Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
931/17.9T8VRL.G1
Relator: VERA SOTOMAYOR
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
NOTA DE CULPA
COMUNICAÇÃO
DEVERES DO TRABALHADOR
VIOLAÇÃO DOS DEVERES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Tendo o email em questão sido remetido para o endereço electrónico utilizado pela ilustre mandatária da autora nas comunicações que havia efectuado com o empregador e tendo reconhecido que o email foi por si recepcionado (caso contrário não estaria no Spam), teremos de concluir pela eficácia da declaração, que só não chegou ao seu conhecimento por facto que lhe é imputável, ou seja por supostamente não ter aberto o correio electrónico.

II – Não é de considerar prejudicado no direito de defesa da trabalhadora na situação em que o empregador em tempo sanou a irregularidade constatada referente à consulta do procedimento disciplinar, não existindo assim qualquer motivo para considerar de inválido o procedimento disciplinar por desrespeito do direito a consultar o processo ou do prazo para a resposta à nota de culpa, em aplicação do disposto no art. 382.º n.º 2 al. c) do Código do Trabalho/2009.

III- A noção de justa causa de despedimento, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral;

IV − Viola grave e culposamente os deveres de obediência, urbanidade, respeito e de lealdade, previstos respectivamente, nas alíneas a), c) e) e f) do n.º 1 do artigo 128º, do Código do Trabalho, a trabalhadora que na sequência de recusa de cumprimento de ordem legitimamente emanada, ameaça contra a vida e a integridade física um utente do empregador internado no estabelecimento do réu fisicamente debilitado e por isso dependente de terceiro.

V – A conduta da trabalhadora geradora de conflitos com os superiores hierárquicos, com um utente do Réu, criadora de mau ambiente de trabalho e integradora de uma ameaça de prática de crime, indubitavelmente abala e quebra a confiança que, necessariamente terá de existir entre trabalhador e empregador e cria legitimamente, no espírito deste último, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquela, tornando inexigível a manutenção da relação de trabalho e constitui motivo, justa causa de despedimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: MARIA
APELADO: CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL X.
Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho – Juiz 2

I – RELATÓRIO

MARIA intentou a presente acção, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL X, apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98º -C do CPT., requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento

Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, foi o empregador notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado fundamentador do despedimento e juntar o procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento da impugnante.

A entidade empregadora apresentou articulado fundamentador do despedimento pugnando pela improcedência da acção e manutenção da decisão de despedimento com justa causa.

A Trabalhadora contestou e deduziu reconvenção, negando a prática dos factos que lhe são imputados e suscita as seguintes questões: a nulidade da nota de culpa e da decisão final do despedimento e do processo disciplinar; a não redução a escrito dos depoimentos das testemunhas ouvidas na fase anterior à elaboração e notificação da nota de culpa; e a violação do princípio do contraditório.

Peticiona por fim que seja declarada a ilicitude do despedimento e reclama condenação do empregador no pagamento de indemnização em substituição da reintegração; no pagamento das retribuições do mês de Abril de 2017 e dos vinte e quatro dias do mês de Maio de 2017, bem como dos proporcionais dos subsídios de férias e de Natal respeitantes a esse período, para além dos pagamentos das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença. Mais reclama a trabalhadora a condenação do empregador no pagamento da quantia de €10.000,00, a título de danos não patrimoniais e os juros legais sobre os montantes peticionados.

O empregador veio responder concluindo pela inexistência de qualquer nulidade do procedimento disciplinar e pela improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento, foi pelo Mmo. Juíz a quo proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, tudo visto e ponderado, decide-se:

1. Julgar improcedente, por não provada, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que MARIA move contra o CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL X e, em consequência, absolve-se o réu do pedido (inerente às retribuições vencidas e vincendas e indemnização em substituição da reintegração).
2. Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela autora e, em consequência:

a) condenar o réu no pagamento à autora da quantia global de €1.167,45 (mil cento e sessenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de salários e proporcionais/duodécimos dos subsídios de férias e de Natal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação do réu e até efectivo e integral pagamento;
b) Absolver o réu do demais peticionado a título reconvencional.
Custas da acção e da reconvenção a cargo da autora e réu na proporção do vencimento e decaimento (art. 527º, do CPC/2013), sem prejuízo do apoio judiciário de que a autora beneficia.
Fixa-se à acção o valor de €11.167,45 – cfr. art. 98-N, nº. 2 do Cod. Proc. Trabalho.
Registe e notifique.”

Inconformado com o decidido apelou a Trabalhadora para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

1. A Autora não se pode conformar com a sentença do Tribunal a quo (…)
2. Pelo que, não se conformando, interpõe a Autora o presente recurso de apelação, impugnando a matéria de facto e de direito, pois considera que o Tribunal a quo não fez uma correcta apreciação da matéria de facto, interpretação e aplicação do direito à matéria de facto provada.
3. É nosso entendimento que foram incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos 5, 9, 10, 12, 14 e 21 da matéria dada como provada na sentença recorrida.
4. Relativamente ao ponto 5, a Autora não pode aceitar tal facto na parte em que diz “(…) mais certamente há cerca de oito anos”, já que o Tribunal a quo, deu como provado, no ponto 23 que: “ no âmbito do Proc. n.º 109/07.0GBCHV que correu termos no extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, o utente F. G., foi condenado pela prática de um crime de ofensas à integridade física, na pessoa da Autora.”, resultando do documento junto com a contestação da Autora sob n.º 16, efectivamente, que o marido da autora foi condenado no âmbito do supra referido processo judicial, pela prática de um crime de ofensas à integridade física, na pessoa da Autora, constando ainda de tal documento que no âmbito da sentença condenatória ficou provado que o marido da autora, aí arguido, à data do julgamento em tais autos já se encontrava separado da esposa, aqui Autora, sendo que tal sentença se encontra datada de 18 de Dezembro de 2008; e próprio marido da Autora a testemunha F. G., confirmou ao tribunal que “ Chegou a ter um processo-crime em 2007, por denúncia da Autora de a ter agredido, mas foi tudo inventado por ela, pois já não vivia com ela”. Da conjugação de toda a supra referida prova resulta, pois que a aqui Autora e o marido se encontra separados de facto desde, pelo menos o ano de 2007, pelo que, deve ser alterado o ponto 5 da matéria dada como provada devendo tal ponto passar a ter a seguinte redacção: “A Autora encontra-se separada de facto do marido, F. G., desde, pelo menos do ano de 2007”.
5. Quanto ao ponto 9 da matéria dada como provada nenhuma das testemunhas nem membros da Direcção da Ré que prestaram depoimento em audiência de julgamento presenciaram tais factos, pois todas elas disseram ao tribunal que tiveram conhecimento que a Autora retirou cinco euros ao marido e que levou para casa roupa e este pertencente, mas nenhuma delas assistiu a Autora a ter tal comportamento, pelo que não se pode aceitar que tal facto seja dado como provado.
6. e 7(…)
8. Oram, atendendo a que os demais membros da direcção quanto a estes factos também a nada assistiram, os depoimentos supra transcritos não permitem, sem mais, “ condenar” a Autora. Afinal quais foram as colegas que viram a Autora a retirar os cinco euros da carteira do marido e a levar a roupa deste para casa?! Nenhuma testemunha as identificou sendo que se ficou sem saber quem é que viu a Autora a praticar tais factos.
9. Afigura-se-nos que, não tendo o tribunal apurado a identidade das pessoas que alegadamente assistiram a Autora a retirar os cinco euros da carteira e a levar a roupa do marido, por forma a que as mesmas fossem, depois de identificadas, chamadas a tribunal para relatarem tais factos a que alegadamente assistiram, nunca a mesma poderia ser “condenada” como foi pela prática dos mesmos. Ao dar-se como provado o ponto 9 com ausência total de qualquer prova violou o Tribunal a quo os mais elementares direitos da Autora, enquanto trabalhadora e cidadã, já que se alicerçou em depoimentos como “as colegas disseram que….” “constatou-se que…” quando, não apurou, como supra se disse, quem foram as tais colegas que viram nem qual foi a forma como a Ré constatou tais factos.
10. Na realidade, se V.Exas. procederem à audição de todo o julgamento não houve uma única testemunha ou membro da Ré que no decurso do seu depoimento tenha dito que viu a Autora a praticar tais factos ou que tenha identificado as trabalhadoras da Ré que alegadamente a viram a praticá-los. É pois, inadmissível, não se aceitando, sendo até revoltante, já que se está a “ condenar” a Autora sem qualquer prova que sustente tal condenação, pelo que deverão V.Exas. dar como não provado o ponto 9 dos factos dados como provados na sentença recorrida.
11. Quanto ao ponto 10 dos factos dados como provados, da prova produzida, também, não resultou que o mesmo tenha ocorrido, pois só duas pessoas falaram acerca de tal reunião, já que nela, para além da Autora, apenas estiveram presentes, o Presidente da Direcção da Ré, Sr. Padre Pedro, e a Directora da Ré, a testemunha Ana.
12. O presidente da Direcção da Ré, disse apenas que a esta reunião foi realizada na secretaria da Instituição, não tendo sequer mencionado a que hora a mesma foi realizada, tendo dito que apenas esteve presente ele, a Directora do Lar e a Autora, mas que não se passou nada de anormal, tendo sido uma conversa normal, tendo apenas tal reunião servido para solicitar que a autora devolvesse as roupas que alegadamente levou e os cinco euros que alegadamente retirou ao seu marido, utente do lar. (como resulta da transcrição do seu depoimento efectuada no presente recurso, mais concretamente aos minuto 07:37, 08:00, 08:35; 08:37, 08:55 do seu depoimento)
13. (…)
14. Atendendo a que as demais testemunhas inquiridas bem como os demais membros da direcção da Ré que prestaram depoimento de parte nada disseram acerca de tal matéria, na medida em que, também não estiveram presentes na dita reunião, é de todo inaceitável que o tribunal dê como provado tal facto quando tanto o Sr. Padre Pedro, Presidente da Direcção da Ré e a testemunha Ana, Directora da Ré, NUNCA disseram que a Autora tenha levantado a voz ou até tido uma atitude imprópria, desrespeituosa, agressiva para com estes. Se as pessoas presentes na reunião não disseram que a Autora levantou a voz aos seus superiores hierárquicos como é que o tribunal deu tal facto como provado?
15. Pelas razões expostas deve o ponto 10 dos factos dados como provados ser dado como não provado.
16. No que concerne ao ponto 12 dos factos dados como provados é nosso entendimento que da prova produzida não resultou provado que a Autora nessa reunião tenha falado em voz alta, quanto muito resultou provado que a Autora não acatou as admoestações dadas Ré, aliás foi exactamente isso que referiu ao tribunal o Presidente da Ré, Sr. Padre Pedro (…)
17. Não se entende como é que o Presidente da Direcção da Ré descreva o sucedido nessa reunião da forma transcrita e o tribunal dê como provado o facto 12. Voz alta é um conceito vago, ambíguo não sendo suficiente para se dar como provado que desrespeitou as ordens da Ré, sendo que atendendo à injustiça que a Autora estava a ser alvo era, de acordo com o critério do homem médio, mais que normal que a mesma se sentisse injustiçada e humilhada, já que estava a ser acusada de “crimes” que não cometeu e que não se sabe quem foram as pessoas que assistiram aos mesmos. É normal que a Autora se sentisse injustiça e revoltada com as acusações que lhe estavam a ser imputadas!
18. Assim, sendo a prova produzida completamente inócua, devem V.Exas. dar como não provado o ponto 12 da matéria dada como provada pelo Tribunal a quo.
19. Relativamente ao ponto 14 dos factos dados como provados na sentença recorrida quer a testemunha Ana quer a Susana referiram ao tribunal que não tiveram conhecimento directo do que se passou, pois não assistiram ao sucedido, tal como consta, e bem, da motivação da douta sentença. Também o Sr. Padre Pedro, disse que não presenciou os factos e que, teve conhecimento dos mesmos através da testemunha Helena que lhos comunicou, mas não conseguiu dizer ao tribunal da forma como esta lhos comunicou e quando, sendo que, por sua vez, a Helena disse ao tribunal que nesse mesmo dia, após a ocorrência dos factos, ao chegar a casa, à noite, teve o cuidado, atendendo à gravidade da situação, de telefonar ao Sr. padre Pedro a contar-lhe o sucedido.
20. Não nos parece, pois, minimamente plausível que a ser verdade que a testemunha Helena comunicou tais factos, nesse própria dia, à noite, pelo telefone ao Sr. padre Pedro, o mesmo, atendendo à gravidade que a Ré e o próprio Sr. padre Pedro atribuíram à situação, este não se recordasse de tal chamada telefónica.
21. Do depoimento de parte de R. A. e M. S., membros da direcção da Ré resultou que as mesmas também não assistiram aos factos.
22. Ora da prova produzida resulta que só duas pessoas tiveram conhecimento directo dos factos porque, alegadamente estavam presentes aquando da prática dos mesmos pela Autora: o seu marido, a testemunha F. G. e a testemunha M. P.. E de acordo com a fundamentação da sentença foi, exactamente com base nestes dois depoimentos que o tribunal considerou como provado o ponto 14.
23. a 25(…)
26. Perante estes dois depoimentos é caso para perguntar como é que duas pessoas que, alegadamente, vivenciaram os mesmos factos o descrevem de forma totalmente diferente e imputam à Autora palavras por esta proferidas totalmente diferentes? É que segundo o depoimento do marido da Autora, esta ameaça-o de o envenenar e de chegar fogo à casa e a M. P. que, alegadamente ouviu tais ameaças nunca referiu ao Tribunal a ameaça de incêndio; depois, a M. P. diz que o marido da Autora a conhece perfeitamente e este ao longo do seu depoimento nunca soube identificar a pessoa que alegadamente estava com ele, tendo-se apenas referido a uma funcionária; o marido da Autora, referiu que a Autora quando chegou ao pé dele bateu com a mão na mesa enquanto a M. P. no seu depoimento de parte disse ao Tribunal que a autora chegou ao pé do marido e lhe colocou a mão no ombro; o marido da Autora diz que não sentiu qualquer medo das ameaças da Autora nem teve receio dela e que ficou bastante calmo, ao contrario da M. P. que disse que o marido da Autora ficou todo a tremer e apavorado.
Afinal em que ficamos?
27. É nosso modesta opinião que, tendo tais depoimentos sido completamente antagónicos entre si nunca os mesmo poderiam merecer a credibilidade que o tribunal a quo lhes atribuiu, pelo que deve o ponto 14 dos factos como provados ser dado como não provado.
28. Quanto ao ponto 21 não se aceita que o Tribunal a quo o dê como provado pois nunca o print do correio electrónico (email) que foi junto pela Ré aos autos poderá ter a virtualidade de provar que a mandatária da Autora recepcionou o dito email e muito menos que a mesma recepcionou a cópia integral do procedimento disciplinar.
29. Salvo melhor entendimento, competia à Ré remeter tal comunicação e querendo, também, a cópia integral do processo disciplinar, à Autora, por carta registada com aviso de recepção, por forma a poder vir, posteriormente, caso fosse necessário, como efectivamente o foi fazer prova do envio de tal comunicação e a sua recepção por parte da Autora.
30. É nosso entendimento que o aviso de recepção, é uma formalidade insubstituível, por outro meio de prova, ou por outro documento que não seja de força probatória superior, ao abrigo do artigo 364, n. 1, do C.C. e que o tribunal ao dar como provado tal facto violou, o ónus da prova, consagrado no disposto no artigo 342.º do C.C., já que tendo sido a Ré a invocar o envio de tal email/correio electrónico e ao facto da Autora ter negado a sua recepção, dizendo que só tomou conhecimento do mesmo no decurso da presente acção, cabia à Ré fazer prova que a Autora o recepcionou, prova essa que, como resulta dos autos, não foi feita pela Ré. Compete pois ao remetente de uma comunicação, e não ao seu destinatário, fazer prova que a comunicação foi recepcionada pelo destinatário, pelo que não tendo a Ré feito prova da recepção por parte da Autora (através da sua mandatária) nunca o tribunal poderá dar como provado, como deu, o ponto 21 dos factos dados como provados e daí retirar que em consequência não houve violação do principio do contraditório.
31. Acresce que, nunca com tal documento tem também a virtualidade de dar como provado que a Ré remeteu cópia integral do procedimento disciplinar, pois mesmo que se desse como provado que tal email foi enviado e recepcionado o que não se aceita e só por mera hipótese académica se coloca, como é tal documento (print do email) prova que com o mesmo foi também remetido cópia integral do processo disciplinar? O facto do print de tal documento conter um anexo denominado de “processo Disciplinar – MARIA” não prova, só por si, que tal ficheiro continha o processo disciplinar na íntegra ou até mesmo parte dele, podendo até, tratar-se de um ficheiro vazio ou até mesmo com matéria em nada relacionada com os presentes autos. Sendo, também relevante o facto de tal email /correio electrónico não tem aposta qualquer assinatura electrónica ou assinatura digital, facto esse que deveria, também ter sido levado em conta pelo tribunal.
32. Tendo a Autora impugnado o dito email e alegado que só dele tomou conhecimento no decurso da presente acção, mais concretamente quando o mesmo foi junto aos autos com o processo disciplinar e não tendo a Ré feito prova da data concreta em que o mesmo foi recepcionado pela Autora, na pessoa da sua mandatária, afigura-se-nos, pois que, o tribunal a quo não poderia nunca dar como provado o ponto 21 dos factos dados como provados, devendo em consequência, tal facto ser dado como não provado por V.Exas.
33. Entende, também a Autora que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “ a nota de culpa foi recepcionada pela Autora, a 7 de Abril de 2017”, pois tal facto foi alegado pela Autora e resulta provado por documento constante do processo disciplinar (aviso de recepção), facto que se nos afiguar ser essencial, designadamente para aferir da excepção deduzida pela Autora referente à violação do princípio do contraditório. Assim, atendendo á prova documental referida (aviso de recepção) deve tal facto ser dado como provado.
34. A Autora considera que da prova produzida resultou provado que “ O prazo para a Autora responder à nota de culpa terminava a 21 de Abril de 2017”, pois tal facto também foi alegado pela Autora (veja se artigo 23.º da sua contestação) e o mesmo era indispensável para o Tribunal a quo se poder pronunciar acerca da excepção deduzida pela Autora, mais concretamente da Ré não ter permitido que a Autora consultasse o processo disciplinar no prazo para apresentação de resposta à nota de culpa. Por tal facto ter sido alegado e dos presentes autos constar documento que prova a data em que a Autora recepcionou a nota de culpa deveria o Tribunal a quo tê-lo incluído nos factos dados como provados, o que desde já se requer a V.Exas.
35. Também entende a Autora que o tribunal deveria dar como provado que os seguinte factos: “ Tendo em conta que na nota de culpa foi totalmente omitido o local onde a Autora poderia consultar o processo disciplinar instaurado pela entidade empregadora, a Autora, através da sua mandatária, remeteu, no dia 10 de Abril de 2017, um email ao Centro Social e Paroquial X a solicitar informação acerca do local onde se encontrava o processo disciplinar por forma a que o pudesse consultar” e “No email junto sob doc. n.º 1 a Autora, através da sua mandatária, teve o cuidado de solicitar ao Centro Social e Paroquial X uma resposta à informação por si solicitada o mais breve possível alertando a entidade empregadora para o facto de se encontrar a decorrer o prazo para a Autora responder à nota de culpa” , já que tais factos foram alegados pela Autora no seu articulado, tendo a mesma junto, sob doc. n.º 1, comprovativo do envio de tal email à Ré.
36. Se tal documento n.º 1 não foi impugnado pela Ré, e o mesmo contava do processo disciplinar junto aos autos pela própria Ré, só por si isso demonstra que o recebeu. Mais, se o Tribunal a quo deu como provado o ponto 21 dos factos dados como provados com base na simples alegação da Ré e junção, por parte desta, do print do envio de tal email à mandatária da Autora, apesar da Autora o ter impugnado, no mínimo, o que se exige é que o tribunal dê, também, como provado o presente facto, com base no print do referido email e no facto da Ré não ter impugnado nem tal documento nem a factualidade. Não se entende, nem se aceita, que iguais factos, com iguais meios de prova tenham tratamentos totalmente divergentes, só pela circunstância de um ter sido alegado pela Autora e outro pela Ré.
37. Se um print de um email é suficiente para se dar como provado o facto constante do ponto 21 também igual documento terá que merecer igual tratamento, ou seja, provar que a mandatária da trabalhadora, remeteu, no dia 10 de Abril de 2017, um email ao Centro Social e Paroquial X a solicitar informação acerca do local onde se encontrava o processo disciplinar por forma a que o pudesse consultar. Assim, deverão V.Exa. incluir tal facto na matéria dada como provada já que, para além de resultar claramente provado, o mesmo se mostrava (e mostra) essencial para se aferir da excepção deduzida pela Autora na sua contestação, mais concretamente, o facto da Ré ter violado o principio do contraditório no decurso do processo disciplinar.
38. A Autora juntou com aos autos, sob documento n.º 11, um documento comprovativo composto por relatórios clínicos e informações médicas como prova do seguinte facto por si alegado na contestação: “ A Autora no decurso do seu contrato de trabalho teve diversos problemas de saúde que a obrigaram a ser sujeitas a algumas intervenções cirúrgicas e a estar de baixa inúmeras vezes” pelo que o mesmo deve ser dado como provado, atendendo ao teor de tais documentos.
39. Entende a Autora que atendendo á prova produzida deve ser dado como provado que “ a trabalhadora desde que iniciou a sua relação laboral com a Ré sempre pautou o seu relacionamento profissional e pessoal com colegas de trabalho, utentes da Ré e superiores hierárquicos pelo respeito, educação e urbanidade” e que “ A Autora sempre foi uma trabalhadora profissional, zelosa e diligente, cumpridora de todas as suas obrigações profissionais e respeitadora de todas as pessoas que com ela se relacionaram, quer colegas de trabalho, quer superiores hierárquicos, quer utentes do Réu”, pois tais factos foram alegados reconvenção e resultou desde logo provado pelo próprio depoimento das testemunhas, nomeadamente do Sr. Padre Pedro que ao minuto 03:51 do seu depoimento disse: “A D. Helena era boa funcionária, trabalhadora e era pontual” e que a testemunha Ana, directora da Ré, que ao minuto 02:20 do seu depoimento a qualificou como “muito trabalhadora!”. Sendo que, é no minino estranho que o Tribunal a quo dê como provado, no ponto 25 do factos provados que “a Autora é uma trabalhadora zelosa, diligente e cumpridora” e não dê como provados estes factos alegados pela Autora. Tal facto merecia, salvo melhor entendimento, ter sido dado como provado atendendo à prova produzida, o que se requer.
40. a 45. (…)
46. Sendo que, mesmo que se considere que a autora desrespeitou as ordens da Ré nunca lhe poderia ser aplicada a sanção disciplinar mais gravosa, como é o despedimento, quando a Autora nunca cometeu, anteriormente qualquer outro tipo se infracção disciplinar e sempre foi uma trabalhadora, zelosa e diligente, facto esse que ficou provado.
47. a 50 (…)
51. Assim, de toda a prova produzida nos autos resulta que a Autora remeteu à Ré, um dia antes do término do prazo, a resposta à nota de culpa e que durante tal período não lhe foi facultado o acesso e consulta ao respectivo processo disciplinar apesar de o ter solicitado, pelo que, o Tribunal ao quo ao dar como provado o facto constante do ponto 21 violou, entre outras, a norma constante do artigo 342.º do C.C.
52. Efectivamente, a Ré alegou que enviou, com data de 20/04/52017, à mandatária constituída da Autora, por correio electrónico (...@gmail.com) cópia integral do procedimento disciplinar, com a indicação de que considerava que o prazo de 10 (dez) dias para resposta à nota de culpa, se contaria a partir dessa data. Para prova de tal alegação juntou aos autos um print do alegado email que remeteu à mandatária da autora, documento este que foi expressamente impugnado pela Autora, já que a mesma só tomou dele conhecimento já no decurso dos presentes autos, mais concretamente após o articulado da Ré já que esta juntou o processo disciplinar e no mesmo constava tal documento.
53. Entende a Autora, como supra expos, como foi a Ré que invocou o envio de tal email/correio electrónico como forma de impedir que a excepção deduzida pela Autora se verificasse, tendo a Autora negado a sua recepção, era à Ré que cabia fazer prova de que a Autora o recepcionou, prova essa que, como resulta dos autos, não foi feita pela Ré. Na realidade, a Ré alegou que efectuou essa comunicação electrónica na qual concedeu novo prazo de 10 (dez) dias para a Autora apresentar resposta à nota de culpa e remeteu cópia integral do processo disciplinar, Contudo, teria a Ré que fazer prova da recepção de tal correio electrónico por parte da Autora.
54. Como supra se referiu, o aviso de recepção tem como evidente função a de tornar segura a prova sobre o recebimento de uma carta/comunicação, funcionado igualmente, como ficção legal do estabelecimento da comunicação, isto é, do conhecimento pelo destinatário do conteúdo da comunicação. A prova de recepção de uma carta/comunicação não existindo aviso de recepção (neste caso tratando-se de correio electrónico recibo de leitura) só poderá ser feita por confissão expressa judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.
55. a 57. (…)
58. Competindo pois ao remetente de uma comunicação, e não ao seu destinatário, fazer prova que a comunicação foi recepcionada pelo destinatário, e não tendo a Ré feito prova da recepção por parte da Autora (através da sua mandatária) da comunicação constante do ponto 21 dos factos dados como provados teremos necessariamente de concluir que a Ré violou o principio do contraditório, por ter impedido a Autora de consultar o processo disciplinar no decurso do prazo para resposta à nota de culpa.
59. a 63.(…)
64. Assim, é nosso entendimento que o processo disciplinar instaurado pela Ré à Autora é inválido ao abrigo da alínea c), do n.º 2 do artigo 382.º do Código do trabalho, pelo que deve o despedimento da Autora promovido pela Ré ser declarado ilícito.
Sem prescindir,
65. A prova produzida em sede judicial é manifestamente insuficiente para dar como provadas as infrações disciplinares que eram imputadas à Trabalhadora, impondo-se assim que as mesmas fossem dadas como não provadas.
66. a 68(…)
69. Mesmo que se considere que a matéria de facto dada como provada e não provada é insusceptível de censura, o que não se aceita e só pro mera hipótese académica se coloca, não seria, por si só, suficiente, face à prova produzida, para aplicar a sanção disciplinar de despedimento à trabalhadora/Recorrente, pois a aplicação dessa sanção afigura-se desproporcional, desajustada ao caso em apreço e afigura-se claramente um despedimento ilícito e sem justa causa nos termos do disposto no artigo 351.º do Código do Trabalho.
70. a 74. (…)
75. A presente sentença exagerou na análise que se impõe, seja criteriosa, dos factos em discussão considerando licito o despedimento da Autora sem “dó nem piedade”, não ponderando as consequências psíquicas, sociais e de sobrevivência humana de um despedimento que, repete-se, assentou em factos sem a gravidade que o senso comum exigiria para tornar impossível a subsistência do vinculo laboral.
76.e 77 (…)
78. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, entre outras, as normas constantes dos artigos 382.º, n.º 2, alínea c) do Código do Trabalho, 342.º e 364.º n.º 1 ambos do Código Civil.”
Termina pedindo a procedência do recurso de apelação, com a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que declare ilícito o seu despedimento e condene a Ré nos termos por si peticionados.
A entidade empregadora respondeu ao recurso de forma extemporânea, não tendo tal resposta sido admitida, como resulta do teor do despacho proferido pelo tribunal a quo a fls. 300.
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Ajunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 - Da impugnação da matéria de facto
2 – Da impugnação da matéria de direito

- Da nulidade do processo disciplinar
- Da verificação da justa causa do despedimento

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
São os seguintes os factos provados:

1. - Em 1/05/2002, a autora e a SCMC, celebraram um contrato de trabalho a termo incerto, por via do qual a autora foi admitida ao serviço da Santa Casa da Misericórdia para, sob as suas ordens e direcção, exercer funções de auxiliar no Centro Comunitário X ou em outra qualquer valência dessa Instituição, mediante a remuneração mensal.
2. - Em 15/12/2006, o Centro Social e Paroquial X passou a administrar o Centro Comunitário X, local onde a autora sempre exerceu as suas funções.
3. - O réu Centro Social e Paroquial X comunicou, por escrito, à autora esse facto bem como a informou que a partir de 15/12/2006, esta passou a “pertencer aos quadros da nova instituição, mantendo todas as regalias adquiridas pela prestação de serviço como trabalhadora auxiliar, que antes exercia para a Instituição SCMC.
4. - À data da instauração do processo disciplinar a autora auferia a retribuição de €557,00.
5. - A autora encontra-se separada de facto do seu marido, F. G., desde data não concretamente apurada, mais certamente há mais de oito anos.
6. - O referido F. G., marido da autora, devido a problemas de saúde relacionados com diabetes, que originaram a sua perda de visão e autonomia, foi admitido e encontra-se internado no Lar explorado pelo réu.
7. - A autora, enquanto trabalhadora do CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL X, desde o internamento do referido seu marido, F. G., sempre o tratou dentro dos parâmetros de exigência.
8. - Esta atitude da autora modificou-se a partir da altura veio a tomar conhecimento pela Directora do Centro Social, de que o utente, F. G., seu marido, tinha uma filha em Angola, nascida antes do casamento de ambos.
9. - A partir dessa altura, mais concretamente no dia 17 de Março de 2017, pelas 13H00, a autora retirou e levou consigo as roupas que o utente/marido usa no Centro Social e a quantia de €5,00 que o utente tinha guardado numa carteira, contra a vontade e sem o consentimento do utente/marido e do Centro Social, sua entidade empregadora.
10. - No dia 20 de Março de 2017, pelas 15H00, em reunião levada a efeito pela Direcção do Centro Social, a autora foi chamada à atenção pela Direcção tendo, nessa ocasião, levantado a voz à Drª Ana e ao Pe. Pedro, respectivamente Director e Presidente da Direcção do Centro e seus superiores hierárquicos.
11. - No dia 22 de Março de 2017, pelas 16H30, a Direcção da ré realizou uma nova reunião para chamar a trabalhadora à atenção, tendo-lhe solicitado a devolução das roupas do utente, seu marido, que esta tinha levado do Lar.
12. - Nessa ocasião e reunião, a autora respondeu aos membros da Direcção da ré que não traria a roupas, nem devolveria a quantia de €5,00, fazendo-o em voz alta, perante os membros da Direcção, Pe. Pedro, Drª Ana e Susana, respectivamente, Presidente, Directora e Animadora Sociocultural e, ainda, de outras pessoas presentes, não pertencentes à direcção.
13. -Nesse mesmo dia, 22/03/2017, pelas 18H00, o utente, marido da autora, pediu que lhe servissem o jantar de modo a poder ir deitar-se;
14. - A autora, que se encontrava ao serviço, tendo-se apercebido de que o utente marido já se encontrava a jantar, chegou-se junto dele e, em voz alta e tom acintoso disse-lhe: “Por tua causa vou perder o emprego mas tu vais para o outro lado porque tenho ali um frasco de veneno para resolver o problema”.
15. - A autora esteve ao serviço nesse dia 22/03/2017 até às 23 horas, folgando no dia seguinte.
16. - O Centro Social, em reunião da sua Direcção levada a efeito no dia 23 de Março de 2017, deliberou suspender de imediato a autora de funções e a proibição da mesma entrar nas instalações.
17. - Quando a autora se preparava para entrar ao serviço e fazer a noite de 23 para 24 de Março de 2017, o Centro Social entregou, em mão, à autora, a decisão de suspensão imediata de funções, da qual constava que “a sua presença no local de trabalho se mostra inconveniente, uma vez que está em causa a relação com os utentes e a preservação da saúde e bens pessoais”.
18. - Em 06-04-2017, por carta registada, com aviso de recepção, o Centro Social notificou a autora da nota de culpa, nela consignando a sua intenção de proceder ao seu despedimento.
19. - Datada de 20/04/2017, a autora respondeu à nota de culpa.
20. – A autora, através da sua mandatária, remeteu ao Centro Social e Paroquial X, a 12/04/2017, carta registada com aviso de recepção a solicitar informação acerca do local, dia e hora em que a mesma poderia consultar o processo disciplinar.
21. O réu enviou, com data de 20/04/2017, à mandatária constituída da autora, por correio electrónico (...mail.com) cópia integral do procedimento disciplinar, com a indicação de que considerava que o prazo de 10 dias para resposta à nota de culpa, se contaria a partir dessa data.
22. - O Centro Social, comunicou à autora, por correio registado e aviso de recepção, de 22 de Maio de 2017, a decisão de despedimento com justa causa.
23. No âmbito do processo Nº. 109/07.OGBCHV, que correu termos no extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, o utente, F. G., marido da autora, foi nele condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, na pessoa da autora.
24. O réu não pagou à autora qualquer quantia a título de retribuição mensal e duodécimos dos subsídios de férias e de Natal no período compreendido entre a suspensão preventiva da autora e a data da comunicação do despedimento.
25. A autora é uma trabalhadora zelosa e diligente e cumpridora.
26. A autora é pessoa de escassos recursos económicos.
27. A autora foi assistida, no dia 24/03/2017, na Unidade de Chaves do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro E.P.E.
28. A nota de culpa foi recepcionada pela Autora, a 7 de Abril de 2017 (aditado em conformidade com o decidido em IV.1)
29. Tendo em conta que na nota de culpa foi totalmente omitido o local onde a Autora poderia consultar o processo disciplinar instaurado pela entidade empregadora, a Autora, através da sua mandatária, remeteu, no dia 10 de Abril de 2017, um email ao Centro Social e Paroquial X a solicitar informação acerca do local onde se encontrava o processo disciplinar por forma a que o pudesse consultar (aditado em conformidade com o decidido em IV.1)
30. No email junto sob doc. n.º 1 a Autora, através da sua mandatária, teve o cuidado de solicitar ao Centro Social e Paroquial X uma resposta à informação por si solicitada o mais breve possível alertando a entidade empregadora para o facto de se encontrar a decorrer o prazo para a Autora responder à nota de culpa (aditado em conformidade com o decidido em IV.1).

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 - Da impugnação da matéria de facto

A Recorrente nos pontos 2 a 39 das suas conclusões defende que a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada, sustentando que os factos constantes dos pontos 5, 9, 10, 12, 14 e 21 da matéria dada como provada na sentença recorrida devem ser dados como não provados, ou alterada a sua redacção e outros factos por si alegados deverão ser dados como provados, designadamente os que constam dos artigos, 21.º, 23º, 24.º, 25.º, 47.º, 69.ºe 70.º do seu articulado
Indica como meios de prova para fundamentar a sua pretensão alguns dos documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas Ana, Susana, F. G. e as declarações de parte prestadas por Padre Pedro, R. A., M. P. e M. S. transcrevendo excertos truncados dos mesmos.

Dispõe o artigo 662º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, o art.º 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Do citado preceito resulta que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquelas cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma percepção directa ou formal. Esta percepção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Segundo o Prof. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 386 estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova. Só eles permitem fazer uma avaliação, o mais correctamente possível, da credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
Todavia importa ter presente para além do princípio da liberdade do julgador na apreciação da prova, que toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância tem a seu favor o princípio de imediação, que não pode ser esquecido no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os mencionados princípios, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
No caso em apreço, a Recorrente indicou os concretos pontos de facto que devem ser alterados, indicou a decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada e relativamente à exigência prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 640º do CPC., de especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diferente, indicou e sinalizou em todas as situações o depoimento das testemunhas que no seu entender impõe a alteração da decisão, considerando assim suficientemente cumprido o ónus de alegação no que respeita à impugnação da matéria de facto.
O Mmo. Juiz a quo após análise minuciosa, clara, exaustiva e rigorosa de cada um dos depoimentos prestados em audiência de julgamento quer pelas testemunhas, quer pelos membros da direcção da Ré que prestaram declarações de parte motivou a sua decisão sobre a matéria de facto da seguinte forma:
“Considerou o tribunal, relativamente à matéria dada como provada, desde logo, os depoimentos prestados pelas testemunhas, infra referidas, que em audiência de julgamento, demonstraram ter conhecimento directo dos factos a que foram chamadas a depor e o fizeram de forma que o tribunal considerou credível, desinteressada e sem contradições.
Analisados esses depoimentos, constata-se que:
(…)

Análise critica da prova.

Relativamente à matéria de factos dos pontos 1º a 4º, a prova dos mesmos resulta dos documentos juntos 136/137, 138 e 144 (doc. 9, 10 e 12, juntos com a contestação) e da alegação da autora, não objecto de qualquer impugnação.
-Nas respostas positivas dadas aos pontos 5º a 17ª e 25º, alicerçou o tribunal a sua convicção nos depoimentos e declarações supra referidas (e sumariam transcritas), que se mostraram, no seu conjunto, credíveis, espontâneas e sem contradições, conjugadas com os documentos juntos a fls. 46 a 48, respeitantes às actas de reuniões da Direcção do Centro Social réu e à comunicação da suspensão preventiva de funções da autora, sendo que relativamente à matéria do ponto 14º, o tribunal considerou, em especial, o depoimento do utente F. G. e as declarações de M. P., que presenciaram esses factos e, esta última, deles deu conhecimento (e preocupação) aos restantes Membros da Direcção do Centro Social.

- Quantos às respostas positivas aos pontos 18º a 22º, respeitante ao procedimento disciplinar, considerou o tribunal o teor e documentos que constam do procedimento disciplinar (fls. 45 a 75) e, nomeadamente, quanto à factualidade do ponto 19, o teor de fls. 61.
Já quanto aos pontos 23º e 27º, considerou o tribunal o teor dos documentos juntos a fls. 146 e 147 e 49 a 152, dos autos.
Relativamente ao ponto 24º dos factos provados, considerou o tribunal, por um lado, não ter o réu demonstrado ter liquidado esses créditos salariais e, por outro, a falta de impugnação dessa matéria factual.
- Nas respostas negativas que o tribunal deu à matéria dos factos constantes dos pontos a) a j), considerou o tribunal que nenhuma prova foi feita quanto a essa matéria e/ou que a prova documental junta não se mostra por si só suficiente para a cabal demostração da sua verificação, considerando que a testemunha A. C., quanto aos factos declarou nada saber, tendo-se limitado – como resulta do supra depoimento transcrito – a afirmar ser a autora pessoa séria e em que os seus pais depositavam confiança, quando para eles ela prestava serviços à jeira.
O tribunal, na apreciação que fez, nomeadamente quanto à factualidade imputada pelo réu à autora na nota de culpa, não considerou a matéria conclusiva que dela consta nos pontos 7º, 9º e 10º, relativamente à eventual atitude da autora para com a Direcção do Centro, muito embora, algumas das testemunhas ouvidas em sede de julgamento, a ela se tenham referido.
Considerou, ainda, o tribunal em todas as respostas, o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes.”

Vejamos se lhe assiste razão.
Procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição da gravação onde constam quer as declarações de parte prestadas pelos legais representantes do empregador, quer os depoimentos prestados por todas as testemunhas que foram inquiridas na audiência de julgamento, afigurando-se-nos desde já dizer que a pretensão da recorrente é de acolher parcialmente.
A Recorrente pretende que seja alterada a redacção do ponto 5 da matéria de facto dada como provada, uma vez que quer do depoimento do seu marido, quer do documento por si junto aos autos sob o n.º 16 resulta que estão separados de facto, pelo menos desde o ano de 2007.

O ponto 5 dos factos provados tem a seguinte redacção:

“A autora encontra-se separada de facto do seu marido, F. G., desde data não concretamente apurada, mais certamente há mais de oito anos.”
Importa desde já referir que com rigor não foi possível apurar a data concreta em que a trabalhadora se separou de facto do seu marido, sendo certo que no documento mencionado pela recorrente (sentença penal proferida em 18 de Dezembro 2008), se deu como provado que ”o arguido (marido da Recorrente) está separado da ofendida” e o seu marido em audiência de julgamento de forma pouco precisa afirmou que em 2007 não vivia com a trabalhadora. No entanto os demais inquiridos que se pronunciaram sobre esta questão situaram a separação do casal como tendo ocorrido há 7 ou 8 anos (cfr. depoimentos de Ana e M. P.). Por fim salientamos que a data/ano precisa em que ocorreu a separação de facto do casal não tem qualquer relevo para a boa decisão da causa, sendo sobejamente suficiente dar como provado, o que se fez constar do ponto 5 dos factos provados, já que de forma segura e rigorosa apenas se pode afirmar que a separação ocorreu há mais de oito anos, pois o facto de aquando da prolação da sentença penal o casal se encontrar separado de facto não nos permite concluir com segurança que tal situação assim se manteve até aos dias de hoje.
Improcede nesta parte a impugnação, mantendo-se inalterado o ponto 5 dos factos dados como provados.
Pretende a recorrente que sejam dados como não provados os factos que constam dos pontos 9, 10, 12, 14 dos factos provados alegando que nenhuma das testemunhas os presenciou ou alguns dos que foram presenciados as testemunhas que os presenciaram tiveram depoimentos pouco precisos e até contraditórios.
Tais pontos de facto têm a seguinte redacção:

Ponto 9 - A partir dessa altura, mais concretamente no dia 17 de Março de 2017, pelas 13H00, a autora retirou e levou consigo as roupas que o utente/marido usa no Centro Social e a quantia de €5,00 que o utente tinha guardado numa carteira, contra a vontade e sem o consentimento do utente/marido e do Centro Social, sua entidade empregadora.

Ponto 10 - No dia 20 de Março de 2017, pelas 15H00, em reunião levada a efeito pela Direcção do Centro Social, a autora foi chamada à atenção pela Direcção tendo, nessa ocasião, levantado a voz à Drª Ana e ao Pe. Pedro, respectivamente Director e Presidente da Direcção do Centro e seus superiores hierárquicos.

Ponto 12 - Nessa ocasião e reunião, a autora respondeu aos membros da Direcção da ré que não traria a roupas, nem devolveria a quantia de €5,00, fazendo-o em voz alta, perante os membros da Direcção, Pe. Pedro, Drª Ana e Susana, respectivamente, Presidente, Directora e Animadora Sociocultural e, ainda, de outras pessoas presentes, não pertencentes à direcção.

Ponto 14 - A autora, que se encontrava ao serviço, tendo-se apercebido de que o utente marido já se encontrava a jantar, chegou-se junto dele e, em voz alta e tom acintoso disse-lhe: “Por tua causa vou perder o emprego mas tu vais para o outro lado porque tenho ali um frasco de veneno para resolver o problema.

No que respeita ao ponto 9 dos factos provados ainda que nenhuma das testemunhas tenha presenciado os factos que constam de tal ponto, o certo é que a prova produzida é mais do que suficiente para o dar como provado, sem que tal deva ou possa ser interpretado como tratando-se de uma condenação pela prática de crime.

Na verdade, para além do marido da recorrente ter dado pela falta dos €5,00, as demais testemunhas confirmaram quer o desaparecimento dos €5,00, quer o desaparecimento das roupas do marido da Recorrente, não restando qualquer dúvida de que foi efectivamente esta quem se apoderou de tal quantia e das referidas roupas, sendo ela própria quem de alguma forma o confessa, quer no articulado que junta aos autos, designadamente nos artigos 56.º e 57.º, cujos factos não logrou provar, mas dos quais resulta claro que se apropriou dos €5,00 não para os fazer seus, mas para comprar pastilhas para a placa dentária do seu marido, as quais quando terminavam eram sempre por si compradas. Quer ainda quando reage às diversas interpelações que lhe foram feitas pelos membros da direcção da sua entidade empregadora, no sentido de devolver quer o dinheiro, quer as roupas de seu marido, recusando-se a entregar tais objectos sem nunca referir a versão de cabala contra si montada (que surge apenas surge no decurso dos presentes autos) e sem nunca negar tais apropriações, quer perante a direcção da recorrida, quer em sede de processo disciplinar, quer em sede de impugnação judicial. Ao invés recusou-se sempre a devolver o que retirou ao marido, que mais não era do que um utente do Lar explorado pelo seu empregador.
O facto de não se ter apurado a identificação de quem viu a trabalhadora a apropriar-se dos pertences do seu marido, não é impeditivo da sua prova, pois os restantes factos que se apuraram revelaram-se de suficientes para dar este como provado não se vislumbrando assim qualquer violação dos direitos da autora.
É de manter inalterada a redacção do ponto 9 dos factos provados

No que respeita ao ponto 10 dos factos dados como provados e salvo o devido respeito por opinião em contrário, não se nos afigura que o mesmo deva ser dado como não provado, já que a prova produzida é suficientemente precisa e convincente para o dar como provado. O depoimento da Dr. Ana sobre este aspecto foi bastante claro e não deixou margem para dúvida, pois ao contrário do que resulta da transcrição truncada de tal depoimento levada a cabo pela recorrente, uns minutos à frente da gravação, precisamente entre os minutos 9.00 e 10.00 a referida testemunha revela que quando reuniu com a trabalhadora e com o Padre Pedro para a confrontarem com os factos referentes ao dinheiro e às roupas do seu marido, para além de a trabalhadora ter logo dito que os não entregava, fê-lo em tom descontrolado e com a voz elevada, acabando por decidir que teriam de reunir com toda a Direcção.

O facto desta reunião ter ocorrido sem que tivessem presentes todos os membros da direcção do empregador não põem em casa o facto de se tratar de uma reunião levada a cabo pela direcção do Centro, pois nela participaram pelo menos dois dos seus membros, que ao que tudo indica, por não terem conseguido resolver a questão com a trabalhadora acabaram por agendar uma outra reunião com toda a Direcção.

Por fim o facto do Padre Pedro ter afirmado no decurso das suas declarações que ”foi uma conversa normal, entre eu e a directora a falar com ela e a chamá-la a atenção para esses dois acontecimentos” não põe sequer em causa o facto da autora ter levantado a voz durante tal conversa e ter recusado entregar a roupa e o dinheiro.
É assim de manter inalterada a redacção do ponto 10 dos factos provados.

No que respeita ao ponto 12 dos pontos de factos provados defende a recorrente que a prova produzida foi insuficiente para dar como provado tal facto, designadamente o facto de a autora ter manifestado a sua intenção de não trazer as roupas e devolver o dinheiro em voz alta, alicerçando tal convicção apenas no depoimento prestado pelo Padre Pedro que só terá afirmado que a trabalhadora nessa altura foi agressiva com a direcção e com todos, dizendo que, não faço, não faço, não torno a fazer, sem que tivesse conseguido explicar em que se traduziu tal agressividade.

Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a apreciação da prova tem de ser feita na globalidade não se podendo reduzir a excertos parciais, truncados e descontextualizados de determinado depoimento.

Da globalidade da prova produzida designadamente da inquirição e prestação de declarações de todas as pessoas que estiveram presentes na dita reunião, resultou sobejamente provado não só que a trabalhadora se recusou a entregar as roupas do seu marido e a devolver-lhe o dinheiro que lhe havia retirado como o fez em voz alta, de forma agressiva e peremptória, por isso mais não resta do que considerar de improcedente a impugnação da decisão de facto nesta parte.

Quanto ao ponto 14 dos pontos de factos provados defende a recorrente que apenas duas testemunhas revelaram ter conhecimento directo destes factos mas descreveram-nos de forma totalmente diferente imputando à Autora palavras por esta proferidas totalmente diferentes. Acresce ainda o facto do marido da autora, atenta a sua dependência do Réu, por ser seu utente, revelou estar bem instruído por este e ter discurso estudado, razão pela qual tais depoimentos não lhes pode ser atribuída a credibilidade dada pelo tribunal a quo, devendo por isso ser dado como não provado tal ponto.

Mais uma vez urge dizer que não assiste qualquer razão à recorrente, pois tendo presente o depoimento prestado pelo seu marido e as dificuldades reveladas quer no seu discurso, quer na sua compreensão, próprias da idade, da pouca instrução e da surdez e da falta de visão de que padece, não nos permitem de forma alguma concluir que se tratou de um depoimento instruído e estudado, muito pelo contrário o seu depoimento no essencial e no que se deu como provado, revelou-se de desinteressado, espontâneo, determinado e credível. Podemos mesmo dizer que muito se estranharia que com o historial de desentendimentos entre aquele marido e aquela mulher, este viesse a tribunal dizer/reconhecer que tinha medo ou receio da sua mulher, o que não põe em causa que aquando da ameaça proferida pela sua mulher na presença de uma outra testemunha, este atenta sua dependência de terceiro e as suas limitações físicas não tivesse sentido e manifestado o receio de que a sua mulher consumasse os seus intentos.

No que respeita aos depoimentos das duas testemunhas que presenciaram os factos que constam do ponto 14 teremos de dizer que não vislumbramos qualquer contradição e que as duas apesar de não relatarem os factos de forma totalmente coincidente, os pormenores em que não coincidem são totalmente irrelevantes e não põe sequer em causa que os factos não se tivessem passado da forma como constam do teor do ponto 14. Estranho seria que os dois depoimentos, descritivos dos factos protagonizados pela trabalhadora, respeitantes a ameaça feita ao seu marido, utente do Réu, fossem totalmente coincidentes, quer nos pormenores, quer nas expressões utilizadas. No caso afigura-se-nos completamente irrelevante se a autora bateu com a mão na mesa ou se colocou a mão no ombro do marido antes de o ameaçar que o envenenava; se a autora ameaçou que punha fogo à sua casa e depois se envenenava a ela; ou se a testemunha transmitiu o facto que presenciou por telefone ou pessoalmente o Sr. Padre. O que se revelou determinante e coincidente no depoimento das duas testemunhas foi o facto que foi dado como provado no ponto 14 dos factos provados e que relata de forma irrepreensível o que resultou inequívoco dos depoimentos credíveis do marido da Autora e de M. P., que é por isso de manter inalterado.

Por fim, pretende a recorrente que sejam dado como não provado o facto que consta do ponto 21 dos factos provados defendendo que o print do correio electrónico que foi junto aos autos pelo empregador não prova que a mandatária do autor recepcionou tal email e muito menos que recepcionou a cópia integral do procedimento disciplinar.
Tal ponto de facto tem a seguinte redacção:

Ponto 21 - O réu enviou, com data de 20/04/2017, à mandatária constituída da autora, por correio electrónico (...mail.com) cópia integral do procedimento disciplinar, com a indicação de que considerava que o prazo de 10 dias para resposta à nota de culpa, se contaria a partir dessa data.
O Tribunal a quo alicerçou a sua convicção para dar como provado este facto no teor do email junto aos autos a fls. 61, sendo certo que a recorrente se insurge quanto a facto de tal envio ter sido dado como provado, confundindo envio com recepção.
Na verdade, do envio de uma comunicação por correio electrónico, acompanhada de anexos não resulta que a mesma tenha sido recepcionada, apenas faz presumir a sua recepção, tal como o envio de qualquer carta por via postal não resulta que a mesma tenha sido recepcionada pelo seu destinatário, sendo certo caso tenha sido enviada para o endereço electrónico ou morada do destinatário se presume que por ele foi oportunamente recebida, cabendo assim ao destinatário provar que não a recebeu – cfr. artigos 224.º e 342.º do CC.

Ora, no caso dos autos apenas sabemos que foi enviado à ilustre mandatária da trabalhadora em 20 de Abril de 2017 às 15.44 um email com o teor que consta de fls. 61 dos autos e tal é aceite pela própria autora que apesar de afirmar nunca ter recepcionado tal email, seguidamente acaba por reconhecer que o mesmo tinha sido remetido para a sua caixa “spam”.

Sendo estes os factos relevantes não vislumbramos qualquer razão para dar como não provado o ponto 21 dos pontos de factos provados. Acresce dizer que não resulta da lei que as comunicações entre empregador e trabalhador tenham necessariamente de ser efectuadas através de carta registada com aviso de recepção, designadamente que no caso o réu estivesse obrigado a enviar a comunicação em causa por carta registada com aviso de recepção.

Na verdade, actualmente a maioria das comunicações escritas são realizadas via e-mail, razão pela qual mal andaríamos se este meio não servisse para fazer prova de uma comunicação.

Importa salientar que o correio electrónico é um meio válido de comunicação, tendo a correspondência trocada por essa via o mesmo valor que a correspondência trocada em papel.
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Quanto ao facto da Recorrente por em causa que com o email enviado tivesse sido enviado cópia do procedimento disciplinar, apenas se nos afigura dizer que tal é equivalente ao facto de se por em causa que uma missiva por via postal anunciando o despedimento de determinado trabalhador, não se faça acompanhar da respectiva decisão final proferida no processo disciplinar. Será apenas uma questão de prova cujas regras do respectivo ónus são as que resultam de lei.

Ora, tendo a Autora apenas negado o recebimento do email com a nuance de que posteriormente acabou por reconhecer que o mesmo chegou ao spam da sua caixa de correio, é de manter de forma inalterada a redacção do ponto 21, pois efectivamente foi enviado pelo réu o email em questão.

Cabe-nos agora analisar os factos que a recorrente pretende que sejam acrescidos aos factos provados, designadamente porque da prova produzida resultaram apurados, sendo os mesmos relevantes para a boa decisão da causa.
São os seguintes os factos que a recorrente pretende que sejam dados como provados:

Artigo 21.º do articulado da trabalhadora: A nota de culpa foi recepcionada pela Autora, a 7 de Abril de 2017”

Artigo 23.º do articulado da trabalhadora: “O prazo para a Autora responder à nota de culpa terminava a 21 de Abril de 2017”.
Artigo 24.º do articulado da trabalhadora: “Tendo em conta que na nota de culpa foi totalmente omitido o local onde a Autora poderia consultar o processo disciplinar instaurado pela entidade empregadora, a Autora, através da sua mandatária, remeteu, no dia 10 de Abril de 2017, um email ao Centro Social e Paroquial X a solicitar informação acerca do local onde se encontrava o processo disciplinar por forma a que o pudesse consultar”

Artigo 25.º do articulado da trabalhadora: “No email junto sob doc. n.º 1 a Autora, através da sua mandatária, teve o cuidado de solicitar ao Centro Social e Paroquial X uma resposta à informação por si solicitada o mais breve possível alertando a entidade empregadora para o facto de se encontrar a decorrer o prazo para a Autora responder à nota de culpa”

Artigo 47.º do articulado da trabalhadora: “A Autora no decurso do seu contrato de trabalho teve diversos problemas de saúde que a obrigaram a ser sujeitas a algumas intervenções cirúrgicas e a estar de baixa inúmeras vezes”

Artigo 69.º do articulado da trabalhadora: “a trabalhadora desde que iniciou a sua relação laboral com a Ré sempre pautou o seu relacionamento profissional e pessoal com colegas de trabalho, utentes da Ré e superiores hierárquicos pelo respeito, educação e urbanidade”

Artigo 70.º do articulado da trabalhadora: “A Autora sempre foi uma trabalhadora profissional, zelosa e diligente, cumpridora de todas as suas obrigações profissionais e respeitadora de todas as pessoas que com ela se relacionaram, quer colegas de trabalho, quer superiores hierárquicos, quer utentes do Réu”
No que respeita aos factos que constam dos artigos 21.º, 24.º e 25.º do articulado da trabalhadora teremos de dizer que efectivamente lhe assiste razão tais factos encontram-se provados por documento que não foi impugnado pelo empregador e são relevantes para apreciação do mérito da causa, designadamente no que concerne à questão da invalidade do procedimento disciplinar arguida pela recorrente, razão pela qual mais não resta do que determinar que os mesmos passem a constar dos factos provados, procedendo-se ao seu aditamento no local próprio.

No que refere ao facto que consta do artigo 23.º do articulado da autora referente ao término da data de contagem de prazo, teremos de dizer que tal facto é conclusivo, pois resulta do exercício aritmético de contagem de prazo que em altura oportuna tem de ser realizado, não se vislumbrando qualquer razão para o aditar aos factos provados.

No que respeita aos factos referentes aos problemas de saúde de que padeceu a trabalhadora, tais factos que constam do artigo 47.º do seu articulado, não revestem qualquer interesse para a boa decisão da causa tendo presente as várias soluções plausíveis do litigio, razão pela qual não devem constar dos factos assentes, improcedendo nesta parte a impugnação.

Por fim, relativamente aos factos que constam dos artigos 69.º e 70.º do articulado da trabalhadora, que por se tratar de factos constitutivos do direito de que se arroga a si incumbiam provar, teremos de dizer que a única testemunha por si arrolada não revelou ter qualquer conhecimento dos mesmos. Ao invés como se fez constar na motivação da decisão da matéria de facto “Sobre os factos, em apreço nos autos, declarou nada saber”. Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas do empregador, designadamente Ana e das declarações prestadas pelo Padre Pedro, os mesmos revelam-se de manifestamente insuficientes para dar como provados os factos nos termos pretendidos pela trabalhadora, já que de tais depoimentos apenas resulta de forma clara e precisa, o facto dado como provado no ponto 25 pelo tribunal a quo, ou seja que a autora é uma trabalhadora zelosa, diligente e cumpridora, nada constando em tais depoimentos relativamente ao relacionamento com os colegas, superiores hierárquicos e utentes. Não merece assim provimento nesta parte a impugnação da matéria de facto.

Em face do exposto procede parcialmente e apenas no que respeita ao aditamento dos factos relacionados com os vícios do procedimento disciplinar a impugnação da matéria de facto.

2 – Da impugnação da decisão de direito

Da nulidade do processo disciplinar

Insurge-se a recorrente quanto ao facto do tribunal a quo não ter reconhecido a nulidade do procedimento disciplinar por violação do princípio do contraditório, por a trabalhadora ter sido impedida de consultar o procedimento disciplinar no decurso do prazo de resposta à nota de culpa, facto este que defende ter ficado sobejamente provado nos autos.

Os factos com relevo para apreciação desta questão são os seguintes:

- Em 06-04-2017, por carta registada, com aviso de recepção, o Centro Social notificou a autora da nota de culpa, nela consignando a sua intenção de proceder ao seu despedimento.
- A nota de culpa foi recepcionada pela Autora, a 7 de Abril de 2017.
- Tendo em conta que na nota de culpa foi totalmente omitido o local onde a Autora poderia consultar o processo disciplinar instaurado pela entidade empregadora, a Autora, através da sua mandatária, remeteu, no dia 10 de Abril de 2017, um email ao Centro Social e Paroquial X a solicitar informação acerca do local onde se encontrava o processo disciplinar por forma a que o pudesse consultar
- No email junto sob doc. n.º 1 a Autora, através da sua mandatária, teve o cuidado de solicitar ao Centro Social e Paroquial X uma resposta à informação por si solicitada o mais breve possível alertando a entidade empregadora para o facto de se encontrar a decorrer o prazo para a Autora responder à nota de culpa.
A autora, através da sua mandatária, remeteu ao Centro Social e Paroquial X, a 12/04/2017, carta registada com aviso de recepção a solicitar informação acerca do local, dia e hora em que a mesma poderia consultar o processo disciplinar.
- Datada de 20/04/2017, a autora respondeu à nota de culpa.
- O réu enviou, com data de 20/04/2017, à mandatária constituída da autora, por correio electrónico (...mail.com) cópia integral do procedimento disciplinar, com a indicação de que considerava que o prazo de 10 dias para resposta à nota de culpa, se contaria a partir dessa data.

A questão que importa desde já apreciar é a de apurar se podemos considerar que a autora teve conhecimento do email enviado pela ré concedendo novo prazo para responder à nota de culpa e facultando-lhe o acesso ao procedimento disciplinar.

Estabelece o nº 1 do art. 224º do Cód. Civil que “a declaração negocial que tem um destinatário se torna eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifeste de forma adequada.”

Ora, em relação à declaração receptícia foram, adoptados na nossa legislação os critérios da recepção e do conhecimento, ou seja não se exige a prova do conhecimento pelo destinatário, bastando que a declaração tenha chegado ao seu poder. O que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este esteja em condições de, só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo. E, neste caso, o conhecimento presume-se, tratando-se mesmo de uma presunção iuris et de iuris.

Em suma, estas declarações só se tornam eficazes quando chegam ao poder do destinatário ou são dele conhecidas. Assim, estando em causa uma declaração recepticia por aplicação do previsto no artigo 224.º do CC. exige-se que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que este seja posto em condições de só com a sua vontade conhecer o seu conteúdo. É necessário que a declaração chegue à esfera de conhecimento ou de controle do destinatário.
Contudo estabelece o nº 2 do citado artigo do Código Civil que “é também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida”.

No caso em apreço estamos perante uma comunicação efectuada pelo empregador à trabalhadora concedendo-lhe novo prazo de defesa, que não pode ser considerada eficaz pela sua simples emissão, já que trata sem margem para dúvida de declaração receptícia ou recipienda pois carece de ser dada a conhecer ao seu destinatário, sendo eficaz nos seguintes casos:

- quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida;
- quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida.
Em anotação a este artigo escrevem Pires de Lima e Antunes Varela: “no nº 2, como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso, por exemplo, de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de não a ir levantar à posta-restante como fazia usualmente”.

Na verdade teremos de considerar plenamente eficaz a declaração que foi enviada e só não foi recebida por culpa do destinatário, designadamente se o destinatário se recusasse a recebê-la, devolvendo-a ao declaratário.
Basta assim nesta perspectiva legal que a declaração chegue ao poder do destinatário, não se exigindo a prova de um efectivo conhecimento.

Retornando ao caso dos autos e resultando dos factos provados que a declaração emitida pelo empregador concedendo novo prazo de defesa à arguida e facultando-lhe o acesso ao procedimento disciplinar foi enviada para o endereço electrónico da ilustre mandatária da Autora teremos de presumir que tal missiva foi efectivamente recepcionada pela autora.

A presunção de que a missiva enviada pelo empregador chegou ao conhecimento do destinatário pode ser ilidida por prova em contrário, prova essa a fazer pelo destinatário no sentido de que não recepcionou tal declaração.

No caso em apreço a autora alegou por um lado que não recebeu tal missiva, mas por outro reconhece que a mesma chegou ao seu destino, mas que apenas se apercebeu da sua existência na pendência dos presentes autos.

Assim, apesar da Recorrente ter alegado que a referida comunicação não chegou ao seu poder, a verdade é que se quedou por essa referência e alegação de forma inconcludente, não tendo apresentado quaisquer razões fácticas que pudessem justificar esse não recebimento.

Na verdade, para além de ter reconhecido que o e-mail chegou à sua caixa de correio electrónica, não alegou e por isso não logrou provar a impossibilidade de ter tido atempadamente conhecimento de tal comunicação, pois um Spam é apenas uma caixa de correio para onde se dirige correio não desejado.

A propósito da remessa de uma carta nestas circunstâncias, em tudo equiparado ao envio de um e-mail para o endereço electrónico utilizado pelo declaratário, interroga-se Vaz Serra, in “Provas”, BMJ, n.º 103, pág. 32, nos seguintes termos:

- “Quem envia uma carta a pessoa para o seu domicílio como há-de saber se esta lhe chegou ou não ao conhecimento?
Seria um ónus insuportável para a vida jurídica compelir o declarante à prática de todos os meios possíveis para fazer com que o destinatário tomasse conhecimento da declaração

Em suma, o que importa é que o declarante faça tudo de molde a que a declaração/carta chegue ao poder do destinatário, e a coloque em condições de este a receber e conhecer o seu conteúdo.

Ora, no caso sub judice, foi o que aconteceu, o email foi enviado e recepcionado e em tais circunstâncias, sendo certo que a declaratária nada fez para conhecer o seu conteúdo, quando estava em condições de o fazer, é assim forçoso concluir que tem a mesma que suportar os riscos resultantes desse facto, ou seja, de não ter conhecido o conteúdo do email, a não ser que prove que não podia conhecer o seu conteúdo sem culpa sua.

In casu não é o empregador/declarante que tem que provar a culpa da declaratária no não recebimento do e-mail, mas, ao invés, é a trabalhadora/declaratária que lhe cabe o ónus de prova de ausência de culpa da sua parte no não recebimento dessa carta cfr. artigo 224.º do Código Civil.

Nada se tendo provado nesta matéria, devem ser extraídas as consequências legais daí decorrentes, nomeadamente, tem que se considerar como eficaz a declaração que só por culpa deste, do destinatário, não foi por ele oportunamente conhecida.

Com efeito, tendo o email em questão sido remetido para o endereço electrónico utilizado pela ilustre mandatária da autora nas comunicações que havia efectuado com o empregador e tendo reconhecido que o email foi por si recepcionado (caso contrário não estaria no Spam), teremos de concluir pela eficácia da declaração, já que o empregador enviou à mandatária da autora declaração da qual fez constar a prorrogação do prazo para responder à nota de culpa, enviando em anexo o procedimento disciplinar, tal como resulta dos factos provados, que foi colocada na sua disposição e por si recepcionada e que só não chegou ao seu conhecimento por facto que lhe é imputável, ou seja por supostamente não ter aberto o correio electrónico.

Ultrapassada a questão respeitante à emissão da declaração de prorrogação do prazo para responder à nota de culpa e facultado o processo disciplinar para consulta importa agora apurar se o procedimento disciplinar é nulo por não ter sido concedido à autora dentro do prazo de resposta à nota de culpa a consulta do processo disciplinar.

A este propósito o tribunal a quo fez consignar o seguinte:

“No caso dos autos, muito embora a entidade empregadora reconheça não ter disponibilizado de imediato a consulta do processo disciplinar, o certo é que resulta provado (documento de fls. 61) que a instrutora do processo disciplinar enviou todo o processo disciplinar à mandatária constituída da autora/trabalhadora, comunicando-lhe que o prazo de dez dias para a sua defesa só contaria a partir dessa remessa e data.
A autora, muito embora ponha em causa o envio desse documento, o certo é que não logrou fazer prova de que esse documento não lhe fora enviado pelo réu.
Cremos, assim, demonstrada essa remessa e alargamento do prazo para defesa, o réu cumpriu a obrigação de permitir a consulta do processo disciplinar à autora, não resultando desse procedimento a violação do direito de defesa da autora/trabalhadora e/ou a violação do seu direito de defesa, pelo que não se verifica a alegada nulidade do procedimento disciplinar.”
A recorrente insurge-se também contra esta apreciação sustentando que dentro do prazo de 10 dias que tinha para a apresentação da sua defesa não só o empregador não lhe respondeu às suas solicitações para consultar o processo, tendo respondido à nota de culpa sem poder aceder ao processo disciplinar, tendo por isso sido preterido o seu direito de consultar o processo.

Estabelece o art.º 355.º n.º 1 do C.T. que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa. Evidentemente que a resposta à nota de culpa resposta deverá ser elaborada após ter sido dada a oportunidade de consulta do processo.

Resulta dos factos provados que a autora recebeu a nota de culpa no processo disciplinar no dia 7/04/2017. O referido prazo de dez dias terminava, no dia 24/04/2017 (14/04 foi feriado). No dia 10 de Abril de 2017, a autora enviou um email ao Centro Social e Paroquial X a solicitar informação acerca do local onde se encontrava o processo disciplinar por forma a que o pudesse consultar e no dia 12 de Abril a autora através da sua mandatária, remeteu ao Centro Social e Paroquial X, uma carta registada com aviso de recepção a solicitar informação acerca do local, dia e hora em que a mesma poderia consultar o processo disciplinar. Em 20/04/2017, a autora respondeu à nota de culpa. Nesse mesmo dia (20/04), o réu enviou à mandatária constituída da autora, por correio electrónico (...mail.com) cópia integral do procedimento disciplinar, com a indicação de que considerava que o prazo de 10 dias para resposta à nota de culpa, se contaria a partir dessa data.

Destes factos resulta manifesto que o empregador ao aperceber-se da dificuldade em garantir o exercício dos direitos da autora no prazo subsequente à recepção da nota de culpa, veio atribuir-lhe um novo prazo de dez dias para o efeito. E na verdade a autora, sem saber onde podia consultar o processo disciplinar, não via garantidos os seus direitos de defesa no prazo de dez dias se contados a partir daquela recepção da nota de culpa.

Sem margem para dúvida que estava em causa o exercício do direito de defesa e do contraditório por parte da trabalhadora visado no processo disciplinar.

No entanto, consideramos que o empregador nas circunstâncias acima descritas e ainda quando se encontrava a correr o prazo de defesa, ao perceber-se da limitação do direito de defesa da trabalhadora, por si criado, o garante, concedendo novo prazo de defesa e facultando a consulta do procedimento disciplinar, pelo que nada mais resta do que considerar de sanada a irregularidade verificada.

Tal como se fez consignar no Acórdão da Relação de Coimbra de 31-01-2013, proferido no Proc. n.º 439/11.6.TTTMR.C1 (relator Azevedo Mendes) “O que está em causa é o pleno e esclarecido exercício do direito de defesa e de contraditório por parte do trabalhador visado no processo disciplinar. Se o empregador nas circunstâncias que que apreciamos, notando a dificuldade daquele exercício, o garante, concedendo o prazo que o trabalhador deve imperativamente dispor, então deve considerar-se sanada a irregularidade verificada. Nenhumas razões respeitantes ao princípio de defesa ou legais obstam a tal entendimento.”

Também nós não vislumbramos quaisquer razões que obstem a este entendimento.
Se a trabalhadora não aproveitou o novo prazo, ainda que já tivesse enviado a resposta à nota de culpa no dia 20/04/2017, foi porque ao que tudo indica, não o quis fazer ou não se justificava alterar a sua defesa, já que no procedimento disciplinar nem sequer se encontravam reduzido a escrito os depoimentos das testemunhas inquiridas, nem haviam sido juntos elementos de prova documental relevante como nele se fez constar, ou seja o procedimento disciplinar, nessa altura, praticamente se limitava à nota de culpa.
Em nossa opinião, não pode a trabalhadora considerar-se prejudicada no direito de defesa, uma vez que o empregador em tempo sanou a irregularidade constatada referente à consulta do procedimento disciplinar, não existindo qualquer motivo para considerar de inválido o procedimento disciplinar por desrespeito do direito a consultar o processo ou do prazo para a resposta à nota de culpa, em aplicação do disposto no art.º 382.º n.º 2 al. c) do Código do Trabalho.
Improcedem assim as conclusões 47. a 64. do recurso da Apelante.

Da verificação da justa causa do despedimento

Mantendo-se a factualidade dada como assente em 1ª instância no que respeita aos factos motivadores do despedimento, importa agora averiguar da verificação da justa causa do despedimento da iniciativa do empregador.

A 1ª instância conclui pela licitude do despedimento e para tanto desenvolveu a seguinte argumentação.

“Analisamos, agora, se com esta factualidade que resultou provada (cfr. pontos 1º a 14º, 16º e 17º), a autora, enquanto trabalhadora do réu Centro Social, praticou alguma infracção disciplinar e, na afirmativa, se a praticou com culpa, com a consciência e conhecimento de que essa conduta era violadora dos seus deveres como trabalhadora do Centro Social, seu empregador, e suficientemente grave e culposa que tornou praticamente impossível a manutenção desse vínculo laboral, ou seja, se com essa conduta, a autora incumpriu, assim, os dever de lealdade, em qualquer das suas dimensões, maxime em exercer as suas funções com rigor e isenção na relação que lhe era exigida por força da relação laboral a que se encontrava vinculada/subordinada, enquanto auxiliar do Centro Social, nomeadamente na vertente do tratamento urbano e respeitoso aos utentes internados no Centro Social réu, comportamento este que teria de passar, para além do rigor e isenção, por não adoptar comportamentos desviantes e culposos susceptíveis de colocar ou vir a colocar em risco a vida e integridade física desses utentes, ou seja, não ter comportamentos dentro dessa relação laboral que viessem a colocar o Centro Social, entidade empregadora, perante uma situação de desconforto, desconfiança e incerteza, quanto a uma sua futura conduta, face à anunciada (provada) ameaça proferida pela autora em relação a um dos seus utentes.
Por força do dever geral de lealdade, a que a autora estava obrigada, enquanto trabalhadora e profissional, o principio da boa-fé impunha-se que a autora/trabalhadora, não só deveria abster-se de qualquer acção contrária aos interesses do empregador (conteúdo negativo do dever de lealdade), como também tinha o dever de optar por uma conduta necessária a evitar dano, ameaça de prejuízo ou qualquer perturbação da exploração (conteúdo positivo do dever de lealdade).

Ora, no contexto em que se desenrola toda actuação e a que se reporta a factualidade dada como assente, a autora revela episódios sucessivos, disciplinarmente desviantes, desde logo quanto à (provada) retirada do Centro Social, instalações da sua entidade empregadora e seu local de trabalho, das roupas e dinheiro pertencentes a um dos utentes da sua entidade empregadora – independentemente do facto desse utente do réu ser seu marido e de quem se encontrava separada de facto há vários anos -, sem que tal fosse autorizado, consentido e/ou ordenado quer pelo utente, quer pela sua entidade empregadora. Esta conduta foi adoptada conscientemente pela autora trabalhadora e mostra-se agravada, desde logo, pelo facto de nela persistir nela, recusando-se expressamente a devolver esses bens, mesmo depois de advertida/instada para isso pelos seus superiores hierárquicos, Membros da Direcção do Centro Social, cuja desobediência se mostra patente com essa recusa.

O comportamento da autora mostra-se também grave e doloso, quando a seguir ao facto de ser chamada a atenção para a conduta desviante anteriormente referida, a autora/trabalhadora, em vez de reflectir quanto a essa sua conduta, resolve adoptar uma outra – de maior gravidade -, e se dirige ao utente, F. G., e em voz alta lhe diz que “Por tua causa vou perder o emprego mas tu vais para o outro lado porque tenho ali um frasco de veneno para resolver o problema”.

Ora, estas condutas adoptadas pela autora, no exercício das suas funções e deveres, não podem deixar de se considerarem infracções disciplinares graves (actos praticados sem consentimento e contra a vontade da entidade empregadora, desobediência, ameaça).

Por outro lado, a conduta da autora não deixa de traduzir-se no cometimento culposo de graves desvios às suas obrigações e deveres, enquanto trabalhadora subordinada do Centro Social, cometidos no seu horário de trabalho e enquanto sob as ordens, instruções e fiscalização da sua entidade empregadora, para além de com eles, colocar a sua entidade empregadora numa situação de incerteza quanto à sua futura actuação, nomeadamente em relação ao utente, marido da autora, sendo que este facto - fundada dúvida sobre a idoneidade e incerteza quanto a uma futura prestação da autora, se mantida naquelas funções de auxiliar – é, só por si, suficiente para poder fundar justa causa de despedimento.

No contexto laboral aqui em apreço, é preciso não olvidar que o auxiliar de “Lar” e de “Centro de Dia”, é um o profissional a quem é atribuído um conjunto de tarefas ligadas ao trabalho com pessoas, na sua maioria idosas, que recorrem a estas instituições, cuidando de pessoas de doenças várias e/ou com deficiências profundas que impossibilitam a sua autonomia, incumbindo a este trabalhador uma série de funções que vão desde a cuidados básicos de higiene, de conforto e de saúde, alimentação, higiene e arrumação de espaços, articular com a equipa técnica, passando todas estas tarefas/funções pelo relacionamento interpessoal, conducentes ao bem-estar e, eventualmente na reabilitação do utente.

Estas funções obrigam a um perfil de grande estabilidade emocional e de capacidade de gerar empatia com os utentes, considerando-se, que no exercício destas funções, não devem revelar-se por parte destes profissionais (auxiliares) no exercício das suas funções, preferências, afinidades, simpatias ou antipatias, que possam interferir nos cuidados a prestar aos utentes.

Óbvio se nos afigura, assim, que à autora não lhe era permitido, dentro das funções e deveres/obrigações decorrentes da sua profissão e subordinação jurídica/laboral às ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora, agir da forma que fixou demonstrada, sendo tal actuação, infraccional e culposa dos deveres legais que decorrem, nomeadamente, dos nºs. 1, alíneas a), c), e) e f) e nº. 2 do art. 128º do Código do Trabalho, de exercer de forma idónea, diligente, leal e conscienciosa as suas funções, segundo as normas e instruções recebidas e com observância das regras legais.

Também nos parece óbvio de que as consequências, causalmente daí decorrentes (fundada dúvida sobre a idoneidade e incerteza quanto a uma futura prestação da autora, se mantida naquelas funções de auxiliar), fizeram quebrar definitivamente e irremediavelmente a confiança que tem de existir no contrato de trabalho, para além de que o réu Centro Social não poderia, a nosso ver e também no dizer das testemunhas e membros da sua direcção, manter em funções a autora/trabalhadora após os factos por esta praticados, nomeadamente aqueles que dizem respeito à anunciada ameaça para a vida e integridade de um dos utentes do réu internado no estabelecimento do réu, desde logo, pela incerteza quanto ao comportamento futuro da autora/trabalhadora e, também, pela repercussão e consequências que resultariam para o Centro Social e para a sua Direcção, caso a enunciada ameaça se viesse a concretizar, mostrando-se fundamentada e acertada a decisão de suspensão preventiva imediata de funções da autora, desde logo tomada pela Direcção do Centro Social, como não nos merece qualquer reparo o despedimento com justa causa da autora trabalhadora com fundamento no descreito comportamento desta.

Parece-nos evidente, assim, ser a conduta da autora violadora dos deveres supra referidos, sendo que com essa violação a autora colocou em crise a constância da confiança enquanto elemento estruturante do contrato de trabalho, inquinando fatalmente o suporte psicológico em que assentava a relação fiduciária do empregador, a quem não é razoável impor, por isso, a manutenção do vínculo.

Dúvidas não restam, pois, de que estamos perante violações graves e inequivocamente dolosas por parte da autora de deveres básicos e elementares que um trabalhador tem que observar e respeitar no âmbito de uma relação laboral, no tocante à sua entidade empregadora, tendo para mais em conta as especiais funções que decorrem da categoria profissional da autora, das pessoas a que a sua prestação se destina e o contexto em que toda essa prestação laboral representa para a sociedade e vida dos Centros Sociais e Lares que se dedicam a essa actividade, como é o caso do réu empregador.

Tal conduta é susceptível de comprometer, irremediavelmente, a relação de confiança que deve existir entre um trabalhador e a sua entidade empregadora, em termos que levam a considerar inexigível (desde logo, pela fundada dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento da autora) a manutenção da relação de trabalho por parte desta, sendo insuficiente para atenuar este juízo de inexigibilidade de manutenção da relação de trabalho, a boa conduta anterior da autora/trabalhadora, porquanto os factos dolosos que a autora praticou não podem deixar de considerar-se idóneos a criar fortes dúvidas no espírito do empregador quanto à eventualidade de, no futuro, comportamentos semelhantes não virem a repetir-se.
Não podemos, por isso, deixar de concluir que a confiança do Centro Social réu no desempenho da autora ficou definitivamente abalada, sendo-lhe consequentemente inexigível que mantenha a questionada relação laboral.

Conclui-se, assim, pelo preenchimento de todos os requisitos do conceito de justa causa e, logo, pela licitude do despedimento promovido pelo Centro Social réu, improcedendo a impugnação do mesmo e, consequentemente, o direito às retribuições vencidas e vincendas e o direito à indemnização em substituição da integração peticionados.”

A Recorrente/Apelante discorda de tal entendimento, defendendo que a sanção aplicada é desproporcional e desajustada ao caso concreto, pois tendo 15 anos de serviço, sendo primária e tendo sempre tido uma postura exemplar no local de trabalho e no exercício das suas funções, sendo ainda considerada uma trabalhadora zelosa, diligente e cumpridora não lhe poderia ter sido aplicada a mais grave das sanções.

Analisemos a questão.
Importa ter presente o princípio constitucional da “segurança no emprego” e a noção de justa causa de despedimento.
Estipula o art.º 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Neste conceito genérico de justa causa concorrem três elementos essenciais, a saber:

a)- elemento subjectivo - traduzido num comportamento culposo e grave do trabalhador por ação ou omissão;
b)- elemento objectivo - que se traduz numa situação de impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho;
c)- um nexo de causalidade - entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Resulta assim que só em casos culposos e particularmente graves é admissível o despedimento do trabalhador. Todavia, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade estruturam-se em critérios objetivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto.

Na apreciação da justa causa – em concreto – atender-se-á ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta censurada, as funções exercidas na empresa, sem olvidar os reflexos da sua conduta nos seus companheiros e/ou subordinados e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por parte do trabalhador.
E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.

Por outro lado, sempre que a exigência da manutenção contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele pressupõe sejam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, não poderá deixar de concluir-se pela impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho.

Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato, com a subsistência das relações pessoais e patrimoniais que isso implica, venha a ferir, de modo exagerado e violento (e por isso injusto), a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.

Conclui-se assim que releva aqui particularmente a exigência geral da boa-fé na execução dos contratos (art. 762.º do Código Civil), atenta a específica natureza deste tipo de vínculo obrigacional, caracterizado pela sua vocação duradoura e pessoal das relações dele emergentes, sendo por isso necessário que o comportamento do trabalhador se apresente caracterizado como susceptível de destruir ou abalar seriamente a confiança, ou de criar no espírito do empregador dúvidas ou reservas sobre a idoneidade futura da sua conduta.
A rutura da relação laboral terá sempre de ser irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.

Estipula, ainda, o citado artigo 351º do C.T. que:

2. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores
c)Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empesa;
d)Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;”

Esta norma é a concretização dos deveres do trabalhador plasmados no art. 128.º, n.º 1, alíneas a), c) e), f) h) e i) do mesmo código, segundo as quais: Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; deve realizar o trabalho com zelo e diligência; deve cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, deve guardar lealdade ao empregador, deve promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa e deve cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho.

Na verdade, o dever de respeito e de urbanidade é um dos deveres que onera o trabalhador no contexto da relação de trabalho, tem como objecto o empregador e os superiores hierárquicos do trabalhador, mas dirige-se também, para além dos colegas de trabalho, ainda ao conjunto de pessoas que entrem em relação com a empresa.

Esta multiplicidade de direcções em que este dever do trabalhador se concretiza decorre da componente organizacional do contrato de trabalho e da inserção do trabalhador numa estrutura que está para além da mera relação que se estabelece entre o trabalhador e o empregador.

O dever de urbanidade e de respeito, como refere Maria do Rosário da Palma Ramalho in ”Tratado de Direito do Trabalho - Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5ª edição, pág. 446 «aponta genericamente para a necessidade de observância das regras de conduta social adequadas, quer em matéria de tratamento, quer em matéria de apresentação pessoal e de conduta do trabalhador.
A formulação necessariamente vaga do dever de respeito obriga à sua concretização e esta deve ter em conta o contexto específico de cada vínculo laboral – assim um tratamento mais rude poderá ser comum em determinado contexto organizacional e intolerável noutro contexto, pelo apenas no segundo caso deverá consubstanciar uma situação de incumprimento»

Em suma, carece este dever, por força desta dimensão social, de concretização, caso a caso, em função do contexto empresarial em que ocorre a prestação de trabalho e das pessoas envolvidas.

Mais à frente na mesma obra refere ainda MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «o critério a reter na qualificação de certa conduta do trabalhador como infracção ao dever de respeito (…) deverá ser o da adequação da conduta do trabalhador no contexto laboral em que está a exercer».

O dever de obediência é um dos deveres que se destaca no âmbito da relação laboral, sendo considerado pela jurisprudência como “a pedra angular do contrato de trabalho”. Este dever respeita ao cumprimento das ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e à disciplina do trabalho e estende-se às directivas emanadas do empregador e dos superiores hierárquicos, no âmbito da estrutura organizativa a que o empregador tenha procedido.

O incumprimento deste dever constitui infracção disciplinar a sancionar nos termos previstos nos arts. 328.º e seguintes do CT.
Relativamente ao dever de lealdade importa salientar que é um dos deveres acessórios autónomos da prestação principal e que onera o trabalhador no contexto da relação de trabalho, já que no seu sentido mais amplo é o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato num duplo sentido que se materializa no envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo e na componente organizacional do contrato.

Como se refere a este propósito no Acórdão do STJ de 19-11-2014, proferido no Proc. n.º 525/07.7TTFUN.L2.S1(relator António Leones Dantas)

O elemento «da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento de pessoalidade, traduzido na lealdade pessoal, que justifica por exemplo, o relevo de condutas extra-laborais do trabalhador graves para efeito de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda da confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito».

Por outro lado, «a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização», dependendo, nesta segunda dimensão, o grau de intensidade do dever de lealdade e as consequências do seu incumprimento «do tipo de funções do trabalhador e da natureza do seu vínculo de trabalho em concreto».
No dizer de MONTEIRO FERNANDES, «o que pode dar-se por seguro é que o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)», sendo necessário «que a conduta do trabalhador não seja em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele», sendo certo que «este traço do dever de lealdade é tanto mais acentuado quanto mais extensa for a (eventual) delegação de poderes no trabalhador e quanto maior for a atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador».

Averiguemos agora se o tribunal a quo errou o julgamento, uma vez que considerou que os factos imputados à trabalhadora integram justa causa de despedimento

Ora, no caso em apreço, face à matéria de facto dada como provada e supra elencada, não restam dúvidas que os factos de que a trabalhadora é acusada e referidos na Nota de Culpa, em que lhe é comunicada a intenção do empregador proceder ao seu despedimento com justa causa, e por si recepcionada em 7/04/2017 resultaram sobejamente demonstrados.

Procedendo à ponderação de toda a factualidade apurada no âmbito dos autos, podemos concluir com segurança que, com as supra descritas condutas, a trabalhadora praticou factos disciplinarmente relevantes e altamente chocantes, designadamente ao retirar do se local de trabalho roupas e dinheiro pertencentes a um dos utentes do Lar, sem que tal fosse consentido ou ordenado quer pelo utente, quer pelo seu empregador. O facto de tal utente ser o seu marido de quem está separada há vários anos não retira censura à sua conduta. Ao recusar-se a proceder à entrega de tais bens desobedeceu a ordem que legitimamente lhe foi dada pelos seus superiores hierárquicos designadamente pela Directora Técnica do Centro Social. Ao manifestar tal recusa para além de desobedecer a ordens legitimamente emanadas pelos seus superiores hierárquicos, não os tratou com urbanidade e probidade que lhe era exigida.

A culminar este quadro há que realçar o comportamento que foi assumido pela trabalhadora em face da posição do empregador perante a retirada de roupas e dinheiro, que é de qualificar de extremamente gravoso e doloso ao dirigir-se ao utente F. G. (seu marido) e em voz alta diz-lhe “Por tua causa vou perder o emprego mas tu vais para o outro lado porque tenho ali um frasco de veneno para resolver o problema”.

A trabalhadora utilizou quer o seu emprego, quer o seu local de trabalho para desviar roupa e dinheiro pertencentes ao seu marido que por seu turno é utente da Ré, e, posteriormente ao ameaçá-lo em face do reparos e das ordens que lhe foram emitidas para devolver os bens que desviou, que se recusou a devolver, incumpriu com os deveres de diligência e zelo e violou os deveres de obediência, de lealdade e de boa colaboração.

Todo o comportamento da autora revela-se grave e doloso colocando o empregador numa situação de extrema incerteza quanto idoneidade da actuação da trabalhadora no futuro, quer no que respeita à actuação para com o utente em questão, quer no que respeita ao regular cumprimento e prestação das suas funções de auxiliar.

Sem dúvida que a actuação da trabalhadora integra o conceito de justa causa, em nosso entender, enquadrando o seu comportamento, nas situações previstas nas alíneas a), c), d), e) e i) do nº 2, do artigo 351.° do Código de Trabalho, na medida em que actuou em violação das normas e instruções emanadas pelo empregador, deixou de exercer de forma idónea diligente e leal as suas funções, ameaçando de morte um dos utentes do centro revelando assim claramente a falta de idoneidade para continuar a exercer as suas funções de auxiliar de Lar e de Centro de Dia que implicam um perfil de equilibro emocional e de capacidade de gerar empatia com os utentes e não de criar um ambiente de terror e de revolta. O seu comportamento é ainda revelador de um manifesto desrespeito para com os utentes do Centro, de deslealdade para com o empregador e do seu desinteresse pelo cumprimento diligente e brioso respeitante à execução do trabalho, o que demonstra violação do disposto no art. 128°, nº 1, als. a) c) e) e f), e n.º 2 do Código do Trabalho.

A conduta da trabalhadora geradora de conflitos com os superiores hierárquicos, criadora de mau ambiente de trabalho e ainda integradora de uma anunciada ameaça para a vida de um dos utentes da Ré, indubitavelmente abala e quebra a confiança que, necessariamente terá de existir entre trabalhador e empregador e cria legitimamente, no espírito deste último, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquela.

Inevitavelmente quebrou-se o vínculo de confiança existente entre o empregador e a sua funcionária a ora aqui Autora, já que a sua actuação é altamente censurável, não só porque as ameaça por si levada a cabo perturba o normal funcionamento da instituição, mas também porque a sua postura revela falta de idoneidade para a continuação do desempenho das suas funções, mostrando-se a sanção proporcional à gravidade da conduta.

E nessa medida, podemos dizer que tal actuação da trabalhadora torna, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e integra por isso o conceito de justa causa de despedimento, já que não se mostra exigível ao empregador que tenha de manter ao serviço a trabalhadora que na sequência de recusa de cumprimento de ordem legitimamente emanada, ameaça contra a vida e a integridade física de um utente do empregador internado no estabelecimento do réu fisicamente debilitado e por isso dependente de terceiro.

Concordamos com a fundamentação exaustiva e clara da sentença recorrida e respectiva decisão, no sentido de que se verificou justa causa de despedimento, e não se diga que o facto de a Autora ter uma antiguidade de 15 anos, sem qualquer antecedente disciplinar sopesada com o seu comportamento infractor nos levaria a concluir que a sanção do despedimento aplicada seria desproporcional e desadequada.

Na verdade, quer a antiguidade, quer o bom comportamento anterior não podem sobrepor-se à gravidade da prática dos actos, que permitiam à trabalhadora ter plena consciência das suas consequências e ter agido doutra forma e adoptado outra postura.

A actuação da trabalhadora, tal como ficou provado, traduz uma violação grave quer dever de obediência, quer do dever de respeitar e tratar com urbanidade e probidade os colegas de trabalho e demais pessoas que se relacionem com a empresa, quer do dever de realizar o seu trabalho com zelo e diligência, quer do dever de lealdade em sentido amplo.

Perante uma tal conduta da trabalhadora voltamos a repetir, torna-se inexigível à entidade patronal a manutenção na instituição de alguém que tão gravemente desrespeitou os mais elementares regras de convivência e relacionamento social no trabalho e de lealdade, quer para com o empregador, quer para com os seus utentes, essenciais à continuidade da relação laboral, em que é indispensável a existência de um clima de total confiança entre os sujeitos desse vínculo.

Em suma verifica-se a existência de justa causa para o despedimento do recorrente, razão pela qual improcede o recurso e mantêm-se sentença recorrida.

V- DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por MARIA, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente sem prejuízo do benefício do apoio judiciário
Notifique.
Guimarães, 19 de Abril de 2018

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I - Tendo o email em questão sido remetido para o endereço electrónico utilizado pela ilustre mandatária da autora nas comunicações que havia efectuado com o empregador e tendo reconhecido que o email foi por si recepcionado (caso contrário não estaria no Spam), teremos de concluir pela eficácia da declaração, que só não chegou ao seu conhecimento por facto que lhe é imputável, ou seja por supostamente não ter aberto o correio electrónico.
II – Não é de considerar prejudicado no direito de defesa da trabalhadora na situação em que o empregador em tempo sanou a irregularidade constatada referente à consulta do procedimento disciplinar, não existindo assim qualquer motivo para considerar de inválido o procedimento disciplinar por desrespeito do direito a consultar o processo ou do prazo para a resposta à nota de culpa, em aplicação do disposto no art. 382.º n.º 2 al. c) do Código do Trabalho/2009.
III- A noção de justa causa de despedimento, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral;
IV − Viola grave e culposamente os deveres de obediência, urbanidade, respeito e de lealdade, previstos respectivamente, nas alíneas a), c) e) e f) do n.º 1 do artigo 128º, do Código do Trabalho, a trabalhadora que na sequência de recusa de cumprimento de ordem legitimamente emanada, ameaça contra a vida e a integridade física um utente do empregador internado no estabelecimento do réu fisicamente debilitado e por isso dependente de terceiro.
V – A conduta da trabalhadora geradora de conflitos com os superiores hierárquicos, com um utente do Réu, criadora de mau ambiente de trabalho e integradora de uma ameaça de prática de crime, indubitavelmente abala e quebra a confiança que, necessariamente terá de existir entre trabalhador e empregador e cria legitimamente, no espírito deste último, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquela, tornando inexigível a manutenção da relação de trabalho e constitui motivo, justa causa de despedimento.

Vera Sottomayor