Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3450/10.0TJVNF.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: ARRENDAMENTO
FIANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Apesar do art. 655º, n.º 2 do CC ter sido revogado pelo art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprovou o NRAU, o mesmo é aplicável às fianças constituídas no âmbito de contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do NRAU.

2- O regime previsto no art. 655º, n.º 2 do CC é imperativo e dele decorre que quando o fiador declara prestar a fiança em relação às obrigações emergentes para o arrendatário decorrentes da renovação do contrato de arrendamento, sem estabelecer o número de renovações em relação às quais presta essa fiança e sem limitar temporalmente essa fiança, a fiança que presta extingue-se logo que sejam decorridos cinco anos sobre o início da primeira renovação do contrato de arrendamento.

3- Não é nula a fiança quando o respetivo objeto, no momento em que é prestada, embora seja indeterminado, é determinável.

4- A determinabilidade do objeto da fiança exige que o fiador, no momento em que presta a fiança, prefigure o tipo, o montante e a medida do seu compromisso e, consequentemente, conheça o critério ou critérios indispensáveis para delimitar o limite desse seu compromisso.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Maria, residente na Rua …, freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum na forma ordinária contra X – Estamparia Têxtil, Lda., com escritórios na Rua …, Póvoa de Lanhoso, e F. M. e mulher, M. M., residentes na Rua …, freguesia de …, Santo Tirso, pedindo que:

a- se declare a resolução definitiva do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e se condene a Ré a despejar o arrendado, bem como a parte ocupada pelo dito depósito de combustíveis do respetivo logradouro, com todas as devidas e legais consequências;
b- se condene os Réus, solidariamente, a pagar à Autora as rendas mensais que se encontram em dívida – correspondentes aos meses de fevereiro a outubro de 2010, num total de 9.000,00 euros, assim como os respetivos juros de mora, contado a partir da data da entrada da ação em tribunal, à taxa legal, até ao efetivo e integral pagamento, com todas as devidas e legais consequências;
c- se condene os Réus, solidariamente, a indemnizar a Autora por todos os prejuízos causados por terem retirado do prédio os objetos supra referidos que faziam parte integrante do mesmo e que melhor se encontram descritos no n.º 17 da petição inicial, no valor de 8.766,00 euros, com todas as devidas e legais consequências;
d- se conde os Réus, solidariamente, a suportar os custos dos trabalhos de construção civil quer nos tetos, paredes e piso do armazém e dos que serão necessários realizar para ali colocar fios, armaduras, tomadas, interruptores e demais objetos retirados pela sociedade Ré no valor de 2.500,00 euros, com todas as devidas e legais consequências;
e- se condene os Réus, solidariamente, a proceder à retirada do depósito, no prazo de dez dias a contar da data da sentença, o qual ainda se encontra no logradouro do prédio pertencente à Autora, repondo o respetivo espaço no estado em que antes se encontrava, com todas as devidas e legais consequências.

Para tanto alega, em síntese, que por contrato escrito de fls. 15 a 19, celebrado em 15/11/2004, deu de arrendamento à 1ª Ré um armazém industrial, sito em ..., Vila Nova de Famalicão, pelo prazo de cinco anos, com início em 01/01/2005, mediante uma renda mensal, que no primeiro ano, ascendia a 16.500,00 euros anuais, e no segundo ano a 18.450,00 euros anuais, a ser paga em duodécimos, no 1º dia útil do mês anterior àquele que dissesse respeito, na morada da Autora ou no local que esta indicasse;
Os 2ºs Réus F. M. e M. M. outorgaram naquele contrato como fiadores e principais responsáveis pelas obrigações assumidas pela 1ª Ré, quer na vigência do contrato, quer das suas eventuais renovações;
Em finais de 2008, a 1ª Ré solicitou à Autora que reduzisse o valor da renda mensal para mil euros, o que esta aceitou, tendo ficado acordado entre as partes que a partir do último mês de 2008, a renda mensal seria de mil euros;
A 1ª Ré não paga a renda desde janeiro de 2010, encontrando-se em dívida as rendas dos meses de fevereiro, março, abril, maio e junho de 2010, num total de 5.000,00 euros;
Após sucessivas e infrutíferas interpelações verbais, em 19/05/2010, a Autora interpelou a 1ª Ré e os 2ºs Réus, por carta regista com aviso de receção, para que pagassem as rendas em dívida;
Em resposta, o então legal representante da 1ª Ré respondeu que não tinha dinheiro para pagar as rendas e que até já havia saído do armazém e deixado o local devoluto e propondo-se a entregar as chaves para evitar um aumento da dívida;
Em finais de maio de 2010, a Autora aceitou a entrega das chaves do arrendado e procedeu, então à vistoria do mesmo, descobrindo que o quadro elétrico do rés-do-chão, fios elétricos e respetivas tomadas relativas à instalação do armazém, as armaduras de iluminação do escritório e do “wc” e respetivas lâmpadas, tomadas e interruptores do escritório, campainhas e respetivos fios eléctricos, candeeiros e lâmpadas dos escritórios, cablagem para tomadas e iluminação, toalheiros, saboneteiras e espelhos das casas de banho, tinham sido tiradas do local;
Em início de junho de 2010, a Autora alterou o canhão da fechadura do armazém e enviou carta à 1ª Ré, acusando a entrega das chaves e reclamando a quantia de 5.000,00 euros em dívida e, bem assim informação sobre o consumo de energia elétrica e solicitando a restituição daqueles objetos que tinham sido retirados do arrendado;
Acontece que em 22/06/2010, o legal representante da 1ª Ré, acompanhado pela GNR e de um serralheiro, deslocaram-se ao armazém e procederam à mudança da fechadura da porta principal do mesmo, arrogando-se arrendatário deste;
A 1ª Ré não pagou as rendas de fevereiro a outubro de 2010 inclusive, num total de 9.000,00 euros, estando conferido à Autora o direito a resolver o contrato de arrendamento;
À Autora cabe o direito a ser indemnizada pelos prejuízos causados com a retiradas daqueles objetos do arrendado, cujo valor ascende a 8.766,00 euros, a qual acresce o custo dos trabalhos de construção civil necessários para colocar fios, armaduras, tomadas, interruptores e demais objetos furtados pela 1ª Ré, no valor de 2.500,00 euros;
Acresce que a 1ª Ré colocou no logradouro do prédio um depósito de combustível de grandes dimensões, que ainda não retirou e que a Autora pretende ver dele retirado.

A 1ª Ré “X” contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Excecionou sustentando ter pago as rendas de fevereiro e março de 2010 em dinheiro, não lhe tendo a Autora passado o respetivo recibo com o argumento de que lho entregaria mais tarde, vindo, posteriormente, a recusar-se a emitir-lhe esse recibo;
Apesar do prédio nunca ter ficado devoluto e de nunca ter sido abandonado pela 1ª Ré e desta nunca ter entregue as chaves à Autora, a última, sem o seu conhecimento e consentimento, substituiu as chaves do arrendado e retirou do seu interior, furtando-os, os objetos que identifica no art. 47º da contestação, no valor de 29.030,00 euros.
Concluiu pedindo que seja absolvida do pedido.
Deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora-reconvinda a pagar-lhe a quantia de 29.030,00 euros, correspondente ao valor dos bens que aquela alegadamente subtraiu do arrendado, acrescida de juros de mora, desde a sentença, a título de danos patrimoniais.
Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização condignas, bem como no ressarcimento das despesas e encargos efetuados pela 1ª Ré e pelo seu legal representante, este no âmbito do presente processo, sustentando que a Autora bem sabe que a 1ª Ré nenhuns danos provocou ao locado e que os valores que peticiona não lhe são devidos;

Mais sustenta que por via da presente ação a 1ª Ré e o seu legal representante tiveram custos de vária natureza, tendo despendido várias horas da sua vida profissional, em deslocações ao escritório da sua advogada e contabilista e em reuniões com os últimos e tiveram custos em deslocações e com taxa de justiça, que a 1ª Ré será obrigada a suportar caso o benefício do apoio judiciário seja indeferido, além de ter de suportar honorários com a mandatária constituída e que ascendem a 600,00 euros, acrescidos de IVA.

Os 2ºs Réus F. M. e M. M. contestaram sustentando que nos termos do art. 3º do contrato de arrendamento celebrado não convencionaram a renovação automática desse contrato, mas antes que ele só se renovaria se nisso os outorgantes acordassem;
Acontece que os 2ºs Réus jamais manifestaram, por forma alguma, a sua vontade de renovarem aquele contrato de arrendamento, pelo que este caducou em 31/12/2009;
Os 2ºs Réus nada têm a ver com a gestão da 1ª Ré desde 15/12/2008, data em que esta passou a ser exercida, em exclusivo, por Manuel, o que foi atempadamente comunicado à Autora, que reconheceu e aceitou a total desvinculação contratual dos Réus fiadores;
Quando recebeu a carta de 19/05/2010, o Réu F. M. manifestou pessoalmente a sua estranheza pelo comunicado à Autora, que reconheceu que aquele e esposa não eram responsáveis por tais factos, a qualquer título;
Não obstante a caducidade do contrato de arrendamento, tendo a Autora reconhecido e aceite a cessação desse contrato por revogação do mesmo por acordo, em maio de 2010, a ação de despejo é meio processual impróprio para aquela fazer valer os direitos que pretensamente lhe assistem;
Extinta a obrigação principal por força da caducidade do contrato de arrendamento, extinguiu-se a fiança, pelo que aqueles 2ºs Réus não podem responder pelas rendas de fevereiro, março, abril e maio de 2010;
Os fiadores não podem, em caso algum, responder por atos ilícitos do afiançado, designadamente, pelos danos provocados no arrendado;
A pretensão da Autora em responsabilizar os 2ºs Réus por esses danos consubstancia abuso de direito;
Concluem pela improcedência da ação e pedindo que sejam absolvidos do pedido.

Deduzem reconvenção pedindo a condenação da Autora-reconvinda a pagar-lhes a quantia de 25.000,00 euros.
Para tanto alegam, em síntese, que aquando da outorga do contrato de arrendamento, o sócio-gerente da 1ª Ré, F. M. procedeu a obras de beneficiação do arrendado, tendo construído uma placa interior, quartos de banho e um refeitório, procedeu à pintura das paredes interiores, à pintura e envernizamento do chão e escadario interior, bem como à colocação de instalação elétrica, obras essas que permitiram a legalização do arrendado para indústria e aumentaram o seu valor locativo e nas quais despendeu a quantia de 25.000,00 euros.

A Autora replicou impugnando parte da matéria alegada pelos Réus-reconvintes, sustentando ser falso que tivesse retirado os bens do arrendado invocados pela 1ª Ré, que esta tivesse realizado as obras no arrendado alegadas pelos 2ºs Réus e que, em todo o caso, nos termos da cláusula 6ª do contrato de arrendamento celebrado, não assiste qualquer direito àqueles e à 1ª Ré de ser indemnizados por essas pretensas obras, direito este que, caso existisse, pertenceria à 1ª Ré e não aos 2ºs Réus
Conclui pela improcedência das exceções invocadas pelos Réus e, bem assim dos pedidos reconvencionais que formulam.
Ampliou o pedido indemnizatório formulado sob a alínea c) do petitório, pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe, ainda, a quantia de 3.726,98 euros, a qual deverá acrescer ao montante indemnizatório já reclamado sob essa alínea c), acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, até integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese, ter descoberto agora, quando voltou ao arrendado para verificar se no meio do lixo que a 1ª Ré ali deixou, se encontrava alguma das latas que aquela diz ter ali deixado, que aquela 1ª Ré arrancou doze portas em madeira das respetivas divisórias, cujo custo e reposição ascende a 3.726,98 euros.
Pediu a condenação da 1ª Ré, solidariamente como seu sócio-gerente e, bem assim dos 2ºs Réus, como litigantes de má-fé em multa e em indemnização, por todas as despesas, danos e prejuízos que a sua oposição lhe causa, designadamente, os honorários do seu mandatário forense, a liquidar no respetivo incidente, mas em quantia nunca inferior a 10.000,00 euros, sustentando que aqueles fazem afirmações rotundamente falsas e contrárias à verdade que pessoalmente conhecem, com o propósito de entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o normal prosseguimento dos autos.

A 1ª Ré “X” treplicou, impugnando a factualidade aduzida pela Autora em sede de ampliação do pedido e negando que litigue de má-fé e pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor daquela, em montante nunca inferior a 10.000,00 euros.

Também os 2ºs Réus treplicaram, impugnando a factualidade alegada pela Autora em sede de ampliação do pedido e “ampliando” a indemnização que tinham formulado em sede de condenação da Autora como litigante de má-fé, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de 10.000,00 euros.

Realizou-se audiência preliminar, em que se tentou a conciliação das partes, que se frustrou.

Admitiu-se a ampliação do pedido formulado pela Autora na réplica, admitiu-se os pedidos reconvencionais, fixou-se o valor da ação e dispensou-se a realização de audiência prévia.
Proferiu-se despacho saneador tabelar e fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo havido reclamações.
Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença julgando parcialmente procedente a ação e improcedentes as reconvenções, constando a parte dispositiva dessa sentença do seguinte:
“Pelo exposto, julgo:
*
A.
Parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora:

a) Declarando a resolução definitiva do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e os Réus;
b) Condeno os RR., solidariamente, a pagar à A. a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), a título de rendas em dívida, acrescida de juros de mora, contados da data da citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento;
c) Condeno os RR., solidariamente, a pagar à A. a quantia de € 12.492,98 (doze mil, quatrocentos e noventa e dois euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, contados da data da citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
B.
Improcedente o pedido reconvencional formulado pela 1ª Ré, de que se absolve a Autora.
C.
Improcedente o pedido reconvencional formulado pelos 2ºs Réus, de que se absolve a Autora.
D.
Improcedentes os pedidos de condenação da Autora, da 1ª Ré e dos 2ºs Réus como litigantes de má-fé, dos quais vão respetivamente absolvidos.
*
Custas do pedido por Autora e Réus, na proporção do decaimento (artigo 527º, n.º 1 do CPC).
Custas dos pedidos reconvencionais pelos Reconvintes (artigo 527º, n.º 1 do CPC)”.

Inconformados com o assim decidido, vieram os 2ºs Réus F. M. e M. M., interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

1. Os Réus F. M. e M. M. não se conformam com a douta decisão proferida nos autos, que condenou os Réus solidariamente a pagar à Autora a quantia de € 4 000,00 (quatro mil euros), a título de rendas em dívida, acrescida de juros de mora, contados da data da citação, à taxa legal, até integral e efetivo pagamento bem como no pagamento da quantia de € 12 492,98 (doze mil quatrocentos e noventa e dois euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, contados da data da citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, pelas razões de facto e de direito infra.
2. “Invoca a Autora o direito de pedir judicialmente a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a 1º Ré e o pagamento da indemnização correspondente com base na falta de pagamento atempado das rendas. Por contrato escrito a Autora deu de arrendamento à Ré o prédio identificado na petição inicial, mediante o pagamento mensal que depois de acordo recíproco era de € 1000,00 no ano de 2010!”.
3. A resposta dada na fundamentação de facto sobre esta questão foi errada atenta a cláusula terceira do respetivo contrato onde se lê o contrato terá o seu início em 1 de Janeiro de 2005, sendo o prazo certo de cinco anos, com início, podendo ser renovado por sucessivos períodos de três, nos termos legais e enquanto nisso os outorgantes estiverem de acordo.
4. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, o facto de o contrato ter sido eventualmente renovado, não pode ser extensivo à fiança prestada pelos aqui Réus, uma vez que os mesmos não declararam estar de acordo com a sua renovação, e foi obnubilado o facto confessado pela própria Autora da alteração do valor da renda em 15/12/2009, bem como a negociação com o “novo” sócio da empresa de um contrato de arrendamento que punha fim ao dos autos!
5. PELO QUE DEVERIAM TER SIDO DADOS COMO NÃO PROVADOS OS FACTOS sob os nºs 3 e 4 erradamente dados como provados e como provados os FACTOS NÃO PROVADOS sob os nºs 10, 11, 12 e 13.
6. .A Autora e a Ré “X” acordaram entre si que a partir de Dezembro de 2008, inclusive, o valor da renda anual a pagar por esta àquela seria de € 12.000,00, em duodécimos de € 1.000,00 cada (artigos 7º e 8º da p.i.). 4. Desde Janeiro de 2010 que a Ré “X” deixou de pagar o valor mensal da renda, referido no número anterior (artigo 9º da p.i.). 10.Desde 15 de Dezembro de 2008 que os Réus F. M. e M. M. nada têm a ver com a gestão da sociedade arrendatária (artigo 9º da contestação dos Réus F. M. e M. M.). 11. Manuel passou a exercer em exclusivo a gerência da “X” desde Dezembro de 2008 (artigo 10º da contestação dos Réus F. M. e M. M.). 12. A Autora reconheceu e aceitou a total desvinculação contratual, como fiadores, dos Réus F. M. e M. M. (artigos 11º e 17º da contestação dos Réus F. M. e M. M.). 13. A Autora celebrou com a sociedade “Y” um novo contrato de arrendamento do locado, negociando-o com Manuel (artigo 20º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
7. Afirma Alberto dos Reis in “Código Processo Civil”, Anotado, Vol. IV, pág. 70, a confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto, recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário.
8. Valorado, como deveria ter sido, o depoimento de parte da autora, deveriam, em consequência os Réus/Recorrentes ter sido absolvidos do pedido. Mas, caso assim não se entenda, também o depoimento da Testemunha Miguel corrobora o depoimento da Autora, que os Réus/Recorrentes deixaram, em Dezembro de 2009, de ter qualquer ligação com a sociedade Ré, nada mais lhes tendo sido exigido por nada ser devido.
9. No que concerne à Caducidade do Contrato é vasta a Jurisprudência no sentido de que: “O regime do revogado art 655º do Código Civil continua a ter aplicação, por força do art 12º Código Civil, às situações arrendatárias e fidejussórias em curso à data da entrada em vigor da Lei 6/2006. O nº 1 do art 655º Código Civil limita a fiança pelas obrigações do arrendatário ao período inicial de duração do contrato de arrendamento, salvo estipulação em contrário. Do seu nº 2 resulta ser imperativa a necessidade da fixação de um número limite de prorrogações para a responsabilidade do fiador, Caso não seja fixado ab initio um número limite de prorrogações para tal responsabilidade, será aplicável o regime extintivo da fiança previsto na sua parte final, com o que a fiança se extinguirá decorrido o prazo de cinco anos sobre o inicio da primeira prorrogação ou logo que haja alteração de renda. A menos que se verifique uma «nova convenção», mas esta tem de ser uma convenção autónoma, necessariamente posterior à assunção fidejussoria de dívida.
10. Quanto ao direito à indemnização pelas rendas ressalta que, por confissão da autora, a renda do imóvel tinha sido reduzida para € 700,00, o total das rendas em dívida seria apenas de € 2 800,00, pelo que a sentença é nula, nesta parte, por erro de soma.
11. Quanto aos bens removidos pela 1ª Ré: “ A este propósito, ficou provado que quando a 1ª Ré outorgou com a Autora o contrato de locação realizou no imóvel arrendado obras que consistiram em: construção de um refeitório; construção de mais uma casa de banho, de chuveiros e de vestiários para o pessoal; pintura de paredes interiores; envernizamento do chão do escritório e da escadaria interior; adaptação da instalação elétrica ao funcionamento de máquinas da sua indústria; e ampliação da rede de distribuição de água. Tais obras que custaram € 15 000,00 e valorizaram o imóvel em montante equivalente.
12. Nunca tal poderia ter sido dado como provado por impossibilidade legal e contrária à experiência comum de as obras de “reparação” terem sido feitas pela senhoria, sem fatura, sem recibo, sem prova pericial, com a testemunha Carlos a dizer que fez as obras, e as faturou ao novo inquilino…!?
13. Convém referir que não se entende nem fundamenta a sentença como chegou a este valor e não a outro, uma vez que os réus alegaram que despenderam a quantia de € 25 000,00, pelo que certamente se tratou de um erro de escrita, que deve ser corrigido.
14. Existindo ainda omissão de pronúncia da douta sentença quanto ao pedido reconvencional dos Réus/recorrentes, que alegaram e provaram que as obras efetuadas no locado foram a expensas próprias com dinheiro pessoal, o que justifica entre outras a não faturação das obras nem a sua inclusão no imobilizado da empresa.
15. Ora tal configura um manifesto e ostensivo abuso de direito, que nem a Autora teve a veleidade de peticionar, não só se condena os Réus/fiadores, no pagamento das rendas como se exige dos mesmos que voltem a fazer do “seu bolso” pela 2ª vez as mesmas obras!!
16. Aceitando, quanto à Autora, a ausência de qualquer fatura que titule as obras efetuadas em 2010 e não considerando as obras efetuadas pelos Réus, usando assim de dois pesos e duas medidas para a mesma situação de facto, com o pormenor não menos importante de sequer se socorrer da “equidade” limitando-se a plasmar os valores peticionados pela Autora, sem qualquer sustentação!!!
17. Da fiança: Está em causa a validade da fiança prestada pelos Réus à sociedade locatária, no âmbito de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, celebrado no domínio da vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº 321-B/90; de 15 de Dezembro, este contrato perdurou até 2010, encontrando-se já então em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) instituído pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, diploma que revogou aquele artigo 655º do Código Civil.
18. Para a resolução da questão enunciada há que fazer apelo às regras de direito transitório nele contidas, nomeadamente no seu artigo 59º nº 1, e ao comando legal inserto no artigo 12º nº 2 do Código Civil, ponderando o estabelecido nestes dois normativos, consideramos que a interpretação da cláusula contratual que consagra a constituição da fiança e da qual emerge a responsabilidade do fiador deve realizar-se à luz do regime legal vigente na data da outorga do contrato, concretamente o revogado artigo 655º nº 2 do Código Civil. Foi na consideração desse regime legal que o fiador avaliou o risco da responsabilidade assumida. Está em causa situação jurídica constituída na vigência daquele preceito e ao regime legal nele instituído terá de submeter-se a apreciação da validade da respetiva cláusula contratual e a determinação do âmbito de vinculação para o fiador. Este foi também o entendimento perfilhado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.03.2014 (proc. 5429/11.6YYPRTC. P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj).
19. Louvando-se na solução defendida por Januário Gomes (“Fiança do Arrendatário face ao NRAU”, in Estudos em Honra do Prof. Oliveira Ascensão, vol. II), no sentido de que “apesar de formalmente revogado, o regime do art. 655º continuará a ter aplicação às situações constituídas na sua vigência”, uma vez que “a apreciação do risco fidejussório deve ser aferida em função do momento genético da constituição da fiança” (pág. 980), escreveu-se naquele acórdão que, “Sendo a fiança constituída ao abrigo de um regime legal que regulava o âmbito da responsabilidade, se acaso se vier a concluir que aquele preceito legal se sobrepunha à referida cláusula, restringindo aquela responsabilidade, tal prevalência deve ainda ser considerada, malgrado a sua posterior revogação”.
20. De harmonia com a tese da imperatividade da norma, que sufragamos por melhor corresponder à letra e à razão de ser do preceito, também acolhida no citado acórdão de 06.03.2014, a fiança manter-se-ia, para além do período de cinco anos, após a primeira renovação do contrato, havendo indicação precisa no seu clausulado do número de renovações ou tendo sido outorgada nova convenção, posterior e autónoma, que traduzisse a reafirmação da vontade de o fiador continuar vinculado à garantia que prestara, permitindo-lhe a reavaliação dos riscos inerentes à responsabilidade daí adveniente para si. Perante isto, e volvendo ao caso em apreço, verifica-se, que na cláusula 3º do contrato de arrendamento, os fiadores vincularam-se pelo prazo certo de 5 anos, podendo ser renovado por sucessivos períodos de 3, nos termos legais e enquanto nisso os outorgantes estiverem de acordo.
21. Não obstante alguma concretização, ao nível, fundamentalmente, das obrigações garantidas, é aquela cláusula clara quanto à expressa previsão de um concreto acordo para as sucessivas renovações e, estando o contrato sujeito à forma escrita, tal teria de ser aplicável à fiança, o que NUNCA aconteceu, tanto mais que a Autora bem sabia que a fiança só tinha sido prestada porque os Réus eram sócios da arrendatária! Condição que deixou de existir em 2009. O que significa dever considerar-se a fiança prestada pelos Réus extinta a partir de 31 de Dezembro de 2009.
22. Ou, caso assim não se entendesse, deveria a mesma ser considerada nula: porquanto, tendo na sua origem um negócio jurídico, a fiança depende dos respetivos requisitos de validade e também da validade da obrigação garantida - artigo 632º nº1 do Código Civil - atenta a sua natureza acessória; Trata-se, enfim, da garantia dada por um terceiro de colocar o seu património à disposição do credor de outrem, assim se obrigando pessoalmente. (cf. v.g, Doutor Henriques Mesquita - CJ - 1986 - IV - 25- e M. J. Costa Gomes - "Estrutura Negocial da Fiança e jurisprudência Recente" in "Estudos em Memória do Prof. Doutor Castro Mendes", I, 323).
23. O artigo 280º do Código Civil fulmina de nulidade o negócio jurídico que, entre a falta de outros requisitos, seja indeterminável. A determinabilidade do objeto negocial afere-se no verificar se a determinação "está contida potencialmente na referência a um acontecimento futuro, ou a critérios objetivos de determinação, ou, inclusive, à determinação realizada por um terceiro". (Cons. Rodrigues Bastos, in "Das Relações Jurídicas", II, 1968, 187).
24. No caso de prestação de coisas ("dare", "facere" ou "prestare"), na modalidade de obrigação de garantia, o conteúdo deve ficar inicialmente determinado ou, no limite, sê-lo posteriormente segundo um critério negocial ou legal, sem prejuízo das obrigações genéricas (artigos 539º ss CC) ou alternativas (artigos 543º ss CC) a indeterminação será superada pela via da equidade ou, em situações de extemporaneidade, pelo Tribunal.
25. Daí a conclusão de que negócio jurídico absolutamente indeterminado, e indeterminável, seja nulo. É perante estes critérios que tem de colocar-se a fiança em que o fiador garante todas as dívidas da responsabilidade do afiançado no decurso de certa relação negocial, ou seja, a chamada fiança "omnibus".
26. A propósito, decidiu o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Setembro de 1999 - 99B436 - que "se à data da fiança há já débitos constituídas, eles estão automaticamente determinados e a fiança é válida quanto a eles. Contudo, e em relação a débitos futuros do afiançado, ainda não constituídos, a fiança só será válida se, à da em que foi outorgada, se fixou e se concretizou um critério objetivo que permita a identificação e a individualização dos débitos que hão-de surgir; individualização e identificação que deverão emergir de parâmetros objetivados que não coloque o fiador à mercê da vontade subjetiva do credor ou de terceiro (está é, aliás, a jurisprudência dominante expressa em vários arestos: CJ XIX, I, 220; CJ/STJ I, I, 71 e I-II, 98; Sumários Acórdãos STJ, 30, p. 37; 28 p. 63;
27 p. 27; 24,p.20)." 27. Como acima se acenou, a fiança "omnibus" é a que "se estende às obrigações decorridas ou a decorrer de certa ou certas relações de negócios" a qual se contrapõe a fiança geral "prestada para todas as obrigações do devedor principal, resultantes de um qualquer título ou causa, de operações económicas de qualquer género ou espécie, inclusive ilícito." (cf. Prof. Calvão da Silva, in "Estudos de Direito Comercial", 332, nota 2).
28. Ali há determinabilidade, ainda que prestada para todas as obrigações atuais ou futuras do devedor principal, resultantes de determinado tipo de atividades por ele desenvolvidas; na fiança geral há um conteúdo muito amplo e de determinabilidade difusa, por vincular o fiador de forma quase ilimitada. Esta é de duvidosa validade (cf. o Acórdão do STJ de 25 de Novembro de 1997 - Pº 260/97-1ª - " a lei não admite que alguém, sem quaisquer limites, se possa declarar fiador de todos os débitos que um terceiro tenha ou possa vir a ter, equivalente a alguém se obrigar a pagar a outrem o que este queria, sem limite algum."), e deve ser analisada casuisticamente. Daí que se adira à jurisprudência do citado Acórdão de 30/9/99, também acompanhando o Prof. Vaz Serra (RLJ - 107-255) ao defender que a determinabilidade deve existir no momento da constituição da fiança, no documento em que é estipulada. Este entendimento é o que resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº4/2001 de 23 de Janeiro de 2001 - DR I A nº57 de 8.3.2001.
29. Do abuso de direito: O abuso de direito pressupõe, de harmonia com o disposto no artigo 334º do Código Civil, que o modo concreto do seu exercício, objetivamente considerado, contrarie ostensivamente a boa-fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do mesmo.
30. Foi já afirmado que a tutela da confiança não permite que aquele em cuja esfera jurídica se inscreve o direito o exerça com excesso manifesto, o que acontecerá nas situações em que a atitude do titular do direito se manifeste em comportamento clamorosamente oposto aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações entre os contraentes.
31. Para Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, vol. I, pág. 204) existirá abuso de direito quando uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítima de que o titular do direito não mais o exercerá. “É esse investimento de confiança que justifica que o beneficiário não seja desamparado, sob pena de sofrer danos dificilmente reparáveis ou compensáveis”.
32. No caso que nos ocupa, a facticidade referida pela recorrida ainda que demonstrada, permitiria concluir que era conhecedora da limitação temporal da fiança prestada contida no artigo 655º nº 2 do Código Civil e dos seus reflexos na validade da mesma; seria, aliás, fácil perspetivar-se, no caso, tal consciência dessa limitação temporal atentas as assinaladas doutrinais e jurisprudenciais relativamente à interpretação e alcance de tal normativo.
33. A Autora pretende pela via da ação alcançar coercivamente o integral cumprimento do contrato de arrendamento até ao momento em que cessou – pagamento das rendas em dívida – e, bem assim, a indemnização decorrente do incumprimento da locatária subjacente à sua resolução, que bem sabe não ser devido pelos fiadores, os quais jamais poderiam ser responsabilizados pela alegada “destruição” do arrendado, sob pena de manifesto abuso de direito.
34. Do pedido reconvencional: O tribunal a quo entendeu, baseado na experiência comum, que as obras de beneficiação do locado não teriam sido realizadas pelos Réus/Recorrentes antes pela sociedade de que eram sócios. De realçar que não há um único testemunho nesse sentido. Entendimento que, salvo melhor, viola as mais básicas regras da experiência comum, pois, se as obras tivessem sido realizadas pela sociedade X, esta teria todo o interesse na documentação/faturação das mesmas, Sendo um particular a pagá-las, o interesse em faturar é nulo, como todos bem sabemos. E que tais obras foram feitas a expensas exclusivas dos Réus F. M. e esposa resulta bem claro dos depoimentos do Réu F. M. e das testemunhas José e S. P..
35. Pelo que o pedido reconvencional dos Réus deveria ter sido julgado provado e procedente e, em consequência, condenada a Autora no pagamento das mesmas. Tanto mais que apesar dos “alegados” estragos o certo é que muito do investimento feito, se manteve no locado, (pinturas, preparação de tetos, chuveiros etc.), e se alguma coisa foi danificada, o certo é que a responsabilidade deveria, salvo melhor ser imputada à Autora, pois como resulta dos factos provados a Autora no início de Junho de 2010, procedeu à alteração do canhão da fechadura daquele armazém, pelo que tendo os alegados danos ocorrido em momento posterior só a esta poderiam ser assacadas responsabilidades.

RESUMINDO Os factos provados sob os nºs 3, 4, 8, 14 e 21 da douta sentença, atento os depoimentos da autora e do Réu F. M., das testemunhas M. P., Carlos e Miguel e o direito aplicável deveriam ter sido considerados não provados.
De igual modo, os factos não provados sob os nºs 5, 9, 11, 12, 13, 14, 15,16 e 17 da douta sentença atento o depoimento da autora e do Réu F. M., das testemunhas M. P., Carlos, Miguel e Ricardo atento dos depoimentos das testemunhas e o direito aplicável deveriam ter sido considerados provados.
Termos em que, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva os Réus de todos os pedidos e condene a Autora no pedido reconvencional, será feita inteira e verdadeira Justiça”.

A apelada contra-alegou, pugnando pela imediata rejeição do recurso quanto à matéria de facto impugnada, sustentando que os apelantes transcreveram ora em parte, ora na totalidade, os depoimentos das testemunhas, sem que tivessem indicado onde se encontram localizadas aquelas partes ou transcrições que dizem reproduzir nos autos e que impõem decisão diversa, pretendendo apenas que seja desvalorizada, por completo, a prova produzida através dos documentos juntos aos autos e da sua concatenação com a demais prova produzida, seja os depoimentos das diversas testemunhas inquiridas nas sessões da audiência de julgamento, seja as próprias ilações tiradas pelo Tribunal do manejo das regras da experiência comum e das presunções judiciais a que o tribunal a quo, muito justamente recorreu para a análise crítica da prova que as partes lhe levaram, não merecendo acolhimento o alegado pelos Réus/apelantes no sentido de querer fazer prevalecer o domínio da “prova” por si produzida, que não mereceu o acolhimento do tribunal a quo, desmerecendo e desvalorizando a douta e justa interpretação exarada na sentença, que se sustenta na prova “stricto sensu” produzida nestes autos, isto é, na convicção por parte do tribunal da realidade do caso concreto.
Conclui que os apelantes não cumprem com os ónus, que o art. 640º do CPC lhes impõe.
Pugnam pela improcedência da apelação.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia quanto ao pedido reconvencional formulado pelos 2ºs Réus;
b- se aquela sentença é nula por “erro de soma”;
c- se o tribunal a quo incorreu em violação de regras de direito probatório ao dar como provada a matéria de facto vertida nos pontos 3 e 4 dos factos julgados como provados e ao dar como não provada a matéria exaradas nos pontos 10, 11, 12 e 13 dos factos julgados como não provados, uma vez que a não provada dessa matéria julgada provada pelo tribunal e a prova da matéria por ele julgada como não provada naqueles pontos foi confessada pela Autora que, designadamente, confessou que o valor das rendas foi reduzido para 700,00 euros;
d- se aquele tribunal incorreu em erro na fixação da matéria de facto, ao julgar com provados os factos vertidos nos pontos 3, 4, 8, 14 e 21 dos factos considerados como provados e ao julgar como não provados os factos enunciados nos pontos 5, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 dos factos que considerou como não provados e se, uma vez reponderada a prova produzida, se impõe julgar como não provados os factos dados como provados e julgar como provados os factos dados como não provados na sentença recorrida;
e- se o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao condenar os 2ºs Réus/apelantes nos pedidos constantes da parte dispositiva da sentença quando:
1- nos termos da cláusula 3ª do contrato de arrendamento celebrado, esse contrato caducou em 01/01/2010;
2- a renovação desse contrato de arrendamento não era extensiva à fiança por os 2ºs Réus não terem declarado estarem de acordo com essa renovação;
3- por esse acordo carecer de ser dado pelos 2ºs Réus por escrito; e
4- por a fiança que prestaram ser nula por indeterminabilidade do seu objeto; e
5- por a condenação dos 2ºs Réus no pagamento das rendas e a fazer, pela 2ª vez, as obras no arrendado consubstanciar abuso de direito por parte da apelada;
f- se aquele tribunal incorreu em erro de direito ao julgar improcedente o pedido reconvencional formulado pelos 2ºs Réus (apelantes).
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal a quo deu como provados e não provados os seguintes factos:

Factos Provados
1. A A. é dona, senhora e legítima possuidora de um armazém industrial, composto de salão amplo, hall de entrada, “wc” e escritórios, edificado em parte do seu prédio rústico, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 272º, sito no lugar de …, freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Famalicão, com área coberta de 1380 metros quadrados, e com licença de ocupação n.º 654/1998, emitida aos 16/12/1998 pela Câmara Municipal W (artigo 1º da p.i.).
2. A A. deu de arrendamento à primeira R. “armazém industrial” identificado no número anterior, por contrato escrito datado de 15 de Novembro de 2004, em que a Autora figura como Primeira Outorgante, assinado pelo Réu F. M. como Segundo Outorgante na qualidade de legal representante da sociedade “X – Estamparia Têxtil, Ld.ª”, e pelos Réus F. M. e M. M. na qualidade de Terceiros Outorgantes, cujo teor se reproduz de fls. 15 a 19 dos autos, sujeito, entre outras, às seguintes cláusulas:

Terceiro
O arrendamento terá o seu início em 1 de Janeiro de 2005, sendo pelo prazo certo de cinco (5) anos, com início, podendo ser renovado por sucessivos períodos de três (3) anos, nos termos legais e enquanto nisso os outorgantes estiverem de acordo. (…)
Quinto
O arrendamento destina-se exclusivamente ao exercício da estamparia têxtil.
Sexto
À sociedade representada do segundo outorgante é vedado realizar quaisquer obras de alteração da disposição interior, ou exterior, do arrendado sem que a primeira outorgante previamente e por escrito tenha consentido nas mesmas e, as que vierem a ser ali realizadas passarão a fazer parte integrante do arrendado, nenhum direito podendo a inquilina invocar a propósito, ou sobre as mesmas, designadamente, o direito de retenção ou indemnização por benfeitorias. (…)
Sétimo
Sem prejuízo do estipulado no artigo anterior, a sociedade representada do segundo outorgante, fica desde já autorizada a fazer as obras necessárias à adaptação do arrendado ao exercício da sua actividade.
Oitavo
À sociedade representada do segundo outorgante, para além do pagamento da dita renda mensal, incumbe ainda o pagamento das respectivas despesas de consumo de luz, água e telefone, bem como a taxa de saneamento que ao dito arrendado diga respeito.
Nono
À sociedade representada do segundo outorgante incumbe ainda zelar pela boa conservação e manutenção das condições de salubridade e segurança do armazém arrendado, obrigando-se dele fazer uma utilização cuidada e consentânea com o objecto do arrendamento, sendo ainda da sua responsabilidade, a obtenção das respectivas licenças camarárias e o competente alvará de funcionamento para a actividade que ali vai exercer. (…)
Décimo
Os terceiros outorgantes expressamente declaram constituir-se fiadores e principais responsáveis pelas obrigações aqui assumidas por parte da sociedade representada do segundo outorgante, arrendatária, quer na vigência do presente contrato, quer na vigência doas suas eventuais renovações, nos termos e para os efeitos do artigo 634º e seguintes do Código Civil, renunciando designadamente ao benefício de excussão prévia. (…) (artigos 2º a 6º da p.i.).
3. A Autora e a Ré “X” acordaram entre si que a partir de Dezembro de 2008, inclusive, o valor da renda anual a pagar por esta àquela seria de € 12.000,00, em duodécimos de € 1.000,00 cada (artigos 7º e 8º da p.i.).
4. Desde Janeiro de 2010 que a Ré “X” deixou de pagar o valor mensal da renda, referido no número anterior (artigo 9º da p.i.).
5. A Autora, por intermédio do seu ilustre mandatário, enviou à Ré “X” a carta registada, datada de 19.05.2010, com o teor reproduzido a fls. 20 dos autos, reclamando o pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de rendas vencidas dos meses de Fevereiro a Junho de 2010 (artigo 11º da p.i.).
6. A Autora, por intermédio do seu ilustre mandatário, enviou aos Réus F. M. e M. M., a carta datada de 19.05.2010, com o teor reproduzido a fls. 22 dos autos, juntando cópia da carta referida no número anterior (artigo 12º da p.i.).
7. No decurso de Abril e Maio de 2010, a Ré mudou-se para a Póvoa de Lanhoso, levando do seu interior todo o recheio que lhe pertencia e deixando de ter qualquer actividade no locado (cfr. artigos 15º, 18º e 20º da p.i.).
8. O legal representante da sociedade “X” à data referida no número anterior, arrancou e retirou do prédio arrendado, entre outros, os seguintes objectos que faziam parte do imóvel: o quadro eléctrico do rés-do-chão, fios eléctricos, tomadas relativas à instalação eléctrica do armazém – tomadas monofásicas, tomadas trifásicas -, armaduras de iluminação do escritório e “wc” e respectivas lâmpadas, tomadas e interruptores do escritório, campainhas e respectivos fios eléctricos, candeeiros e lâmpadas dos escritórios, cablagem para tomadas e iluminação, toalheiros, saboneteiras e espelhos das casas de banho, doze portas em madeira das respectivas divisórias/compartimentos do imóvel (artigos 17º da p.i. e 47º da réplica).
9. No início de Junho de 2010, a A. procedeu à alteração do canhão da fechadura daquele armazém (artigo 19º da p.i. e 43º da contestação da “X”).
10. A Autora, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, enviou à Ré “X”, para a morada para onde a mesma havia transferido as respectivas máquinas, trabalhadores e toda a sua actividade industrial – a carta registada, datada de 04.06.2010, com o teor reproduzido a fls. 23 e 24 dos autos que, entre outras coisas, acusava a entrega das chaves, reclamava o pagamento da quantia de € 5.000,00 em dívida, pedia a informação sobre o consumo de energia eléctrica que constava do respectivo quadro aquando da sua remoção, e solicitava a restituição dos objectos removidos (artigo 20º da p.i.).
11. No dia 22 de Junho de 2010, o representante legal da sociedade R., Manuel, acompanhado de dois soldados da GNR e de um serralheiro, entrou no logradouro do prédio e procedeu à mudança de fechadura da porta principal do armazém referido no facto provado número 1 (artigos 22º a 24º da p.i. e 44º da contestação da “X”).
12. Tendo tomado conhecimento do facto referido no número anterior, a Autora dirigiu-se ao locado, interrompendo a acção em curso e insurgindo-se contra a actuação do legal representante da Ré “X” (artigos 45º a 47º da contestação da “X”).
13. Na ocasião referida no facto provado número 7, permaneceram no locado: uma máquina de gravar quadros, pertencente ao banco B; um reservatório de gás à concessão, pertencente à da P., com o sistema de gás, que se encontra no logradouro do armazém (artigos 47º e 82º da contestação da “X”).
14. Os custos da aquisição e aplicação das peças e objectos referidos no facto provado número 8, com exclusão da “Abertura e tapamento de valas e/ou roços” e de “Todos os trabalhos de construção civil”, ascende às quantias de: € 8.766,00 para a instalação eléctrica; € 3.726,98 para o custo das portas em madeira (artigos 40º da p.i. e 48º da réplica).
15. A sociedade Ré colocou no logradouro do prédio referido no facto provado número 1, um depósito de combustível que ainda não foi retirado do local (artigos 43º e 44º da p.i. e 82º da contestação da X).
16. Pelas Apresentações números 15 e 16 de 2009.03.05 foram registadas: a cessação de funções de F. M. como membro dos órgãos sociais da sociedade “X – Estamparia Têxtil Ld.ª”, por renúncia ao cargo de gerente datada de 23.02.2009; a alteração ao contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais da mesma sociedade, passando a ter como sócios Manuel, com uma quota de € 37.500,00 e Fernando, com uma quota de € 3.750,00, e como gerente único Manuel (cfr. certidão permanente do registo comercial junta a fls. 92 e ss.).
17. O Réu F. M. deu conhecimento à Autora que ia deixar de ser sócio e gerente da “X” (artigo 11º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
18. Desde a data da renúncia referida no facto provado número 16 que o Réu F. M. não mais exerceu a gestão da “X” (artigo 9º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
19. Quando da outorga do contrato de arrendamento, a “X” realizou as seguintes obras no imóvel arrendado: construção de um refeitório; construção de mais uma casa de banho, de chuveiros e de vestiários para o pessoal; pintura das paredes interiores; envernizamento do chão do escritório e da escadaria interior; adaptação da instalação eléctrica ao funcionamento das máquinas da sua indústria; ampliação da rede de distribuição de água (artigos 37º e 38º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
20. As obras referidas no número anterior importaram em montante não inferior a € 15.000,00 (artigo 39º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
21. As obras referidas no facto provado número 19 valorizaram o imóvel da Autora em montante não inferior a € 15.000,00 (artigos 40º e 41º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
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Factos Não Provados

1. Em resposta à missiva enviada à sociedade R, referida no facto provado número 5, o seu, ao tempo, legal representante, Manuel, voltou a responder que não tinha dinheiro para pagar tais valores e que até já havia saído do armazém e deixado o mesmo devoluto (artigo 13º da p.i.).
2. Propondo-se, então, entregar as chaves do citado armazém para evitar o aumento da dívida, o que a Autora aceitou, tendo recebido as chaves (artigos 14º a 16º da p.i.);
3. A sociedade Ré deixou no arrendado um amontoado de lixo num dos cantos do armazém (artigo 18º da p.i.).
4. O custo dos trabalhos de construção civil a realizar nos tectos, paredes e piso do armazém para colocar fios, armaduras, tomadas, interruptores e demais objectos removidos pela sociedade Ré, ascende a € 2.500,00 (artigos 41º e 42º da p.i.).
5. A Ré “X” pagou em dinheiro as rendas referentes aos meses de Fevereiro e Março de 2010, tendo a Autora recusado a emissão dos respectivos recibos (artigos 25º a 28º da contestação da Ré “X”).
6. A Ré “X” deixou no locado: uma tonelada de tintas (cerca de 10 bidões de 100 litros de tinta e vários bidões pequenos com tintas feitas e já prontas a utilizar) e respectivos pigmentos, tudo no valor de 5.000,00 euros; rolos de papel brilhante para aplicação em têxteis, no valor de 200,00 euros; 500 quadros de vários formatos em alumínio e ferro, com vários desenhos, telas de várias gramagens (texturas), inclusive quadros de vários clientes, no valor de 2.500,00 euros; 3.000 fotolitos (tipo negativos de fotografia que dão origem à gravação de quadros), no valor actual de 5.000,00; um aparelho de soldar, no valor de 300,00 euros, pertença de um antigo funcionário Manuel Magalhães; duas malas de ferramentas com diversas chaves de bocas, chaves de Umbrako, alicates, chaves de fendas e estrela, no valor de 300,00 euros; 40 Bidões de 100 litros vazios, no valor de 300,00 euros; microondas no valor de 30 euros; um frigorífico de cor branca, no valor 200 euros; vários sacos de gliter (brilhante para por nas tintas) – com cerca de 50 quilos, de várias cores no valor de 3.500 euros; e folhas de vinil autocolante, folhas de papel brilho, rolos de papel de brilho, lona branca de banca de amostras, tudo no valor de 5.000,00 euros (artigo 47º da contestação da “X”).
7. A máquina de gravar quadros e o reservatório referidos no facto provado número 13 têm o valor de 7.000,00 euros e 15.000,00 euros, respectivamente (artigo 47º da contestação da “X”).
8. Depois da situação descrita nos factos provados números 11 e 12, o legal representante da Ré “X” deslocou-se uma vez ao locado para buscar a máquina e o reservatório descritos no facto provado número 13, o que não conseguiu por encontrar um portão novo e alto fechado, impedindo a entrada no logradouro do locado (artigos 49º e 51º da contestação da “X”).
9. Os bens descritos no facto provado número 13 foram removidos pela Autora para parte incerta (artigo 95º da contestação da “X”).
10. Desde 15 de Dezembro de 2008 que os Réus F. M. e M. M. nada têm a ver com a gestão da sociedade arrendatária (artigo 9º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
11. Manuel passou a exercer em exclusivo a gerência da “X” desde Dezembro de 2008 (artigo 10º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
12. A Autora reconheceu e aceitou a total desvinculação contratual, como fiadores, dos Réus F. M. e M. M. (artigos 11º e 17º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
13. A Autora celebrou com a sociedade “Y” um novo contrato de arrendamento do locado, negociando-o com Manuel (artigo 20º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
14. Quando da outorga do contrato de arrendamento, o pavilhão apenas dispunha de pontos de luz para a instalação eléctrica (artigo 38º da contestação a “X”).
15. Na realização das obras referidas no facto provado número 19 os Réus/reconvintes despenderam cerca de € 25.000,00 (artigo 39º da contestação).
16. Os custos das obras referidas no facto provado número 19 foram suportados por F. M., a título pessoal (artigo 37º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
17. As obras referidas no facto provado número 19 valorizaram o imóvel da Autora em valor superior a € 25.000,00 e permitiram a sua legalização para indústria (artigos 40º e 41º da contestação dos Réus F. M. e M. M.).
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Os apelantes sustentam que existe omissão de pronúncia na sentença recorrida quanto ao pedido reconvencional (cfr. conclusão 14ª do recurso interposto) e na conclusão 10ª dessas suas alegações recursórias, sustentam que essa sentença é nula “por erro de soma”, pelo que ao assim sustentarem, os mesmos implicitamente invocam a nulidade da sentença recorrida por pretensa omissão de pronúncia em relação ao pedido reconvencional e suscitam expressamente a nulidade dessa sentença por pretenso “erro de soma”.
Deste modo, perante os vícios suscitados que afetarão a sentença recorrida, cumpre, de imediato, conhecer destes fundamentos de recurso e de forma prévia aos restantes objeto da sindicância dos apelantes, uma vez que, caso procedam, essa procedência poderá impedir, por inútil, o conhecimento dos demais fundamentos por eles aduzidos (1).

B.1- Da nulidade da sentença recorrida por alegada omissão de pronúncia.

Sustentam os apelantes que a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia quanto ao pedido reconvencional que deduziram, uma vez que alegaram e provaram que as obras efetuadas no locado foram a expensas próprias, com dinheiro pessoal, o que justifica, entre outras, a não faturação das obras, nem a sua inclusão no imobilizado da empresa.

Vejamos se assiste razão aos apelantes.
Como se sabe, as decisões judiciais podem ser viciadas por duas causas distintas entre si, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a consequência desse vício a revogação da sentença; ou b) por se ter violado as regras próprias da elaboração e estruturação da sentença ou as que balizam o seu conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615º do CPC (2).
Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no art. 615º do CPC e trata-se de vícios que se reportam à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, vícios formais que inquinam a sentença.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -; e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (3).
Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando, atacáveis em via de recurso (4).
Como referido, os apelantes sustentam que a sentença recorrida padece do vício da omissão de pronúncia quanto ao pedido reconvencional que deduziram.
Estabelece o art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
Esta previsão encontra-se em consonância com o comando enunciado no n.º 2 do art. 608º do mesmo Código, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Os comandos legais acabados de enunciar são a concretização prática do princípio do dispositivo, segundo o qual “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido e da defesa, circunscreverem o thema decidendum (5).
Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).
Acresce que como já referia Alberto dos Reis (6), impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Deste modo, apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
Também não ocorre o vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela o tribunal não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou (7).
Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido que só quando haja absoluta falta de fundamentação e não quando esta seja apenas deficiente, ocorre o vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia. (8)
Significa isto, que caso o tribunal a quo se tenha pronunciado quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções invocadas, ainda que genericamente, sintética e escassamente fundamentada, não ocorre o vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão aos apelantes, se impõe extrair as devidas consequência jurídicas, revogando a sentença recorrida (9).
Acresce precisar que os vícios da decisão da matéria de facto nunca constituem causa de nulidade da sentença, designadamente por omissão de pronúncia, dado que a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto na al. c), do n.º 2 do art. 662º do CPC (10).
Assentes nestas premissas, os apelantes deduziram reconvenção, pedindo a condenação da Autora-reconvinda (apelada) a pagar-lhes a quantia de 25.000,00 euros por alegadas benfeitorias realizadas no arrendado.
Como referido, pretendem os apelantes que a sentença recorrida padece do vício da omissão de pronúncia quanto a este concreto pedido, mas com manifesta sem razão.
Na verdade, conforme se lê na sentença recorrida, nela escreve-se que: “A pretensão dos 2ºs Réus serem pela Autora indemnizados do valor das benfeitorias realizadas no imóvel durante a vigência do contrato, afigura-se-nos desprovida de fundamento na medida em que não só não demonstraram ter sido eles que suportaram o respetivo custo, como se encontra contratualmente afastado o direito à indemnização por benfeitorias que, caso houvessem sido por eles pagas, nem sequer estariam abrangidas pela autorização concedida pela senhoria, aqui Autora, prevista na cláusula 7ª do contrato, pelo que sempre se trataria de uma ação ilícita praticada por terceiros – não possuidores, não locatários, nem detentores – sobre o imóvel alheio, fora da alçada do regime reparatório previsto pelos artigos 1.046º e 1273º do Código Civil”.
Consentaneamente com este juízo jurídico e fáctico, o tribunal a quo, na parte dispositiva da sentença recorrida, julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pelos apelantes e dele absolveu a apelada-reconvinda.
Resulta claramente do que se acaba de dizer, que contrariamente ao pretendido pelos apelantes, a sentença recorrida não padece do vício da nulidade por omissão de pronúncia em relação ao pedido reconvencional que deduziram, uma vez que aquela sentença se pronunciou expressamente sobre esse pedido, concluindo pela respetiva improcedência.
De resto, conforme decorre das alegações de recurso dos apelantes, estes ao invocarem o enunciado vício da pretensa omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto à reconvenção que deduziram, o que manifestam é o seu inconformismo quanto à decisão sobre a matéria de facto e de direito que foi tomada pelo tribunal a quo.
Acontece que, como dito, o eventual erro de julgamento em que possa ter incorrido o tribunal a quo quanto à matéria de facto e/ou à decisão de direito tomada em relação ao pedido reconvencional deduzido pelos apelantes, não integra o vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas mero error in judicando, atacável em via de recurso.
Termos em que improcede o vício da nulidade da sentença recorrida com fundamento em omissão de pronúncia quanto à reconvenção deduzida pelos apelantes.

B.2- Da nulidade da sentença recorrida por “erro de soma”.

Sustentam os apelantes que a sentença é nula por “erro de soma”, dado que quanto ao direito à indemnização pelas rendas, ressalta que, por confissão da Autora, a renda do imóvel tinha sido reduzida para 700,00 euros, concluindo assim que o total das rendas em dívida seria apenas de 2.800,00 euros.
Enuncie-se que o pretenso “erro de soma” não integra nenhuma das causas de nulidade da sentença previstas taxativamente no enunciado art. 615º do CPC, o que bem se compreende.
É que estabelecendo o art. 249º do CC, que o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação destes, e o art. 613º do CPC, que proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (n.º 1), sendo-lhe, no entanto, lícito retificar erros materiais (n.º 2), integrando-se nestes erros materiais os erros de escrita ou de cálculo (art. 614º, n.º 1 do CPC), os enunciados “erros de soma” invocados pelos apelantes, que mais não é que invocar que aquela sentença padece de um pretenso erro de cálculo, nunca consubstancia causa de nulidade da sentença, sequer se encontra abrangido pelo caso julgado operado pela sentença, tanto assim que nos termos do n.º 3 do art. 614º do CPC, se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo e nos termos do n.º 2 deste normativo, só em caso de recurso, as partes carecem de requerer a retificação desse erro em sede de recurso.
Mais uma vez, salvo o devido respeito por entendimento contrário, ao invocarem esse pretenso “erro de soma”, o que os apelantes manifestam é o seu inconformismo em relação à matéria de facto julgada como provada pelo tribunal a quo. Logo, error in judicando.
Termos em que, sem maiores delongas, por despiciendas, improcede a invocada nulidade da sentença recorrida por pretenso “erro de soma”.

B.3- Da violação de regras de direito probatório.

Insurgem-se os apelantes contra a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida nos pontos 3 e 4 dos factos nela julgados como provados e, bem assim contra a materialidade fáctica nela julgada como não provada nos pontos 10, 11, 12 e 13, concluindo que aqueles factos dados como provados deviam ter merecido resposta de não provado e os factos dados como não provados careciam de ter sido julgados como provados.
Para ancorar esta sua posição sustentam os apelantes que aquela matéria fáctica que pretendem ver julgada como provada e não provada foi confessada pela Autora e concluem, inclusivamente, que como “afirma Alberto dos Reis, (….), a confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto, recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao adversário”, pelo que “valorado, como deveria ter sido, o depoimento de parte da Autora, deveriam, em consequência os Réus/Recorrentes ter sido absolvidos do pedido”.
Embora não o digam expressamente, ao invocarem como fundamentos das alterações à matéria de facto que propugnam a circunstância dessa matéria que pretendem ver julgada como provada e não provada ter sido alegadamente confessada pela Autora (apelada), dúvidas não subsistem que os mesmos imputam à sentença recorrida infração das regras de direito probatório, mais concretamente, das regras da confissão que se encontram enunciadas nos arts. 352º a 361º do CC, que lhe impunham que, sem qualquer margem de subjetivismos, desse como provada e não provada a enunciada materialidade fáctica, perante aquela pretensa confissão da Autora.
Precise-se que a ser certa a alegação dos apelantes e a terem aqueles factos sido confessados pela Autora e tendo sido observados os requisitos formais inerentes a essa confissão, a enunciada matéria terá de ser julgada como provada e não provada nos precisos termos dessa confissão, independentemente da restante prova, nomeadamente testemunhal, que sobre a mesma pudesse ter recaído, por essa matéria se encontrar, por via dessa confissão da Autora, subtraída ao princípio da livre apreciação da prova, “sendo o mero resultado da aplicação de normas sobre prova vinculada que não deixam ao juiz qualquer margem de subjetivismo”, regras essas que, inclusivamente, impõem ao Tribunal da Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça, em caso de recurso, mesmo oficiosamente, detetada que seja a infração dessas regras de direito probatório (cfr. n.º 4 do art. 607º do CC, na parte em que nele se estatui que “…o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito…”), a alteração das respostas dadas quanto a essa factualidade, por forma a torná-las conformes às normas de direito probatório aplicáveis (11).
No caso, está em causa a matéria dada como provada nos pontos 3º e 4º dos factos julgados como provados na sentença recorrida e, bem assim a nela julgada como não provada sob os pontos 10º, 11º, 12º e 13º.
A matéria do ponto 3º dos factos julgados como provados nessa sentença e, bem assim a nela dada como não provada sob os pontos 10º, 11º, 12º e 13º dos factos julgados como não provados é inegavelmente desfavorável à Autora/apelada e como tal, nos termos do disposto no art. 352º do CC, sobre a mesma podia recair confissão por parte da última, sabendo-se que “confissão é uma declaração de ciência (não uma declaração constitutiva, dispositiva ou negocial), pela qual uma pessoa reconhece a realidade dum facto que lhe é desfavorável (contra se pronuntiatio) – dum facto cujas consequências jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à outra parte, nos termos do art. 343º do CC” (12).
Já a matéria do ponto 4º dos factos julgados como provados nessa sentença (Desde janeiro de 2010 que a Ré “X” deixou de pagar o valor mensal da renda, referido no número anterior) é manifestamente favorável à Autora, pretensa confitente dessa concreta matéria, e que, como tal, não a pode confessar, pelo que, quanto a ela, improcede a alegação dos apelantes.
Quanto à matéria do referido ponto 3º dos factos provados na sentença recorrida e, bem assim da vertida nos pontos 10º, 11º, 12º e 13º dos factos não provados, caso a Autora tivesse confessado a não verificação da primeira (ponto 3º dos factos provados) e a verificação da segunda (pontos 10º, 11º, 12º e 13º dos factos não provados) em sede de depoimento de parte que prestou em audiência final, sem dúvida alguma que se estaria perante uma confissão judicial (arts. 355º, n.ºs 1 e 2 e 356º do CC).
A confissão judicial, contanto que escrita, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 358º do CC, faz prova plena contra o confitente.
Significa isto que caso a Autora tivesse confessado aquela matéria em sede de depoimento de parte que prestou em audiência final e essa sua confissão tivesse sido reduzida a escrito, essa sua confissão, por imposição da lei, faz prova plena contra aquela, não admitindo sequer prova em contrário, a não ser nos restritos termos enunciados no art. 359º do CC (em que a Autora podia atacar essa sua confissão, invocando falta ou vício de vontade) (13), pelo que, automaticamente, se impõe alterar as respostas àquela matéria dada pelo tribunal a quo e isto independentemente da restante prova que quanto a ela pudesse ter sido produzida, porquanto, quanto a essa concreta matéria não valeria o princípio da livre apreciação da prova.
Já caso a Autora tivesse confessado a enunciada matéria em sede de depoimento de parte que prestou em audiência final, mas essa sua confissão não tivesse sido reduzida a escrito (conforme se impunha que acontecesse), essa confissão, nos termos do n.º 4 do art. 358º do CC, fica sujeita à livre apreciação da prova, o que significa que aquela factualidade, por via da confissão da Autora, não terá de ser necessariamente de ser julgada como provada ou não provada (14).
No caso presente, compulsada as atas da audiência final, designadamente, a da sessão em que a Autora prestou o depoimento de parte (cfr. fls. 501 a 506 e 530 a 532), verifica-se que nelas não se encontra exarada qualquer confissão que a Autora tivesse feito em relação àquela concreta matéria aduzida pelos apelantes.
Desta feita, caso a Autora tivesse confessado efetivamente essa concreta matéria, consoante propugnam os apelantes acontecer, a matéria confessada encontra-se sujeita ao princípio da livre apreciação da prova e daí que não é pelo facto dessa matéria ter sido confessada pela Autora (caso efetivamente tivesse sido por ela confessada), que se seguirá, necessariamente, a não prova dos factos vertidos no ponto 3º dos factos julgados como provados na sentença recorrida e a prova dos factos nela julgados como não provados nos pontos 10º, 11º, 12º e 13º.
Resulta do exposto, improceder a invocada violação das regras de direito probatório em relação aos factos dados como provados nos pontos 3º e 4º da sentença recorrida e, bem assim quanto aos factos nela dados como não provados nos pontos 10º, 11º, 12º e 13º.

B.4- Da impugnação da matéria de facto em geral.

Os apelantes impugnam a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida sob os pontos 3º, 4º, 8º, 14º e 21º, pretendendo que reponderada a prova produzida, se conclua pela não prova dessa concreta factualidade.
Impugnam ainda, a matéria que nessa sentença foi julgada como não provada sob os pontos 5º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º e 17º, pugnando que uma vez reponderada a prova produzida, se conclua pela prova dessa factualidade.
(…)
Na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes quanto à impugnação da matéria de facto, que se mantem inalterada, resta verificar se a sentença recorrida padece dos erros de direito que lhe são assacados pelos apelantes.

B.10- Do direito.

É absolutamente pacífico entre as partes que o contrato escrito, junto aos autos a fls. 15 a 19, celebrado em 15 de novembro de 2004, entre a Autora, enquanto senhoria; a 1ª Ré, enquanto arrendatária; e os apelantes, enquanto fiadores, mediante o qual a apelada deu de arrendamento à 1ª Ré, com início em 01 de janeiro de 2005, pelo prazo de cinco anos, o prédio rústico, inscrito na matriz sob o art. …, sito no lugar de …, freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, para que esta 1ª Ré o destina-se exclusivamente ao exercício da estamparia têxtil, mediante o pagamento de uma renda anual que, durante o primeiro ano de vigência do contrato, ascenderia a 16.500,00 euros, e que no segundo ano, ascenderia a 18.450,00 anos e que nos anos seguintes seria automaticamente atualizada segundo o determinado na portaria governamental (cfr. pontos 1 e 2 da matéria apurada e teor do doc. de fls. 15 e 19), consubstancia um contrato de arrendamento para a atividade comercial – arts. 1º e 3º, n.º 1 do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15/10, vigente à data de celebração deste concreto contrato.
A propósito da qualificação jurídica deste concreto contrato, como referido, não existe qualquer controvérsia entre apelantes e apelada, pelo que nos abstemos de tecer maiores considerações, por despiciendas, a este respeito.
O inconformismo dos apelantes em relação à sentença recorrida prende-se, além do mais, com a circunstância de, por um lado, pretenderem que a renda foi reduzida para 700,00 euros mês, em vez dos mil euros mês considerados no ponto 3º dos factos julgados provados na sentença recorrida e, por outro lado, pretenderem que aquele contrato de arrendamento caducou em 01/01/2010.
A propósito da questão do montante da renda, o inconformismo dos apelantes relaciona-se com a impugnação da matéria de facto que aduziram em relação àquele ponto 3º dos factos julgados provados na sentença recorrida, pelo que não tendo os mesmos logrado impugnar, com êxito, essa matéria, e estando provado que a Autora e a 1ª Ré “X” acordaram entre si que a partir de dezembro de 2008, inclusive, o valor da renda anual a pagar por esta àquela seria de 12.000,00 euros, em duodécimos de 1.000,00 euros mensais, é este o valor da renda mensal que a 1ª Ré estava obrigada a pagar à Autora como contrapartida dessa cedência e não os 700,00 euros mensais invocados pelos apelantes.
O contrato de arrendamento em referência nos autos foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 01 de janeiro de 2005, tendo as partes contratantes, onde se incluem os apelantes (nele terceiros outorgantes), inserido a cláusula terceira onde, ao abrigo da respetiva liberdade contratual, fizeram consignar que esse contrato poderia ser “renovado por sucessivos períodos de três anos, nos termos legais e enquanto nisso os outorgantes estivessem de acordo”.
Sustentam os apelantes que nos termos dessa cláusula 3ª aquele contrato de arrendamento caducou em 01/01/2010 e que, consequentemente, essa renovação não era extensiva à fiança por não terem declarado estarem de acordo com essa renovação, até porque esse acordo de renovação teria de ser dado por eles por escrito, mas com manifesta sem razão.
Na verdade, sem grande esforço interpretativo, o que se retira do teor dessa cláusula 3ª é que o contrato de arrendamento em análise foi celebrado por um período de cinco anos, com início em 01/01/2005, renovando-se por sucessivos períodos de tempo de três anos e enquanto os outorgantes estivessem de acordo, isto é, enquanto estes não manifestassem a sua não intenção em não renovarem esse acordo. Ou seja, findo o prazo inicial de vigência do contrato de arrendamento de cinco anos, este renovar-se-ia de três em três anos enquanto um dos contratantes não manifestasse a sua intenção de não renovação daquele contrato de arrendamento.
Note-se que esta interpretação é aquela que é feita em relação à generalidade dos contratos em que se insere cláusulas de renovação do respetivo prazo de vigência e aquela que se mostra mais consentânea com a defesa dos interesses dos contratantes que, de contrário, perante uma mera distracção e/ou esquecimento de manifestarem a sua intenção de renovação do contrato, decorrido que fosse o prazo de vigência do contrato, veriam este, uma vez decorrido esse prazo inicial de vigência, automaticamente extinto, por caducidade.

De resto, extinto o contrato, nomeadamente por caducidade, assistindo às partes, ao abrigo da sua autonomia privada, o direito a celebrarem novo contrato, a entender-se aquela cláusula terceira nos termos que vêm propugnados pelos apelantes, de acordo com os quais, o contrato de arrendamento apenas se renovaria, decorrido que fosse o prazo convencionado para a sua vigência de cinco anos, por mais três anos, caso os contratantes manifestassem expressamente o seu acordo a essa renovação, nenhum alcance útil se extrairia do teor daquela cláusula terceira, onde se prevê que decorrido esse prazo inicial de cinco anos para a vigência do contrato, este podia “ser renovado por sucessivos períodos de três anos, nos termos legais e enquanto nisso os outorgantes estiverem de acordo”.
Com efeito, para quê estarem as partes a acordar em semelhante clausulado, dando-se inclusivamente ao trabalho de acordarem na renovação desse contrato por prazos sucessivos de três anos, quando, segundo a perspetiva dos apelantes, decorrido o prazo inicial acordado para a vigência desse contrato de arrendamento, este se extinguiria automaticamente, por caducidade, exceto acordo expresso de todos os contratantes no sentido de renovarem o mesmo, isto é, a celebração de novo acordo no sentido dessa renovação?.
Semelhante sentido interpretativo propugnado pelos apelantes, além de retirar, reafirma-se, qualquer sentido útil à enunciada cláusula terceira vertida no contrato de arrendamento de fls. 15 a 19 e de ir ao arrepio da interpretação que é dada à generalidade das cláusulas inseridas nos contratos de arrendamentos em que se prevê a renovação do contrato decorrido o respetivo prazo de vigência inicial, salvo declaração em contrário dos contratantes a essa renovação, deixaria as partes contratantes desprotegidas, nomeadamente perante um eventual esquecimento de manifestarem a sua intenção de renovação do mesmo, levando à extinção automática, por caducidade, do contrato, com as consequência gravosas e nefastas que daí poderiam decorrer, sobretudo para o arrendatário.
Decorre do exposto que não obstante em função daquela cláusula 3ª inserida no contrato em análise, se prever que esse contrato tinha o seu início em 01/01/2005, sendo celebrado pelo prazo certo de cinco anos, esse contrato, decorrido que fosse esse prazo inicial, renovar-se-ia pelo prazo sucessivo de três anos, salvo declaração em contrário dos contratantes a essa renovação, onde se incluíam a Autora (senhoria), a 1ª Ré (arrendatária) e os 2ºs Réus (fiadores).
Não tendo os apelantes alegado e, consequentemente, não tendo provado (art. 342º, n.º 2 do CC) em como comunicaram à Autora a sua intenção de não renovação daquele contrato de arrendamento para o termo final nele previsto – 01/01/2010 -, antes se tendo apurado que a 1ª Ré ocupou o arrendado até inícios de junho de 2010 (cfr. ponto 9º dos factos apurados), forçoso é concluir que em 01/01/2010, renovou-se automaticamente aquele contrato de arrendamento por mais três anos, improcedendo, consequentemente, os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes quando pretendem que aquele contrato se extinguiu, por caducidade, em 01/01/2010, com o fundamento de que aqueles não deram o seu acordo, nomeadamente, escrito, a essa renovação.
Precise-se, aliás, que ao acordarem no texto daquela cláusula terceira do contrato de arrendamento de fls. 15 a 19, a Autora, enquanto senhoria, a 1ª Ré, enquanto arrendatária, e os 2ºs Réus, enquanto fiadores, deram o seu acordo expresso e escrito à renovação desse contrato decorrido que fosse o prazo inicial de cinco anos previsto para a sua vigência por períodos sucessivos de três anos, nos termos legais e enquanto nisso estivessem de acordo, isto é, enquanto aqueles contratantes não manifestassem a sua vontade de não renovação do mesmo.
Acresce dizer que ainda que a tese dos apelantes tivesse um qualquer fundamento jurídico possível, que manifestamente não tem, sempre se imporia concluir que os mesmos e os demais contratantes deram o seu acordo, ainda que tácito, à renovação desse contrato.
Na verdade, podendo a declaração negocial ser expressa ou tácita, sendo expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduza de factos que, com toda a probabilidade, a revelem (art. 217º, n.º 1), o comportamento dos contratantes subsequentemente a 01/01/2010, em que se verifica que a 1ª Ré (arrendatária) se manteve no arrendado e pagando à apelada (senhoria) a renda contratualmente fixada relativa ao mês de janeiro de 2010, que a recebeu (ponto 4º dos factos apurados) e que continuou a tratar a primeira como sua arrendatária, dela reclamando as rendas dos meses de fevereiro a junho de 2010 (cfr. ponto 5º dos factos apurados), tudo com a passividade dos apelantes (fiadores), o descrito comportamento dos contratantes não pode deixar de ter o significado positivo de uma declaração negocial tácita daqueles à renovação desse contrato de arrendamento por mais três anos.
Resulta do exposto que o contrato de arrendamento sobre que versam os autos se renovou automaticamente por mais três anos em 01/01/2010, isto é, decorrido o prazo final de cinco anos acordado para a respetiva vigência, improcedendo os fundamentos de recurso aduzido pelos apelantes em sentido contrário.
Acontece que em 27/07/2006, ou seja, ainda durante o prazo inicial acordado para a vigência do contrato de arrendamento sobre que versam os autos, entrou em vigor a Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).
Esta Lei revogou o RAU e estabelece no seu art. 59º, n.º 1, em consonância com o princípio geral enunciado no art. 12º, n.º 2 do CC., que o respetivo regime jurídico aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
Essas normas transitórias encontram-se, no que aos contratos de arrendamento não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30/09, concerne, como é o caso do contrato de arrendamento sobre que versam os autos, previstas no art. 26º da referida Lei n.º 6/2006, de 27/02.
Resulta do que se vem dizendo que tendo os fundamentos invocados pela apelada (senhoria) para ancorar o seu direito potestativo à resolução do referido contrato de arrendamento – não pagamento das rendas dos meses de fevereiro a outubro de 2010 – ocorrido em plena vigência do NRAU, com exceção das especificidade previstas naquele norma transitória enunciada no referido art. 26º da Lei n.º 6/2006, ao contrato de arrendamento sobre que versam os autos, no que tange àqueles fundamentos resolutivos, aplicam-se as normas do NRAU (15).
Sendo o contrato de locação aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (art. 1022º do CC.) e sendo o contrato de arrendamento uma das modalidades do contrato de locação, na medida em que diz-se “arrendamento” a locação quando versa sobre coisa imóvel (art. 1023º do CC.), resulta desta definição legal que do contrato de arrendamento decorre a obrigação do senhorio de proporcionar a outrem (o arrendatário), a título temporário, o gozo de um coisa imóvel, mas concretamente, de um prédio urbano, mediante a obrigação deste de lhe pagar uma retribuição – a renda – como contrapartida dessa cedência.
Compreende-se assim que nos termos do disposto no art. 1031º do CC. sejam obrigações principais do senhorio a obrigação de: a) entregar ao arrendatário a coisa arrendada; e b) assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.
Por sua vez, a primeira e mais elementar obrigação principal do arrendatário consiste na obrigação de pagar a renda ao senhorio (art. 1038º, al. a) do CC).
Resulta do que se vem dizendo que o contrato de arrendamento configura um contrato oneroso, na medida que dele decorrem obrigações para ambas as partes contratantes: o senhorio obriga-se a abdicar do gozo da coisa, enquanto o arrendatário se obriga a pagar a renda, assumindo, consequentemente, ambas os contratantes sacrifícios económicos equivalentes.
Além de oneroso, o contrato de arrendamento é também sinalagmático, uma vez que a obrigação do senhorio de proporcionar ao arrendatário o gozo da coisa arrendada, tem como correspetivo a obrigação deste de lhe pagar a renda, intercedendo entre ambas essas obrigações um nexo sinalagmático, isto é, de interdependência e correspetividade (16).
Como consequência do caráter sinalagmático do contrato de arrendamento decorre, além do mais, que o incumprimento daquelas obrigações principais e, inclusivamente, das acessórias, verificados que sejam os requisitos legalmente estabelecidos para o efeito, conferem à contraparte o direito a resolver o contrato de arrendamento com fundamento em incumprimento.

Assim é que nos termos do n.º 1 do art. 1083º do CC., na 56ª redação do CC, introduzida pela Lei n.º 103/2009, de 11/09, vigente à data da verificação dos fundamentos resolutivos do contrato de arrendamento invocados pela apelada, qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base no incumprimento pela outra parte, acrescentando o seu n.º 2 que “é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: a) a violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio; b) a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública; c) o uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina; d) o não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do art. 1072; e) a cessão, total ou parcial, temporária ou permanentemente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.
Em sede de rendas, o n.º 3 daquele art. 1038º do CC. estabelece que “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda (…)”.
Resulta do regime legal acabado de transcrever, que com a entrada em vigor do NRAU, as causas de resolução do contrato de arrendamento deixaram de estar taxativamente enunciadas na lei, como acontecia no regime legal precedente, tendo o legislador optado por consagrar no n.º 2 daquele art. 1083º, um fundamento genérico de resolução do contrato de arrendamento, assente no conceito indeterminado de “justa causa”, entendida esta como “o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequência, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento” aplicável a ambos os contraentes (senhorio e arrendatário).
Nas alíneas dos n.ºs 2 e 3 do referido art. 1083º do CC., o legislador exemplifica situações, isto é, exemplos padrão (17), em que se verifica incumprimento por parte do arrendatário que, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação contratual.
No que respeita ao não pagamento de rendas, conforme resulta do n.º 3 do art. 1083º do CC, o senhorio pode pedir a resolução do contrato de arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento das rendas.
Nesta situação fica automaticamente conferido ao senhorio o direito a obter a resolução do contrato de arrendamento, ficando aquele dispensado, com vista a obter essa resolução, do ónus de alegar e provar a factualidade demonstrativa em como os incumprimentos em que incorreu o arrendatário, pela sua gravidade ou consequências, torna inexigível a manutenção do contrato de arrendamento, uma vez que a lei presume iuris et de iure (não admitindo, a nosso ver, essa presunção legal prova em contrário), que a mora superior a três meses no pagamento das rendas torna inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento.
É claro que do regime legal que se acaba de transcrever não emerge que o senhorio tenha que aguardar que se verifique as situações de mora a que alude aquele n.º 3 do art. 1083º do CC., com vista a ficar-lhe conferido o direito potestativo a obter a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento de rendas.
Com efeito, o não pagamento de uma única renda pode conferir ao senhorio o direito potestativo à resolução do contrato de arrendamento.
Acontece que nas situações de resolução do contrato de arrendamento em que não se verifique a situação de mora a que alude o enunciado n.ºs 3 do art. 1083º, o senhorio, com vista a resolver o contrato de arrendamento com êxito, terá de alegar e provar que fruto do não pagamento da renda, atenta a gravidade ou consequências decorrentes desse inadimplemento em que incorreu o arrendatário, lhe é inexigível a manutenção do contrato de arrendamento.
Já verificada que seja a situação de mora prevista no n.º 3 do art. 1083º do CC., a prova por parte do senhorio da existência de mora por parte do arrendatário superior a três meses no pagamento da renda, dispensa-o da prova dos factos que preencham o conceito da inexigibilidade, considerando a lei ser sempre inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento (18).
Precise-se que tal como acontecia no regime legal anterior à entrada em vigor do NRAU, na vigência deste, instaurada ação de despejo por parte do senhorio por falta de pagamento de rendas, o arrendatário pode, nos termos dos n.º 1 do art. 1048º do CC., operar a caducidade do direito potestativo deste a obter a resolução do contrato de arrendamento, pagando ou depositando, até ao termo do prazo de contestação da ação de despejo, as rendas em dívida, acrescidas de 50%, a título de indemnização e, bem assim do valor das rendas que se venceram desde a propositura da ação de despejo até ao termo do prazo de contestação (19).
Assente nestas premissas, no caso, apurou-se que a 1ª Ré não pagou as rendas dos meses de fevereiro a junho de 2010 (cfr. pontos 4, 5 e 9 dos factos apurados), sequer depositou essas rendas no prazo de contestação da presente ação, acrescido da indemnização legal correspondente a 50% das rendas em dívida, pelo que ficou conferido à apelada o direito a ver declarada a resolução daquele contrato de arrendamento e, bem assim a pagar-lhe o montante das rendas em dívida.
Destarte, pelo menos, em relação à parte impugnada da sentença recorrida, em que se declara a resolução definitiva daquele contrato de arrendamento celebrado entre Autora e os Réus e em que se condena a 1ª Ré a pagar à Autora a quantia de 4.000,00 euros, a título de rendas em dívida, acrescida de juros de mora, contados da data da citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, a referida sentença não nos merece qualquer censura.
Acresce que sendo obrigação do locatário não fazer do arrendado uma utilização imprudente (al. d) do art. 1038º do CC) e restituir a coisa locada findo o contrato de arrendamento (al. i) desse art. 1038º), devendo, na falta de convenção em contrário, aquele manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato (art. 1043º, n.º 1 do CC), estando apurado que o legal representante da 1ª Ré “X” arrancou e retirou do prédio arrendado, entre outros, os seguintes objetos que faziam parte do imóvel: o quadro elétrico do rés-do-chão, fios elétricos, tomadas relativas à instalação elétrica do armazém – tomadas monofásicas, tomadas trifásicas -, armaduras de iluminação do escritório e “wc” e respetivas lâmpadas, tomadas e interruptores do escritório, campainhas e respetivos fios eléctricos, candeeiros e lâmpadas dos escritórios, cablagem para tomadas e iluminação, toalheiros, saboneteiras e espelhos das casas de banho, doze portas em madeira das respetivas divisórias/compartimentos do imóvel, e que a reposição e a reparação dos objetos assim retirados importa o dispêndio pela apelada (senhoria) da quantia global de 12.492,98 euros (cfr. pontos 8º e 14º dos factos apurados), também nenhuma censura nos merece a sentença recorrida quando nela se condena a 1ª Ré a pagar à Autora a quantia de 12.492,98 euros, acrescida de juros de mora, contados da data da citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Note-se que conforme bem se pondera na sentença recorrida, impõe-se esta condenação ainda que os bens assim retirados e danificados pela 1ª Ré façam parte do elenco das obras que aquela realizou no arrendado e que se encontram identificadas no ponto 19º dos factos apurados, uma vez que nos termos da cláusula 6ª do contrato de arrendamento celebrado, junto aos autos a fls. 15 a 19, ficou acordado que todas as obras que viessem a ser realizadas no arrendado, ainda que com autorização da apelada (senhoria), passariam a fazer parte integrante do arrendado, nenhum direito podendo a inquilina (1ª Ré) invocar a propósito ou sobre as mesmas, designadamente, direito de retenção ou indemnização por benfeitorias.
A questão nuclear que é suscitada pelos apelantes é se os mesmos são solidariamente responsáveis pelo pagamento à apelada daquelas rendas e indemnização, tal como se considerou acontecer na sentença recorrida.
Enuncie-se que nos termos do contrato de arrendamento celebrado, na respetiva cláusula 10º, os apelantes “expressamente declararam constituir-se fiadores e principais responsáveis pelas obrigações aqui assumidas por parte da sociedade representada pelo segundo outorgante, arrendatária, quer na vigência do presente contrato, quer na vigência das suas eventuais renovações, nos termos e para os efeitos do artigo 634º e seguintes do Código Civil, renunciando, designadamente ao benefício da excussão prévia”.
É apodíctico que ao outorgarem essa cláusula os apelantes constituíram-se fiadores e principais pagadores pelas obrigações emergentes desse contrato de arrendamento para a 1ª Ré (arrendatária) perante a apelada (senhoria), nos termos do disposto no art. 627º do CC.
Com efeito, a fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (art. 627º, n.º 1 do CC).
A fiança constitui uma garantia pessoal, que implica que haja uma segundo património - o património do fiador -, que vai cumulativamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida, de modo que à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor, acresce a garantia patrimonial dos bens do fiador.
Deste modo, com a outorga daquela cláusula, a apelada (senhoria) passou a dispor de dois patrimónios como garantia de cumprimento das obrigações emergentes para a 1ª Ré (arrendatária) do contrato de arrendamento celebrado, a saber: o património da devedora (arrendatária – 1ª Ré) e o dos fiadores (apelantes), respondendo o património da devedora por uma dívida própria, enquanto o património dos apelantes, enquanto fiadores, por uma dívida alheia (20).
Note-se que porque a fiança não consubstancia uma garantia real, mas pessoal, a mesma não é dotada do direito de sequela, que é característica e força dos direitos reais absolutos. Consequentemente, em relação a esses dois patrimónios que garantem o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de arrendamento, a apelada apenas tem a garantia geral, ficando sujeita às vicissitudes desses patrimónios (21).
A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor (n.º 2 do art. 627º do CC).
Desta característica essencial inerente à fiança, que é a sua acessoriedade em relação à obrigação que recai sobre o principal devedor (no caso, 1ª Ré “X”), decorre que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal (art. 628º, n.º 1 do CC); a obrigação dos apelados (fiadores) fica subordinada e acompanha a obrigação afiançada da 1ª Ré; a fiança não pode ser constituída de forma mais onerosa do que a dívida garantida, mas pode ser contraída por quantidade menor ou em menos onerosas condições (art. 631º, n.º 1 do CC); a obrigação do fiador acompanha a invalidade e a extinção da obrigação principal (arts. 632º e 651º do CC) e o fiador pode invocar perante o credor (a apelada) os meios de defesa do afiançado – da 1ª Ré (art. 637º do CC) (22).
Para além de acessória, a fiança tem como característica a da subsidiariedade (art. 638º do CC).
Nos termos desta característica, o fiador apenas responde pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o património do devedor principal é insuficiente para saldar a obrigação constituída pelo último.
Precise-se no entanto que, contrariamente à característica da acessoriedade, que faz parte da natureza da fiança e, por conseguinte, não pode ser afastada por vontade das partes, sob pena de se colocar em causa a essência do instituto, já quanto à característica da subsidiariedade, a mesma pode ser afastada por vontade das partes, como acontece no caso, em que nos termos da cláusula 10º do contrato de arrendamento celebrado, os apelantes declararam expressamente renunciar ao benefício da excussão prévia.
Esta declaração de renúncia ao benefício da excussão prévia tem como consequência jurídica que os apelantes apresentam-se, como fiadores, ao lado da devedora (a 1ª Ré), como principais pagadores, isto é, apelantes e 1ª Ré tornam-se responsáveis, em termos solidários, pelo pagamento das dívidas decorrentes do incumprimento do contrato de arrendamento pela 1ª Ré (arrendatária), podendo, consequentemente, a apelada (Autora e senhoria) exigir a totalidade da divida afiançada aos apelantes (fiadores) ou à principal devedora (1ª Ré) (23).

No caso, sustentam os apelantes que o contrato de arrendamento celebrado entre a apelada e a 1ª Ré e em que os mesmos outorgaram enquanto fiadores, caducou decorrido o prazo de vigência inicial de cinco anos, em 01/01/2010, nos termos da respetiva cláusula 3ª, sustentando que, consequentemente, não podem ser responsabilizados pelo pagamento das rendas e daquela indemnização, uma vez que não deram o seu acordo expresso e escrito à renovação desse contrato de arrendamento. No entanto, como dito, sem manifesta razão atento o conteúdo interpretativo a dar à enunciada cláusula 3ª desse contrato, do qual decorre que o contrato de arrendamento se renovou, em 01/01/2010, automaticamente, por mais três anos.
Sustentam ainda os apelantes que a renda acordada foi reduzida para 700,00 euros mensais a partir de dezembro de 2008, pelo que o valor das rendas em dívida ascende a apenas 2.800,00 euros, mas novamente e conforme supra já se demonstrou, sem evidente razão.
Sustentam ainda os apelantes, que a partir de 15 de dezembro de 2008, nada têm a ver com a gestão da 1ª Ré, a qual passou a ser gerida, em exclusivo, por Manuel.
Acontece que para além dos apelantes não terem logrado fazer prova desta factualidade, conforme era seu ónus fazer (art, 342º, n.º 2 do CC), ainda que assim não fosse, sempre a mesma seria irrelevante para afastar a responsabilidade pessoal que assumiram para com a apelada pelo cumprimento das obrigações decorrentes da celebração do contrato de arrendamento.

Com efeito, conforme se verifica do teor da cláusula 10ª do contrato de arrendamento celebrado, as obrigações assumidas pelos apelantes, enquanto fiadores, não ficaram dependentes dos mesmos exercerem a gerência e/ou serem sócios da 1ª Ré (arrendatária). Consequentemente, a circunstância dos apelantes deterem ou não a qualidade de gerentes e/ou de sócios da sociedade afiançada é facto totalmente irrelevante para as obrigações que sobre si impendem de, enquanto fiadores, serem solidariamente responsáveis, com aquela 1ª Ré, perante a apelada pelo cumprimento das obrigações emergentes para a última do incumprimento do contrato de arrendamento celebrado.
Argumentam os apelantes que a apelada reconheceu e aceitou a total desvinculação contratual daqueles, como fiadores, argumento este que improcede uma vez que os mesmos, contrariamente ao que era seu ónus fazer (art, 342º, n.º 2 do CC), não lograram fazer prova desta concreta factualidade.
Obliteram ainda os apelantes que por força do n.º 2 do art. 655º do CC., a fiança que prestaram se encontra extinta, mas igualmente sem razão.

Vejamos.
Dispõe o enunciado n.º 2 do art. 655º que “obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem se limitar o número destes, a fiança extingue-se, na falta de nova convenção, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação”.
Este preceito legal foi revogado pelo art. 2º, n.º 1 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que aprovou o NRAU.
Não obstante essa revogação desse art.655º, n.º 2 do CC., é pacífico que o mesmo continua a aplicar-se aos contratos de arrendamentos celebrados antes da entrada em vigor do NRAU, em função do que dispõe o art. 59º, n.º 2 do NRAU, em conjugação com o disposto no art. 12º do CC (24).
Deste modo, não obstante a revogação daquele n.º 2 do art. 655º do CC, é indiscutível que o respetivo regime jurídico se aplica à fiança assumida pelos apelantes no contrato de arrendamento objeto dos autos, na medida em que este contrato e, consequentemente, a fiança assumia pelos apelantes que encerra, foi acordada em data anterior à entrada em vigor do NRAU e, consequentemente, quando aquele dispositivo legal se encontrava em vigor.
A propósito deste normativo, não existe, contudo, unanimidade de pontos de vista doutrinários e jurisprudenciais a propósito do respetiva alcance.
Com efeito, para uma corrente, na qual se enquadram Pires de Lima e Antunes Varela (25), o regime legal enunciado no referido art. 655º, n.º 2 tem caráter inteiramente supletivo, podendo as partes estabelecer um regime inteiramente autónomo sem limites temporais quanto à amplitude da fiança.
Segundo esta corrente doutrinária e jurisprudencial, os contratantes podem acordar que a fiança se manterá em relação às renovações do contrato de arrendamento, sem qualquer limite temporal, como acontece no caso, em que nos termos da cláusula 10ª do contrato de arrendamento celebrado, os apelantes “expressamente declaram constituir-se fiadores e principais responsáveis pelas obrigações aqui assumidas por parte da sociedade representada do segundo outorgante, arrendatária, quer na vigência do presente contrato, quer na vigência das suas eventuais renovações, nos termos e para os efeitos do artigo 634º e seguintes do Código Civil, renunciando designadamente ao benefício da excussão prévia”.
Já outra corrente, encabeçada por Cunha de Sá (26), sustenta que aquela norma tem caráter imperativo e dela deriva a necessidade de fixar um limite máximo de prorrogações. Não sendo esse limite máximo de prorrogações fixado, a fiança extingue-se decorridos que sejam cinco anos sobre o início da primeira prorrogação.
De acordo com esta corrente, obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, ou aquele indica o concreto número de renovações do contrato em relação às quais presta a fiança (ex: 2 renovações, 3 renovaçõe, etc.) ou, ao menos indica o período contratual abarcado pela fiança que presta (ex: durante 15 anos de vigência do contrato, 20 anos de vigência, etc.) ou nada dizendo quanto a esse número de renovações ou período temporal abarcado pela fiança, e esta extingue-se logo que sejam decorridos cinco anos sobre o início da primeira renovação.
Esta última corrente é aquela que se nos prefigura mais ajustada, por melhor corresponder ao texto legal, ao historial do preceito em causa e à intenção do legislador de em relação às obrigações futuras, condicionar a validade da fiança ao facto de, à data da celebração do negócio, a obrigação assumida pelo fiador dever ser determinável por parâmetros objetivos, ou seja, o garante deve, desde o início, conhecer os limites da sua obrigação ou, ao mesmos, o critério ou critérios de fixação desses limites, sob pena de ficar “à mercê do credor ou, pior, do credor de um terceiro (devedor principal)” (27), o que não se coaduna com obrigações assumidas pelo fiador sem qualquer limite temporal.
No caso, como referido, nos termos da cláusula 10ª do contrato de arrendamento celebrado, os apelantes declararam expressamente constituir-se fiadores e principais responsáveis pelas obrigações assumidas pela arrendatária (a 1ª Ré) emergentes do contrato de arrendamento que esta celebrou com a apelada (senhoria), quer na vigência desse contrato de arrendamento, quer no das respetivas renovações.
Os contratantes não estabeleceram qualquer número de renovações durante as quais se manteria aquela fiança, sequer estabeleceram qualquer limite temporal à manutenção desta.
No entanto, nos termos da cláusula 3ª desse contrato de arrendamento, apelantes, apelada e arrendatária (1ª Ré), pactuaram que o contrato era celebrado pelo prazo inicial de cinco anos, com início em 01/01/2005, e que se renovaria por sucessivos períodos de tempo de três anos, nos tempos legais e enquanto nisso os outorgantes estivessem de acordo, isto é, como dito, enquanto não manifestassem a sua intenção de não renovação daquele contrato de arrendamento.
A forma inconcretizada com que os apelantes assumiram esta concreta fiança, não a limitando a um qualquer número de renovações, sequer a um número de anos tem como consequência jurídica a aplicação ao caso do regime legal, a nosso ver, imperativo enunciado naquele n.º 2 do art. 655º do CC.
Nos termos deste preceito, a fiança prestada pelos apelantes extingue-se logo que tenham decorrido cinco anos sobre o início da primeira prorrogação do contrato de arrendamento.
Significa isto que tendo as partes contratantes acordado que o contrato de arrendamento sobre que versam os autos teria um prazo de vigência inicial de cinco anos, com início em 01/01/2005, renovando-se por sucessivos períodos de tempo de três anos, nos termos legais e enquanto os outorgantes estivessem de acordo e, consequentemente, não declarassem a sua oposição a esta renovação, este contrato, renovou-se em 01/01/2010 por mais três anos a contar desta data e assim sucessivamente, extinguindo-se a fiança prestadas pelos apelantes, nos termos do citado n.º 2 do art. 655º do CC, apenas em 01/01/2015, ou seja, decorridos cinco anos sobre o início da primeira prorrogação daquele contrato de arrendamento.
Decorre do exposto, improceder a pretensão dos apelantes quando pretendem não serem responsáveis solidários com a 1ª Ré pelo pagamento das rendas e da indemnização devida à apelada por, na sua perspetiva, nos termos do n.º 2 do art. 655º, n.º 2 do CC, a fiança que prestaram se encontrar extinta quando se constitui o crédito daquela apelada às referidas rendas e ao crédito indemnizatório.
Com efeito o crédito às rendas em dívida reporta-se aos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2010 e o crédito indemnizatório que assiste à apelada constituiu-se, o mais tardar, em 31/05/2010 (cfr. pontos 7 e 8 dos factos apurados) e, consequentemente, quando aquela fiança que prestaram se mantinha vigente.
Sustentam os apelantes que aquela fiança é nula nos termos dos arts. 280º e 400º do CC. por indeterminabilidade do respetivo objeto e invocam em defesa da sua tese, entre outros, o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2001, de 23/01, mas sem manifesta razão.
É certo que nos termos do disposto no n.º 1 do art. 280º do CC, é nulo o negócio cujo objeto seja indeterminável.

No entanto, conforme tem sido colocado em evidência pela doutrina e pela jurisprudência, uma coisa é o objeto do negócio, máxime da fiança, ser indeterminável, o que não é consentido por lei, que fulmina essa indeterminação com a nulidade do negócio, e outa, bem diversa, é o objeto do negócio ser indeterminado no momento da sua celebração, designadamente, quando é prestada a fiança, mas ser determinável.
Na verdade, conforme ponderam Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, “há uma diferença jurídica, para além de linguística, entre «indeterminado» e «indeterminável»: a prestação pode ser indeterminada, mas determinável, desde que se possa saber, no momento da constituição, qual o seu teor através de um critério para proceder à fixação do respetivo objeto. É o que acontece, por exemplo, no que respeita às obrigações genéricas (arts. 539º e segs. do CC. A prestação será indeterminável se não existir um critério para proceder à sua determinação. Neste caso, a obrigação é nula, nos termos do art. 280º do CC. A determinabilidade do negócio jurídico de fiança consiste na possibilidade de o fiador prefigurar o tipo, o montante e a medida do seu compromisso, que corresponde à obrigação do devedor principal. Impõe-se a necessidade de o fiador conhecer o critério ou critérios indispensáveis para delimitar o limite do seu compromisso, sendo que a sua obrigação futura deve ter conteúdo previsível no montante da estipulação da fiança. (…). A fiança de obrigações futuras é válida, tal como prescrevem os artigos 628º, n.º 2 e 654º do CC. Esta modalidade de fiança serve para que o credor, antes de conceder o crédito, sendo este ainda indeterminado, esteja melhor garantido quanto ao pagamento do mesmo. Mas, por seu turno, no momento em que celebra o contrato, tem de estar em condições de saber aquilo que vai afiançar (…). O problema da determinabilidade, tanto no caso de obrigações presentes como futuras, passa pela interpretação do contrato; a operação interpretativa é necessária para se poder concluir se o objeto do contrato de garantia é ou não determinável (…). Para que a fiança de obrigações futuras seja válida torna-se necessário que estas, à data da celebração do negócio jurídico, sejam determináveis por parâmetros objetivos, ou seja, o garante deve desde início conhecer os limites da sua obrigação ou, ao menos, o critério ou critérios de fixação desses limites” (28) (sublinhado nosso).
Assente nestas premissas ao pactuarem naquela cláusula 10º do contrato celebrado que “os terceiros outorgantes declaram constituir-se fiadores e principais responsáveis pelas obrigações aqui assumidas por parte da sociedade representada do segundo outorgante, arrendatária, quer na vigência do presente contrato, quer na vigência das suas eventuais renovações, nos termos e para os efeitos do art. 634º e segs. do CC, renunciando designadamente ao benefício da excussão prévia”, não obstante a obrigação afiançada pelos apelantes não estivesse determinada à data da assunção desta obrigação (data da celebração do enunciado contrato de arrendamento), a mesma era determinável por critérios objetivos contratualmente e legalmente fixados.

Com efeito, os apelantes outorgaram num contrato de arrendamento, onde se encontra cabalmente identificado o arrendado e o fim a que se destinava (cláusulas 1ª e 2ª); o montante da renda a pagar pela arrendatária afiançada durante o primeiro e o segundo anos de vigência do contrato (montante anual fixo) e, bem assim em relação aos restantes anos (cláusula 2ª); o prazo inicial de vigência do contrato e os termos da sua renovação (cláusula 3ª), sendo que não obstante não se estabelecer qualquer limite para essas renovações, o limite da fiança decorria da norma imperativa do art. 655º, n.º 2 do CC (máximo de 5 anos a contar de 01/01/2010, altura em que se iniciava a 1ª renovação desse contrato); fixa-se os termos em que ficava conferido à arrendatária o direito a realizar obras no arrendado e os termos da responsabilidade em que incorreria a afiançada perante aquela (cláusulas 6ª e 9ª), pelo que a existência deste contrato de arrendamento, onde de resto, os apelantes, outorgaram enquanto fiadores, cujo conteúdo é, consequentemente, deles bem conhecido, tanto mais que à data da sua celebração eram sócios e gerentes da arrendatária, permita não só aos mesmos saber o montante da dívida e respetiva origem afiançada e, por conseguinte, determinar, por critérios objetivos, essa dívida que afiançaram.
Resulta do que se vem expondo, improceder a pretensão dos apelantes quando sustentam que a fiança que prestaram é nula por indeterminabilidade do respetivo objeto.
Sustentam os apelantes que a condenação solidária daqueles no pagamento à apelada do crédito às rendas e da indemnização devida pela arrendatária (a 1ª Ré), consubstancia abuso de direito na medida em que aquela apelada “era conhecedora da limitação temporal da fiança prestada contida no art. 655º, n.º 2 do CC. e dos reflexos na validade da mesma”, além de que “pretende pela via da ação alcançar coercivamente o integral cumprimento do contrato de arrendamento até ao momento em que cessou – pagamento das rendas em dívida – e, bem assim a indemnização decorrente do incumprimento da locatária subjacente à resolução, que bem sabe não ser devida pelos fiadores, os quais jamais poderiam ser responsabilizados pela alegada destruição do arrendado”.

Vejamos se assiste razão aos apelantes.
Estabelece o art. 334º do Cód. Civil ser “ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Infere-se deste normativo que os titulares do direito encontram-se condicionados no exercício dos seus direitos a certos limites, como seja a boa-fé, os bons costumes e o fim social e económico do direito, de modo que quando esses limites são ultrapassados o exercício do direito, ainda que formal e aparentemente legítimo, não o é materialmente, porque contrário aos valores estruturantes do sistema jurídico, devendo, por isso, ser neutralizado, declarando-se ilícito esse exercício, com as consequências de todo o ato ilegítimo, maxime em sede indemnizatória.
No entanto, porque se trata do exercício de um direito pelo respetivo titular, para que essa neutralização do exercício do direito seja legitimada com fundamento no instituto do abuso de direito é necessário que o excesso cometido pelo titular do direito no respectivo exercício seja “manifesto” ou dito por outras palavras, que aquele exerça o direito que lhe assiste em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
Enuncie-se que para haver abuso de direito não é necessária a consciência por parte do titular do direito de que se encontra a exceder tais limites porque a conceção adotada pelo legislador de abuso de direito é a objetiva, não obstante tal não signifique que se deva prescindir de fatores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido.
Na concretização do abuso de direito impõe-se atender, de modo especial, às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade à data do exercício do direito, o que exige o apelo a considerações políticas, sociológicas, históricas e culturais vigentes naquela determinada comunidade e naquele momento concreto.
O abuso de direito assenta, essencialmente, no princípio geral de que “as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros” (29).
No caso, não se descortina qualquer exercício abusivo da parte da apelada quando se verifica que a mesma se limita a pedir a condenação dos apelados a pagar-lhe as rendas vencidas e que a arrendatária não lhe pagou não obstante ter-se mantido no uso do arrendado e de que aquelas rendas são mera contrapartida e, bem assim quando reclama a indemnização pelos estragos que a arrendatária lhe causou nesse arrendado, obrigações essas que os apelados livremente assumiram ao afiançar aquelas obrigações.
Note-se que não se vislumbra fundamento legal para a alegação dos apelantes quando pretendem que os mesmos jamais podem ser responsabilizados pela destruição do arrendado, isto é, pelos prejuízos nele causados pela arrendatária, sequer aqueles cuidam identificar esse fundamento jurídico, quando, como referido, os mesmos livremente se declararam constituir fiadores e principais responsáveis pelas obrigações assumidas pela arrendatária em consequência do contrato de arrendamento que celebrou com a apelada, quer na vigência desse contrato de arrendamento, quer na vigência das eventuais renovações desse contrato.
Termos em que sem maiores delongas, se conclui pela improcedência deste fundamento recursório.

Finalmente, insurgem-se os apelantes contra a sentença recorrida quando nela se julga improcedente o pedido reconvencional que deduziram.
Acontece que fundando-se esta inconformismo dos apelantes na circunstância de pretenderem terem sido eles que realizaram as obras no arrendado que se encontram identificadas no ponto 19º dos factos que se quedaram como provados, e não tendo os mesmos logrado impugnar essa matéria de facto assim julgada provada pelo tribunal a quo, estando provado que essas obras foram realizadas pela 1ª Ré “X” (não pelos apelantes), outra conclusão não se impunha que não fosse a improcedência daquele pedido.
Acresce salientar que os apelantes não interpretaram, ou não quiseram interpretar devidamente a sentença recorrida quando nela se escreve que a terem sido aquelas obras realizadas pelos apelantes, as mesmas “nem sequer estariam abrangidas pela autorização concedida pela senhoria, aqui Autora, previstas na cláusula 7ª do contrato, pelo que sempre se trataria de uma ação ilícita praticada por terceiros – não possuidores, nem locatários, nem detentores – sobre imóvel alheio, fora da alçada do regime reparatório previsto pelos artigos 1046º e 1273º do CC”, considerações jurídicas estas que, porque judiciosas, não podemos deixar de subscrever.
Resulta do exposto improcederem todos os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes, pelo que a presente apelação tem de improceder in totum, impondo-se confirmar a sentença recorrida.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar:

- a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas do recurso pelos apelantes (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 15 de março de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Marinho da Cunha



1. Ac. R.L. de 29/10/2015, Proc-161/09.3TCSNT.L1-2, in base de dados da DGSI.
2. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc. 00858/14.4, in base de dados da DGSI.
3. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
4. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
5. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
6. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., págs. 55 e 143. No mesmo sentido, vide Ac. STJ. de 22/06/1999, CJ., t. 3º, pág. 161; e de 21/12/2005, Proc. 05B2287, in base de dados da DGSI.
7. Ac. STJ. de 20/03/2014, Proc. 1052/08.0TVPRT.P1.S1, in base de dados da DGSI.
8. Ac. STJ. de 04/03/2010, Proc. 1472/04.0TVPRT-C.S1, in base de dados da DGSI.
9. Ac. STJ. de 20/06/2006, Proc. 06A1443, in base de dados da DGSI: “A omissão de pronúncia geradora da nulidade da alínea d) do n.º 1 do art. 668º do CPC supõe que se silencie uma questão que o tribunal deva conhecer por força do n.º 2 do art. 660º do CPC, sem que esse dever implique o abordar, de forma detalhada, todos os argumentos, considerações ou juízos de valor trazidos pelas partes. No mesmo sentido Ac. STJ. 14/11/2006, Proc. 06A1986; 01/03/2007, Proc. 07A091; de 28/10/2008, Proc. 08A3005, todos in base de dados da DGSI.
10. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in base de dados da DGSI.
11. Abrantes Geraldes, in “Sentença Cível”, janeiro de 2014, pág. 20.
12. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 240 e 241.
13. Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 248; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 551 e 552; e ainda Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 261.
14. Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 249; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ob. cit., pág. 553; Lebre de Freitas, in ob. cit., págs. 274 e 275.
15. Neste sentido veja-se, entre outros, Acs. STJ. de 17/02/2011, Proc. 522/08.57TVRT.S1 e RP. de 08/05/2017, Proc. 3542/15.0T8GDM.P1, ambos in base de dados da DGSI. No mesmo sentido, na doutrina, Pinto Furtado, in “Manual do Arrendamento Urbano”, vol. II, 2011, 5ª ed., págs. 1050 a 1053.
16. Menezes Leitão, in “Arrendamento Urbano”, 2014, 7ª ed., pág. 48.
17. Menezes Leitão, ob. cit., págs. 118 e 119.
18. Neste sentido vide Ac. STJ. de 17/02/2011, Proc. 522/08.57TVRT.S1, in base de dados da DGSI, onde se lê: “… a resolução do arrendamento é ainda admissível para falta de pagamento de uma ou mais rendas em que não se verifique o tempo de mora previsto naquele n.º 3, forçoso é que resulte provada factualidade integradora do conceito indeterminado da inexigibilidade previsto no n.º 2 do mencionado preceito. Ou seja, enquanto a mora prevista no n.º 3 dispensa a prova de factos que preencham o conceito de inexigibilidade, a falta de pagamento de renda em que se não se verifique aquele incumprimento pela sua gravidade ou consequências torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento”. No mesmo sentido, vide Januário da Costa Gomes e Cláudia Madaleno, in “Leis do Arrendamento Urbano Anotada”, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, Almedina, pág. 240 – “A mora de dois meses, na renda, é auto-suficiente, enquanto fundamento de despejo. A lei proclama, perante a sua eventualidade, inexigível a manutenção do arrendamento. Não há lugar a uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade ou as suas consequências. Em situações limite apenas é possível o controlo do abuso do direito”.
19. Ac. R.P. de 08/05/2017, Proc. 3542/15.0T8GDM.P1, in base de dados da DGSI.
20. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, “Garantias de Cumprimento”, 2ª ed., Almedina, pág. 44.
21. Ac. RL. de 24/09/2015, Proc. 2411-12.0TVLSB.L1-6, in base de dados da DGSI.
22. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in ob. cit., pág. 45.
23. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, ob. cit., págs. 45 e 46.
24. Neste sentido Acs. STJ. de 12/11/2009, Proc. 12/11/2009, Proc. 8787/05.8TBOER.S1; de 06/03/2014, Proc. 5429/11.6YPRT-C.P1.S1; e de 03/0372016, Proc. 5429/11.6YYPRT-B.P2.S1, todos in base de dados da DGSI. Januário Gomes, in “Fiança do Arrendatário face ao NRAU”, em Estudos em Honra do Prof. Oliveira Ascensão, vol. II, págs. 976, 979 e 988, onde escreve que “apesar de formalmente revogado, o regime do art. 655º continuará a ter aplicação às situações constituídas na sua vigência”, una vez que “a apreciação do risco fidejussório deve ser aferida em função do momento genético da constituição da fiança”.
25. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 4ª ed., Coimbra Editora, pág.673; No mesmo sentido Gravato de Morais, in “Fiador do Locatário” Scientia Iuridica, n.º 309º,págs. 97 e segs. Acs. RC. de 25/11/1986, CJ, 1986, t.5º, pág. 126; RL. de 15/06/1989, t. 3º, pá. 141
26. Cunha de Sá, in “Caducidade do Contrato de Arrandamento”, t. I, págs. 122 e segs. No mesmo sentido Januário Gomes, in “Assunção Fidejussória de Dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador”, Coleção Teses, Almedina, 2000, pág. 319. Acs. STJ. 03/03/2016, Proc. 5429/11.6YYPRT-B.P2.S1, e de 06/03/2014, Proc. 5429/11.6YYPRT-C.P1.S1, ambos in base de dados da DGSI.
27. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte,ob. cit., pág. 56.
28. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in ob. cit., págs. 53 a 60. No mesmo sentido Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 646:”Quanto à fiança de obrigações futuras, dado que o objeto de toda a obrigação tem de ser determinado ou determinável (cfr. art. 280º) no momento da fiança, deve ser determinado o título donde a obrigação futura poderá ou deverá resultar, ou ao menos, saber-se como há-de ele ser determinado”. No mesmo sentido Ac. STJ. de 19/12/2006, Proc. 06A127, in base de dados da DGSI, cujo sumário consta do seguinte: “A determinabilidade do objeto negocial afere-se no apurar se o mesmo pode ser concretizado inicial ou posteriormente, com apelo a critérios negociais ou legais, sendo que é nulo o negócio jurídico absolutamente indeterminado e indeterminável; o “distinguo” entre fiança geral e fiança “omnibus”, ou genérica, está em que aquela é prestada para todas as obrigações do devedor principal, decorrentes de qualquer causa ou qualquer título, enquanto a fiança genérica ou “omnibus”, garante as obrigações futuras resultantes de certa ou certas relações negociais; a fiança “omnibus” será válida, se à data da sua prestação, e em relação aos débitos não constituídos, existem elementos que permitam inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes e as relações entre os outorgantes, permissivas do enquadramento do crédito na fiança prestada”. No mesmo sentido, mas com relevo para o caso presente, Ac. STJ de 28/02/2008, Proc. 08B158, in base de dados da DGSI: “A fiança prestada no contrato de arrendamento “pelo incumprimento de todas as obrigações do contrato, abrange necessariamente a responsabilidade contratual da inquilina, mormente, da entrega ao senhorio, findo o contrato, do locado em bom estado de conservação”. E ainda, Ac. RL. de 24/09/2015, Proc. 2411-12.0TVLSB.L1-6, na mesma base de dados: “Sendo possível a determinação do seu objeto, com base em critérios estabelecidos pela lei ou pelas partes, não padece a fiança do vício de indeterminabilidade gerador da sua nulidade. Estipulado que o fiador se obrigou a garanti o pagamento de todas as quantias que viessem a se devida pela inquilina à senhoria por virtude de contrato de arrendamento, até à entrega efetiva do locado, está aquele obrigado a pagar tais quantias, a título de renda ou equivalente, não obstante a resolução do contrato”.
29. Coutinho de Abreu, in “Do Abuso de Direito”, pág. 55.