Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4264/16.0T8VCT.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
CONVERSÃO DE CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Tendo em conta as exigências de concretização dos motivos que justificam a utilização do trabalho temporário (CUTT), em ambos os contratos deve constar o motivo justificativo do recurso àquela forma de trabalho com menção expressa dos factos que integram aquele motivo justificativo e que permitam o estabelecimento da relação entre a justificação invocada e o termo estipulado no contrato, não sendo menores as exigências de concretização no CUTT.

- II A norma do artigo 180º do CT prevê a concorrência entre a nulidade substancial do CTT com nulidade substancial ou formal do CUTT, devendo em tais casos considerar-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo.

III - Em caso de concorrência de vícios formais não pode a empresa de trabalho temporário, demandada pelo trabalhador, escudar-se na norma do artigo 180º para fugir à aplicação da segunda parte do nº 2 do artº 181º do CT, como não poderá a empresa utilizadora se o pedido for deduzido contra si, furtar-se à aplicação do nº 5 do artigo 177º do mesmo diploma.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Fábio, intentou a presente ação de processo comum contra “K. Services, Empresa de Trabalho Temporário, Lda” e “X – Serviços de Controlo de Qualidade e Logística, Lda”, pedindo que as RR. sejam condenadas a pagar-lhe:

- a quantia de Euros 13 198,38 de diferencial dos salários vencidos e não pagos;
- a quantia de Euros 2 921,58 a título de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2016 e proporcionais de Natal de 2016;
- a quantia de Euros 2 596,98 a título de indemnização;
- juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento à taxa legal.

Alegou para tanto e em síntese, que foi admitido em 11 de setembro de 2014 ao serviço da 1ª R., com a categoria profissional de Operário Indiferenciado, mediante contrato por tempo incerto, e que, a pretexto de ir trabalhar para a 2ª R., passou a trabalhar para uma terceira entidade, a BW.

Mais alegou que o contrato celebrado é ilegal por ter sido contratado como operário indiferenciado, ganhando como tal, mas a realizar tarefas de relevo reservadas a trabalhadores com formação específica.

Alegou ainda que foi deslocado para as instalações da BW em Vigo, Espanha, em clara violação do contrato que celebrara, sendo que trabalhava lado a lado com os trabalhadores desta, mas sem as mesmas regalias ou compensações. Mais alegou que foi despedido em 8 de janeiro de 2016.

Alegou ainda que o seu contrato não foi celebrado com base nos fundamentos legais do trabalho temporário, porque durou muito para além do que aí é estabelecido, sendo, por isso, inexistente por motivo do acréscimo excecional da atividade da Empresa.

Finalmente, alegou ainda que auferia um salário de Euros 388,26, mas que deveria receber um salário igual ao dos trabalhadores da empresa utilizadora de Euros 1 298,26.

A R. “X.” veio contestar, dizendo, em suma, que o A. foi contratado pela R. K., no âmbito dos contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre as duas RR. e cujo motivo, como dele consta, está relacionado com a atividade exercida com a sua cliente.
Mais referiu que se dedica a efetuar trabalhos relacionados com a Indústria Automóvel e outras, nomeadamente inspeções técnicas e de engenharia, tendo diversos centros de trabalho no país.

Referiu ainda que os contratos de prestação de serviços pelos quais se obriga e efetuar trabalhos de retrabalho, de inspeção de peças e de controlo de qualidade resultam de encomendas dos clientes finais, os quais representam para si encomendas ocasionais que lhe podem ser ou não adjudicadas e, por isso, são trabalhos de natureza temporária, variando em meses, semanas ou até dias.

A R. K. admitiu o A. através de contrato de trabalho temporário, uma vez que lhe foram adjudicados vários contratos, nomeadamente com a BW, tendo assim necessidade de recorrer ao trabalho temporário para fazer face a esse contrato por não lhe ser possível definir um prazo certo atendendo às características e quantidades do trabalho a executar.

O A., aquando da celebração do contrato, foi informado das funções que ia exercer e dos locais para onde poderia ir exercer as mesmas.
O trabalho desenvolvido nas instalações do cliente, em Vigo, como acontece noutros contrato celebrados com outras empresas, ficou-se a dever ao facto de a BW assim o ter contratualizado, nomeadamente por razões de logística.

Referiu ainda que o trabalho efetuado pelos seus colaboradores naquela fábrica decorre em instalações separadas fisicamente dos trabalhadores da cliente, que os mesmos obedecem exclusivamente às suas ordens e instruções e competindo-lhe, exclusivamente, efetuar o serviço de inspeção de qualidade do produto e respetivo embalamento de componentes de motor.
(…)
*
A R. “K.” veio contestar, dizendo, em suma, que celebrou um contrato de utilização de trabalho temporário com a X. e, na mesma data, um contrato de trabalho temporário a termo incerto com o A., com a categoria profissional de operário indiferenciado, com vista a desempenhar funções de inspeção, movimentação, limpeza e retrabalho de componentes da indústria automóvel, para a referida X..
A X., a 7 de dezembro de 2015, comunicou-lhe que não necessitava mais dos serviços do A., solicitando a rescisão do seu contrato, tendo esta comunicado ao A., na mesma data, a caducidade do contrato de trabalho e procedeu ao pagamento da compensação devida.
O local de trabalho do A. era Valença e que a empresa utilizadora tinha clientes em Vigo, para onde tinha necessidade de deslocar parte dos seus trabalhadores, pelo que celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho que previa, além do mais, a deslocação pata Espanha.
Mais referiu que a outorga dos contratos de trabalho temporário e de utilização prendeu-se com a satisfação de uma necessidade temporária da empresa utilizadora, concretizada na execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro.
Finalmente referiu também que o A. não foi discriminado e não foi ilicitamente despedido.
O A. respondeu.

Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação nos seguintes termos:

“ Pelo exposto, julgamos parcialmente procedente a presente ação, condenando-se a R. “K. Services, Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda”:
- a reconhecer a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho;
- a reconhecer a ilicitude do despedimento;
- a pagar ao A. a quantia de Euros 1 164,78 (mil e cento e sessenta e quatro euros e setenta e oito cêntimos), a título de indemnização pela ilicitude do despedimento;
- a pagar juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.

Mais decidimos absolver a R. “K. Services, Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, Lda”, dos demais pedidos e a R. “X – Services – Serviços de Controlo de qualidade e Logística, Lda” de todos os pedidos.

Custas por A. e R. “K.” na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo da isenção da A…”

Inconformado o autor e ré K. interpuseram recurso apresentando as seguintes conclusões:

Autor:
a) Dão-se por integralmente reproduzidos os factos dados como provados que por economia processual se requer a V. Exa se não reproduzam;
b) Dos factos provados ressaltam:

c) Dispõe o artigo 185° n° 5 do Cód, Trabalho:

d) Os trabalhadores da mesma categoria deverão receber idêntica retribuição base, Nada obsta a que a empresa possa diferenciar o vencimento com complementos salariais, subsídios de antiguidade, assiduidade, entre outros. Porém, o salário base terá de ser igual a todos os trabalhadores da mesma categoria.
e) Foi junto aos autos o Contrato Coletivo de Trabalho para a empresa utilizadora do trabalho do Autor onde está fixado o salário mínimo…
f) Errou o Tribunal violando o princípio do salário igual para trabalho igual, p.p. pelo n° 5 do artigo 185° do Cód. Trabalho.
Deve a sentença na parte recorrida ser substituída por sentença que dando provimento ao pedido do Autor condene as Rés no pedido formulado pelo Autor quanto a diferença salarial, subsídios de Natal e férias vencidas.
Ré K.:
A douta sentença decidiu-se pela procedência parcial do pedido do ora recorrido – que é o A. na ação -, por ter julgado que a cessação do contrato de trabalho temporário celebrado entre aquele e a recorrente foi ilícita, com base em ter sido considerado que o termo aposto no contrato era nulo.
Apesar do valor a que foi condenada a ora recorrente (€ 1.164,78) se situar abaixo do valor da sucumbência e da alçado do tribunal de 1ª instância, o presente recurso é admissível nos termos do art. 79º, a) do Código de Processo do Trabalho.
Devemos ter em consideração, antes de mais e como resultou provado na douta sentença, que estamos aqui presentes a uma relação de trabalho temporário, na qual são estabelecidos – ou que tem por base – dois contratos distintos mas interligados entre si: o contrato de utilização de trabalho temporário e o contrato de trabalho temporário.
São as razões que a empresa utilizadora indica que delimitam os contornos objetivos do contrato de trabalho temporário a celebrar entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador.
Para haver um contrato de trabalho temporário é necessário que haja um contrato de utilização, sendo este que define e delimita o contrato de trabalho temporário, v.g., quanto às características do posto de trabalho, local da prestação, e,
Principalmente, quais as razões justificativas ao abrigo das quais se recorre ao trabalho temporário.
É por isso que a lei estabelece que o utilizador é o único responsável pelos elementos – nomeadamente, os motivos – que fornece à empresa de trabalho temporário – art. 176º, nº 1 do Código do Trabalho.
Nos presentes autos, foi dado como provado (ponto 27 da fundamentação da sentença recorrida), que a R. «X.», a empresa utilizadora, comunicou à R. K. uma nova necessidade temporária (uma nova necessidade de recurso ao trabalho temporário).
Que conduziu à celebração de um contrato de trabalho temporário com o A. (entre a K. e o A.) e um contrato de utilização de trabalho temporário, celebrado entre as RR. K. e «X.».
10º O motivo justificativo ínsito quer no contrato de trabalho temporário quer no contrato de utilização de trabalho temporário, é exatamente o mesmo e foi fornecido pela empresa utilizadora.
11º Na douta sentença recorrida, foi considerado que se mostra suficientemente justificado o recurso ao trabalho temporário, i.é., que o motivo plasmado nos contratos, o de utilização de trabalho temporário (celebrado, mais uma vez, entre as RR.) e o de trabalho temporário (celebrado entre a R. K. e o trabalhador – A. nos autos), são legais e justificam devidamente o recurso ao trabalho temporário e a contratação do trabalhador.
12º Sendo assim, não pode ser considerado que a ora apelante, na cláusula do termo aposto no contrato de trabalho temporário que celebrou com o A., colocou uma justificação ampla, sem qualquer restrição e que a mesma era genérica.
13º Pois a justificação é exatamente igual e, se na sentença se decide por, tendo sido feita a devida sindicância aos motivos justificativos plasmados nos contratos (o de utilização e o de trabalho temporário), validar o recurso ao trabalho temporário – dizer que o mesmo é (foi) lícito por devidamente justificado, não pode, depois, ao arrepio daquela consideração, dizer que a cláusula do termo (onde consta aquele motivo justificativo) é nula, com as consequências do art. 181º, nº 2 do Código do Trabalho.
14º Pois se o motivo serve para considerar justificado o recurso ao trabalho temporário é porque não é insuficiente.
15º Com o devido respeito pelo juiz a quo, houve aqui uma incorreta aplicação do art. 181º, nº 2 do Código do Trabalho, e da respetiva cominação, uma vez que o recurso ao trabalho temporário foi julgado lícito.
16º Nunca poderia, desta forma, ser considerada a cessação do contrato de trabalho temporário com o A., a qual, aliás, ocorreu obedecendo a todos os formalismos legais – Conforme pontos 29 e 30 da fundamentação da sentença recorrida -, como configurando um despedimento ilícito.
17º Por outro lado, e como resulta provado na douta sentença – ponto 28 da fundamentação -, foi a empresa utilizadora («X»), também R. nos autos, que comunicou à R. K. que não necessitava mais dos serviços do trabalhador Fábio, solicitando a rescisão do contrato.
18º E como se dispõe no art. 182º, nº 1 do Código do Trabalho, em face daquela comunicação nada mais podia fazer a R. K. que proceder à cessação do contrato de trabalho temporário como o A..
19º Tendo sido, como foi, considerado que o recurso ao trabalho temporário foi legal – porque devidamente justificado! -, não houve qualquer insuficiência no motivo justificativo aposto no contrato de trabalho temporário celebrado entre a ora apelante e o A..
20º E não existiu, assim, qualquer despedimento ilícito do trabalhador, não tendo a apelante, por consequência, que pagar ao mesmo uma indemnização por esse despedimento.
21º Nem mesmo recorrendo ao entendimento de que existe um maior dever de fundamentação no contrato de trabalho temporário em relação à fundamentação do contrato de utilização (por comparação entre as alíneas b) dos arts. 181º e 177º do Código do Trabalho, respetivamente), poderia levar a que a R. K. fosse condenada nos termos em que foi – sendo que tal, aliás, não é referido na parte de direito da douta sentença, e se coloca aqui para efeitos de raciocínio.
22ª Sendo o utilizador quem fornece à empresa de trabalho temporário aqueles elementos, e é responsável pelos mesmos, não pode esta concretizar factos ou circunstâncias que determinam o recurso ao trabalho temporário para além daqueles que o utilizador indica.
23º Para esta problemática será fundamental saber se a alínea b) do art. 181º do Código do Trabalho é mais exigente, em termos de fundamentação do motivo que justifica a contratação temporária de um trabalhador, que a alínea b) do art. 177º do mesmo diploma.
24º A primeira norma regula as menções obrigatórias que devem constar do contrato de trabalho temporário – aquele feito entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador – e, nomeadamente, define que devem ser indicados os motivos que justificam a sua celebração, com indicação concreta dos factos que integram aqueles motivos.
25º A segunda aplica-se aos contratos de utilização – aqueles entre a empresa de trabalho temporário e uma empresa utilizadora, que recorre à contratação temporária -, sendo definida como menção obrigatória desses contratos a indicação dos motivos de recurso ao trabalho temporário por parte da empresa utilizadora.
26º Ora, reiterando que os motivos plasmados no contrato de trabalho temporário são os mesmos plasmados no contrato de utilização de trabalho temporário,
27º Terá de se dizer que, se é ao utilizador que compete fornecer os elementos justificativos do recurso ao trabalho temporário, como pode a empresa de trabalho temporário concretizar nos contratos de trabalho temporário os motivos – factos concretos – desse recurso para além dos indicados pelo utilizador?
28º Sendo ainda, no caso em apreço, que, se o motivo aposto no contrato de utilização foi julgado válido, tendo sido provado que havia razão para o recurso ao trabalho temporário por parte da utilizadora, então também o deveria ter sido o motivo (a cláusula do termo) aposta no contrato de trabalho temporário – pois, mais uma vez, eram iguais.
29º Efetivamente, a redação da alínea b) do n.º1 do art. 181º do Código do Trabalho parece ser mais exigente no que toca à indicação dos motivos do recurso ao trabalho temporário, ao referir que deve ser feita menção concreta dos factos que integram esses motivos, ao passo que a alínea b) do nº do art. 177º do mesmo código apenas refere que devem ser indicados os motivos que levam o utilizador a recorrer ao trabalho temporário.
30º No entanto, cremos não ser de seguir aqui uma interpretação meramente literal da letra da lei.
31º Pois de outra forma, como poderia ser entendida a norma do n.º 1 do art. 176º do Código do Trabalho, que estabelece que a responsabilidade pela prova dos factos que justificam o recurso ao trabalho temporário é da empresa utilizadora?
32º Estaríamos perante um total esvaziamento do conteúdo desta norma.
33º Parece-nos evidente que o regime do trabalho temporário existe para regular estas relações laborais excecionais – e excecionais pois o trabalho temporário não é a norma do nosso sistema jurídico-laboral – e, nomeadamente, para proteger o trabalhador, considerado a parte mais fraca no que toca a relações contratuais laborais.
34º E que, sendo a empresa utilizadora a principal beneficiada pelo recurso ao trabalho temporário – pois é-lhe permitido fazer face a contingências de mercado, de ciclos de produção e outras sem ter de suportar os custos inerentes a uma contratação sem termo –, é natural que deva também ser a que, nesta relação triangular, tenha mais responsabilidades no que respeita ao cumprimento as normas que regulam este tipo de relação jurídica.
35º Designadamente, quanto ao motivo justificativo.
36º Pelo que, e salvo opinião contrária, não pode ser considerado o art. 181º, nº 1, b) do Código do Trabalho mais exigente que a norma do art. 177º, nº 1, b) do mesmo diploma, quanto à fundamentação do contrato.
37º Se assim fosse seria desprovida de alcance prático a norma do n.º 1 do citado artigo 176º, como atrás já referido.
38º Isto sem prescindir de que, como também já alegado, se a justificação plasmada no contrato de utilização de trabalho temporário foi considerada válida – tendo esse recurso sido julgado lícito, como vimos -, então também o deveria ter sido a justificação aposta no contrato de trabalho temporário.
39º Pois uma e outra são as mesmas, e não foi feito pelo meritíssimo juiz a quo, na douta sentença recorrida, nenhuma referência a qualquer diferença entre os motivos – ou seja, entre os contratos: o de utilização e o de trabalho temporário – que justificasse a cominação da ilegalidade de um e a legalidade de outro.
40º Pelo que, e com o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz a quo, peca a sentença ora recorrida por penalizar a recorrente K. Services por um suposto vício, ou irregularidade, que, a existir, não poderia afetar apenas o contrato de trabalho temporário, e sim, igualmente o contrato de utilização de trabalho temporário que lhe estava subjacente.
41º Sendo que assim, a cominação legal a aplicar seria, não o art. 181º, nº 2 do Código do Trabalho e sim o art. 180º, nº 3 do mesmo diploma.
42º Deve, deste modo, ser entendido que o meritíssimo juiz do tribunal recorrido não aplicou a norma correta à situação julgada.
43º Pelo que, a sentença de que agora se recorre deve ser anulada, e substituída por outra que absolva a R. K., ora apelante, do pagamento da indemnização por, suposto, despedimento ilícito.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
O Exmo. procurador deu parecer no sentido da improcedência.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

1. O Autor, no dia 22 de setembro de 2014, celebrou com a Ré K. um contrato intitulado de “contrato de trabalho temporário” (documento de fls. 9 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. O Autor foi admitido com a categoria profissional de Operário Indiferenciado, com as funções de inspeção, movimentação, limpeza e retrabalho de componentes de indústria.
3. A Ré K. é uma empresa de trabalho temporário que contrata trabalhadores para os ceder a outras empresas utilizadoras.
4. No referido contrato figura como entidade utilizadora a Ré X..
5. Foi efetuada uma “adenda” ao referido contrato (documento de fls. 10 e 10verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido) e donde consta que:

“O presente contrato é celebrado pela necessidade da entidade utilizadora ter de assegurar o controlo, verificação e medição de qualidade de matérias-primas, produto intermediário e acabado, reportar problemas identificados, proceder aos retrabalhos sempre que necessário, nomeadamente na área automóvel. Participação no processo de garantia do Sistema de Gestão de Qualidade, cumprimento de procedimentos e instruções de trabalho relativamente aos processos do Departamento de Operações da entidade utilizadora, e às várias peças produzidas por empresas cliente do setor ….
Acresce que a empresa utilizadora não tem qualquer garantia do número de novos retrabalhos que possam vir a ter, e, mesmo que os tenha, qual o exato conteúdo e quantidades, o que não possibilita recorrer a trabalhadores próprios, o que configura um serviço precisamente definido e de caráter não duradouro.”
6. Do contrato resulta: que o salário era de Euros 388,26/mês, correspondente a 138,7 horas; que o subsídio de alimentação era de Euros 4,27/dia; que o período experimental era de 15 dias.
7. Na referida adenda – 2ª – consta: local de trabalho, Valença.
8. A Ré X. prestava serviços para a BW, entre outros locais, em Vigo, Espanha.
9. A Ré X., no âmbito desse contrato de serviços, transportava, entre outros, o aqui Autor para trabalhar nas instalações da referida BW, em Vigo, Espanha.
10. O Autor, bem como os outros funcionários da X., cumpria o mesmo horário de trabalho que os funcionários da BW, acrescido de 1 hora e meia de deslocações.
11. O Autor, bem como os outros funcionários da X., não tinham benefício da Segurança Social Espanhola.
12. A Ré X. dedica-se a efetuar trabalhos relacionados com a Indústria Automóvel e outras.
13. Tendo adquirido ao longo de 18 anos de atividade “Know-how”, designadamente experiência em inspeções técnicas e de engenharia.
14. No âmbito dessas competências presta serviços a vários clientes, em simultâneo, no âmbito de contratos de prestação de serviços, pelos quais se obriga, perante estes, a efetuar trabalhos de retrabalho, de inspeção de peças e de controlo de qualidade.
15. Estes contratos resultam de encomendas dos clientes finais que podem ser ou não adjudicadas à Ré X..
16. As adjudicações efetuadas à X. variam em meses, semanas ou dias, bem como em termos de quantidade.
17. As necessidades da Ré X. variam consoante os serviços ou encomendas que lhe são adjudicadas.
18. O Autor foi informado pela Ré X., aquando da sua contratação, das características do trabalho a desempenhar e que o mesmo, por razões logísticas, poderia ter de ser desempenhado no cliente da Ré, em Vigo, Espanha – com a deslocação suportada pela Ré – ou no armazém desta, em Valença.
19. O Autor trabalhou nos dois locais referidos supra.
20. O trabalho prestado pela Ré X., quando prestado nas instalações da BW, em Vigo, Espanha, decorre em instalações separadas fisicamente da fábrica do cliente, numa nave à parte, competindo exclusivamente à X. o serviço de inspeção de qualidade do produto e respetivo embalamento de componentes do motor.
21. Não existindo quaisquer trabalhadores da cliente a executarem essas funções ou serviços.
22. Esses serviços ou funções, previamente contratualizados, são da competência exclusiva da X. e têm afetos à sua execução os trabalhadores desta ou por esta contratados para o efeito, como é o caso do Autor.
23. A X. deslocou o Autor para as instalações da cliente, em Vigo, a cerca de 39 km de Valença, por razões de logística, a pedido desta, como ocorre com outros clientes seus.
24. O contrato celebrado entre o Autor e a Ré K. cessou, por indicação da Ré X., a 23 de dezembro de 2014.
25. A Ré K., a 16 de dezembro de 2014, enviou ao Autor a comunicação respeitante à caducidade do contrato de trabalho a termo incerto (conforme documento de fls. 46, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
26. A Ré K. pagou ao Autor o valor de Euros 69,35.
27. A Ré X., em 7 de janeiro de 2015, voltou a manifestar à Ré K. uma necessidade temporária que levou à celebração de novo contrato de trabalho com o Autor e um novo contrato de utilização entre as RR (conforme documentos de fls. 47 a 49, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
28. A Ré X., no dia 7 de dezembro de 2015, comunicou à Ré K. que não necessitava mais dos serviços do trabalhador Fábio, solicitando a rescisão do contrato (conforme documento de fls. 51, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
29. A Ré K., por carta enviada a 7 de dezembro de 2015, comunicou ao aqui Autor “a caducidade do seu contrato de trabalho a termo incerto”, com efeitos a partir de 8 de janeiro de 2016 (conforme documento de fls. 51 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
30. A Ré K., a 20 de dezembro de 2016, pagou ao aqui Autor o valor de Euros 323,30 a título de “Compensação Prec. Emprego” (conforme documento de fls. 52 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
31. A Ré K., porque lhe foi transmitido pela X. que os trabalhadores poderiam ter que se deslocar para Espanha, celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a companhia L., com o número de apólice ..., nos termos do qual estava prevista a cobertura do aqui Autor em caso de deslocação a Espanha.
***
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- violação do princípio do salário igual para trabalho igual.
- Suficiência do motivo constante do contrato de trabalho temporário.
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O autor refere que foi violado o principio “trabalho igual salário igual”, aludindo a Contrato Coletivo de Trabalho das empresas do Metal, aplicável à empresa utilizadora do trabalho do Autor, onde está fixado o salário mínimo. Refere violação do n° 5 do artigo 185° do Cód. Trabalho.
O recorrente refere a empresa onde trabalhou em Vigo, a BW. Ora da factualidade resulta claro que o autor nunca trabalhou para esta empresa, mas sim para a segunda ré, como utilizadora, inserido na estrutura desta. Aquela empresa, à qual a ré prestava serviços nenhuma interferência tinha do trabalho prestado pelo autor recorrente. Assim indemonstrado que seja aplicável a CCT referida e que tenha ocorrido diferenciação salarial na empresa utilizadora, a segunda ré, atenta ainda as razões referidas na decisão recorrida, é de manter o decidido.
*
- Suficiência do motivo constante do contrato de trabalho temporário.
A primeira ré sustenta a suficiência da justificação constante do contrato para justificar o recurso ao mesmo bem como o termo estipulado. Refere que foi considerada suficiente a justificação do contrato de utilização de trabalho temporário, que é a mesma do contrato de trabalho temporário.
Refere que não se pode considerar a norma do artigo 181º, 1,b) mais exigente que a do artº 177º, 1, b) do CT, o que tornaria desprovido de alcance prático o nº 1 do artigo 176º do mesmo diploma.
O vício a existir, refere, afetaria ambos os contratos e seria aplicável o nº 3 do artigo 180º e não o nº 2 do artigo 181º do CT.

Vejamos as exigências em termos de conteúdo dos contratos, em termos de requisitos formais:

Refere o artigo 177.º
Forma e conteúdo de contrato de utilização de trabalho temporário

1 - O contrato de utilização de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter:

a) Identificação, assinaturas, domicílio ou sede das partes, os respetivos números de contribuintes e do regime geral da segurança social, bem como, quanto à empresa de trabalho temporário, o número e a data do alvará da respetiva licença;
b) Motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador;
c) Caracterização do posto de trabalho a preencher, dos respetivos riscos profissionais e, sendo caso disso, dos riscos elevados ou relativos a posto de trabalho particularmente perigoso, a qualificação profissional requerida, bem como a modalidade adotada pelo utilizador para os serviços de segurança e saúde no trabalho e o respetivo contacto;
d) Local e período normal de trabalho;
e) Retribuição de trabalhador do utilizador que exerça as mesmas funções;
f) Pagamento devido pelo utilizador à empresa de trabalho temporário;
g) Início e duração, certa ou incerta, do contrato;
h) Data da celebração do contrato.
2 - Para efeitos da alínea b) do número anterior, a indicação do motivo justificativo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

5 - O contrato é nulo se não for celebrado por escrito ou omitir a menção exigida pela alínea b) do n.º 1.
6 - No caso previsto no número anterior, considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º


O artigo 181.º refere:
Forma e conteúdo de contrato de trabalho temporário

1 - O contrato de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter:

a) Identificação, assinaturas, domicílio ou sede das partes e número e data do alvará da licença da empresa de trabalho temporário;
b) Motivos que justificam a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que os integram;
c) Atividade contratada;
d) Local e período normal de trabalho;
e) Retribuição;
f) Data de início do trabalho;
g) Termo do contrato;
h) Data da celebração.
2 - Na falta de documento escrito ou em caso de omissão ou insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
3 - O contrato que não contenha a menção do seu termo considera-se celebrado pelo prazo de um mês, não sendo permitida a sua renovação.


Da redação das normas, não resulta que sejam diversas as exigências de fundamentação, antes resultando que quer num quer noutro contrato a indicação do motivo justificativo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

Pretendeu-se conferir ao regime a característica de excecionalidade, tal como no contrato a termo, o que resulta patente quer da limitação dos motivos invocáveis, artigo 175º do CT, quer das exigências de forma quanto à indicação do motivo, idênticas às do contrato a termo no que resulta das normas dos artigos 177º, 1, b) e 2 e 181º, 1, b) e 2 do CT. Tal excecionalidade resulta da necessidade de garantir preceitos constitucionais, como a segurança no emprego, artigo 53º da CRP, e o direito ao trabalho, artigo 58º da CRP; não sendo estranho o intento de garantir a efetiva liberdade contratual de ambas as partes, estabelecendo-lhe limitações tendo em conta a posição de domínio de uma e a situação de necessidade de outra.

Vejamos se a justificação é suficiente:

É a seguinte a justificação:

“O presente contrato é celebrado pela necessidade da entidade utilizadora ter de assegurar o controlo, verificação e medição de qualidade de matérias-primas, produto intermediário e acabado, reportar problemas identificados, proceder aos retrabalhos sempre que necessário, nomeadamente na área automóvel. Participação no processo de garantia do Sistema de Gestão de Qualidade, cumprimento de procedimentos e instruções de trabalho relativamente aos processos do Departamento de Operações da entidade utilizadora, e às várias peças produzidas por empresas cliente do setor ….
Acresce que a empresa utilizadora não tem qualquer garantia do número de novos retrabalhos que possam vir a ter, e, mesmo que os tenha, qual o exato conteúdo e quantidades, o que não possibilita recorrer a trabalhadores próprios, o que configura um serviço precisamente definido e de caráter não duradouro.”
A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho temporário a Termo constitui como flui da lei, uma formalidade ad substantiam, cuja falta implica a nulidade da estipulação de termo, considerando-se o contrato celebrado sem termo, não podendo a falta ser suprida por outros meios de prova.

A indicação do motivo deve permitir

- Permitam ao Trabalhador e ao tribunal avaliar da efetiva verificação do motivo, permitir a compreensão e fiscalização do cumprimento dos pressupostos legais quanto à motivação.
- Estabelecer o nexo de causalidade entre o motivo invocado e o termo estipulado.
Tal exigência não demanda um detalhe total, uma explicação ao nível de um documento técnico elaborado, mas tão só uma explanação de modo a que se ache suficientemente explicitada e percetível a situação de facto concreta que fundamenta a celebração do contrato de trabalho a termo, e de tal modo que permita a um qualquer declaratário colocado na posição do trabalhador, a compreensão do motivo, e ao tribunal proceder à respetiva fiscalização.

Resulta logo patente a falta de concretização no que respeita aos serviços a efetuar e qual a cliente da utilizadora cuja demanda de trabalho implicou o recurso a trabalho temporário. Apenas se refere a totalidade dos serviços que a utilizadora presta aos seus clientes, e se refere estes em termos genéricos, não concretizando quais os concretos serviços e para que cliente. Relativamente à fundamentação tendo em vista a justificação do termo incerto, a mesma ancora na flutuação da demanda dos clientes da utilizadora.

Ora assim mostra-se igualmente parca, sem referência a qualquer incerteza fundamentante quanto ao trabalho em si, indicando-se a cliente e a duração do serviço, por exemplo, poderia resultar justificar-se um contrato com termo certo. Não resulta assim demonstrado o nexo entre a fundamentação e o termo aposto ao contrato. Ambos os contratos estão feridos da mesma fala de fundamentação.
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Suscita a ré recorrente a questão da aplicação do nº 3 do artigo 180º, por comungar da mesma nulidade o contrato de utilização de trabalho temporário.

Refere o artigo 180.º
Admissibilidade de contrato de trabalho temporário

1 - O contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização.
2 - É nulo o termo estipulado em violação do disposto no número anterior, considerando-se o trabalho efetuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, e sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
3 - Caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no n.º 2 do artigo 176.º ou no n.º 5 do artigo 177.º, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º

Ambos os contratos estão sujeitos e exigências materiais e formais. Do ponto de vista substancial devem destinar-se a satisfazer determinadas necessidades, taxativamente previstas no artigo 175º do CT, Do ponto de vista formal, entre outros requisitos, devem concretizar o motivo justificativo, conforme artº 177, 1, b) e 2 e artº 181, 1, b) e 2 do CT.

Temos assim e relativamente a cada um dos contratos:
CUTT:

- Nulidade substancial prevista no artigo 176º, 2 do CT – violação do artigo 175º.
- Nulidade formal prevista no artigo 177º, 5 do CT – Violação do requisito formal de menção expressa dos factos que o justificam, permitindo estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
Temos aqui uma diferença nos termos utilizados, relativamente ao que se passa com a menção da justificação no CTT. Conquanto relativamente ao requisito de forma da al. b) o nº 2 refira que a menção dos factos deve ser “expressa”, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, o nº 5 comina a nulidade para o caso de “omissão” da menção, não referindo expressamente, como acontece no nº 2, 2ª parte do artigo 181º para o CTT, à semelhança da al. c) do nº 1 do artigo 147 do CT, a “insuficiência”. A tal diferença não é de atribuir relevo, sendo o sentido pretendido o mesmo. No direito pretérito usava-se a expressão “ omissão” e “falta”, no sentido abrangente, abarcando a “insuficiência”.

CTT:
- Nulidade substancial prevista no artigo 180º, 2 do CT – violação do artigo 175º.
- Nulidade formal prevista no artigo 181º, 2 do CT – Violação do requisito formal de menção expressa dos factos que o justificam, permitindo estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme artigo 181, 1, b) e 2º parte do CT, por omissão ou por insuficiência.
A redação do artigo 180º demanda algum esforço interpretativo.
Da leitura da norma resulta que relativamente ao CTT se prevê a nulidade substancial. Assim o nº 1 refere que o contrato a termo só pode ser celebrado nas situações previstas nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização, cominando a falta de nulidade no nº 2. Este normativo alude apenas à nulidade do CTT de natureza substancial, ou seja, em violação do disposto no artigo 175º do CT, quer porque celebrado com indicação de motivo ali não previsto, quer por falsidade do motivo invocado.
O regime do nº 3 prevê o concurso dessa nulidade, com nulidade do CUTT, mas aqui sem essa restrição, referindo-se ambas as nulidades, substancial (176, 2) e formal (177, 5) do CUTT.
A norma é estranha, pois não se vê como poderá, a não ser por circunstância bizarra e furtuita (como um lapso), o CTT estar ferido de nulidade substancial e o CUTT não o estar. A hipótese de concurso entre nulidade substancial do CTT e nulidade formal do CUTT só por evidente anormalidade ocorrerá. A previsão da nulidade do 177º, 5 será na prática inútil. Em termos normais, salvo ocorrendo a circunstância anormal de no CTT constar motivação diferente da do CUTT, se aquele estiver ferido de nulidade substancial também o CUTT estará.
Ainda assim resulta estranho que caso a nulidade formal do CUTT sobreleve a nulidade substancial do CTT e tal já não ocorra em caso de nulidade formal de ambos.
O regime do nº 3 do artº 180º se se tivesse atido às nulidades substanciais teria lógica, estando em sintonia com o que dispõe o artigo 176º, que se reporta à veracidade dos factos invocados como motivação, portanto à substância, cuja falsidade determina a nulidade do contrato de utilização considerando-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo. Terá o legislador referido mais que o que pretendia?
O regime se atido às nulidades substanciais estaria ainda em sintonia com a primazia do CUTT de que fala Guilherme Dray no CT anotado, Pedro Romano Martinez e outros, em nota ao artigo 180, onde refere que o legislador reconhece que o CUTT detém primazia sobre o contrato de trabalho, condicionando-o quanto à respetiva celebração e quanto à forma que deve revestir e as formalidades a observar.
O CUTT constitui em termos lógicos, e normalmente tal ocorrerá também em temos cronológicos, um contrato com precedência relativamente ao CTT. São as necessidades do utilizador que determinam o recurso ao modelo contratual, cabendo-lhe a prova da veracidade dos factos (artº 176), é e este que recebe o trabalho, indica o local de trabalho, a atividade contratada e os demais elementos relativos à prestação. Palma Remalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, 5ª Ed., pág. 329, refere que “ o contrato a termo para a prestação de trabalho temporário está diretamente dependente de um contrato de utilização determinado…”, compreendendo-se o regime quanto às nulidades substanciais.
Do modo como está a norma, poderíamos estar a discutir um caso em que a ETT ao arrepio do indicado pela utilizadora (em cujo contrato consta motivo atendível), fez constar do CTT motivo não atendível, pretendendo fazer repercutir naquela as consequências dessa nulidade, só porque o motivo constante do CUTT, conquanto atendível não está devidamente concretizado, o que não pode fazer se ambas as nulidades foram formais.
Como quer que seja, no caso presente e estando face a nulidade não substancial do CTT, portanto não prevista no artigo 180º nº 1 e 2, não é aplicável o regime do nº 3 do citado normativo. Quanto a esta nulidade assim o tem entendido parte da doutrina desde que passou a ser possível a contratação por tempo indeterminado por banda das empresas de trabalho temporário (com o artigo 17º da L. 146/99, atualmente artº183º do CT), entendendo-se ser sua responsabilidade o vício de que o contrato subscrito pelo trabalhador está ferido, não se justificando impor as consequências a empresa alheia a esse contrato.
A ETT não deve escudar-se no motivo constante do CUTT, sendo que quanto à forma é responsável pelo contrato que celebra com o trabalhador, devendo diligenciar pelo cumprimento da exigência legal, designadamente inteirando-se dos elementos necessários à efetiva concretização dos factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo da celebração do Contrato de Trabalho Temporário, tal como a lei exige, solicitando-os ao utilizador que lhos deve fornecer.
Referindo que em caso de cumulação de vício substancial do contrato de trabalho temporário com vício do contrato de utilização, ocorre a conversão do contrato de trabalho em contrato por tempo indeterminado com a empresa utilizadora, Vd. Palma Ramalho, Obra referida, pág 331.

Assim, por estas razões e demais constantes da decisão recorrida, no que à ilicitude se refere, é de confirmar o decidido.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas nesta instância pelos recorrentes quanto aos respetivos recursos.

Antero Veiga
Alda Martins
Eduardo Azevedo