Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
244/06.1TBMNC-B.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
PROVA PERICIAL
CONFLITO DE DIREITOS
EXUMAÇÃO DE CADÁVER
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Às acções de investigação da paternidade propostas no período compreendido entre a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1 do artº 1817.º do Código Civil (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, publicado no DR I Série-A, de 8/2/2006) e a publicação da Lei 14/2009 (1 de Abril de 2009), é inaplicável qualquer prazo de caducidade.
II - Mesmo que o autor estruture a acção de investigação de paternidade em factos destinados a formar a base da presunção estabelecida na al. a), do n.º 1, do artigo 1871.º, do Código Civil (“reputado e tratado” como filho), é-lhe lícito lançar mão de prova pericial através de exame ao ADN, se alegou e constam da base instrutória factos relativos à própria procriação
III – A exumação do pretenso pai, para colheita de ADN e a eventual necessidade de remoção prévia da urna funerária da falecida ré, mãe do ora recorrente, não constituem acto ofensivo do respeito devido aos mortos
IV - Os direitos da família dos falecidos, ponderados em face do direito do autor à sua identidade pessoal, autor que, a proceder estra acção, também é um membro dessa família, não deverão prevalecer.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
J… intentou, em 3.5.2006, a presente acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária contra Maria…, pedindo que o Tribunal o reconheça como filho de Manuel…, abstendo-se a ré de praticar qualquer acto lesivo dos direitos patrimoniais do autor que resultem de tal reconhecimento, averbando-se ao assento de nascimento a paternidade e avoenga paterna.
Alegou, em síntese, que a certidão do seu nascimento se encontra omissa quanto à sua paternidade, porém é filho de Manuel…, irmão germano da ora ré, falecido em 12.5.2005, no estado de solteiro, sem testamento, sem ascendentes vivos, nem descendentes reconhecidos, sendo a ré a única irmã, que já se arrogou como sua universal herdeira. O referido Manuel e a mãe do autor viviam no mesmo lugar, conheciam-se desde crianças, namoraram desde finais de 1948 e no ano de 1949, altura em que mantiveram relações sexuais, na sequência das quais resultou a gravidez da mãe e nasceu o autor. O Manuel… sempre reconheceu perante a mãe do autor e a comunidade em geral, ser o pai do autor, ajudando-a como podia. Porém emigrou para o Canadá, mas nas poucas vezes que cá se deslocou, nos últimos 50 anos, sempre procurou o autor, acarinhava-o, tratava-o por filho, dava-lhe presentes e algum dinheiro. Os pais do Manuel… tratavam o autor como neto e assim o consideravam. O autor visitava-os frequentemente e eles davam-lhe sempre algum dinheiro, tratando-o de forma igual aos outros netos. A própria ré sempre considerou e tratou o autor como sobrinho, sendo que, na altura do Natal e no aniversário, ora almoçavam na casa de um, ora na do outro. Os próprios pais do Manuel… deram ao autor um prédio rústico, dizendo-lhe que o prédio era do pai e agora era para ele e que tinham falado com o pai e ele concordava. Também a aqui ré deu ao autor um prédio rústico, dizendo-lhe que era do dote do pai e ficava para ele. Apesar de distantes, o autor emigrado em França e o Manuel… no Canadá, sempre mantiveram contacto, tendo-lhe o autor participado o respectivo casamento e o nascimento dos filhos, a quem o Manuel… se referia como “os meus netos”, pedindo fotografias. O Manuel… deslocou-se pela última vez a Portugal em 1999, encontrando-se o autor aqui de férias, sendo que foram juntos almoçar à Peneda. Nesse passeio conjunto aquele tratou-o por filho e chamou netos aos filhos do autor. O Manuel… entregou do autor um escrito, datado de 17.7.1999, onde lhe deixava um conjunto de propriedades. E foi assim até ao fim da vida do Manuel…, cuja companheira, quando acompanhou os seus restos mortais a Portugal, entregou à ré o relógio em ouro e anéis do falecido, para serem entregues ao filho, aqui autor.
Assim, por sempre ter sido tratado e reconhecido como filho do Manuel…, por este, respectiva família e habitantes da mesma freguesia, pretende que o Tribunal o reconheça como filho de Manuel….
*
A ré apresentou contestação.
Na sequência do seu falecimento foi habilitado como seu sucessor, para os termos desta acção, o seu filho, ora recorrente.
*
As partes foram notificadas, face à entrada em vigor do NCPC, para apresentarem os requerimentos de prova.
O autor requereu a realização de exames hematológicos através de testes de ADN para apuramento do vínculo biológico em discussão nos autos, solicitando em conformidade, uma vez que o pretenso pai já faleceu, a exumação do seu cadáver.
O réu/habilitado opôs-se.
*
Foi proferido despacho saneador, onde se apreciou a questão da caducidade do direito do autor intentar acção de investigação da paternidade, decidindo-se:
«Do exposto resulta que o direito de investigar a paternidade por banda do A. não se extinguiu, subsistindo à data em que a acção foi proposta, apesar de aquele já ter atingido a maioridade há mais de dez anos à data da morte de seu pai, pelo que “Tudo se passa, portanto, como se o direito em causa pudesse ser, como efectivamente foi, exercido “a todo o tempo” (isto é, muito para além do prazo de dois anos posteriores à maioridade do investigante previsto na versão inicial do artº 1817º, nº 1, ou de dez anos resultante da Lei 14/2009, de 1 de Abril).”, conforme se diz no Ac. do STJ de 15.05.2013, processo n.º 787/06.7TBMAI.P1.S1, em www.dgsi.pt.»
Fixado o objecto do litígio, decidiu-se admitir a realização do exame hematológico, requerido pelo autor, determinando-se a exumação do cadáver de Manuel…, com vista à recolha de material biológico para análise e comparação do ADN daquele com o do investigante.
*
Inconformado, o réu habilitado interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
1) O requerente invocou a caducidade do direito de propor a presente acção pelo recorrido, nos termos do artigo 1873 e 1817, nº 1 do CC, na redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2009, de 01/04 mas o Tribunal não lhe deu razão, decisão com a qual com o devido respeito, não se concorda, pois que,
2) O Tribunal não pode deixar de aplicar os artigos 1873 e 1817, nº 1 do CC, tendo por base o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, que foi proferido no âmbito da mesma legislação.
3) O que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional nesse Acórdão, não foi a existência do prazo de caducidade em si, mas o prazo de caducidade de 2 anos estabelecido antes da reforma de 2009, que considerou insuficiente e violador da constituição.
4) O referido prazo após a reforma de 2009 passou a ser de 10 anos, o que passou a estar conforme a constituição, segundo vem entendendo o Tribunal Constitucional.
5) O nosso entendimento é corroborado nomeadamente pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011.
6) E o referido Acórdão foi confirmado pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 445/11,446/11,476/11,545/11,77/12,106/12,247/12 e 515/12.
7) Não existem assim dúvidas que os artigos 1873 e 1817, nº 1 do CC, na redacção que foi dada após a reforma de 2009, são constitucionais e devem ser aplicados aos presentes autos.
8) O nosso entendimento também é corroborado pelo Acórdão Tribunal Constitucional nº 231/2012 (ver http://www.tribunalconstitucional.pUtc/acordaos/20120231.html).
9) A acção de investigação de paternidade foi proposta volvidos mais de 10 anos após o recorrido ter atingido a maioridade,
10) Já que o recorrido nasceu em 01/04/1950 e a acção foi proposta em 03/06/2006, portanto o direito do recorrido não pode ser mais exercido nos termos dos artigos 1873 e 1817, nº 1 do CC.
11) A presente acção não pode ter por base o facto constitutivo da paternidade.
12) Ainda cabe dizer que o Tribunal Constitucional a requerimento do Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Monção já revogou uma decisão idêntica à proferida nos presentes autos, no âmbito do processo na 148/2013,
13) Conforme se constata da leitura da decisão sumária na 160/2013 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.ptltcldecsumarias/20130160.html).
14) Assim, tendo em conta o que é alegado pelo recorrido na sua petição inicial,
15) Apenas resta ao recorrido realizar a prova testemunhal, de ter sido tratado como filho pelo pretenso pai, nos termos do artigo 1873 do CC.
16) Não é assim admissivel a prova pericial, nomeadamente a realização de exames hernatológicos a cadáveres para conseguir estabelecer a verificação da referida presunção estabelecida no artigo 1871, na 1 do CC.
17) O exame hematol6gico que foi requerido pelo recorrido no seu requerimento de prova deveria ter sido indeferido.
18) O Tribunal a quo agiu mal ao autorizar a realização do exame que foi solicitado pelo recorrido no requerimento de prova que foi apresentado nos presentes autos.
No caso que assim não se entenda, sempre se dirá que,
19) O cadáver da primitiva Ré, mãe do recorrente, encontra-se depositado no mesmo jazigo que o Investigado nos presentes autos, que é tio do recorrente.
20) O caixão onde se encontram os restos mortais da sua mãe estão sobre o caixão com os restos mortais do investigado.
21} Será assim necessário retirar os restos mortais da mãe do recorrente para poder aceder aos restos mortais do Investigante, tio do recorrente.
22} O referido exame irá ferir o sentimento de respeito que o recorrente guarda pela sua memória da sua falecida mãe (artigo 71 do CC).
23} A sua falecida mãe nada fez para ter os seus restos mortais profanados.
24} O recorrente entende que o sofrimento que o exame acarretará ao mesmo é superior ao beneficio que trará ao recorrido,
25} Por Isso não deu autorização para a realização do referido exame, como consta do artigo 5 do requerimento que por ele foi apresentado em 10 de Abril de 2014.
26) O recorrente entende que existe um conflito de direitos, que deve ser resolvido em favor do recorrente,
27) Já que o recorrido dispõe de outros meios de prova para realizar a prova do que vem alegado na petição inicial, como atrás ficou dito.
28) Também por esta via, o exame hematológico que foi requerido pelo recorrido no seu requerimento de prova deveria ter sido indeferido.
29) O despacho recorrido violou os artigos 71, 1873 e 1817, nº 1 do CC e a jurisprudência uniforme emanada do Tribunal Constitucional.
Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido e em consequência deve ser substituido por outro que aprecie tudo o que ficou supra exposto no presente recurso, sendo assim feita JUSTiÇA.
*
Deste apenso não constam contra-alegações.
*
Admitido o recurso, os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, onde foi recebido sob a forma e modo de subida decididos pela 1ª instância, mas discordando-se do efeito atribuído, admitiu-se que, como requerera, o recorrente prestasse caução com vista a conferir-lhe efeito suspensivo.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 608º nº2 do NCPC).
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.
III – FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos com interesse para a apreciação deste recurso constam do relatório supra.
III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do anterior nº 1 do artº 1817.º do Código Civil, aplicável à acção de investigação de paternidade por força do art. 1873.º do mesmo diploma legal, “na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante” – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006, publicado no DR I Série-A, de 8/2/2006 – levou a que, nesse período e até à entrada em vigor da Lei 14/2009, que deu nova redacção ao citado artº 1817.º (estabelecendo o prazo de dez anos posteriores à maioridade ou emancipação do investigante para a propositura da respectiva acção de investigação), inexistisse qualquer prazo de caducidade do direito de propor acção de investigação da paternidade.
Com efeito, apesar do disposto no art. 282.º, n.º 1, da CRP (A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado) era indefensável repristinar o regime do art. 37.º do Decreto nº 2, de 25/12/1910, que alterara o Código de Seabra, em face das dúvidas que se colocaram quanto à concordância desse regime legal com a ordem constitucional vigente, - ver Ac. Ac. do STJ de 15/11/11 (Martins de Sousa), Pº 49/07.2TBRSD.P1.S1.
Assim, a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, perante a inexistência de um prazo de caducidade das acções de investigação de paternidade, entendeu que seria de aceitar o princípio da imprescritibilidade de tais acções – cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 14-12-2006, Proc. n.º 06A2489; de 31-01-2007, Proc. n.º 06A4303; de 23-10-2007, Proc. n.º 07A2736; de 17-04-2008, Proc. n.º 08A474; de 03-07-2008, Proc. n.º 07B3451; e de 07-07-2009, Proc. n.º 1124/05.3TBLGS.S1 Ac. do STJ de 20.9.2012 (1847/08.5TVLSB-A.L1.S1).
Com a Lei 14/2009 foi novamente introduzido um prazo de caducidade para este tipo de acções, agora mais alargado (10 anos após a maioridade do investigante), que continuou a gerar controvérsia jurisprudencial quanto à sua constitucionalidade.
Contudo o Tribunal Constitucional, reunido em Plenário, no acórdão 401/2011 de 22.9.2011, decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, ao prever, para as ações de investigação de paternidade, um prazo geral de caducidade de dez anos contados da maioridade do investigante.
Porém, subsiste a questão da constitucionalidade do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na medida em que manda aplicar aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o prazo previsto na nova redação do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil.
Quanto a esta última questão a jurisprudência do STJ vem entendendo que a dita norma, do citado art. 3.º, ao determinar que a nova redacção dada ao art. 1781.º, nº 1 do CC se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, assim impondo a sua aplicação retroactiva, está ferida de inconstitucionalidade material, desde logo, por violação do art. 18.º, nº 3 da Constituição da República [Entre outros: Acs do STJ de 20.9.2012 (Serra Baptista) Pº1847/08.5TVLSB-A.L1.S1), de 24/5/2012 (Granja da Fonseca), Pº 37/07.9TBVNG.P1.S1, de 10/1/12 (Moreira Alves), Pº 103/99.1TBPTL.G1.S1, de 27/11/11 (Bettencourt de Faria), Pº 123/08.8TBMDR.P1. S1, de 15/11/11 (Martins de Sousa) Pº 49/07.2TBRSD.P1.S1 e de 21/9/10 (Cardoso de Albuquerque), Pº 4/07.2TBEPS.G1.S1].
Também o Tribunal Constitucional, no acórdão nº24/2012 de 17/1/2012, tirado em plenário, tendo por base a argumentação desenvolvida no acórdão nº 164/2011, julgou inconstitucional a norma do art. 3.º da Lei 14/2009, na medida em que manda aplicar aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o prazo previsto na nova redacção do art. 1817.º, nº 1 do CC, aplicável, às acções de investigação de paternidade por força do art. 1873.º do mesmo Código.
O mesmo sucedeu nos acórdãos mais recentes daquele Tribunal Constitucional (Ac. de 9 de fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 554/11 e Ac. nº 323/2013, de 31.5.2013, proferido no proc. n.º 761/12), que decidiram julgar inconstitucional por violação do artigo 18.º, n.º 3, da CRP a citada norma constante do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril.
Ora a presente acção foi proposta após a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1 do artº 1817.º do Código Civil (anterior redacção) e antes da publicação da Lei 14/2009.
Consequentemente é inaplicável ao presente caso qualquer prazo de caducidade do direito de propor acção de investigação da paternidade e bem andou o Tribunal a quo ao julgar não verificada a excepção da caducidade desse direito.
*
O recorrente também impugna o despacho que admitiu o exame pericial (exame hematológico para determinação da paternidade, mediante prévia exumação do cadáver do pretenso pai, tio do apelante, para recolha de material biológico necessário à análise e comparação do ADN daquele com o do investigante).
Como se refere acórdão do TRC de 01-02-2011, proferido no proc. nº 912-B/2002.C1, mesmo que o autor estruture a acção de investigação de paternidade em factos destinados a formar a base da presunção estabelecida na al. a), do n.º 1, do artigo 1871.º, do Código Civil («reputado e tratado» como filho), é-lhe lícito lançar mão de prova pericial através de exame ao ADN se alegou e constam da base instrutória factos relativos à própria procriação».
Se actualmente e ciência e técnica põem à disposição dos Tribunais meios seguros da prova da paternidade (verdade biológica), não há fundamento válido para recusar tal meio de prova, ainda que a causa de pedir seja qualquer dos factos indiciadores elencados nas diversas alíneas do nº 1 do artº 1871º do C.C, já que tais factos apenas implicam a presunção da paternidade biológica ou natural, enquanto a prova do ADN tem um elevado grau de certeza de tal paternidade.
Assim, na senda do acórdão supracitado, também entendemos, que, mesmo que o autor não tivesse alegado factos relativos à sua procriação (e alegou), sempre este tipo de prova teria de ser admitido porque é apto a conferir credibilidade a outras provas, designadamente à prova testemunhal produzida no tocante ao tratamento como filho, ou para contrariar as provas de sinal contrário produzidas pelo réu, tendo em vista, nesta última hipótese, por exemplo, o disposto no n.º 2 do artigo 1871.º do Código Civil.
Decidido que a prova é admissível, resta a questão relativa à exumação do cadáver e ao conflito de direitos, alegado pelo recorrente.
Como se afirma no acórdão do STJ de 15.12.2011, proc. 912B/2002.C1.S1, sustentado na numerosa doutrina que aí se cita, «o cadáver não é titular de direitos, mas beneficiário da protecção a que se refere o nº 1 do artº 71º do C. Civil.
(…) Na realização da colheita do material cadavérico para a realização dos testes do ADN, ordenada por autoridade judicial competente, que a considerou necessária, após a devida ponderação, e levada a efeito nos limites procedimentais legal e tecnicamente previstos, não há objectivamente qualquer violação de direitos, tendo em atenção o direito do Investigante à sua identidade.
A violação do respeito ao cadáver importa a prática de actos que consubstanciem, materialmente, um vilipêndio do cadáver, isto é, actos susceptíveis de aviltar, profanar ou ultrajar o cadáver e não actos médicos periciais exigidos com a legítima finalidade da descoberta da verdade biológica, em casos em que importe o reconhecimento e declaração da identidade de uma pessoa».
Igualmente o facto de tal exumação poder implicar a remoção prévia da urna funerária da falecida ré, mãe do ora recorrente, não se traduz em qualquer acto ofensivo do respeito devido aos mortos, nem vemos como possa ferir os sentimentos do réu e a memória que guarda de sua mãe, uma vez que tal urna não terá de ser aberta e o réu não é obrigado a assistir ao acto.
Assim os direitos da família dos falecidos Manuel… e Maria…, ponderados em face do direito do autor à sua identidade pessoal, autor que, a proceder esta acção, também é um membro dessa família, não deverão prevalecer.
Neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 24-5-2012 (69/09.2TBMUR.P1.S1) e de 15.12.2011 (912-B/2002.C1.S1).
Pelo exposto improcedem in totum as conclusões do apelante.
V - DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando as decisões objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente.
Guimarães, 19-03-2015
Eva Almeida
Filipe Caroço
António Santos