Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2200/11.9TBVCT-G.G2
Relator: ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: INSOLVÊNCIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Depois do encerramento do processo de insolvência, com aprovação de plano de insolvência e sem que tenha havido sentença de verificação e graduação de créditos, o meio adequado dos credores poderem exercer os seus direitos contra o devedor, é o recurso à competente acção cível de condenação, sem quaisquer outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamento.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães
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P… instaurou acção de verificação ulterior de créditos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, do C.I.R.E.
Por despacho proferido em 18/09/2012 foi indeferida liminarmente a petição.
Interposto recurso de apelação, e remetidos os autos a este Tribunal, por Acórdão proferido em 14/12/2013 (fls. 80 a 86) foi decidido julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão proferida e determinando-se que os autos prossigam em conformidade.
Por despacho de 18/03/2013 foi ordenado o cumprimento do disposto no art. 146 n.º 1 do C.I.R.E., procedendo-se às citações previstas no nº 1 do artigo referido, não tendo sido oferecida contestação.
Seguidamente, foi proferida sentença, que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287º, alínea e), do C.P.C..
Desta sentença apelou o A. oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A- Pode o aqui credor reclamar o seu crédito mesmo depois de ter sido proferido despacho transitado em julgado de homologação do plano de insolvência, mesmo com o encerramento do processo, pois este pode ser reaberto para a verificação ulterior do crédito a incluir no dito plano, tudo com o apoio do Artº 146º do C.I.R.E.
B- A acção ora interposta não constitui já uma fase do processo de insolvência, reveste a natureza de uma acção autónoma.
C- A não haver outro entendimento sempre seria negado o direito e a justiça o aqui recorrente que não tem outro meio judicial para reclamar e fazer valer a sua pretensão, ao contrário do previsto constitucionalmente.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente, apreciado e reconhecido o crédito invocado pelo A. na presente acção.
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Objecto do recurso
Considerando que:
- o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes (artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil), estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Delimitado como está o objecto do recurso, das formuladas pela Apelante resulta que a única questão colocada à nossa apreciação é a de saber se pode ainda um credor reclamar o seu crédito, ao abrigo do disposto no ARTº 146º do C.I.R.E., mesmo depois de ter sido proferido despacho de homologação do plano de insolvência já transitado em julgado.
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Vejamos.
É do seguinte teor a sentença recorrida (transcrição em itálico de nossa autoria): “P… veio instaurar a presente acção de verificação ulterior de créditos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, do C.I.R.E.
Procedeu-se às citações previstas no nº 1 do mencionado artigo, não tendo sido oferecida contestação.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias. Têm legitimidade para o presente processo.
Não há outras nulidades.
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A presente acção foi instaurada no dia 12 de Setembro de 2012.
No âmbito dos autos de insolvência o tribunal proferiu sentença de declaração de insolvência no dia 16 de Setembro de 2011. Na sentença fixou o prazo de trinta dias para a apresentação das reclamações de créditos.
Foi apresentado plano de insolvência, homologado por decisão proferida a fls. 610 e 611 dos autos principais, decisão já transitada em julgado.
Por despacho proferido em 17 de Outubro de 2012, foi declarado o encerramento do processo, nos termos do artigo 230º, nº 1, alínea b), do C.I.R.E.
Nos termos do artigo 209º, nº 3, do C.I.R.E., o plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos acautela os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos, ou de recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar, nessa hipótese, seja concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido.
A norma invocada apenas faz referência às impugnações deduzidas à lista de credores apresentada pelo administrador da insolvência, não contemplando as verificações ulteriores de créditos.
Nestes termos – considerando o estado dos autos, atento o trânsito em julgado da decisão que declarou o encerramento do processo –, entendo já não ser possível, no âmbito deste processo, reconhecer o crédito invocado na acção ora instaurada.
De salientar que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência do recurso interposto pelo Autor do despacho de fl. 12, determinou o prosseguimento dos autos, com a realização das citações previstas na lei, por entender que “O Juiz apenas pode indeferir liminarmente a petição, quando for manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o Juiz deve conhecer oficiosamente”, pois “(…) no caso a petição não é manifestamente improcedente, não ocorre qualquer excepção dilatória, pelo que a acção não deveria ter sido indeferida liminarmente. (…) Se a acção está ou não estruturada dentro do que dispõe o artigo 146º, se é tempestiva, ou se ocorre outro motivo de improcedência, é caso a apreciar oportunamente”, entendendo-se, assim, ser este o momento para apreciar da procedência ou improcedência desta acção.
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Assim, uma vez que o plano de insolvência foi já homologado, não cabendo a situação dos autos no invocado artigo 209º, nº 3 e tendo já sido declarado o encerramento do processo, o prosseguimento destes autos perdeu o seu efeito útil.
Para além disso, como se disse, atento o estado dos autos e o disposto no artigo 233º, nº 1, alínea c), não nos parece ser possível, no âmbito deste processo reconhecer o crédito invocada na acção ora instaurada.
Efectivamente, nos termos do artigo 233º, nº 1, alínea c), do C.I.R.E., os credores poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência.
Desta forma, não é possível ao Autor lançar mão do mecanismo previsto no artigo 146º, do C.I.R.E., antes devendo, se assim o entender, instaurar uma acção cível declarativa de condenação (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 28-09-2010, relator: Carvalho Martins, in www.dgsi. pt).
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Por todo o exposto, julgo extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287º, alínea e), do C.P.C..
Custas pelo Autor. Notifique”.
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Cumpre agora decidir.
Como acima se disse, a única questão colocada à nossa apreciação é a de saber se pode ainda um credor reclamar o seu crédito mesmo depois de ter sido proferido despacho de homologação do plano de insolvência e já transitado em julgado, ao abrigo do disposto no ARTº 146º do C.I.R.E.
O recorrente intentou a presente acção, em 12 de Setembro de 2012, intitulando-a como “Acção de Reclamação de Créditos”.
O pedido formulado é o de que “devem ser-lhe reconhecidos os créditos ora reclamados, como privilegiados, graduando-os de acordo com as disposições legais”.
De acordo com o disposto no art. 128º CIRE (reclamação de créditos), designadamente da articulação do n.° 1 com o n.° 3, primeira parte, de tal artigo, resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação. Tanto assim que a formulação ampla da primeira parte do n.° 3 é corroborada pela sua segunda parte que, à semelhança do que estatuía o n.° 3 do art.° 188.° do CPEREF, não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderem ser pagos no processo, à custa da massa insolvente.
Nos termos do disposto no art. 146 n.º1 do CIRE, “findo o prazo das reclamações, é possível ainda reconhecer outros créditos, …, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, …”
De acordo com o seu n.º 2, alínea b), a reclamação de outros créditos só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva condenação, caso termine posteriormente (redacção da Lei n.º 16/2012 de 20/04).
A presente acção foi instaurada no dia 12 de Setembro de 2012.
No âmbito dos autos de insolvência o tribunal proferiu sentença de declaração de insolvência no dia 16 de Setembro de 2011. Na sentença fixou o prazo de trinta dias para a apresentação das reclamações de créditos.
Foi apresentado plano de insolvência, homologado por decisão proferida em 26/06/2012, já transitada em julgado.
Por despacho proferido em 17 de Outubro de 2012, foi declarado o encerramento do processo, nos termos do artigo 230º, nº 1, alínea b), do C.I.R.E.
Os artigos 209°, n.º 2 e 233°, n.º 2, b) do CIRE, com a redacção dada pelo DL n.° 200/2004, de 18/8, consagram expressamente a possibilidade de aprovação de um Plano de Insolvência sem que esteja proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, permitindo assim a aprovação (e, portanto, a exequibilidade) de Planos quando é incerta a existência, montante e natureza dos créditos da Insolvente.
É o caso dos autos.
O artigo 192°, n.º 1, do CIRE consagra que o Plano de Insolvência, com derrogação das normas do CIRE, pode regular i) a forma de pagamento dos créditos da insolvência, ii) a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, iii) a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência. Logo, o Plano de Insolvência não pode regular as condições para aferição da existência ou inexistência dos próprios créditos sobre a insolvência.
Daqui resulta que, no referido processo de insolvência, não houve, nem haverá, lugar a sentença de verificação e graduação de créditos.
Efectivamente, como já acima se disse, por despacho de 17 de Outubro de 2012, foi declarado o encerramento do processo, nos termos do artigo 230º, nº 1, alínea b), do C.I.R.E., com os efeitos previstos no art. 233 do C.I.R.E., nomeadamente na sua alínea c).
Na verdade, encerrado o processo, “os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do art. 242, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos, ou a decisão, proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência”.
Ora, no caso vertente, e atento o que fica dito, atendendo a que foi homologado o plano de insolvência e declarado o encerramento do processo, parece-nos que o prosseguimento dos presentes autos perdeu o seu efeito útil, já que, a elaboração de sentença de graduação não terá lugar por se tornar num acto inútil e sem possibilidade de execução.
Na verdade, sendo o pedido formulado, o de que “devem ser-lhe reconhecidos os créditos ora reclamados, como privilegiados, graduando-os de acordo com as disposições legais”, não havendo sentença de graduação, tal torna-se num pedido impossível até.
É certo que a verificação ulterior de créditos não se pode considerar uma verdadeira reclamação de créditos, constituindo antes uma acção autónoma. Como referem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em comentário ao art. 146 - 1 do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, Quid Juris, Lisboa - 2009, págs. 485-486) "A acção interposta nos termos deste artigo e, por isso, fora do prazo geral do art° 141 - com o ajustamento decorrente do art.° 144 - não constitui já uma fase do processo de insolvência, ainda que com estrutura própria. Reveste, realmente, a natureza de uma acção autónoma em que o reclamante assume a posição de autor e a massa insolvente, os credores e o devedor a posição de réus. Esta acção, todavia, uma vez que respeita a interesses relativos à massa insolvente, corre por apenso ao processo de insolvência, conforme, aliás, está determinado no art.° 148”.
No entanto, neste específico condicionalismo, ou seja, depois do encerramento do processo de insolvência, sem que tenha havido sentença de verificação e graduação de créditos, a nosso ver, o meio adequado dos credores poderem exercer os seus direitos contra o devedor, será o recurso à competente acção cível de condenação, sem quaisquer outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamento (Cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 28-09-2010, relator: Carvalho Martins, in www.dgsi.pt e citado pela senhora juíza na sua sentença).
Improcede assim o recurso.
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Sumário:
Depois do encerramento do processo de insolvência, com aprovação de plano de insolvência e sem que tenha havido sentença de verificação e graduação de créditos, o meio adequado dos credores poderem exercer os seus direitos contra o devedor, é o recurso à competente acção cível de condenação, sem quaisquer outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamento.
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Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 5 de Dezembro de 2013.

José Estelita de Mendonça
Luísa Ramos (dispensei o visto)
Antero Veiga