploma legal, que se opera a participação de cada um nessas despesas.
O princípio geral em matéria de repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é, primariamente, o que tiver sido estabelecido pelas partes, no título constitutivo ou em estipulação adequada, vigorando, na falta de disposição negocial, como critério supletivo, o princípio da proporcionalidade, segundo o qual cada condómino paga, “em proporção do valor da sua fracção”[3], o qual só pode ser afastado, por acordo unânime dos condóminos, formalizado por escritura pública, e não por deliberação maioritária da assembleia de condóminos.
Na verdade, não faria sentido proceder-se contra a regra supletiva, com desrespeito pela autonomia da vontade das pessoas com interesse legítimo[4], não sendo admissível que tal aconteça contra o voto de algum interessado, e isto apenas, consoante decorre do nº 2, do artigo 1424º, do CC, relativamente às despesas com o pagamento de serviços de interesse comum que, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovado sem oposição, por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, podem “…ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação”.
A norma do artigo 1424º, do CC, como resulta da análise acabada de efectuar, é uma norma de conteúdo dispositivo e não uma norma de interesse e ordem pública que estabeleça direitos inderrogáveis entre os condóminos[5].
Estas obrigações relativas às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício constituem um exemplar típico das chamadas obrigações propter rem ou ob rem, impostas em atenção a certa coisa, a quem for seu titular, verdadeiras relações creditórias incrustradas no estatuto do direito real, figurando como elemento do seu conteúdo[6].
Ora, uma vez que se trata de obrigações impostas em atenção a certa coisa, a quem for seu titular, devido a esta conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa, concedendo-se ao mesmo a faculdade de, por vezes, se libertar dela, renunciando ao seu direito real (abandono liberatório)[7].
Porém, «sendo cada fracção, em princípio, inseparável das partes comuns do edifício que lhe correspondem, tal significa que o direito de propriedade exclusiva sobre a fracção não pode ser alienado sem o correspondente direito de compropriedade sobre as coisas comuns e «vice-versa», ou seja, que essa incindibilidade, a que se reporta o artigo 1420º, nº s 1 e 2, do CC, reflete, também, o nexo de instrumentalidade ou de acessoriedade funcional que liga o direito de contitularidade sobre as partes comuns ao direito de propriedade exclusiva sobre a fracção autónoma correspondente.»[8]
Apenas «se as partes comuns do edifício constituíssem objecto dum direito autónomo de compropriedade, ao comproprietário seria lícito renunciar ao seu direito como meio de se eximir ao encargo com as despesas necessárias à sua conservação ou fruição, como sucede na compropriedade, face ao estipulado pelo artigo 1411º, nº 1, in fine»[9], e, no caso do condomínio, residualmente, na hipótese de destruição do edifício, a que alude o artigo 1428º, nºs 3 e 4, ambos do CC.
Contudo, «tratando-se de coisas, funcionalmente, adstritas às várias fracções autónomas do prédio, a lei proíbe, expressamente, a renúncia abdicativa liberatória do direito do condómino à contitularidade sobre as partes comuns do prédio.
Por outro lado, ao contrário do Código Civil Italiano, que perfilhou, quanto às partes comuns do prédio, destinadas a servir os condóminos, em medida diferente, o critério da utilidade, isto é, o da repartição proporcional ao uso que cada condómino, realmente, faz da coisa, o Código Civil Português adoptou o critério da destinação objectiva das coisas comuns, ou seja, o uso que cada condómino, objectivamente, pode fazer dessas coisas, calculado, em princípio, pelo valor relativo de cada fracção, e não o uso que, efectivamente, o mesmo faça delas.»[10]
Por seu turno, a responsabilidade pelo pagamento destas despesas impende directamente sobre o titular do direito de propriedade da fracção, que é o condómino e obrigado directo perante o Condomínio.
Isso não significa que, por convenção entre as partes, as despesas não possam ficar a cargo do locatário (art. 1030º do Cód. Civil e arts. 40º e segs. do RAU) ou do utilizador - através de qualquer outro título - da fracção ou da loja, caso não estejamos perante um verdadeiro arrendamento urbano.
Só que neste caso, como bem se observa na decisão recorrida, «trata-se de um acordo inter partes, com eficácia obrigacional e que apenas vincula o lojista perante o proprietário e não perante o próprio condomínio, que não lhe pode exigir judicialmente o respectivo pagamento. Não obstante a inclusão no contrato de utilização de loja ou no contrato de arrendamento de uma cláusula desta natureza, os condóminos (para os efeitos previstos no art. 1424º nº 1 do Código Civil) continuam sempre a ser os proprietários da fracção, únicas pessoas jurídicas aliás com direito de voto na assembleia de condóminos».[11]
Tudo isto para concluir que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio recai directamente sobre o proprietário da fracção, que é o condómino e obrigado directo perante o condomínio.
No caso em apreço, é certo que o Centro Comercial … tem um Regulamento Interno, em cujo artigo 32º, nº 2, 1ª parte (integrado no capítulo VI sob a epígrafe “Das despesas e encargos com o funcionamento e utilização do Centro Comercial) se estipula que:
«A repartição das despesas e encargos inerentes aos serviços e fornecimentos definidos nos artigo anterior serão suportados pelos Lojistas de acordo com as permilagens da unidade constantes do Título de Propriedade Horizontal».
Porém, como bem se observa na decisão recorrida:
«Em primeiro lugar, refira-se que não tendo os lojistas (não proprietários) assento e direito a voto nas Assembleias de Condóminos (por se tratarem, de facto, de assembleias de condóminos e não de meros lojistas), não faria sentido incluir no elenco de responsáveis pelo pagamento das despesas e encargos do condomínio pessoas distintas dos proprietários.
Por outro lado, nada impede que os utilizadores das lojas se reúnam, também, em assembleia própria e aprovem outras regras e montantes para pagamento das despesas e encargos agora do Centro Comercial, posto que acordem nesse sentido, podendo os lojistas assumir total ou parcialmente os encargos da responsabilidade dos proprietários, tal como sucede com os arrendatários no âmbito dos contratos de arrendamento.
Porém, parece-nos evidente que esta questão não pode ser debatida e ser objecto de deliberação no âmbito de uma assembleia de condóminos, onde aqueles não estão presentes.
Por fim, refira-se de todo o modo que a referência a “lojistas” no citado art. 32º nº 2, 1ª. parte, do regulamento não significa que a responsabilidade principal pelo pagamento destas despesas e encargos deixe de incidir sobre o “condómino” ou “proprietário” e se transfira, pura e simplesmente, para o utilizador da loja.
Na verdade, o art. 2º do mesmo regulamento estabelece o que se entende por lojista: “… o condómino que ocupa a sua própria unidade ou fracção autónoma, ou a pessoa singular ou colectiva que seja locatária de uma unidade ou fracção autónoma, ou que dela, por qualquer título, tenha uso e fruição”.
Porém, o nº 6 do artº 32 e no nº 7 do artº 33º do regulamento não deixam margem para dúvidas quanto à subsistência da responsabilidade directa e principal dos proprietários perante o condomínio, ao estabelecerem que “Os pagamentos (…) deverão ser efectuados pelos lojistas antes do vencimento das obrigações a que se referirem, de modo a evitar que a proprietária e/ou Administradora sejam compelidas a pagá-las com os seus próprios recursos, de acordo com o orçamento.”.
Por isso, o eventual acordo entre o proprietário e os lojistas sobre o pagamento das despesas em questão (que, como vimos, é legalmente aceite) não desresponsabiliza o primeiro perante o condomínio, uma vez que continua a ser o verdadeiro obrigado no plano das relações entre ambos.»
Não estão, pois, feridas de nulidade as deliberações tomadas no dia 4 de Abril de 2012 na Assembleia Geral Anual de Condóminos do Centro Comercial …, o que implica o total inêxito do recurso.

Sumário:
I – As questões que o juiz deve conhecer reportam-se às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista.
II – A norma do artigo 1424º do Código Civil é uma norma de conteúdo dispositivo e não uma norma de interesse e ordem pública que estabeleça direitos inderrogáveis entre os condóminos.
III - As obrigações relativas às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício constituem um exemplar típico das chamadas obrigações propter rem ou ob rem, impostas em atenção a certa coisa, a quem for seu titular, verdadeiras relações creditórias incrustradas no estatuto do direito real, figurando como elemento do seu conteúdo.
IV- Uma vez que se trata de obrigações impostas em atenção a certa coisa, a quem for seu titular, devido a esta conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa.
V - Isso não significa que, por convenção entre as partes, as despesas não possam ficar a cargo do locatário ou do utilizador - através de qualquer outro título - da fracção ou da loja, caso não estejamos perante um verdadeiro arrendamento urbano, como sucede com edifício afecto a um Centro Comercial.
VI - Só que, neste caso, trata-se de um acordo inter partes, com eficácia obrigacional e que apenas vincula o lojista perante o proprietário e não perante o próprio condomínio, que não lhe pode exigir judicialmente o respectivo pagamento.
VII - Não obstante a inclusão no contrato de utilização de loja ou no contrato de arrendamento de uma cláusula desta natureza, os condóminos (para os efeitos previstos no art. 1424º nº 1 do Código Civil) continuam sempre a ser os proprietários da fracção, únicas pessoas jurídicas aliás com direito de voto na assembleia de condóminos.

IV – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Guimarães, 24 de Outubro de 2013
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves (dispensei o visto)
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[1] O conhecimento duma questão pode ser feito com uma tomada de posição directa sobre a mesma, mas também muitas vezes resulta da apreciação de outras com ela conexionadas, por a incluírem ou excluírem, sendo assim decidida de forma implícita, advindo da apreciação global da pretensão formulada em juízo, o respectivo afastamento.
[2] Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/71, p. 282 e RDES, 21º, p. 113.
[3] Ac. do STJ de 08.07.1997, CJ/STJ, Ano V, Tomo 2, p. 146.
[4] Rodrigues Pardal e Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, 5.ª ed., p. 223.
[5] Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 08.02.2001, CJ/STJ, Ano IX, Tomo 1, p. 105.
[6] Manuel Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, Coimbra, 1978, p. 75, citado no Ac. do STJ de 12.11.2009, proc. 5242/06.2TVLSB.S1, in www.dgsi.pt que aqui seguimos de perto.
[7] Antunes Varela, Das obrigações em Geral, I, 1970, pp. 151-152; Manuel Henrique Mesquita, RDES, 21º, p. 113.
[8] Cfr. o Ac. do STJ de 12.11.2009, citado na nota 6.
[9] P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, III, 2.ª edição, revista e actualizada, 1984, p. 418.
[10] Cfr. o Ac. do STJ de 12.11.2009, citado na nota 6.
[11] Cfr., neste sentido, Ana Isabel da Costa Afonso, in Os contratos de Instalação de Lojistas em Centros Comerciais – Qualificação e Regime Jurídico, Publicações Universidade Católica, 2003, pp. 169 e ss - citada a propósito no saneador-sentença recorrido -., para quem “o arrendatário, titular de um mero direito pessoal de gozo sobre a fracção, não pode estar presente na assembleia, por direito próprio.