Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1703/15.0T8BCL.G2
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
TRANSACÇAO NOVATIVA
SERVIDÕES PREDIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Em sede de interpretação dos contratos, se a vontade real dos contraentes não for conhecida, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição R. declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Neste domínio da interpretação de um contrato surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos.

3. A presunção que decorre do registo predial limita-se à titularidade do direito inscrito (presumindo-se no caso da inscrição predial, salvo prova em contrário, que o titular inscrito é o respectivo proprietário do prédio), mas não abrange as respectivas áreas, limites ou confrontações.

4. Deve-se entender que a servidão predial é direito que o titular de um direito real sobre um certo prédio (dito prédio dominante) tem de utilizar um prédio alheio (dito prédio serviente) para melhor aproveitamento do prédio dominante.

5. A doutrina costuma aqui fazer uma distinção entre servidões voluntárias e servidões legais (ou coactivas). Todas as servidões têm a sua fonte na lei. Nessa medida, a servidão voluntária constitui uma servidão legal. Todavia, enquanto a servidão voluntária resulta do funcionamento da autonomia privada, sendo, portanto, o produto de uma decisão livre das partes concretizada por via negocial (contrato ou testamento), a servidão legal propriamente dita atribui ao beneficiário um direito potestativo à sua constituição.

6. A servidão legal de passagem (arts. 1550º e ss. do CC) deriva da faculdade que os titulares de prédios, que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la, têm de exigir a sua constituição sobre os prédios rústicos vizinhos (art. 1550º, nº 1 do CC).

7. Esta servidão, com este conteúdo, podendo ser uma servidão constituída de forma coactiva, apesar disso, pode ser objecto de constituição voluntária, por negócio jurídico (v. o nº 2 do art. 1547º do CC).

8. Um desses negócios jurídicos que permitem a constituição voluntária de uma servidão legal de passagem é a Transacção Judicial.

9. A transacção é um contrato formal, quer seja realizada preventiva ou extrajudicialmente (art. 1250º do CC), quer judicialmente (art. 290º do CPC). A lei equipara, em termos formais, a transacção em lide pendente à transacção extrajudicial; se as partes fazem juntar ao processo documento não elaborado por funcionário judicial, a forma depende da que a lei substantiva estabelecer para o negócio. Já se for celebrada uma transacção num determinado processo, a lei já não faz idêntica exigência; neste caso, certamente por se tratar de acto processual, praticado por oficial público, no exercício das suas competências (arts. 290º, nº 2 e 3 CPC), a lei dispensa a intervenção notarial, desde que, judicialmente verificada a validade das cláusulas do contrato “pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas”, e as partes sejam condenadas ao seu cumprimento.

10. A transacção tem por efeito principal a resolução do litígio que existia entre as partes, mas essa resolução pode, como sucedeu no caso concreto, ser atingida pela constituição ou modificação de outros direitos que ponham termo ao referido litígio, não sendo obrigatório que tal se efectue apenas em função do direito que constituía o objecto da causa. Entende-se que neste caso, o conteúdo da transacção estabelecida apresenta-se como da espécie denominada “novativa”, incidindo sobre a constituição de direitos diversos do direito controvertido.”
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

José e mulher, Maria, intentaram a presente acção que segue a forma de processo comum contra Manuel e Joaquina, peticionando que os Réus sejam condenados a proceder a expensas suas à demolição das obras referidas na petição inicial, bem como a deixarem de invadir e abster-se de edificar obras, esbulhar ou turbar o prédio denominado “Bouça A” e a pagar aos Autores, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 1.000,00, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegam, em síntese, que pertence aos Autores o prédio “Bouça A”, sendo os Réus proprietários do prédio “Campo R”, e as partes já celebraram duas transacções, no âmbito dos Processos nº 371/2011, que correu termos no extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos e 777/10.1TBBCL, que correu termos pelo 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, tendo as partes, no âmbito do 1º processo, acordado constituir uma servidão de passagem a favor dos Réus, tendo os Réus, em Novembro último, construído uma vedação em Ferro, “portão”, sobre o tranqueiro em pedra colocada pelos Réus na faixa de terreno cedida a título de servidão de passagem, mormente na sua extremidade sul, confinante com caminho público. Mais alegam que os Autores se sentiram humilhados com a atitude dos Réus, encontrando-se impedidos de aceder, de forma livre, ao seu prédio, pela mencionada via, e impossibilitados de vigiar e limpar o seu prédio.

Os Réus contestaram alegando, que no âmbito das transacções supra referidas, os Autores cederam aos Réus uma faixa de terreno, com 4 metros de largura, na extremidade norte do seu prédio, desde o caminho público até ao prédio dos Réus, ficando consignada a constituição de uma servidão de passagem, por aquela faixa de terreno cedida, para o prédio dos Autores. Mais alegam que os Réus vedaram o seu prédio, não ocupando o prédio dos Autores, não tendo os Réus fechado o portão, antes de enviarem uma cópia das chaves aos Autores, que não receberam a carta, não tendo os Réus fechado à chave o referido portão, pelo que os Autores têm livre acesso ao seu prédio. Peticionam ainda a condenação dos Autores como litigantes de má fé.

Os Autores exerceram o contraditório e alegaram que nas transacções em causa nos autos não se transmitiu a propriedade da parcela em questão, que sempre seria inválida, por falta de forma legal, e porque consubstanciaria uma desanexação de uma faixa de terreno integrante do prédio dos Autores sem autorização prévia da entidade competente.
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Convocada uma Audiência prévia, onde se frustrou a conciliação das partes, foi determinado por despacho que os autos fossem concluídos “ a fim de ser proferido despacho saneador”.
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Na sequência, foi proferido despacho saneador sentença, que, na sequência de Recurso interposto, veio a ser revogado.
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Prosseguiram os autos, com a elaboração de despacho saneador e enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal.
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Na sequência, foi proferida a seguinte sentença:

“IV- Dispositivo
Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, absolvendo os réus do pedido.”
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É justamente desta decisão que os Autores/Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

I. Embora fazendo constar o elevado respeito que não deixará de lhes merecer, revela-se de inconformismo, o posicionamento dos ora recorrentes ante a decisão que veio a ser proferida pelo digníssimo Tribunal a quo.
II. Sendo de reportar que, para “mal dos pecados” dos autores, ora recorrentes, há muito que a questão sub judice corre seus termos, sendo o presente – convirá referir: quando nada o faria crer - o terceiro processo judicial que origina.
III. Com a presente demanda, vieram os recorrentes peticionar a condenação dos réus no sentido de proceder à demolição de um portão edificado num prédio da propriedade daqueles, requerendo ainda que estes deixassem de o invadir em termos distintos dos consignados pela transacção homologatória celebrada no âmbito do processo nº 373/2001, já devidamente identificado nos presentes autos, e, bem assim, abster-se de edificar obras, esbulhar ou turvar o referido prédio denominado “Bouça A”.
IV. O Tribunal a quo não veio, contudo, considerar assistir razão aos autores, julgando totalmente improcedente a respectiva causa.
V. No entanto, entendem os recorrentes que o fez indevidamente, evidenciando erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade não provada, não sopesando devidamente as pretensões em conflito, em particular as que consubstanciavam a causa dos ora recorrentes, não obstante a linha de fundamentação e/ou interpretativa de que se muniu, mesmo incorrecta, permitisse outro alcance que não o que veio a ser dado.
VI. Nesta senda, o Tribunal a quo errou, ao considerar como não provado:

a) - que o prédio rústico da propriedade dos autores, com a área de 5500 m2, constituído por mato e pinheiros, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 555, figurando sob a denominação de “Bouça F”, sito no lugar …, União de freguesias de … (São João e Santo Estevão) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8, atribuindo-se-lhe, já aqui, a designação “Bouça A, confronta, de norte, com caminho e limite da freguesia;
b) - que o prédio rústico da propriedade dos réus, com área de 12400 m2, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 111, o prédio sito em …, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...3, confronta de sul com M. B.;
c) - que os réus, ao agir da forma que agiram, não causaram ilícita e culposamente uma injustificada afronta aos autores, geradora de incómodo e de danos não patrimoniais;
VII. Por seu turno, deveria, a Mmª. Juiz a quo ter considerado como provado que:

a) - o prédio rústico da propriedade dos autores, com a área de 5500 m2, constituído por mato e pinheiros, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 555, figurando sob a denominação de “Bouça F”, sito no lugar de …, União de freguesias de … (São João e Santo Estevão) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8, atribuindo-se-lhe, já aqui, a designação “Bouça A, tem por confrontação a norte, com caminho e limite da freguesia;
b) - o prédio rústico da propriedade dos réus, com área de 12400 m2, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 111, o prédio sito em Real, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...3, confronta de sul com M. B.;
c) - por efeito do termo de transacção celebrado no âmbito do processo nº 373/2001, que correu termos no 3º Juízo Cível (extinto) do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos e do processo número e do processo número 777/10.1TBBCL, que correu termos pelo extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, redistribuído posteriormente para a Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local de Barcelos – Secção Cível –J3, os autores, ora recorrentes, aceitaram constituir uma servidão de passagem a favor dos ora recorridos, onerando dessa forma o prédio de sua propriedade, já devidamente identificado;
d) - que os réus, ao agir da forma que agiram, causaram ilícita e culposamente uma injustificada afronta aos autores, geradora de incómodo e de danos;
VIII. Entendendo e decidindo erradamente que, por via da operada “cedência”, ter-se-ia constituído uma servidão de passagem por aquela faixa de terreno, não a favor do prédio dos réus, mas, ao invés, a favor do prédio dos autores.
IX. Onerando não o prédio dos autores, mas dos réus, uma vez que, para se utilizar as exactas palavras constantes da sentença "tal faixa de terreno passou a fazer parte do prédio dos réus, que pagaram pela sua aquisição a quantia de € 5.000,00”.
X. Concluindo, consequente e inequivocamente, arredada de qualquer facto que o possa alicerçar, constatar-se “facilmente que na referida transacção, os autores não constituíram uma servidão de passagem a favor do prédio dos réus, ocorrendo exactamente o inverso, ou seja, que os autores venderam a faixa de terreno em questão aos réus, que por sua vez, constituíram uma servidão de passagem através de tal faixa de terreno a favor do prédio dos aqui autores”.
XI. Ignorando in totum, entre outros factos de grande relevância, a evidência de que, após a celebração dos referidos termos de transacção, a realidade fiscal e registral do terreno dos autores/recorrentes, ora colocada em causa pelos réus/recorridos, se mantém intocada.
XII. Sem qualquer alteração de áreas e ou confrontações.
XIII. Não assiste, assim, razão à Mmª. Juiz a quo atento o erro notório evidenciado na apreciação e valoração das provas e, bem assim, erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada e não provada, que acabará por se ver reflectida na decisão recorrida por fazer também uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
XIV. Evidenciando-o, salvo o devido respeito, ao decidir que, por via da operada “cedência", terão sido constituídas, com formidável economia - pese embora a ambiguidade terminológica utilizada - não só uma alienação de uma “faixa de terreno”, mas ainda a constituição uma servidão de passagem a favor do prédio dos autores, ora recorrentes.
XV. E, bem assim, ao desconsiderar o depoimento de parte da ré, fazendo uso, para o efeito, de um argumento de difícil alcance e, para todos os efeitos, contraditório: Joaquina terá evidenciado, no entendimento à Mmª. Juiz a quo, um depoimento de parte "manifestamente interessado". Vide depoimento registado entre as 14:45:47 e as 14:46:30 (minutos 02:16 a 02:49 da gravação) de 08.05.2017, entre as 14:46:30 e as 14:47:28 (minutos 02:50 a 03:45 da gravação), entre as 14:49:49 e 14:59:53 (a minutos 06:08 a 16:12 da gravação) e entre as 15:08:21 e 15:10:25 de 08.05.2017 (a minutos 24:40 a 26:44 da gravação).
(… seguem conclusões, contendo as transcrições do depoimento da Ré Maria que já haviam sido plasmadas nas alegações e que aqui não se reproduzem dada a sua extensão…)
XXIV. Ora, será de referir, no que à valoração do depoimento diz respeito, que é hoje aceite por numerosa jurisprudência que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatório.
XXV. Neste sentido, o digníssimo Tribunal a quo, em sede da referida livre apreciação, não deveria ter desconsiderado, por completo, o depoimento de parte proferido pela ré Joaquina, ao revelar-se, o mesmo, bem elucidativo na apreciação e interpretação do teor que veio ficar consignado nas transacções judiciais celebrados entre as partes, donde se destaca a questão da "cedência" da mencionada faixa de terreno.
XXVI. Ademais, tendo por apreço o ónus de prova, consignado no artigo 342.º do Código Civil, não veio a Mmª. Juiz a quo convocar devido atendimento às excepções respeitantes à regra de repartição deste último, e às circunstâncias em que será de impor a sua inversão.
XXVII. Assim, observando-se, a presunção legal decorrente do disposto no art.º 7.º do Código do Registo Predial em benefício dos autores, aqui recorrentes, competiria à parte contrária a prova para o efeito de elidir tal presunção.
XXVIII. Segundo o citado preceito, quem tem um prédio registado a seu favor, tal qual acontece com os autores, passa a gozar da presunção legal da titularidade do direito de propriedade correspondente.
XXIX. Assim, colocando-se em causa tal direito, sempre se dirá que, se era pretensão da parte contrária reivindicar o direito de propriedade à referida "faixa de terreno", teriam estes que alegar e provar factos capazes de desmentir tal presunção legal, e que permitissem concluir que o direito real em causa, apesar de registado a favor dos autores, efectivamente seria propriedade destes, de acordo com os requisitos que legalmente condicionam esse reconhecimento.
XXX. Ora, transpondo o exposto ao caso dos autos, será de reiterar: havendo sido dada como provada a aquisição derivada e, bem assim, originária do prédio de que os autores se assumem proprietários, e beneficiando os autores da presunção decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial, os réus não conseguiram provar, com assertividade, a alegada transmissão de uma "faixa de terreno" a seu favor, nos termos que vieram de ser defendidos nos presentes autos.
XXXI. Mais acresce que, do depoimento prestado pela ré, nos termos acima transcritos, nem sequer é assertivo referir que autores e réus, no âmbito da vinculação negocial, tenham alguma vez querido efectivar a pretensa alienação da "faixa de terreno".
XXXII. É a própria ré que, na sua qualidade de alegada compradora, veja-se bem, o vem explicitar claramente quando, desde o início, faz alusões ao "acordo", que ansiavam, e não a uma qualquer transmissão de propriedade, leia-se "compra de um terreno", enquadrando o ansiado acordo numa necessidade de "largueza", sem deixar de fazer uso dos conhecidos requisitos que uma servidão predial de passagem deve ostentar, objecto que sempre presidiu ao referido acordo.
XXXIII. Ora, ao recorrer às regras de interpretação das declarações negociais (decorrentes dos artigos 236.° e ss. do Código Civil), não se poderiam, salvo o devido respeito, olvidar as declarações prestadas pela ré, nos presentes autos, face ao que veio ficar inscrito por via das referidas transacções judiciais.
XXXIV. Isto é, não se poderá atender à sua literalidade, e aos diversos sentidos que, ainda assim, esta permite, sem atender ao depoimento de parte prestado pela ré, Joaquina.
XXXV. Ademais, não será também de olvidar que as partes estão vinculadas não só às obrigações que expressamente tenham assumido, mas também às que decorram (implicitamente, diga-se) da boa-fé, da natureza ou finalidade do contrato, do contexto negocial ou de outros factores equivalentes.
XXXVI. Atento o exposto na antecedente conclusão, certo é que, em todo o este tempo, após a sua celebração, nunca os réus vieram a pretender alterar, utilizando os meios legais competentes para o efeito, para destacar, registar como sua, a referida "faixa de terreno de quatro metros de largura", "a todo o comprimento do prédio dos réus", para usar a imprecisão dos termos utilizados pela ré, no seu depoimento de parte.
XXXVII. Certo é que o digníssimo Tribunal a quo veio admitir – não obstante o depoimento de parte de Joaquina não corrobore o sentido emprestado que na transacção, ao colocar-se que os autores “cederam” aos réus uma faixa de terreno, operou-se uma transmissão de propriedade e, simultaneamente, a constituição de uma servidão de passagem por aquela faixa de terreno a favor do prédio dos autores.
XXXVIII. Onerando não o prédio dos autores, mas a faixa de terreno, agora dos réus.
XXXIX. Quiçá, para não referir – permitindo-nos, a decisão, tal leitura – a oneração do próprio prédio encravado dos réus, “uma vez que tal faixa de terreno passou a fazer parte do prédio dos réus, que pagaram pela sua aquisição a quantia de € 5.000,00”.
XL. Não se concebe como é que tal faixa de terreno passou a fazer "parte do terreno dos réus", sendo aliás difícil, tão só, conceber qual o prédio a que se refere, sendo de questionar: será que esta faixa de terreno se veio incrementar, de forma automática, ao prédio parcialmente encravado dos réus?
XLI. Assim, enquadrando a questão no âmbito da interpretação e integração das declarações negociais, o Tribunal a quo veio doutamente atender às disposições constantes do artigo 236º do Código Civil, e ao sentido que deverá prevalecer em caso de divergência no seu entendimento.
XLII. Ora, desconsiderando o depoimento da ré, considerou o digníssimo Tribunal a quo que não haveria outra alternativa senão a de se cingir à regra da intervenção objectivista ou normativa da declaração negocial, nos termos da chamada “doutrina da impressão do destinatário” que se dispõe no seu nº1, isto é, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição R. declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
74 Ver a utilização que a depoente faz do referido verbo "ceder" e o contexto em que o faz, no âmbito do respectivo depoimento, devidamente transcrito.
XLIII. Veio, neste alcance, dispor-se no referido enquadramento oferecido pelo Tribunal a quo, o que ora se transcreve: “a interpretação de uma declaração negocial, quando se esteja face a declarações receptícias de vontade em que as partes não tenham entendido do mesmo modo a declaração, desconhecendo os contraentes a vontade real do declarante, a interpretação do negócio jurídico deve fazer-se no sentido em que o declaratário normal colocado na sua posição, podia e devia entender”.
XLIV. Assim, considerando todos os elementos apurados com a excepção do depoimento de parte prestado pela ré, veio aquele digníssimo Tribunal entender que “o elemento literal, não suporta a interpretação dada pelos autores, sendo mais consentânea, com a versão dos réus”.
XLV. Arrumando, de uma penada só, a questão da “literalidade”, prossegue o enquadramento oferecido pelo referido Tribunal, veio este, alegadamente, procurar atendibilidade nos demais elementos a considerar.
XLVI. No entanto, em vez de prosseguir semelhante intuito, vem retomar a sua consideração literal, nunca dela se desprendendo – nunca se debruçando sobre o quadro geral em que foi firmada, nem se detendo sobre ambiguidade do teor terminológico utilizado - oferecendo-lhe, de forma escorreita como se escorreita se revelasse, o sentido que havia sido oferecido pelos réus,
XLVII. Em suma, veio o digníssimo Tribunal a quo concluir constatar-se “facilmente que na referida transacção, os autores não constituíram uma servidão de passagem a favor do prédio dos réus, ocorrendo exactamente o inverso, ou seja, os autores venderam a faixa de terreno em questão aos réus, que por sua vez, constituíram uma servidão de passagem através de tal faixa de terreno a favor do prédio dos aqui autores”.
XLVIII. Sendo, ademais, surpreendente na facilidade com que atalha: “o texto constante da transacção vinda a referir não corrobora minimamente a tese dos autores”.
XLIX. E se este último não o corrobora minimamente, mais aduz: “nenhum outro elemento lateral às transacções efectuadas e cláusulas assumidas, corrobora a tese dos autores”.
L. Mais espantoso, porém, reporta-se o facto de se ler na decisão que os autores, ora recorrentes, “não lograram (…) demonstrar (nem o alegaram) que quando acordaram com os réus as cláusulas respeitantes à transacção celebrada no processo 373/2001 estavam convencidos que estavam a constituir uma servidão de passagem a onerar o seu prédio e a favor do prédio dos réus”.
LI. Ora, tal enunciação deverá ser devidamente enquadrada à luz da já referida prevalência da presunção legal ínsita ao artigo 7º do Código de Registo Predial, a qual, invertendo o ónus da prova, imporia aos réus, para a definitiva resolução do litígio, provar que a referida transmissão se efectivamente se operou, por vontade das partes, assim vindo a acordar em consonância: algo que, salvo o devido respeito, não se verificou.
LII. Nesta senda, caberá referir que os recorrentes, de princípio, em momento algum se manifestaram, ou se manifestariam, de acordo com a total subversão de sentido consignada na tese que veio vingar.
LIII. Salvo o devido respeito, considera-se também assim espantoso que o digníssimo Tribunal a quo entenda “evidente”, não sendo capaz de dar azo a “equívocos”, a interpretação de que as partes em confronto, visando dar fim a uma constituição de uma servidão de passagem a favor de um prédio parcialmente encravado, tenham celebrado uma transacção que, de uma assentada, motivasse a alienação de “uma faixa de terreno” por destacar, operando uma total inversão de papéis, no âmbito da destinação da referida servidão de passagem.
LIV. Como não defini-lo como um ganho indevido se, na versão colocada pelos réus, para além de adquirirem uma “faixa de terreno”, com a largura de quatro metros (mais meio metro do que aquilo que haviam peticionado) a todo o comprimento do lado norte do prédio dos autores (note-se que nem sequer as medidas se vincam da forma mais precisa, conforme o imporia a alienação de uma qualquer propriedade), vêem a referida faixa de terreno ser pavimentada em alcatrão e pedra, em grande medida custeada pelos ora recorrentes, resultando o valor da alegada alienação bem inferior ao preço que, nos termos do depoimento de parte da ré, os réus estavam inicialmente dispostos a pagar para constituir uma servidão predial de passagem (já para não mencionar o facto de tudo isto implicar, em grande medida, uma grande desvalorização do prédio onde os recorrentes vêm a residir há mais de quatro anos).
LV. E, no entanto, é esse o entendimento que o Tribunal a quo veio oferecer, sem qualquer margem para dúvidas: “na verdade, muito embora resulte do teor da petição inicial do processo nº 373/2001, que os autores (ora réus) pretendiam a constituição de uma servidão legal de passagem como resulta do factualismo apurado, o certo é que na transacção do referido processo foi alienada a faixa de terreno, não se compreendendo como era possível as partes terem acordado a alteração de confrontação pelo lado norte do prédio dos réus (aqui autores) sem terem pretendido alienar a referida faixa de terreno (quando antes da celebração da transacção confrontava a norte com caminho e limite da freguesia)”.
LVI. Na verdade, a Mmª. Juiz a quo acrescentará ainda que “as partes não celebraram um contrato de compra e venda da referida faixa de terreno, nos termos do disposto no artigo 875º, do Código Civil, mas sim um contrato de transacção – artigo 1248º e seguintes, do Código Civil, que foi homologado judicialmente, pelo que a referida transacção só pode ser declarada nula ou anulada nos termos do disposto no artigo 291º, do Código de Processo Civil, Por outro lado, o referido contrato também nunca se tornaria inválido pela ausência de autorização prévia da entidade competente para a desanexação da faixa de terreno do prédio dos autores” e, com semelhante formulação, vem concluir: “um declaratário normal colocado na posição dos autores entenderia que após a celebração da transacção no Processo nº 373/2001, a faixa de terreno em questão passou a fazer parte integrante do prédio dos réus, podendo os mesmos colocar o portão mencionado nos autos”.
LVII. Contudo, nunca as partes, designadamente os ora autores, pretenderam, tiveram por intuito, quiseram ou sequer resulta das transacções referidas, constituir uma servidão legal de passagem a favor do seu próprio prédio, por uma simples razão: nunca vieram estes conceber, sequer por instante, alienar o seu prédio, parte dele ou qualquer “faixa de terreno”, seja ela qual fosse, como os réus querem agora fazer crer.
LVIII. Munindo-nos dos ensinamentos de Carlos Ferreira de Almeida, quanto ao regime jurídico do instituto da transacção judicial enquanto ponto culminante da questão que preside aos presentes autos, designadamente da sua longa excursão analítica visando o regime jurídico dos contratos, dir-se-á, em tal esteira, que as transacções judiciais se inscrevem no âmbito dos contratos de reestruturação, tendo por pressuposto "a conexão com uma situação jurídica anterior ou futura", destinando-se "a reestruturá-la, modificando-a, precisando-a ou solucionando-a".
LIX. Uma tal conexão, configura-se, nos contratos de reestruturação, como essencial para a sua finalidade. São portanto contratos com "autonomia estrutural menos autónoma, visto que o seu conteúdo contém necessariamente a referência a situações presentes ou eventuais, em relação às quais o contrato desempenha um papel instrumental".
LX. Tendo, os contratos de reestruturação "a regulação legislativa e o tratamento doutrinário disperso por diferentes códigos e leis e por vários ramos do direito", será de referir que alguns destes tipos contratuais nem são designados como tal, mas através de palavras que exprimem o acordo sem o qualificar como contrato (como é o caso da transacção).
LXI. Posto isto, caberá referir, neste âmbito, que a divergência entre "a finalidade global do contrato e a finalidade dos contraentes" significa que os interesses das partes "são contrapostos, servindo o contrato para solucionar tensões divergentes, atuais ou potenciais".
LXII. Refira-se que, "tendencialmente, os contratos de reestruturação seguem o regime dos contratos onerosos para o efeito de solução de casos duvidosos em matéria de interpretação (artigo 237°) ", estando, porém excluída, "a aplicação supletiva do regime da compra e venda que o artigo 939° prevê para os contratos onerosos transmissivos da propriedade."
LXIII. Quanto ao respectivo objecto, dir-se-ia que este pode ser, "um litígio, um património ou uma situação jurídica, simples ou complexa".
LXIV. Os contratos que, como é o caso da transacção, têm como objecto um litígio (no sentido amplo de situação jurídica controversa) destinam-se a prevenir ou a resolver a controvérsia ou a incerteza derivada de uma relação jurídica entre as partes, existente (actual) ou eventual (potencial), acordando, as partes, na decisão directa, material e definitiva da disputa ou da dúvida.
LXV. O fim do contrato de transacção será, pois, "a prevenção ou a resolução do litígio, no todo ou em parte, fora de qualquer processo judicial ou já no decurso dele"
LXVI. O meio para atingir esse fim consiste em concessões recíprocas, ainda que não equivalentes, "tomando como referência as pretensões das partes nas respectivas posições de base e não necessariamente a assunção recíproca de direitos ou de obrigações."
LXVII. Em todo o caso, a transacção terá por objecto a modificação de uma situação jurídica. Nesta precisa acepção, tendo presente os autos em apreço e respectivo objecto, revela-se incontestado que "os direitos reais são susceptíveis de modificação por contrato, mas apenas na medida em que originam relações jurídicas reais entre titulares em posição de vizinhança ou em eventual sobreposição de poderes, homogéneos ou heterogéneos, por fragmentação e por compressão do direito de propriedade."
LXVIII. Uma vez que a lei regula os potenciais conflitos emergentes destas relações "através de normas, geralmente supletivas, que estabelecem proibições e atribuem direitos potestativos e obrigações propter rem, é admissível que os interessados, por contrato, modifiquem as situações jurídicas como seriam conformadas ex lege ou alterem as que os mesmos ou outros titulares tenham anteriormente acordado."
LXIX. É, entre outros, exemplo em relações de sobreposição heterogénea: a fixação ou mudança da extensão da servidão (artigos 1565° e 1568° do Código Civil).
LXX. Ora, voltando ao caso dos presentes autos, reportando-se passível de ostentar uma função contratual modificativa, e decorrendo a transacção de um litígio judicial, esta deverá ser estruturalmente perspectivada a partir da base litigiosa sobre a qual veio de assentar.
LXXI. Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, o posicionamento do Tribunal a quo face à questão em apreço, tendo por apreço as declarações negociais constantes da transacção elaborada entre as partes, revelou-se injustificadamente à mercê da tese apresentada pelos réus – sendo de salientar que o fez à revelia do próprio entendimento constante do depoimento prestado pela ré, Joaquina, enquanto, alegada "compradora".
LXXII. Neste preciso alcance, convirá referir que o Tribunal a quo, quando nada o convidava a adoptar tal postura, veio revelar-se simplista no quadro interpretativo que veio oferecer à questão sub judice, pese embora a situação não fosse digna de facilitismos ou merecedora de atalhos, na ponderação do respectivo juízo.
LXXIII. Para ilustrar as irregularidades do referido quadro interpretativo, será de fazer uso dos ensinamentos do professor Manuel de Andrade, tendo por apreço a sua definição de "declaração de vontade negocial", isto é, todo o “comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização dum certo conteúdo de vontade negocial”, caracterizando, por seu turno, "vontade negocial", como “a intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes”.
LXXIV. Fazendo uso das referidas definições chegamos assim, como acima se aludiu, a um conceito "objectivista" de declaração negocial, fazendo-se consistir, a sua nota essencial, não num elemento interior – uma vontade real efectiva, psicológica – mas num elemento exterior, objectivo – o comportamento declarativo. E já a este título, em muito oferece, o caso dos autos, dúvidas e ambiguidades e falta de clareza na terminologia que utiliza.
LXXV. Ora, este comportamento declarativo trata-se dum conceito e, portanto, como todos os conceitos, dum quadro mental, elaborado a partir das soluções existentes no nosso ordenamento jurídico. Os efeitos decisivos para o efeito de determinar o conceito de declaração negocial, correspondente aos dados do sistema, são o da divergência entre a vontade e a declaração, o dos vícios da vontade, o da interpretação da declaração negocial, etc.
LXXVI. Tais problemas têm subjacente um conflito entre os interesses do declarante, por um lado, e os do declaratário e do comércio jurídico, por outro. E quanto a isto reitera-se, o que, muito humildemente, viemos demonstrar até aqui: a enunciação, o teor da referida transacção judicial oferece tudo menos clareza, quer jurídica quer terminológica.
LXXVII. Não será, pois, de questionar, portanto – e não sem pertinência - o carácter vago de uma tal opção, que não nos obriga tão só a ler, mas a inferir?
LXXVIII. E mesmo a inferir, diga-se: não deixará ainda assim de conceder dúvidas, falta de assertividade e de clareza?
LXXIX. Neste sentido, poderíamos atender, com devido pormenor, ao que se poderá ter por “cedência”, conforme consta da referida transacção judicial, que veio de ser celebrada, repita-se, no âmbito de um processo onde se peticionava a constituição de uma servidão de passagem.
LXXX. Haverá que não esquecer que o direito real das servidões prediais é um direito real limitado especial, caracterizado pela averiguação de utilidades que, em cada oportunidade, são passíveis de ser gozadas por intermédio de um prédio dominante e dos interesses do menor prejuízo que daí advenha para o prédio serviente – ocorrendo, ainda assim e indiscutivelmente, uma “cedência” por parte do prédio serviente no âmbito do pleno gozo do seu direito de propriedade.
LXXXI. Mas atendendo aos demais campos do Direito, não poderíamos reconduzir tal termo, com maior legitimidade, a um contrato de comodato? Cedência, essa, que não implicaria, forçosamente, onerosidade, que poderá ser concedida a título gratuito, não implicando um carácter definitivo?
LXXXII. Ou, até mais recorrentemente ainda, no âmbito do Direito Público, onde se admite tal conceito terminológico em sede de expropriações – mas aí diferentemente, colocando-se o indivíduo face ao Estado, reporta-se entendível e correto a utilização de um tal verbo, “ceder”, uma vez que se faz, necessariamente, “sucumbir a parte pelo todo”, numa relação que não se reputará nunca de paridade, mas de submissão ou disposição de um direito perante o que se tem por interesse geral, pois, no caso em questão, a haver alguém a ceder, não será o domínio público – ao contrário do que acontece no caso dos autos, em que as partes se reputam, para todos efeitos, iguais, pese embora os interesses conflituantes.
LXXXIII. Não sendo obrigado a tal, não se demonstra compreensível, face às circunstâncias da situação em apreço, para os ora recorrentes se demonstrassem mais zelosos dos interesses da parte contrária do que dos próprios: em vez de onerar o seu prédio, optar por aliená-lo! E isto perante – será de relembrar - um prédio apenas parcialmente encravado!
LXXXIV. Mesmo que nos limitássemos a atender somente à definição meramente terminológica do verbo “ceder” no âmbito da Língua Portuguesa8, esta reconduzir-nos-ia a inúmeros significados, designadamente “pôr (algo) à disposição de (alguém)”, “desistir de (um direito) em favor de outrem”, “não resistir (a)”, “renunciar a (cargo, função)”, “deixar”, “não usar” (na acepção de verbo transitivo) e ainda “sujeitar-se”, “conceder; transigir”, “dar-se por vencido”, “diminuir de intensidade”, “não resistir a esforço, peso, etc.” (na acepção de verbo intransitivo).
LXXXV. Pelo que, no contexto em que foi utilizada, mesmo que se lhe isentássemos de qualquer carácter jurídico, não deixaria esta de se revelar mais consentânea com o contexto e interpretação que os ora recorrentes lhe atribuíram, isto é, que as partes transigiram tendo por apreço o que nos autos em questão se discutia – a constituição de uma servidão de passagem – modificando-se apenas o valor peticionado, e a própria dimensão da faixa de terreno que seria “cedida” para esse efeito (passando de 3,5 metros para 4 metros).
LXXXVI. A versão concedida pelos recorridos e admitida pelo Tribunal a quo, apegando-se obsessivamente ao elemento literal que, no mínimo, não se reporta claro – acaba por subverter tudo quanto havia sido discutido nesses autos, relegando o que de incerto este ostenta, acabando por lhe conferir um sentido que em momento algum foi admitido, sequer ponderado como hipótese, pelos ora recorrentes.
LXXXVII. Ora, conforme é amplamente consabido, “as soluções expressas no Código Civil, demonstram que a essência do negócio jurídico não assenta numa intenção psicológica, ou no meio (declaração, manifestação, etc.) de a exteriorizar, mas num comportamento objectivo, exterior, social; algo que, todavia, não se confunde com um formalismo ritual, como é próprio das fases mais primitivas de evolução jurídica e que, normalmente, tem ou teve subjacente um elemento subjectivo, uma vontade do seu autor, coincidente com o significado que assume na vida de relação”.
LXXXVIII. Nesta senda, o estádio de evolução que o direito civil hoje conhece coloca, pois, na primeira linha a protecção das expectativas dos declaratários e da segurança do comércio jurídico, dando assim relevância à “aparência” e a uma "exigência de cognoscibilidade, a expensas da vontade real e psicológica.”
LXXXIX. No entanto, haverá que ter por assente que a relevância objectiva do comportamento declarativo, a expensas da vontade real, deve encontrar os seus limites nas próprias razões que a determinam e assim, não pode verificar-se, se efectivamente não houve uma confiança do declaratário nesse sentido objectivo, como se dispõe no nº2 do artigo 236º do Código Civil, sendo de igual modo o que se verifica nos autos em apreço – em momento algum os recorrentes atribuíram o sentido que os recorridos, ora imprimem a tal teor.
XC. Atenta a factualidade dada como não provada e que os recorrentes entendem que deveria ter decisão diferente, ou seja, provada, resulta inequívoco que a acção deveria ter sido julgada totalmente procedente e provada.
XCI. Assim, dever-se-á revogar totalmente a decisão proferida nos presentes autos.
XCII. Ao decidir de uma forma contrária ao supra alegado, o Tribunal recorrido praticou erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como provada, acabando a decisão recorrida por fazer também uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, acabando por violar entre outros, o disposto nos n.ºs 236º, 237º, 238º e 239º, 342º, 352º e 353º, 356º, n.º 2, 361º, todos do Código Civil, número 3, 4 e 5 do artigo 607.º do C.P.C. e 7º do Código de Registo Predial.
Nestes termos e nos mais de Direito, que não deixarão de ser supridos por Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao Recurso e, em consequência, revogar-se a Douta Sentença recorrida, julgando-se a acção procedente e provada...”.
*
Os RR. apresentaram contra-alegações, defendendo a improcedência do Recurso.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam as seguintes questões:
1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, no que concerne:

- à confrontação a Norte do prédio dos Autores
- à confrontação a Sul do prédio dos Réus;

ao considerar como provado que :

- essa confrontação Norte do prédio dos Autores era com o prédio dos Réus;
- essa confrontação Sul do prédio dos Réus era com o prédio dos Autores;

já que antes devia ter considerado como provado que:

- essa confrontação Norte do prédio dos Autores era com caminho e limite da freguesia;
- essa confrontação Sul do prédio dos Réus era com o prédio de M. B.;
(factos que foram considerados não provados)
*
Além disso, impugnam ainda que tenham sido considerados não provados os seguintes factos (que deveriam ter sido considerados provados):

- que os Réus, ao agir da forma que agiram, não causaram ilícita e culposamente uma injustificada afronta aos Autores, geradora de incómodo e de danos não patrimoniais;
(- que os Autores não se sentiram humilhados e alvo de vexame com a atitude grangeada pelos Réus;
- que a situação dos autos não tenha causado prejuízo aos Autores;)
*
*
2. saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pelos Recorrentes, a presente acção tem de proceder, já que, na transacção estabelecida entre as partes nas anteriores acções, o que as partes pretenderam estipular foi uma servidão de passagem pela faixa de terreno aqui em discussão, não a favor do prédio dos Autores, mas a favor do prédio dos Réus.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

Factos provados

1. Acha-se inscrito na matriz, sob o artigo 777, um terreno de mato e pinheiros denominado “Bouça F”, com a área de 5500 m2, sito no lugar de ..., União de freguesias de … (São João e Santo Estevão), confrontando a sul e nascente com Manuel e poente com Estrada Municipal, onde figura como titular inscrito José, conforme documento junto a fls. 218, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8, um prédio rústico denominado como “Bouça A”, sito em …, com a área de 5500 m2, confrontando a sul com Luís, nascente com António e poente com Estrada Municipal, inscrito a favor dos autores através da AP. 64 de 30 de Junho de 2005, por compra efectuada a A. M., Rodolfo e Letícia, conforme documento junto a fls. 216/217, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Tal prédio confronta a norte com o prédio dos réus(1).
4. Por escritura pública de compra e venda que se acha exarada a fls. 22 e seguintes, do Livro nº 282-D do 1º Cartório Notarial, Rodolfo, Alexandre, na qualidade de procurador de A. M. e mulher Letícia declararam que “pela presente escritura e pelo preço de seis milhões de escudos, que já receberam, vendem ao terceiro outorgante, José, o seguinte bem imóvel:
5. Prédio rústico, denominado “Bouça A, de mato, situado no lugar de ..., da dita freguesia de …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 555, com o valor tributável de 51.600$00 (…)”, tendo José declarado “que aceita este contrato nos termos exarados, conforme documento junto a fls. 11/12, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6. Há mais de vinte, trinta, cinquenta anos que, os autores e seus ante possuidores, vêm lavrando o referido prédio, nele semeando, sachando-o, regando-o, mondando-o, colhendo produtos hortícolas, podando, sulfatando, cotando erva, vigiando-o e limpando-o, destarte detendo, fruindo e fazendo ocupar o espaço desse prédio, na sua globalidade, colhendo, aproveitando e fazendo seus, com exclusão de outrem, todas as utilidades, frutos proveitos e interesses, quer naturais, quer civis suportando os inerentes encargos fiscais.
7. O que sempre têm feito, de forma contínua e ininterrupta, à vista de toda a gente, no seu interesse e proveito, na convicção e ânimo de quem exerce um direito próprio, correspondente à titularidade plena e exclusiva do direito de propriedade.
8. Acha-se inscrito na matriz, sob o artigo 111, o prédio Campo e Bouça R., com a área de 12400 m2, sito em …, União de freguesias de … (São João e Santo Estevão), confrontando a norte com J. P., nascente com D. M. e poente com F. P., onde figura como titular inscrito Manuel, conforme documento junto a fls. 221, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9. Acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...3, um prédio rústico denominado como “Campo R. ou Campo da Bouça R.”, sito em …, com a área de 12400 m2, confrontando a norte com AC, nascente com AR e poente com F. P., inscrito a favor dos autores através da AP. 17 de 21 de Maio de 1998, por compra efectuada a António e PF conforme documento junto a fls. 219/220, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
10. O prédio dos réus confronta a sul com o prédio dos autores. 11. No processo nº 373/2011, que correu termos no extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, em que figuravam como autores os ora réus e réus, os ora autores, perante o Mm. Sr. Juiz, as partes acordaram:

PRIMEIRA
Os RR cedem uma faixa de terreno na extremidade norte do seu prédio, identificado na alínea B) dos factos assentes, com a largura de 4 metros, desde o caminho público até ao prédio dos AA, identificado na alínea A) daquela peça processual desde já dando autorização a estes para procederem à abertura de um caminho, naquela faixa de terreno, para acesso ao referido prédio.

SEGUNDA
Os RR ficam com o direito de se utilizarem daquele caminho para acesso ao seu identificado prédio, quer enquanto este mantenha a natureza rústica, quer quando ali venham a ser feitas construções.

TERCEIRA
Os AA obrigam-se a fazer o muro de vedação em betão armado em toda a extensão do caminho, deixando uma abertura de 4 metros livres para entrada do prédio dos RR no local a indicar por estes.
O referido muro terá a altura de um metro acima do nível do terreno e assentará em toda a extensão no terreno dos RR, por forma a salvaguardar a largura do caminho referida na cláusula primeira, devendo estar concluído até ao dia 31 de Agosto de 2005.

QUARTA
A marcação dos limites do caminho será feita por uma pessoa indicada pelos RR..

QUINTA
Pela cedência daquela faixa de terreno os AA pagaram aos RR, antes deste acto, a importância de € 5.000,00, da qual estes dão quitação.

SEXTA
Por via daquela cedência o prédio dos RR. fica a confrontar pelo lado norte com o referido prédio dos AA..

SÉTIMA
As custas em dívida a Juízo serão suportadas a meias por AA. E RR., prescindindo uns e outros de procuradoria na parte disponível e de custas de parte”, conforme documentos juntos a fls. 16/20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
12. A transacção mencionada em 11º, foi homologada por sentença judicial.
13. No processo mencionado em 11º dos factos provados, os autores peticionaram que fosse decretada a constituição de uma servidão legal de passagem, com a largura de três metros e meio no local atrás indicado sobre o prédio dos réus a favor do prédio dos autores, mediante o pagamento aos réus da importância de 500.000$00 ou de montante que vier a ser fixado.
14. No processo nº 777/10.1TBBCL, que correu os seus termos nesta Instância Local, J3, em que figuravam como autores os ora réus e réus os ora autores, perante o Mm. Sr. Juiz, as partes acordaram:

PRIMEIRA
Os réus reconhecem os autores como proprietários exclusivos do muro construído por estes, sito na extremidade norte do prédio dos réus.

SEGUNDA
Os réus comprometem.se, na extrema norte do seu prédio, a retirarem a terra que presentemente, se encontra encostada ao muro, deixando livre cerca de um metro de altura desse mesmo muro.

TERCEIRA
Os réus obrigam-se, aquando da execução dos trabalhos referidos em 2), a colocar no solo um caleiro em “meia-cana”, a nascente do portão e em toda a extensão do muro, de forma a evitar que as águas se infiltrem nas fundações do mesmo.

QUARTA
Os réus obrigam-se, ainda, a reparar o muro dos autores, executando os seguintes trabalhos:
a) Tapar os buracos existentes na parte superior do mesmo e que se encontram à distância, uns dos outros, de 2,5 metros, com início junto ao portão.
b) Reparar as fissuras existentes nesse mesmo muro;
(…)

SÉTIMA
Autores e réus comprometem-se a pavimentar o caminho que fica a norte do prédio dos réus e melhor referido nos autos, nos seguintes termos e condições:
a) A pavimentação será feita em alcatrão ou pedra, conforme o que melhor se adapte às especificidades do local, com as características que se mostrarem tecnicamente mais adequadas ao terreno, conforme indicação a efectuar por técnico;
b) A escolha do executor de tais trabalhos será feita, pelos autores e réus e de comum acordo, sendo que, na hipótese de desacordo, será o mesmo escolhido pelos mandatários das partes;
c) Os custos da pavimentação serão suportados na proporção de 2/3 para os réus e 1/3 para os autores;
d) Os trabalhos de pavimentação deverão ser realizados no prazo de 18 (dezoito) meses, a contar desta data;
e) A entrega e aceitação da obra deverão ser feitas, em simultâneo, pelos autores e pelos réus, em data a combinar pelos ilustres mandatários das partes.

OITAVA
Os réus comprometem-se a retirar a massa colocada entre o pilar em ferro existente na parte nascente do acesso ao seu prédio e muro dos autores, consentindo estes que, se necessário for, que o seu muro seja desbastado no máximo de 5 mm (cinco milímetros).

NONA
Custas em dívida a juízo, a suportar em partes iguais pelos autores e réus, prescindindo ambos de custas de partes”.
15. A transacção mencionada em 14º, foi homologada por sentença judicial, conforme documento junto a fls. 21/27, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
16. Vieram os réus, em Novembro último, construir uma vedação em ferro, vulgo “portão” sobre o tranqueiro em pedra colocada pelos réus na faixa de terreno a que se alude na transacção mencionada em 11º dos factos provados.
17. Os réus enviaram aos autores uma chave do portão, que não a receberam.
*
Factos não provados

Não resultou demonstrado o alegado em , no que respeita à confrontação a Norte do prédio dos autores, , no que respeita à confrontação a sul do prédio dos réus), 10º; 21º; 29º (1ª parte); 30º e 31º da petição inicial.
*
Os restantes factos alegados pelas partes que não constam dos factos dados como provados ou não provados foram considerados pelo Tribunal como conclusivos, encerram conceitos de direito ou se encontram em contradição com os factos dados como provados.
*
B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importaria apreciar e decidir e que foram colocadas pelos Recorrentes.
*
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Conforme resulta do relatório elaborado, a primeira questão com que o Tribunal se deve confrontar é a da Impugnação da matéria de facto.
Levanta-se, nessa sede, como questão prévia, o problema da sua admissibilidade (pelo menos, parcial), tendo em conta a forma como os Recorrentes deduzem essa Impugnação.
Vejamos, então, se se encontram verificados os requisitos processuais necessários para aquela sua admissão.
Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :

a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes (2), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos;
Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente
Destarte, importa referir que, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.
De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.
Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (3), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»
Tem sido esse o entendimento constante da Jurisprudência do STJ, conforme decorre das seguintes considerações efectuadas no seu recente Acórdão de 27.10.2016 (4):
“Estabelece o art. 639º, nº 1, do CPC: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.”
As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objecto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Este Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
Vejam-se, entre outros, os seguintes arestos deste Supremo Tribunal:
*
Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Ana Luísa Geraldes):
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
*
Ac. STJ de 11.02.2016, proc. 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Mário Belo Morgado):
I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação.
(…)
*
Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida):

(…)
II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
(…)
*
Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima):

(…)
II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.
IV- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e que se pretende ver modificados.
*
Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes):
“I. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
Debruçando-se sobre os requisitos das conclusões na perspectiva do cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, refere Abrantes Geraldes:
“A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
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Aqui chegados, e revertendo para o caso concreto, importa fazer aqui algumas distinções, tendo em conta a forma como os Recorrentes deduzem a Impugnação da matéria de facto.
No caso dos autos, os Recorrentes apresentaram, como se disse, na parte pertinente à Impugnação da matéria de facto, as seguintes pretensões:

- devem considerar-se provados os seguintes factos que a sentença de primeira Instância considerou como não provados:
“o Tribunal a quo errou, ao considerar como não provado:

a) - que o prédio rústico da propriedade dos autores, com a área de 5500 m2, constituído por mato e pinheiros, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 555, figurando sob a denominação de “Bouça F”, sito no lugar de ..., União de freguesias de … (São João e Santo Estevão) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8, atribuindo-se-lhe, já aqui, a designação “Bouça A, confronta, de norte, com caminho e limite da freguesia; (art. 1º da petição inicial, no que respeita à confrontação a Norte do prédio dos autores- que foi considerado como não provado);
b) - que o prédio rústico da propriedade dos réus, com área de 12400 m2, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 111, o prédio sito em Real, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...3, confronta de sul com M. B.; (art. 7º da petição inicial, no que respeita à confrontação a sul do prédio dos réus- que foi considerado como não provado)
c) - que os réus, ao agir da forma que agiram, não causaram ilícita e culposamente uma injustificada afronta aos autores, geradora de incómodo e de danos não patrimoniais (21º; 29º (1ª parte); 30º e 31º da petição inicial)- que foram considerados como não provados);
(e, acrescentamos nós, ao considerar como não provados os factos alegados no art. 10º da Petição inicial)
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(pelo que) Devia ter considerado como provado que:

a) - o prédio rústico da propriedade dos autores, com a área de 5500 m2, constituído por mato e pinheiros, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 555, figurando sob a denominação de “Bouça F”, sito no lugar de ..., União de freguesias de … (São João e Santo Estevão) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8, atribuindo-se-lhe, já aqui, a designação “Bouça A, tem por confrontação a norte, com caminho e limite da freguesia;
b) - o prédio rústico da propriedade dos réus, com área de 12400 m2, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 111, o prédio sito em Real, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...3, confronta de sul com M. B.;
c) - por efeito do termo de transacção celebrado no âmbito do processo nº 373/2001, que correu termos no 3º Juízo Cível (extinto) do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos e do processo número e do processo número 777/10.1TBBCL, que correu termos pelo extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, redistribuído posteriormente para a Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local de Barcelos – Secção Cível –J3, os autores, ora recorrentes, aceitaram constituir uma servidão de passagem a favor dos ora recorridos, onerando dessa forma o prédio de sua propriedade, já devidamente identificado;(art. 10º da petição inicial)
d) - que os réus, ao agir da forma que agiram, causaram ilícita e culposamente uma injustificada afronta aos autores, geradora de incómodo e de danos; (arts. 21º; 29º (1ª parte); 30º e 31º da petição inicial).”
(e, acrescentamos nós, como não provados os pontos 3 e 10 da matéria de facto provada!)
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Ora, se relativamente àquelas primeiras Impugnações da matéria de facto (quanto aos pontos 3 e 10 da matéria de facto provada e 1º, 7º e 10º da petição inicial que foram considerados como não provados), os Recorrentes deram obediência aos acima referidos ónus de alegação, a verdade é que, no que concerne à segunda parte (aos pontos da matéria de facto considerada como não provada correspondente aos arts. 21º; 29º (1ª parte); 30º e 31º da petição inicial- alegados prejuízos, humilhações e incómodos sofridos pelos Recorrentes), tem que se considerar que assim não sucedeu.

Senão vejamos.

Quanto àquelas primeiras Impugnações- apesar da manifesta deficiência das conclusões apresentadas- como mais à frente se referirá- a verdade é que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, pode-se concluir que os Recorrentes ainda lograram dar cumprimento aos aludidos ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, als. a), b) e c) do CPC, pois que nelas, fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados (os pontos 3 e 10 da matéria de facto provada e 1º, 7º e 10º da petição inicial que foram considerados como não provados), indicam os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida – sintetizando (de uma forma, também, deficiente) após, essas suas alegações nas conclusões apresentadas, conforme- dissemos em cima- impõe o legislador processual (art. 639º, nº1 do CPC).
Entende-se, pois que, quanto a esse segmento da Impugnação da matéria de facto devem considerar-se cumpridos aqueles ónus.
Nessa medida, quanto a essa primeira parte, nada obsta ao conhecimento do objecto de recurso.
Um outro tanto, no entanto, já não sucede com a segunda parte da Impugnação da matéria de facto (no que concerne aos pontos da matéria de facto considerada como não provada correspondente aos arts. 21º; 29º (1ª parte); 30º e 31º da petição inicial- alegados prejuízos, humilhações e incómodos sofridos pelos Recorrentes).
Na verdade, pretendendo os Recorrentes alterar essa matéria de facto que o Tribunal Recorrido considerou, no seu julgamento, como não provada, a verdade é que aqueles não especificam, em qualquer ponto da sua peça processual (nem nas conclusões, nem mesmo nas alegações), quais são os concretos meios probatórios que imporiam uma decisão diversa, relativamente a esses factos.
Conforme se disse atrás, é pacífico em termos Doutrinais e Jurisprudenciais que o Recurso deve, na sua fundamentação, especificar os concretos meios probatórios que, na perspectiva dos Recorrentes, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, al. b) do CPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC), sob pena de essa omissão ser sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
Ora, é patente e manifesto que os Recorrentes, quanto àquela factualidade, não cumpriram aquele citado ónus, ao não especificarem na fundamentação do Recurso, quais eram os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham a decisão diversa que pretendiam obter com a Impugnação dessa matéria de facto (art. 640.º, n.º 1, do CPC)
Na verdade, limitaram-se a apresentar nas conclusões a decisão alternativa que propõem para a matéria de facto (considerar como provados tais factos), sem especificar quais eram os meios de prova que conduziriam a essa conclusão.
Nessa medida, tem que se entender que os Recorrentes, ao não cumprirem esse ónus, acabaram por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à aludida matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
A consequência do não cumprimento daquele ónus (imposto pela citada al. b) do nº 1 do art. 640º, do CPC) é a rejeição da Impugnação na parte correspondente.
Assim, sendo estas as regras processuais aplicáveis, compulsado o teor do Recurso apresentado, constata-se inequivocamente que os Recorrentes, bem sabendo que a realidade processual que se acaba de afirmar se verificava, em vez de especificarem, em face da sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto, quais eram os meios de prova que conduziriam a essa conclusão, nada vieram dizer, limitando-se a indicar qual era a decisão alternativa que propunham.
Aqui chegados, torna-se evidente que, não tendo cumprido o referido ónus quanto à referida matéria de facto considerada como não provada, a pretensão de Impugnação dessa factualidade deduzida pelos Recorrentes não cumpre os requisitos legais que lhe permitiriam ser admitida.

Nesta conformidade, julga-se que, atendendo à forma como os Recorrentes deduzem o seu Recurso, nesta parte da Impugnação da matéria de facto (quanto aos pontos da matéria de facto considerada como não provada correspondente aos arts. 21º; 29º (1ª parte); 30º e 31º da petição inicial- alegados prejuízos, humilhações e incómodos sofridos pelos Recorrentes), não se mostram cumpridos os requisitos legais da sua admissibilidade (5), e, nessa medida, tem o Recurso de Impugnação da matéria de facto que ser necessariamente rejeitado parcialmente com estes fundamentos.

Importa dizer, de qualquer forma, que mesmo que assim não fosse, sempre se teria de concordar com o Tribunal Recorrido, porque é patente que, quanto a esta factualidade considerada como não provada, os Recorrentes/AA. não lograram cumprir o ónus de prova que sobre eles recaía (art. 342º, nº 1 do CC), pois que não foram produzidos quaisquer meios de prova de onde pudesse decorrer que a aludida factualidade merecesse resposta positiva (provado).
Assim, independentemente da rejeição liminar da Impugnação, com o fundamento invocado, sempre a conclusão devia ser a mesma, já que, como refere o Tribunal Recorrido:
“No que toca aos factos considerados não provados resultam os mesmos de não ter sido produzida qualquer prova credível nesse sentido…” (conclusão que aqui corroboramos inequivocamente).
Improcede, assim, esta parte da Impugnação da matéria de facto.
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Um outro tanto já não sucede, como já se referiu, com a Impugnação da matéria de facto relativa aos demais pontos questionados.
Importa, pois, que o presente Tribunal quanto a esses pontos da matéria de facto se pronuncie sobre a Impugnação deduzida pelos Recorrentes.

Como já se referiu compulsado o Recurso interposto, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões (6), os AA./ Recorrentes impugnaram a decisão da matéria de facto (quanto a esta factualidade), tendo dado cumprimento, de uma forma minimamente satisfatória, aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, especificam os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida e indicam a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida.
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, importa verificar, pois, se se pode dar razão aos Recorrentes, quanto aos questionados pontos da matéria de facto.

Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pelos Recorrentes, referir qual deve ser o âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.

Na verdade, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (7).
Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (8).

Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (9).
Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (10), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (11).
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (12).
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (13).
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (14).
Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (15), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
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Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão aos AA. apelantes, neste segmento do recurso da impugnação da matéria de facto, nos termos por eles pretendidos.
Nesta sequência, importa, pois, que o Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo os Recorrentes/ Réus que, em face da prova produzida, devem:
- -considerar-se provados os seguintes factos que a sentença de primeira Instância considerou como não provados:
“o Tribunal a quo errou, ao considerar como não provado:

a) - que o prédio rústico da propriedade dos autores, com a área de 5500 m2, constituído por mato e pinheiros, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 555, figurando sob a denominação de “Bouça F”, sito no lugar de ..., União de freguesias de … (São João e Santo Estevão) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8, atribuindo-se-lhe, já aqui, a designação “Bouça A, confronta, de norte, com caminho e limite da freguesia; (art. 1º da petição inicial, no que respeita à confrontação a Norte do prédio dos autores- que foi considerado como não provado);
b) - que o prédio rústico da propriedade dos réus, com área de 12400 m2, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 111, o prédio sito em …, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...3, confronta de sul com M. B.; (art. 7º da petição inicial, no que respeita à confrontação a sul do prédio dos réus- que foi considerado como não provado)
(e, acrescentamos nós, ao considerar como não provados os factos alegados no art. 10º da Petição inicial)
*
(pelo que) Devia ter considerado como provado que:

a) - o prédio rústico da propriedade dos autores, com a área de 5500 m2, constituído por mato e pinheiros, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 555, figurando sob a denominação de “Bouça F”, sito no lugar de ..., União de freguesias de … (São João e Santo Estevão) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8, atribuindo-se-lhe, já aqui, a designação “Bouça A, tem por confrontação a norte, com caminho e limite da freguesia;
b) - o prédio rústico da propriedade dos réus, com área de 12400 m2, inscrito na matriz predial urbana, sob o artigo 111, o prédio sito em Real, encontrando-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...3, confronta de sul com M. B.;
c) - por efeito do termo de transacção celebrado no âmbito do processo nº 373/2001, que correu termos no 3º Juízo Cível (extinto) do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos e do processo número e do processo número 777/10.1TBBCL, que correu termos pelo extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, redistribuído posteriormente para a Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local de Barcelos – Secção Cível –J3, os autores, ora recorrentes, aceitaram constituir uma servidão de passagem a favor dos ora recorridos, onerando dessa forma o prédio de sua propriedade, já devidamente identificado;(art. 10º da petição inicial)
(e, acrescentamos nós, como não provados os pontos 3 e 10 da matéria de facto provada!)
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Importa, pois, determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, no que concerne:

- à confrontação a Norte do prédio dos Autores
- à confrontação a Sul do prédio dos Réus;
ao considerar como provado que :
- essa confrontação Norte do prédio dos Autores era com o prédio dos Réus;
- essa confrontação Sul do prédio dos Réus era com o prédio dos Autores;
já que antes devia ter considerado como provado que:
- essa confrontação Norte do prédio dos Autores era com caminho e limite da freguesia;
- essa confrontação Sul do prédio dos Réus era com o prédio de M. B.;
(factos que foram considerados não provados)
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-e ainda quando considerou como não provada a seguinte factualidade:
. “por efeito do termo de transacção celebrado no âmbito do processo nº 373/2001, que correu termos no 3º Juízo Cível (extinto) do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos e do processo número e do processo número 777/10.1TBBCL, que correu termos pelo extinto 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, redistribuído posteriormente para a Tribunal da Comarca de Braga – Instância Local de Barcelos – Secção Cível –J3, os autores, ora recorrentes, aceitaram constituir uma servidão de passagem a favor dos ora recorridos, onerando dessa forma o prédio de sua propriedade, já devidamente identificado (art. 10º da petição inicial).
(quando o Tribunal Recorrida considerou justamente o contrário em sede Fundamentação de Direito, ou seja, que os RR. é que aceitaram constituir uma servidão de passagem a favor dos Recorrentes, onerando dessa forma a faixa de terreno que passou a pertencer-lhes na sequência da transacção efectuada)
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Os Recorrentes não concordam com a decisão proferida sobre esses pontos da matéria de facto, alegando (16) o seguinte:

“…- o Tribunal Recorrido desconsiderou o depoimento de parte da Ré, quando este podia ser processual valorado.
- o Tribunal Recorrido ignorou totalmente, entre outros factos de grande relevância, a evidência de que, após a celebração dos referidos termos de transacção, a realidade fiscal e registral do terreno dos autores/recorrentes, ora colocada em causa pelos réus/recorridos, se mantém intocada, sem qualquer alteração de áreas e ou confrontações.
-tendo em conta as regras do ónus de prova, consignado no artigo 342.º do Código Civil, o Tribunal recorrido não teve em conta que, observando-se, a presunção legal decorrente do disposto no art.º 7.º do Código do Registo Predial em benefício dos autores, aqui recorrentes, competiria à parte contrária a prova para o efeito de elidir tal presunção. Segundo o citado preceito, quem tem um prédio registado a seu favor, tal qual acontece com os autores, passa a gozar da presunção legal da titularidade do direito de propriedade correspondente. Assim, colocando-se em causa tal direito, sempre se dirá que, se era pretensão da parte contrária reivindicar o direito de propriedade à referida "faixa de terreno", teriam estes que alegar e provar factos capazes de desmentir tal presunção legal, e que permitissem concluir que o direito real em causa, apesar de registado a favor dos autores, efectivamente seria propriedade destes, de acordo com os requisitos que legalmente condicionam esse reconhecimento. Ora, transpondo o exposto ao caso dos autos, será de reiterar: havendo sido dada como provada a aquisição derivada e, bem assim, originária do prédio de que os autores se assumem proprietários, e beneficiando os autores da presunção decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial, os réus não conseguiram provar, com assertividade, a alegada transmissão de uma "faixa de terreno" a seu favor, nos termos que vieram de ser defendidos nos presentes autos.
- ao recorrer às regras de interpretação das declarações negociais (decorrentes dos artigos 236.° e ss. do Código Civil), não será também de olvidar que as partes estão vinculadas não só às obrigações que expressamente tenham assumido, mas também às que decorram (implicitamente, diga-se) da boa-fé, da natureza ou finalidade do contrato, do contexto negocial ou de outros factores equivalentes. Atento o exposto, certo é que, em todo o este tempo, após a sua celebração, nunca os réus vieram a pretender alterar, utilizando os meios legais competentes para o efeito, para destacar, registar como sua, a referida "faixa de terreno de quatro metros de largura", "a todo o comprimento do prédio dos réus",
- o Tribunal ao proceder à interpretação da transacção estabelecida, considerando todos os elementos apurados com a excepção do depoimento de parte prestado pela ré, veio entender que “o elemento literal, não suporta a interpretação dada pelos autores, sendo mais consentânea, com a versão dos réus”. Arrumando, de uma penada só, a questão da “literalidade”, prossegue o enquadramento oferecido pelo referido Tribunal, veio este, alegadamente, procurar atendibilidade nos demais elementos a considerar. No entanto, em vez de prosseguir semelhante intuito, vem retomar a sua consideração literal, nunca dela se desprendendo – nunca se debruçando sobre o quadro geral em que foi firmada, nem se detendo sobre ambiguidade do teor terminológico utilizado - oferecendo-lhe, de forma escorreita como se escorreita se revelasse, o sentido que havia sido oferecido pelos réus,
- os Recorrentes, de princípio, em momento algum se manifestaram, ou se manifestariam, de acordo com a total subversão de sentido consignada na tese que veio vingar.
- não podia o Tribunal a quo entender “evidente”, não sendo capaz de dar azo a “equívocos”, a interpretação de que as partes em confronto, visando dar fim a uma constituição de uma servidão de passagem a favor de um prédio parcialmente encravado, tenham celebrado uma transacção que, de uma assentada, motivasse a alienação de “uma faixa de terreno” por destacar, operando uma total inversão de papéis, no âmbito da destinação da referida servidão de passagem.
-nunca as partes, designadamente os ora autores, pretenderam, tiveram por intuito, quiseram ou sequer resulta das transacções referidas, constituir uma servidão legal de passagem a favor do seu próprio prédio, por uma simples razão: nunca vieram estes conceber, sequer por instante, alienar o seu prédio, parte dele ou qualquer “faixa de terreno”, seja ela qual fosse, como os réus querem agora fazer crer.
-reportando-se passível de ostentar uma função contratual modificativa, e decorrendo a transacção de um litígio judicial, esta deverá ser estruturalmente perspectivada a partir da base litigiosa sobre a qual veio de assentar, pelo que o posicionamento do Tribunal a quo face à questão em apreço, tendo por apreço as declarações negociais constantes da transacção elaborada entre as partes, revelou-se injustificadamente à mercê da tese apresentada pelos réus.
-o termo “cedência” no contexto em que foi utilizada, mesmo que se lhe isentássemos de qualquer carácter jurídico, não deixaria de se revelar mais consentâneo com o contexto e interpretação que os ora recorrentes lhe atribuíram, isto é, que as partes transigiram tendo por apreço o que nos autos em questão se discutia – a constituição de uma servidão de passagem – modificando-se apenas o valor peticionado, e a própria dimensão da faixa de terreno que seria “cedida” para esse efeito (passando de 3,5 metros para 4 metros).”
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Quanto aos pontos impugnados (e que aqui podem ser discutidos), o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:

“Motivação

O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos e no depoimento prestado pela ré mulher, tendo em conta as regras da normalidade do acontecer.
Cumpre salientar que nos presentes autos estamos perante factos cuja prova, considerando a sua natureza e a ausência de outra prova que mereça credibilidade ao tribunal, resulta quase integralmente dos documentos e certidões juntos aos mesmos, sendo que em diversos pontos da matéria de facto se encontra já feita menção a que fls. dos autos os mesmos se encontram.
De todo o modo, temos de salientar o teor da certidão de fls. 216 e seguintes, relativa à certidão permanente do prédio dos autores descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...8, a certidão matricial de tal prédio, constante de fls. 218, bem como certidão permanente do prédio dos réus descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...1 e respectiva certidão matricial, juntas a fls. 219/221, no que respeita à factualidade dada como provada em 1), 2), 8) e 9).
A factualidade constante em 4) e 5) resulta do teor da escritura de compra e venda, cuja cópia se encontra junta a fls. 11/12, sendo que os factos constantes em 6) e 7), resultam da admissão das partes.
Relativamente ao teor das transacções celebradas entre as partes nos processos, especificamente no que respeita ao Processo nº 373/2001, que correu termos no extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, o tribunal valorou a certidão junta a fls. 16/20, dando-se como provada a factualidade constante em 11) a 13), sendo que relativamente aos factos descritos em 14) e 15, relativos ao Processo nº 777/10.1TBBCL, que correu termos mo extinto 4º Juízo Cível, o tribunal valorou os documentos juntos a fls. 21/27.
Resulta da admissão das partes, a factualidade constante em 16) e 17), conforme também se constata do teor da acta junta a fls.94.
Relativamente ao depoimento de parte prestado pela ré mulher Joaquina, o mesmo não mereceu grande relevância para a fixação da matéria de facto, uma vez que pareceu ao tribunal que a mesma prestou o seu depoimento de forma manifestamente interessada, como parte que é nos autos, sendo certo que se denotou do mesmo que se trata de uma pessoa simples, pouco informada, tanto afirmando que pagou a “propriedade” do caminho, como o “direito de o usar”, não merecendo o seu depoimento grande relevância, atentas as hesitações e pouca clareza revelada.
Valoraram-se ainda as fotografias juntas a fls. 8 verso a 32 verso, e carta junta a fls. 77 verso.
Relativamente às confrontações dos prédios constantes em 3) e 10), a prova das mesmas resultou da interpretação da cláusula sexta da transacção celebrada no processo nº 373/2001. (…).”
*
Aqui chegados, importa, pois, que o presente Tribunal, tendo em consideração o que já ficou dito em cima, se pronuncie sobre a argumentação dos Recorrentes, no sentido de apurar se, conforme estes defendem, os meios de prova produzidos (e, principalmente, a interpretação do clausulado das transacções) permitem alterar a decisão no sentido propugnado.
Na verdade, e conforme resulta da fundamentação apresentada, o Tribunal Recorrido, para responder, da forma como o fez, à matéria de facto que havia sido alegada pelas partes, ponderou, principalmente, a interpretação do teor das transacções estabelecidas- como aliás já tinha efectuado em sede de despacho saneador sentença.
Além disso, e em obediência do que havia sido determinado, ponderou ainda a prova produzida (que, no caso, por força das posições das partes, acabou por se limitar ao depoimento de parte da Ré) e nesse sentido, face à “pouca clareza revelada” não lhe atribuiu “grande relevância” (na interpretação do clausulado das transacções).
Aqui chegados, a tarefa do presente Tribunal tem que se desenvolver no sentido de analisar, de uma forma conjugada e crítica, as provas produzidas, incumbindo ao Tribunal da Relação efectuar um novo Julgamento dos concretos pontos da matéria de facto questionados.
Como se disse, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve, no entanto, ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Ora, tendo-se procedido à audição da prova produzida, nomeadamente do depoimento de parte da Ré, e tendo em consideração a prova documental junta aos autos, da conjugação destes elementos probatórios, a conclusão a que se tem chegar é justamente aquela a que chegou o Tribunal de Primeira Instância.
Na verdade, fazendo a referida análise crítica e conjugada dos aludidos elementos probatórios, não pode o presente Tribunal divergir do juízo probatório efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância.

Senão vejamos.

No fundo, a questão (fáctica) que os Recorrentes continuam a colocar é a de saber de que forma as partes quiseram constituir a servidão de passagem inequivocamente consagrada na transacção estabelecida.
Ou seja, se, nessa constituição de servidão, por negócio jurídico (transacção), foi o prédio dos RR., o prédio dominante (e o dos AA., o serviente) - como continuam a insistir os AA.- ou se, pelo contrário, a situação é a inversa- como defendeu a decisão recorrida (e defendem os RR.).
Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, e uma vez que, como bem referiu o Tribunal Recorrido, a única prova produzida (o depoimento da Ré) não trouxe qualquer contributo para a interpretação das transacções (17), não podem existir dúvidas que a interpretação do respectivo clausulado efectuado na decisão recorrida é aquela (a única) que merece aqui acolhimento.
Com efeito, basta proceder à audição do referido depoimento da Ré para facilmente se constatar que a mesma, face às hesitações demonstradas e a manifesta insegurança revelada, não trouxe qualquer contributo para a interpretação do clausulado das transacções efectuadas.
Nessa medida, não se produzindo qualquer outra prova, e constatando-se que o aludido depoimento não pode assumir qualquer relevância na interpretação da “vontade (intenção) das partes”, resta ao presente Tribunal – tal como sucedeu ao Tribunal Recorrido- socorrer-se da interpretação do clausulado das Transacções estabelecidas entre as partes e que se mostram mencionadas na matéria de facto.
A tarefa, pois, que incumbe aqui realizar é a de interpretação do contrato (acordo), tendo em conta as cláusulas contratuais já atrás mencionadas, e todas as circunstâncias que o legislador manda atender nesta sede interpretativa.
Vejamos, em síntese, quais são essas circunstâncias (já também mencionadas na decisão).
É conhecida a regra legal essencial na interpretação dos contratos: a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição R. declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº 1, do CC).
É generalizadamente aceite que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objectivista, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição R. declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Assim, do citado preceito legal resulta que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao pon to de vista dodeclaratário, mas a lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição R. declaratário depreenderia.
“Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição R. declaratário, ….e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” (18), sendo que o declaratário normal corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso, pessoa de qualidades médias, de instrução, inteligência e diligência normais.

Por outro lado, no domínio da interpretação de um contrato podem surgir como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos" (19); ou, dito de outra maneira, “… os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc…” (20).
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC).
Nos negócios formais acresce que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº 1, do CC) (21).
Estas considerações podem aqui ser resumidas nos seguintes pontos (22):

1. Em geral, se se conhecer a vontade real dos declarantes, a declaração vale de acordo com a mesma (art. 236º, nº 2 do CC);
2. Se tal vontade real não for conhecida, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição R. declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
3. no domínio da interpretação de um contrato surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos;
4. nos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso- não se aplicando, no entanto, tal exigência se for conhecida a vontade real dos declarantes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a tal validade (art. 238º, nº 2 do CC);
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Uma vez que esclarecidas estas regras interpretativas, importa, então, proceder à interpretação do clausulado das transacções estabelecidas, tendo em conta a argumentação desenvolvida pelo Tribunal Recorrida e a argumentação dos Recorrentes, já atrás mencionada, que parte das seguintes considerações (que aqui se sintetizam por facilidade de exposição):
- presunção do registo e confrontações das áreas dos terrenos/ conduta dos RR. após a celebração da transacção ao não conformarem aquelas descrições com a nova realidade predial; importância destes factos para o ónus da prova e interpretação do clausulado das transacções.
- regras da interpretação das transacções/ só se ponderou o elemento literal e mesmo este é equivoco (por ex: termo “cedência”)/ nunca os Autores tiveram por intuito, quiseram ou sequer resulta das transacções referidas, constituir uma servidão legal de passagem a favor do seu próprio prédio.
- a transacção judicial, embora seja passível de ostentar uma função contratual modificativa, deverá ser estruturalmente perspectivada a partir da base litigiosa sobre a qual veio de assentar.
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Tendo em conta as aludidas regras interpretativas, no caso concreto, importa começar a interpretação pelo clausulado das transacções, partindo do seu elemento literal.
Ora, ponderando o texto das Transacções estabelecidas entre as partes, e na ausência de produção de qualquer elemento probatório de onde pudesse decorrer o apuramento da intenção das partes- o que só às próprias partes (em especial, aos AA) pode ser imputado-, surge como evidente que daquele elemento literal resulta que a interpretação, que os Recorrentes continuam, no presente Recurso, a defender, não encontra qualquer acolhimento no texto do clausulado, antes mostra-se frontalmente contrariado por aquele.
Com efeito, basta considerar que, no âmbito da transacção efectuada no processo 373/2001, ficaram estabelecidos os seguintes direitos:

a) os aqui AA. (que ali são os RR.) declararam que:

- “cedem (aos RR.) uma faixa de terreno na extremidade norte do seu prédio, identificado na alínea B) dos factos assentes, com a largura de 4 metros, desde o caminho público até ao prédio dos AA.(aqui RR.)”- cláusula PRIMEIRA, sendo que por essa cedência “daquela faixa de terreno os AA (RR.) pagaram aos RR (AA.) …a importância de € 5.000,00… “- Cláusula QUINTA.
-e que dão “ autorização a estes (aos RR.) para procederem à abertura de um caminho, naquela faixa de terreno, para acesso ao referido prédio (seu prédio) ” -Cláusula PRIMEIRA
*
Os RR., por sua vez, declaram na cláusula SEGUNDA que:

-Os aqui AA., apesar da cedência estabelecida na cláusula PRIMEIRA, “ficam com o direito de se utilizarem daquele caminho para acesso ao seu identificado prédio, quer enquanto este mantenha a natureza rústica, quer quando ali venham a ser feitas construções. “.
*
Mais ficou estabelecido, em consonância com aquelas primeiras cláusulas, que:

- quem ficava obrigado a fazer o muro de vedação (das novas confrontações dos prédios) eram os aqui RR. (novos proprietários da faixa de terreno aqui em discussão);
- ao fazê-lo, os RR. tinham que deixar uma abertura de 4 metros livres para entrada do prédio dos AA. no local a indicar por estes (e não para a entrada do prédio dos RR. !)
- e que o muro assentará em toda a extensão no terreno dos AA., por forma a salvaguardar a largura do caminho referida na cláusula primeira - Cláusula TERCEIRA.
*
Finalmente, e de uma forma inequívoca e expressa, ambas as partes declararam (em termos esclarecedores) que:

“Por via daquela cedência o prédio dos RR. (AA.) fica a confrontar pelo lado norte com o referido prédio dos AA.(RR.) – Cláusula SEXTA (quando antes confrontava com “com caminho e limite da freguesia” !).
Assim, deste clausulado decorreria, na ausência de outros elementos interpretativos (e na ausência de prova da vontade/intenção das partes), que:

-os aqui AA. “cediam” aos RR. a faixa de terreno aqui em discussão pelo preço de 5.000 €
-que sobre essa faixa de terreno se constituía uma servidão de passagem que onerava essa faixa de terreno agora pertencente aos RR. (prédio serviente) a favor do prédio dos AA. (prédio dominante), ficando os RR. obrigados a construir um muro de vedação que desse obediência às novas confrontações dos prédios, mas deixando uma abertura para permitir o exercício da constituída servidão de passagem a favor do prédio dos AA..

Ora, esta interpretação encontra ainda apoio nos termos em que foi efectuado o acordo celebrado no processo nº 777/10.1TBBCL, em que as partes acordaram o seguinte:

- Os réus (AA.) reconhecem os autores (RR.) como proprietários exclusivos do muro construído por estes, sito na extremidade norte do prédio dos réus (AA.)- cláusula PRIMEIRA- ou seja, os AA. reconhecem, expressa e inequivocamente, que a extremidade norte do seu prédio mostra-se delimitada pelo aludido muro construído pelos RR. (e não faz sentido reconhecer que o muro é propriedade dos RR., e depois defender que a faixa de terreno que se situa para lá do muro continuava a pertencer aos AA. !).
- Mais, na cláusula SEGUNDA os AA. reconhecem novamente que a extrema norte do seu prédio termina no muro, pois que se comprometem a retirar a terra que presentemente, se encontra encostada ao muro, deixando livre cerca de um metro de altura desse mesmo muro.
- E o mesmo decorre da cláusula SÉTIMA pois que aí se esclarece, a propósito da pavimentação do caminho, que este “fica a norte do prédio dos réus (AA.)”.
Aqui chegados, julga-se que o elemento literal de ambas as transacções é decisivo para a interpretação que aqui se tem de efectuar, e não deixa margem para qualquer outra interpretação que, na falta de conhecimento da vontade/intenção das partes, não encontra, assim, qualquer apoio no texto da lei.
Como se referiu, no caso concreto, não consta da matéria de facto nenhuma indicação sobre a vontade real dos declarantes, para além daquilo que se infere do clausulado do contrato.
Tratando-se de um documento escrito, a interpretação deve, pois, começar com a interpretação do texto dos acordos que foram subscritos pelas partes.
Ora, dessa análise interpretativa é fácil constatar que a interpretação que a Recorrente/Ré pretende dar ao acordo não tem o “mínimo de correspondência com o texto” do clausulado das transacções.
Na verdade, procurando no texto do acordo, não se logra encontrar nele qualquer elemento interpretativo textual que permita acolher, no seu âmbito, a interpretação defendida pelos Recorrentes.

Com efeito, como se demonstrou do texto das cláusulas o que decorre é justamente que as partes pretenderam, por um lado, “ceder” a faixa de terreno aqui em discussão (os AA., aos RR.) e, por outro, constituir, sobre essa faixa de terreno agora pertencente aos RR., uma servidão de passagem a favor do prédio dos AA.
Independentemente destas considerações relativas à “letra” dos acordos estabelecidos pelas partes, sempre se terá que dizer que, mesmo atendendo ao entendimento de um “homem médio”, tal interpretação é a única que merece acolhimento.
Como se referiu, desconhecendo-se a vontade real dos declarantes, devem os termos de um contrato ser interpretados no sentido de apurar o sentido da declaração que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição R. declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante.
Ora, tendo em conta estas considerações, afigura-se-nos que, face ao que já ficou dito quanto ao clausulado do contrato, aquele homem médio interpretaria o âmbito do(s) acordo(s) no aludido sentido.

Aqui chegados, e tendo em conta as regras interpretativas atrás enunciadas, julga-se que outra conclusão não se pode atingir, em face do teor do clausulado das transacções estabelecidas entre as partes.

Repare-se que, contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, nenhum outro elemento interpretativo consegue pôr em causa o que decorre do clausulado das duas transacções (e o facto de serem duas não pode deixar de ser muito relevante, porque reforça claramente que é esse o único sentido interpretativo que aqui pode ser acolhido), e daquela interpretação realizada em função do declaratário normal medianamente instruído colocado na posição real daquele.

Na verdade, nenhum dos invocados argumentos dos Recorrentes constitui um elemento interpretativo que possa pôr em causa a interpretação que aqui se confirma.
Com efeito, esta interpretação efectuada pelo Tribunal Recorrido –e que aqui corroboramos integralmente- não pode ser afastada pela argumentação dos Recorrentes que, sem pôr em causa as regras interpretativas aplicáveis ao caso concreto, pretendem, no fundo, que sejam valorados outros elementos interpretativos que, na sua opinião, conduziriam a uma outra conclusão.
Comecemos pela questão da alegada presunção do registo (quanto às confrontações dos prédios) e da alegada inversão do ónus da prova.

Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, julga-se que os Recorrentes não configuram correctamente o esforço probatório que, no caso concreto, sobre eles recaía - esforço probatório que parece continuar a não ser entendido no presente Recurso, uma vez que insistem em fazer apelo à prova documental (nomeadamente, às inscrições registrais) como forma de demonstrar a (manutenção da) configuração da área do seu prédio.
Senão vejamos.
Como decorre do exposto, subjacente às pretensões dos AA. está em causa saber se a faixa de terreno aqui em discussão, como consequência da transacção estabelecida pelas partes, continua a fazer parte integrante do prédio dos AA., ou se, pelo contrário, tal faixa de terreno foi “cedida” aos RR., passando a integrar o prédio dos RR..
Conforme se pode constatar dos autos, apenas os AA. vieram deduzir pretensões, que implicitamente têm subjacentes um pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre aquela faixa de terreno, que estaria alegadamente a ser perturbado ou violado pela acção dos RR.
Estes, por sua vez, entendem que tal não sucede, uma vez que a sua conduta se faria no âmbito dos direitos que foram constituídos na aludida transacção judicial - não deduzindo, no entanto, qualquer pedido reconvencional.
Defendem, agora, os AA. que aquela faixa de terreno continua a integrar o seu prédio porque tal decorreria da presunção do registo, já que esta implica a inversão do ónus de prova.
Nesta sequência, entendem que quem tinha o ónus de demonstrar a aquisição do direito de propriedade sobre aquela faixa de terreno eram os RR..
Na verdade, referem que “… se era pretensão da parte contrária reivindicar o direito de propriedade à referida "faixa de terreno", teriam estes que alegar e provar factos capazes de desmentir tal presunção legal, e que permitissem concluir que o direito real em causa, apesar de registado a favor dos autores, efectivamente seria propriedade destes, de acordo com os requisitos que legalmente condicionam esse reconhecimento. Ora, transpondo o exposto ao caso dos autos, será de reiterar: havendo sido dada como provada a aquisição derivada e, bem assim, originária do prédio de que os autores se assumem proprietários, e beneficiando os autores da presunção decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial, os réus não conseguiram provar, com assertividade, a alegada transmissão de uma "faixa de terreno" a seu favor, nos termos que vieram de ser defendidos nos presentes autos”.
Importa que nos pronunciemos sobre esta argumentação.
Ora, a verdade é que a questão que aqui se coloca não pode ser resolvida em função desses elementos formais, nem da presunção registral.
Na verdade, a construção jurídica defendida pelos Recorrentes parte do pressuposto erróneo de que a inscrição registral (ou matricial) do prédio em seu favor permite(m) comprovar os limites, confrontações e áreas dos prédios em apreço.
Com efeito, uma tal prova documental (descrição registral), por si só, na ausência de qualquer outra prova produzida, não se reveste de idoneidade, suficiência e adequação à demonstração da extensão do direito de propriedade, ou seja, a que se considere que uma determinada parcela de terreno se insere ou faz parte de um prédio que se encontre aí descrito- e o mesmo se diga quanto à inscrição matricial inscrição matricial (23).
Na verdade, inexistindo qualquer outra prova directa de onde inequivocamente resultasse demonstrada a delimitação ou a definição concreta do prédio dos Autores, e não abrangendo, para esse efeito, aquelas inscrições as características do prédio inscrito, nomeadamente, as áreas, os limites, as confrontações e a concreta linha divisória entre este prédio e os que com ele confinam, quem invoca que determinada parcela de terreno se integra no seu prédio, não está dispensado de fazer a prova da aquisição originária de tal faixa de terreno.
Com efeito, é lição pacífica da doutrina e da jurisprudência, que o nosso direito de propriedade não se baseia no registo, mas antes na usucapião (24).

Assim, a Jurisprudência é pacífica em defender que a presunção que decorre do registo predial (e por maioria de razão, o mesmo sucede com a mera inscrição matricial do prédio) se limita à titularidade do direito inscrito (presumindo-se no caso da inscrição predial, salvo prova em contrário, portanto, que o titular inscrito é o respectivo proprietário do prédio), mas não abrange as respectivas áreas, limites ou confrontações (25).

De facto, como bem se sabe, as referências atinentes à área, limites e confrontações feitas constar das descrições registrais são referidos ou invocados pelos próprios declarantes/interessados ou seus representantes, sendo tais declarações lavradas ou consignadas nos assentos ou nos livros de notas a que dizem respeito, sem que o oficial público averigúe, investigue, percepcione ou ateste a sua autenticidade intrínseca (26).

Assim, no caso concreto, torna-se patente que da descrição predial não resulta uma qualquer prova directa de que a concreta faixa de terreno reivindicada pelos AA. continua a fazer parte do prédio inscrito a seu favor no registo predial, nem implica qualquer inversão do ónus da prova quanto a essa factualidade.
Assim, uma tal prova documental, por si só, na ausência de qualquer outra prova produzida (quanto à posse e usucapião) não se reveste de idoneidade, suficiência e adequação à demonstração da configuração ou extensão do direito de propriedade..

Sendo assim, não se podendo retirar de tais elementos documentais, a delimitação ou a definição concreta do prédio dos Autores, e não se podendo apurar, só por aí, as características daquele prédio, nomeadamente, as áreas, os limites, as confrontações e a concreta linha divisória entre este prédio e os que com ele confinam, quem invoca que determinada faixa de terreno se integra no seu prédio, não está dispensado de fazer a prova da aquisição originária de tal faixa de terreno.

Nessa medida, nunca se poderá subscrever o entendimento dos Recorrentes quando concluem que incumbiria aos RR. “…alegar e provar factos capazes de desmentir tal presunção legal” quanto à pertença da faixa de terreno aos respectivos prédios.

Ou seja, sendo a construção jurídica apresentada pelos AA. insuficiente ou inadequada para demonstrar, só por si, a referida integração da aqui reivindicada faixa de terreno, a prova dessa alegação continuava a recair sobre os Autores, e não sobre os RR.
Tal decorre do facto de, como já se referiu, estarmos, no fundo, a discutir a extensão do direito de propriedade dos AA..
Nesse sentido, a pretensão dos AA. pode ser configurada no âmbito de uma acção de reivindicação, através da qual pedem (implicitamente) o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre determinada faixa de terreno que alegam fazer parte do seu prédio.

Por seu lado, os RR., sem deduzirem pedido reconvencional, limitaram-se a impugnar aquela extensão do direito de propriedade dos AA., alegando, fundamentalmente, que a faixa de terreno em discussão lhes foi cedida na Transacção Judicial, e que sobre ela apenas foi constituída um direito de servidão de passagem a favor do prédio dos AA..

Ora, como se disse, incumbia aos Autores alegar e provar os factos que permitissem concluir que a aludida faixa de terreno continuava a integrar a área do seu prédio.
Incumbia, pois, aos AA. cumprir esse ónus de prova de demonstração da titularidade do direito de propriedade, o qual, no caso concreto, exigia, além do mais, a alegação e prova dos factos que permitissem apurar a extensão ou conteúdo do seu direito de propriedade – tudo em conformidade com o disposto no art. 342º, nº 1 do CC.
Já quanto aos RR., tendo em conta a posição processual que assumiram, não recaía qualquer ónus de prova de qualquer facto, pois que, como se referiu, esse ónus, em face dos pedidos formulados, recaía apenas sobre os AA..
Nesta conformidade, julga-se que fica claro que esta argumentação dos Recorrentes não pode aqui ser acolhida.
Avancemos para o segundo argumento apresentado pelos Recorrentes.
Defendem estes que a transacção judicial, embora seja “passível de ostentar uma função contratual modificativa, deverá ser estruturalmente perspectivada a partir da base litigiosa sobre a qual veio assentar”.

Vejamos se assim é.

Comecemos por enquadrar juridicamente o direito de servidão que, independentemente da sua configuração concreta, foi inequivocamente constituído pela Transacção Judicial junta aos autos.
Como é sabido, o conceito de servidão encontra-se expresso no artigo 1543º do CC que preceitua que “servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente”.
Acrescenta o art. 1544º do CC, que podem “ser objecto de servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de serem gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor”.
Logo, compreende-se que se afirme que são “quatro as notas destacadas neste conceito legal: a) a servidão é um encargo; b) o encargo recai sobre um prédio; c) e aproveita exclusivamente a outro prédio; d) devendo os prédios pertencer a donos diferentes”.
Precisando, trata-se “de um encargo que recai sobre o prédio, de um encargo imposto num prédio, de uma restrição ao gozo efectivo do dono do prédio, inibindo-o de praticar actos que possam prejudicar o exercício da servidão”.
Incidindo “em princípio sobre o prédio, considerado como um todo”, haverá “muitas vezes que distinguir ente o objecto da servidão, que é o prédio, e o local do exercício dela, que pode ser uma parte limitada do prédio. Sempre que se verifique esta última hipótese, para certos efeitos (vide, por ex., o art. 1546º e o nº 4 do art. 1567º) tudo se passa como se a servidão incidisse apenas sobre a parte do prédio sujeita ao seu exercício” (27).
Logo, a servidão predial constitui uma restrição ou limitação do direito de propriedade do dono do prédio onerado, ao gozo efectivo do mesmo, que assim fica inibido de praticar actos que possam prejudicar o exercício da servidão. Esta consiste num retirar de utilidade do prédio serviente, de uma vantagem, que pode ou não aumentar o valor do prédio dominante, mas que o torna mais aprazível, mais cómodo ou mais ameno. De todo o modo, a utilidade derivada da servidão sempre terá de ser proporcionada e gozada através dos prédios serviente e dominante, traduzindo um ónus e um poder directo e imediato sobre eles, o que explica o princípio da inseparabilidade das servidões (art. 1545º do CC).
Como bem refere Rui Pinto Duarte (28), a definição legal “… perspectiva a situação jurídica em causa do ponto de vista do prédio serviente – e não do ponto de vista do prédio dominante. Por outro lado, “coisifica” a situação, na medida em que omite qualquer referência aos sujeitos intervenientes, como se a relação estabelecida fosse entre coisas e não entre pessoas... É verdade que a relação de servidão predial se estabelece entre os titulares dos prédios em causa por força dessa titularidade – daí derivando a sua natureza real. As relações jurídicas, porém, estabelecem-se entre pessoas e não entre coisas!” “O que, obviamente…”, continua o Autor em nota, ”…os autores materiais do Código Civil bem sabiam. Pires de Lima, que incluiu no seu anteprojecto um preceito quase igual ao que foi adoptado no art. 1543º, antecipou-se à crítica, escrevendo, além do mais: “Nunca poderá ser dado à lei um entendimento absurdo, e a circunstância de se mencionarem especialmente os prédios e não os respectivos donos, tem a vantagem de pôr no seu devido relevo o estado de inerência ou sujeição económica dum prédio em relação ao outro, e a consequente inseparabilidade dos respectivos direitos e obrigações” (Servidões, cit., pág. 6)” (29).
Rui Pinto Duarte sugere, então, como definição de servidão predial a seguinte: “direito que o titular de um direito real sobre um certo prédio (dito prédio dominante) tem de utilizar um prédio alheio (dito prédio serviente) para melhor aproveitamento do prédio dominante” (30).
A constituição de uma servidão predial implica, portanto, uma relação entre diferentes titulares de direitos reais sobre diferentes prédios.
As servidões podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família – art.º 1547.º, n.º 1 do CC.
A doutrina costuma aqui fazer uma distinção entre servidões voluntárias e servidões legais (ou coactivas).
Todas as servidões têm a sua fonte na lei. Nessa medida, a servidão voluntária constitui uma servidão legal. Todavia, enquanto a servidão voluntária resulta do funcionamento da autonomia privada, sendo, portanto, o produto de uma decisão livre das partes concretizada por via negocial (contrato ou testamento), a servidão legal propriamente dita atribui ao beneficiário um direito potestativo à sua constituição.
Assim, nestas situações se o titular do direito real do prédio adstrito à constituição da servidão não colaborar na sua constituição, outorgando o negócio jurídico respectivo, o beneficiário da servidão pode impô-la coactivamente, com recurso à via judicial ou administrativa (art. 1547º, nº 2 do CC). Daí que alguns autores prefiram falar em servidão coactiva (31).
“Assim, se as servidões voluntárias são as constituídas por negócio jurídico ou acto voluntário, já não é correcto identificar as servidões legais como as constituídas por lei (pode ser constituída por sentença judicial ou por decisão administrativa) … Servidão legal, hoc sensu, é, pois, a que pode ser constituída coercivamente” (32).
Importa ter em atenção que “… em relação à constituição negocial… não há particularidades significativas a assinalar…” (33).
Com efeito, “… a constituição negocial do direito de servidão pode abstractamente ser feita através de qualquer tipo contratual típico (paradigmaticamente, a compra e venda ou a doação) ou atípico…” (34).
Na verdade, “as servidões prediais podem ser constituídas por contrato, nos termos gerais, como sucede se os proprietários acordarem em atribuir, por intermédio de um dos prédios determinadas utilidades ao outro prédio. O contrato constitutivo de servidão deve ser celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado, nos termos do art. 22º, al. a) do DL 116/2008 (35), estando sujeito a registo nos termos do art. 2º, nº 1, al. a) do CRP…” (36) - que, no entanto, como é pacífico, não tem natureza constitutiva (apenas produz efeitos em relação a terceiros) (37).
Entre as servidões legais (ou coactivas) encontra-se a servidão legal de passagem (arts. 1550º e ss. do CC). Esta deriva da faculdade que os titulares de prédios, que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la, têm de exigir a sua constituição sobre os prédios rústicos vizinhos (art. 1550º, nº 1 do CC).
Quando não haja materialmente comunicação com a via pública, o encrave diz-se absoluto; é relativo quando essa comunicação exista, mas seja economicamente inviável. Em qualquer dos casos, para o efeito de se conceder a servidão legal de passagem, o prédio considera-se encravado.
Neste caso, a passagem, em princípio, deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados (art. 1553º do CC).
Importa atender que, relativamente a estas servidões, o legislador faz “recair sobre os titulares dos direitos de gozo de prédios que sejam vizinhos de prédios encravados… um dever de constituir uma servidão. A constituição pressupõe um acto do titular do prédio serviente, não operando ex lege. Trata-se, em rigor, um dever de contratar, constituindo uma excepção legal à liberdade de celebração de contratos que se justifica pela circunstância de a servidão ser essencial para o aproveitamento de bens vitais para o titular do prédio dominante… Caso esse dever de constituição de servidão seja incumprido pelo titular do prédio que virá a ser serviente, nasce na esfera jurídica do titular do prédio que virá a ser dominante um direito potestativo de constituição da servidão. Apenas nesse caso haverá lugar à constituição da servidão por decisão judicial ou administrativa…” (38).
Como decorre do exposto, esta servidão, com este conteúdo, podendo ser uma servidão constituída de forma coactiva nos termos que se acaba de expor, apesar disso, pode ser objecto de constituição voluntária, por negócio jurídico (v. o nº 2 do art. 1547º do CC).
No caso concreto, estamos, assim, perante uma servidão legal (de passagem), constituída voluntariamente, porque foi constituída por contrato, designadamente, por Transacção (Judicial) - já iremos ver que esta cumpre as assinaladas exigências formais, tanto mais porque, como já referimos em cima, “a constituição negocial do direito de servidão pode abstractamente ser feita através de qualquer tipo contratual típico”.

Na verdade, nos termos do art. 1248º do CC, a Transacção é “... o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões“, acrescentando o nº 2 que essas “ ...concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido ... “ (em sentido semelhante a redacção do anterior art. 1710º do CC).
Como é sabido, a natureza jurídica da Transacção Judicial é muito discutida: uns dividem-na numa transacção de direito material e num contrato processual dirigido à terminação da causa; outros vêm nela um simples contrato processual de terminação do processo, dominado apenas pelo direito processual e não pressupondo qualquer concessão recíproca.
A opinião dominante, no entanto, é a consagrada na nossa lei que considera haver uma Transacção de direito privado, que, por ser feita no processo, tem também um carácter de acto do processo (39).

Seja como for, no caso concreto, e conforme resulta da matéria de facto assente, os aqui AA. e RR. intervieram, como contraentes, na Transacção Judicial que aqui se discute, tendo, através dela, e com concessões recíprocas, constituído novos direitos (direito de servidão de passagem) e operado a modificação de direitos já pré-existentes (direitos de propriedade sobre cada um dos prédios de que eram, respectivamente titulares).
Ora, é justamente esse, o objecto do contrato de Transacção.
Como se referiu, a Transacção é um contrato destinado a impedir o surgimento ou a pôr termo a um litígio entre as partes, constituindo, portanto, um contrato de justiça privada.
A transacção pressupõe a existência de uma situação litigiosa, já verificada ou em curso de verificação.
Pressupõe ainda a existência de concessões recíprocas. Faltando essa reciprocidade, não existe transacção, mas antes desistência ou confissão.
“A transacção é um contrato que tanto pode ser obrigacional como real quod efffectum, na medida em que as concessões efectuadas pelas partes tanto podem abranger a constituição, modificação ou extinção de direitos de crédito, como a de direitos reais” (40).
A transacção é um contrato formal, quer seja realizada preventiva ou extrajudicialmente (art. 1250º do CC), quer judicialmente (art. 290º do CPC).
Como contrato que é, a transacção está sujeita ao respectivo regime geral, e, mais amplamente, ao regime geral dos negócios jurídicos estabelecido no art. 217º e ss. do C. Civil, onde se incluem, naturalmente, as exigências de forma e consequências da respectiva inobservância (arts. 219º e 220º).
Celebrada, como foi, na pendência da lide, à forma da transacção é aplicável o art. 290º, nº 1 do CPC, a dispor que, tal como a confissão ou desistência «podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo”.
Lavrado o termo ou junto o documento, o juiz condenará ou absolverá nos termos acordados pelas partes se, examinado o documento em causa, a transacção se mostrar válida, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas (n.º 2 do mesmo preceito).
A transacção pode ainda fazer-se em Acta, quando resulte de conciliação obtida pelo Juiz (nº 3 do citado preceito legal).

No caso concreto, é indiscutível (41) que as declarações que as Partes fizeram constar do “termo de transacção” são declarações negociais que:

- integram um contrato de compra e venda da faixa de terreno aqui em discussão- para as quais a lei substantiva coloca como condição de validade constarem de escritura pública ou documento particular autenticado (art. 875º CC);
- e, ainda, um negócio jurídico de constituição de uma servidão predial de passagem- para as quais a lei também exige escritura pública ou documento autêntico nos termos do art. 22º, al. a) do DL 116/2008.
Exige, pois, a lei substantiva, como formalidade ad substantiam, de validade das declarações negociais do contrato de compra e venda e da constituição da servidão predial, a escritura pública ou documento autenticado, sob pena de nulidade por vício de forma.
Como contrato que é, por aplicabilidade das regras gerais já referidas, a Transacção não escapa à referida exigência e respectivos efeitos que da sua celebração decorram.
É isso mesmo que a lei corrobora ao dispor sobre a forma exigível para a validade da transacção preventiva ou extrajudicial, fazendo-a depender da forma exigida pela lei substantiva – art. 1250º CC (cfr. também art. 290º, nº1 do CPC).

Porém, quando a Transacção é celebrada na pendência da lide, a lei alude a vários meios de formalização:
- documento autêntico ou particular, em correspondência com o que a lei substantiva exigir;
- ou termo no processo, a tomar pela secretaria;
- ou acta.

No primeiro caso, a lei equipara, em termos formais, a transacção em lide pendente à transacção extrajudicial; se as partes fazem juntar ao processo documento não elaborado por funcionário judicial, a forma depende da que a lei substantiva estabelecer para o negócio.
Já se for celebrada uma transacção num determinado processo, a lei já não faz idêntica exigência; neste caso, certamente por se tratar de acto processual, praticado por oficial público, no exercício das suas competências (arts. 290º, nº 2 e 3 CPC), a lei dispensa a intervenção notarial, desde que, judicialmente verificada a validade das cláusulas do contrato “pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas”, as partes sejam condenadas ao seu cumprimento.
Certo que, seja como for, a lei distingue nitidamente os casos em que o documento que formaliza a transacção é formado fora da Secretaria judicial e os casos em que a mesma é formalizada junto do processo (por termo ou em Acta).
Nestes casos, “… a sentença homologatória incorpora, então, as cláusulas do contrato de transacção, como que delas se apropriando, e nessa medida impondo às partes a vinculação ao respectivo cumprimento.
Como se escreveu no ac. do Supremo de 25/3/2004 (Proc. 03B4074 ITIJ), a sentença homologatória, “que inicialmente arranca da transacção lavrada no processo (…), acaba assim por ganhar ou adquirir, pelo princípio da absorção, valência a se.
Tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E, uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera.
No caso, não vem arguido qualquer vício do contrato de transacção que não seja a insuficiência de forma, nem posta em causa a validade e efeitos da sentença homologatória transitada em julgado” (42) - cfr. arts. 290º e 291º do CPC (nem isso constitui o objecto do presente litígio).
Assim sendo, entende-se que a transacção e a sentença homologatória sobre ela proferida constituem título válido e suficiente para a transmissão da propriedade da faixa de terreno aqui em discussão.
Da mesma forma, nada obsta a que se deva considerar que, por essa via, se tenha constituído, de uma forma titulada e válida, o direito de servidão de passagem aqui também em discussão.
Importa, agora, entrar na última questão levantada pelos Recorrentes, que contende com o facto de a transacção ter sido celebrada no âmbito de um processo judicial que tinha por objecto um outro direito controvertido.
Entendem os Recorrentes que esse facto implicará que a Transacção “… deverá ser estruturalmente perspectivada a partir da base litigiosa sobre a qual veio assentar…”.
Sucede que não é assim, como decorre claramente do disposto no nº 2 do art. 1248º do CC.
Na verdade, no intuito de facilitar a composição do diferendo, este preceito legal estatui que “as concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.
Há, pois, um “aliquid datum aliquid retentum” na relação jurídica controvertida.
Contudo, dentro deste condicionalismo, é relativamente ampla a margem de manobra de composição de interesses, permitindo a transacção judicial, quer o alargamento objectivo, quer o alargamento subjectivo do pleito.
Tanto assim é que se tem entendido ser lícito às partes em litígio porem fim a todas as acções entre si pendentes mediante transacção global lavrada por termo num dos processos.
É por isso que a Doutrina vem dando a este tipo de transacção o título de novativa (43).
Verificados os requisitos de validade, como atrás já constatamos se verificar, a transacção poderá operar como que uma substituição da obrigação primitiva por outra de contornos não coincidentes e até mais alargados; e na verdade, desde que a transacção não enferme de nulidade – e é desde logo o que dispõe o artigo 1 249º do Código Civil - não pode o juiz recusar-se a homologá-la com fundamento em que as respectivas cláusulas extravasam o objecto da causa (44).
Assim, “podem as partes constituir, modificar, ou extinguir um direito diverso do controvertido (discute-se, por ex., a propriedade de um prédio e uma das partes transige no reconhecimento desse direito mediante a constituição de um usufruto em seu benefício sobre o mesmo ou outro prédio ou mediante remissão de uma dívida em que ela estava constituída). É nesse sentido que deve ser interpretado o passo da lei segundo o qual as concessões podem envolver (como quem diz incluir) a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido…” (45).
É o que sucede no caso concreto.
O conteúdo da transacção estabelecida apresenta-se como da espécie denominada “novativa”, incidindo sobre a constituição de direitos diversos do direito controvertido.
Mas, tal facto, como se julga ter demonstrado, não impõe a sua interpretação de acordo com a base litigiosa sobre a qual veio assentar, como pretendem os Recorrentes.
Na verdade, conforme decorre do exposto, a transacção tem por efeito principal a resolução daquele litígio que existia entre as partes, mas essa resolução pode, como sucedeu no caso concreto, ser atingida pela constituição ou modificação de outros direitos que ponham termo ao litígio existente, não sendo obrigatório que tal se efectue apenas em função do direito que constituía o objecto da causa.
Nesta conformidade, não colhe o argumento dos Recorrentes de que a interpretação do clausulado do contrato deveria ser efectuada em função dessa base litigiosa que constituía o objecto da causa em que a transacção foi estabelecida, pois que as partes, na transacção, podem, com vista a resolução do litígio pendente, incluir cláusulas de onde resulte a constituição, modificação, ou extinção dum direito diverso do controvertido.
Improcede, pois, também esta argumentação dos Recorrentes.
*
Aqui chegados, e tendo em consideração todo o exposto e a improcedência da argumentação dos Recorrentes, pode-se confirmar que bem andou o Tribunal Recorrido em considerar:

-como provados, os factos constantes dos pontos 3 e 10 (quanto às confrontações Norte/Sul dos prédios).
-e como não provados, os factos alegados em 1º, no que respeita à confrontação a Norte do prédio dos autores, 7º, no que respeita à confrontação a sul do prédio dos réus, 10º; 21º; 29º (1ª parte); 30º e 31º da petição inicial.
*
Nesta conformidade, pode-se, assim, concluir quanto à presente Impugnação da matéria de facto que, à luz do antes exposto, e com base nos meios de prova antes citados (e na respectiva interpretação), a convicção (autónoma) deste tribunal, em sede de reapreciação da matéria de facto, é, em absoluto, coincidente com a que formou o tribunal recorrido, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra, seja quanto à factualidade provada, seja quanto à factualidade não provada.

Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelos ora Recorrentes, não se vislumbra um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, e conjugando todos os elementos probatórios, não podem restar dúvidas que os factos constantes dos pontos aqui questionados devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade
Em consequência, improcede a apelação nesta parte.
*
Aqui chegados, importa verificar se, não tendo havido qualquer alteração da matéria de facto, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que nenhuma crítica pode ser apontada à fundamentação de Direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância.
Para tanto, basta atentar que a matéria de facto julgada como não provada (que se manteve inalterada) consubstanciava a factualidade que se encontrava subjacente às pretensões dos AA. (de reivindicação, demolição de obras e indemnização), e para considerar que devia ser reconhecido o direito de servidão de passagem nos termos em que os mesmos entendiam ter sido consagrado na Transacção.
Assim, não há dúvidas que, em face da matéria de facto provada, só restaria ao Tribunal Recorrido julgar as pretensões deduzidas pelos AA. improcedentes (uma vez que as mesmas tinham subjacentes o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre a faixa de terreno aqui em discussão, e uma interpretação do teor do clausulado das transacções estabelecidas que aqui não mereceu também acolhimento).
Aqui chegados, não se pode deixar de considerar, assim, que, em face desta matéria de facto dada como provada, se pode subscrever integralmente as seguintes conclusões que o Tribunal Recorrido apresenta na sua fundamentação de Direito:
“ (…) o que resultou demonstrado, bem ao contrário do alegado pelos autores, foi que as partes pretenderam com a transacção referida, a constituição de uma servidão legal de passagem a favor do prédio dos autores.
Cumpre referir que o teor das cláusulas de transacção celebradas entre as partes não nos parece equívoco, não assistindo aos autores o direito que os mesmos pretendiam fazer valer nos presentes autos.
Relativamente aos danos não patrimoniais alegados pelos autores, não tendo resultado demonstrado o direito que os mesmos pretendiam fazer valer e na ausência de qualquer prova da sua verificação, também, nesta parte, a pretensão dos autores, terá de improceder.”
*
Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, porque se concorda com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter a decisão proferida.
*
III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

- julgar totalmente improcedente a presente apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Custas pelos Recorrentes (artigo 527º, nº 1 do CPC).
*
Guimarães, 1 de Fevereiro de 2018

Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha
Dra. Maria João Marques Pinto de Matos
Dr. José Alberto Moreira Dias


1. Indica-se a “bold” os factos que os Recorrentes pretendem impugnar, já que os mesmos não foram mencionados de uma forma muito explícita nas alegações (e conclusões) apresentadas- v. o que, mais à frente, se referirá quanto à forma deficiente como aqueles cumprem as exigências legais quanto à Impugnação da matéria de facto.
2. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
3. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
4. In Dgsi.pt (relator: Ribeiro Cardoso).
5. Importa dizer que é também relevante salientar que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito. Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141. No mesmo sentido, o ac. do Stj de 27.10.2016 citado. Nesta conformidade, apesar das deficiências atrás salientadas, estas não podem ser supridas por um eventual despacho convite que fosse formulado nesse sentido.
6. Que foram elaboradas de uma forma muito deficiente, uma vez que se limitam quase a reproduzir novamente as alegações (incluindo até as notas de rodapé!), mas que, apesar disso, são susceptíveis de permitir a pronúncia do presente Tribunal. Julga-se que, nessa medida, não se justifica aqui formular um convite aos Recorrentes no sentido de sintetizá-las- cfr. at. 639º do CPC.
7. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
8. v. Ac. do Stj de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
9. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
10. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
11. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
12. Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 348.
13. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
14. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
15. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “ ; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”;
16. Tentando efectuar as conclusões que os Recorrentes não efectuaram.
17. Cumpre lembrar que a revogação do despacho saneador anteriormente decretada em sede de Recurso visou justamente permitir às partes que pudessem produzir prova “respeitante ao apuramento da vontade (intenção) das partes subjacente à celebração das transacções estabelecidas nos anteriores processos, já que se trata de matéria de facto controvertida que não pode ser julgada pela simples interpretação da prova documental (nomeadamente do teor das transacções), já que desta não resulta, de uma forma inequívoca, aquela intenção das partes, como se julga ter sumariamente demonstrado Como aí se referiu “Trata-se de matéria de facto sobre a qual, aliás, pode ser produzida prova testemunhal nos termos do nº 3 do art. 393º do CC. Na verdade, havendo divergência quanto ao âmbito dos termos de transacção celebrados entre as partes, nada impede que seja produzida prova, inclusivamente prova testemunhal, sobre a interpretação que deve ser dada ao clausulado atrás transcrito e sobre o contexto em que as transacções foram celebradas.”.
18. Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, pág. 208.
19. Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, pág. 416/417.
20. Cfr., a este propósito, Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 213.
21. V. A. Varela/ P. Lima, in CC anotado, vol. I, pág. 225 que defendem, como aqui também se defende, que o art. 238º do CC visa resolver um problema de interpretação; existem, no entanto, outras interpretações doutrinárias que assim não o entendem e que se mostram elencadas por Evaristo Mendes/Fernando Sá, no “Comentário ao CC anotado- parte geral”, págs. 546 e 547;
22. Para uma síntese destas regras, v. Rui Pinto Duarte, in “ A interpretação dos contratos”, págs. 54 a 58; com interesse, ver, também as anotações de Evaristo Mendes/Fernando Sá, no “Comentário ao CC anotado- parte geral”, págs. 532 e ss..
23. Como se refere, de uma forma esclarecedora, no ac. da RC de 1.10.2006 (relator: Hélder Almeida): “ Os documentos fiscais não têm por função garantir os elementos de identificação dos prédios descritos. A finalidade das inscrições matriciais é essencialmente de ordem fiscal, não tendo de modo algum potencialidades de atribuir o direito de propriedade sobre qualquer prédio.”.
24. Vide, por todos, neste sentido, por todos, AC RC de 26.04.1994, CJ, t. II, pág. 294 e AC. do STJ de 14.11.2013 (relator Serra Baptista), e demais jurisprudência e doutrina referidas em nota 8. deste último aresto, disponível in dgsi.pt.
25. Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 14.11.2013, antes citado, AC STJ de 17.06.1997, CJ, t. II, pág. 126 (relator Cardona Ferreira), AC STJ de 5.07.2001 (relator Pais de Sousa), AC STJ de 12.01.2006 (relator Duarte Soares), AC STJ de 28.06.2007 (relator Pereira da Silva), AC STJ de 15.05.2008 (relator Pereira da Silva), AC STJ de 19.02.2013 (relator Moreira Alves) e AC STJ de 27.03.2014 (relator Álvaro Rodrigues), todos in dgsi.pt.
26. V., por exemplo, o ac. da RC de 12.3.2013 (relator: Avelino Gonçalves), onde se concluiu que:” As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos neles definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial). A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa”.
27. Antunes Varela/P. Lima, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, págs.. 613 a 615
28. In “Curso de Direitos Reais”, pág. 214.
29. Rui Pinto Duarte, in “Curso de Direitos Reais”, nota 628.
30. Rui Pinto Duarte, in “Curso de Direitos Reais”, pág. 214.
31. José Alberto Vieira, in “Direitos Reais”, págs. 729 e 730; Menezes Leitão, in “Direitos Reais”, págs. 399 e 400.
32. Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, pág. 464.
33. Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, pág. 467..
34. Rui Pinto/Cláudia Trindade, in “CC anotado”(Coord. Ana Prata), Vol. II, pág. 413.
35. “Artigo 22.º (Forma dos actos) “Sem prejuízo do disposto em lei especial, só são válidos se forem celebrados por escritura pública ou documento particular autenticado os seguintes actos: a) Os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis”.
36. Menezes Leitão, in “Direitos Reais”, pág. 403.
37. A Santos Justo, in “Direitos Reais”, pág. 416.
38. Rui Pinto/Cláudia Trindade, in “CC anotado”(Coord. Ana Prata), Vol. II, pág. 414.
39. V., Vaz Serra, in “ Sobre a impugnação da confissão, desistência e transacção“, RLJ, ano 100, pág 18.
40. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, Vol III, pág. 588.
41. Julga-se que, apesar do esforço empreendido pelos Recorrentes, a expressão “cedência” não pode ter outro sentido que não seja a “declarou vender”, tendo em conta o disposto no art. 874º do CC e os efeitos jurídicos previstos nas als. do art. 879º do CC. De resto, tendo em conta o exposto, a segunda parte da transacção, ou seja, a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio dos RR. (sendo que a passagem se efectuava naquela faixa de terreno) só podia ser efectuada por referência a um prédio de outro titular, pelo que só assim se entendendo é que a transacção estabelecida poderia fazer sentido- v. o que acima se referiu quanto aos requisitos de constituição da servidão.
42. v. o ac. do Stj de 23.10.2007 (relator: Alves Velho), in Dgsi.pt; sobre os efeitos da sentença homologatória da transacção, v. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol I, pág. 571.
43. Cfr. Antunes Varela/ P. Lima, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pags. 930 ss e Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações” Vol III- Contratos em Especial, págs. 588 ss,, máxime, 589.
44. v., entre outros, o ac. da RC de 13.11.2007 (relator: Távora Vítor), in Dgsi.pt.
45. Antunes Varela/ P. Lima, in “Código Civil Anotado”, vol. II, págs. 856/7. Estes autores dão ainda como “exemplo clássico” “a substituição de uma servitus aquae ductos, reclamada por uma das partes, por uma servidão de passagem ou por uma quantia em dinheiro…”. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “CC anotado” (Coord. Ana Prata), Vol I, pág. 1546 e em “CPC anotado” (com Isabel Alexandre), Vol. I, pág. 571.