Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
548/13.7GBPVL.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: A falta de indicação da data de verificação periódica no registo de medição, não se incluindo em nenhuma das nulidades tipificada na lei, constitui uma mera irregularidade.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo especial sumário n.º 548/13.7GBPVL do Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso, o arguido José C...sofreu condenação, pelo cometimento em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de setenta dias de multa, à razão diária de quinze euros e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de três meses e vinte dias.

2. Inconformado, o arguido interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) :

1- Mostram-se violados os Arts. 97° n.° 5, 374° n.° 2, 375.º n.° 1 379.º, n.° 1 al a) b) e c9 e n.° 2 e Arts. 391°, 399°, 401° n° 1 al a) e al b) e Art. 410° n° 2 al a), al. b) e al c) todos do CPP, o Art. 292° e o Art. 69° n.° 1 do CP, a Lei n.° 18/2007 de 17/05, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros no seu art. 7° n.° 2,
2-O arguido/recorrente, nas circunstâncias de tempo e lugar julgadas provadas na sentença ora em crise, não tripulava o seu veículo automóvel, com uma TAS de 2, 55 g/l, no sangue ou com qualquer outra.
3- A prova especial material constituída pelo “talão” obtido do alcoolímetro Drager modelo utilizado, para pesquisa de álcool ao sangue do recorrente sem que se mostre, por documento autêntico que tal equipamento foi verificado, dentro do ano seguinte ao da sua última verificação é nula e acarreta a nulidade da sentença quando tal talão é o meio de prova determinante da decisão condenatória.
4-Na sentença depositada ao relatório não se lhe segue a fundamentação de facto, de onde conste a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribuna!”, pelo que a sentença padece do vício intrínseca da nulidade
Sem prescindir
Subsidiariamente
5- A sentença padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto julga prova, porquanto a matéria de facto julgada como provada não leva numa operação de encaixe, à consequência de condenação, pela falibilidade técnica do equipamento utilizado na pesquisa do álcool, no sangue do recorrente.
Sem prescindir
Subsidiariamente
7- A sentença padece do vício da contradição insanável na fundamentação, na medida em que os factos julgados provados e não provados são contraditórios entre si.
Sem prescindir
Subsidiariamente
8- A sentença padece do vício do erro notório na apreciação da prova, na medida em que viola as regras da experiência comum, por não consideração na prova produzida da combinação de medicamentos para a diabetes e de anti-depressivos com a ingerência de álcool.”

O Ministério Público, por intermédio da magistrada no Tribunal Judicial de Povoa de Lanhoso, apresentou resposta, invocando que improcedem todos os fundamentos do recurso e concluindo que a decisão recorrida deve ser integralmente mantida.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Exm.º. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso mão merece provimento.

O arguido apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, reafirmando os argumentos expostos nas motivações e aduzindo a invocação de inconstitucionalidade material porquanto “a falta de aposição da data da ultima verificação metrológica, no talão de medição e efectuada sobre o alcoolímetro, na medida em que coloca em causa a intrínseca validade do aludido equipamento, diminui as garantias máximas do arguido que não pode cabalmente exercer o seu direito à contraprova de modo eficaz e substantivo(…)”

Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e da juíza adjunta e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

3. Como é dado assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde sintetiza as razões de discordância do decidido e resume as razões do pedido, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (art.ºs 402.º, 403.º e 412.º n.º 1 do Código do Processo Penal) .

As questões suscitadas pelo arguido são fundamentalmente as seguintes: a) Nulidade da sentença por falta de fundamentação; b) Nulidade de meio de prova por omissão de indicação no talão da data de verificação periódica do aparelho de pesquisa de álcool no sangue; c) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; d) Contradição insanável entre a fundamentação e e) Erro notório na apreciação da prova.

Oficiosamente, impõe-se ainda analisar as consequências da entrada em vigor, a 1 de Janeiro de 2014, da Lei n.º 72/2013 de 3 de Setembro.

4. Da nulidade da sentença

Tratando-se de processo sumário, a sentença pode ser proferida oralmente e, nos termos do artigo 389.º-A n.º 1 do Código do Processo Penal, deve conter:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º

Depois de termos ouvido o registo áudio constante do CD apenso aos autos, verificamos que o segmento referente à sentença ditada pela Exmª juíza, contém na realidade a enumeração dos factos provados, o que foi feito parcialmente por remissão para o auto de notícia, complementado no despacho do magistrado do Ministério Público de fls. 10, aí se incluindo os factos referentes à situação económica, social e familiar do arguido. Na mesma sentença consta ainda a explanação dos motivos da convicção do tribunal, embora de modo muito sucinto, próprio da simplicidade da matéria, bem como os fundamentos da escolha e determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória, ainda que igualmente em termos muito sintéticos. A exposição da sentença permite designadamente saber que o tribunal fundou a sua convicção no teor do resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado documentado nos autos, no reconhecimento pelo arguido que conduzira naquela ocasião e no depoimento do militar da GNR que elaborou o auto de notícia.

A exposição contida na sentença não será porventura modelar mas permite compreender de forma perfeitamente satisfatória o processo lógico e racional subjacente à decisão, quer no âmbito da matéria de facto, quer em sede de enquadramento jurídico-penal. Tendo em conta a especificidade da forma processual e a menor complexidade da matéria em causa, concluímos que dessa forma a sentença permite a compreensão e controlo da decisão pelos destinatários, bem como a comprovação pelo tribunal de recurso dos pressupostos da decisão.

Questão naturalmente distinta consiste em saber se houve vício decisório ou erro de apreciação e de julgamento pelo tribunal. Esse é um problema que aqui não releva e que deve ser analisado em sede própria.

Em conclusão, inexiste nulidade por deficiente fundamentação da sentença e improcede o recurso neste âmbito.

5. Da nulidade do meio de prova

O regime legal do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, visando garantir o rigor das medições efectuadas com os instrumentos de medição e assegurando a fiabilidade desses mesmos instrumentos, encontra-se estabelecido no Decreto-Lei nº 291/90, de 20/9. A verificação inicial consiste “no conjunto de operações destinadas a constatar a qualidade metrológica dos instrumentos de medição” (artigo 3.º n.º 1) e a verificação periódica envolve necessariamente “o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respetivo”, mantendo-se válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário (artigo 4.º n.º 1 e n.º 5). Por seu turno, o artigo 7.º n.º 3 da Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro estabelece que “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo”.

A indicação da data da última verificação periódica do alcoolímetro assume evidente relevância para o controlo da fiabilidade do aparelho.

Porém, o arguido confunde no recurso duas realidades bem distintas: sem qualquer outro motivo, aparentemente, o recorrente extrai da omissão de indicação da data de verificação periódica do aparelho no “talão”, a conclusão que essa mesma verificação anual não se realizou, ou não está “comprovada nos autos” por documento idóneo e, não tendo sido observadas as formalidades legais imperativas, então houve valoração de prova proibida por lei. Já posteriormente, o recorrente, na resposta ao parecer, vem inclusivamente sustentar a verificação de uma inconstitucionalidade material por omissão das garantias de defesa do arguido.

Vejamos:

O n.º 2 do art.º 9.º da portaria 1556/2007 O artigo 9.º da portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro tem o seguinte teor:

Inscrições e marcações
1- Os alcoolímetros devem apresentar, de forma visível e legível, as indicações seguintes, inscritas em local a definir em cada modelo no respectivo despacho de aprovação de modelo:
a) Símbolo de aprovação de modelo;
b) Marca;
c) Modelo;
d) Número de série;
e) Nome do fabricante ou do importador;
f) Gama de medição;
g) Condições estipuladas de funcionamento, em graus centígrados;
h) Factor de conversão, se aplicável.
2 - Os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica. prescreve que a indicação da data da última verificação periódica deve constar no registo de medição do alcoolímetro portanto, em linguagem comum, do talão de resultado e o documento a que se reporta o teste de pesquisa de álcool a que se reportam os autos, junto a fls. oito, não inclui essa referência.

Contudo, pode ler-se no auto de notícia a fls. 3, que o alcoolímetro “Drager” n.º ARWM-0094, modelo 71110 MK III P, utilizado para a efectivação do exame de pesquisa de álcool no ar expirado ao arguido a que se reportam os presentes autps, foi verificado pelo IPQ em 13/08/2013.

O auto de notícia constitui prova por documento autêntico que integra obviamente o processo, a que o arguido teve acesso desde o início do procedimento e nunca impugnou. A lei não impõe, nem no caso se justifica, que nos autos conste a comprovação por outro documento que o aparelho foi verificado dentro do ano seguinte ao da sua última verificação.

Não pode por isso o recorrente afirmar que ocorreu falta de verificação do aparelho em tempo útil e a inconformidade resume-se à falta de indicação daquela data no documento de registo da medição que o próprio aparelho emite, findo o exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

Se conseguimos compreender a motivação, pretende ainda o recorrente convocar a aplicação do regime das proibições de prova.

Como tem sido assinalado, as proibições de prova estabelecem limites à actividade de investigação e constituem fundamentalmente um meio ou instrumento de tutela dos direitos individuais dos cidadãos que visam impedir ou dissuadir intromissões abusivas e desnecessárias das autoridades judiciais e policiais.

Sendo este um campo onde se afirma com particular relevo o princípio da ponderação de interesses, impõe-se estabelecer níveis de concordância prática entre os direitos individuais que poderão ser atingidos ou sacrificados e a prevenção e repressão da criminalidade. Na verdade, “entre o interesse público na perseguição penal e o interesse público também da tutela de determinados interesses, a ordem jurídica opta por uns ou outros, conforme considere que devem predominar. Com efeito, a perseguição penal não é, necessariamente, o interesse preponderante da vida em sociedade. Por isso, os meios utilizados em ordem à repressão penal têm de acomodar-se aos princípios jurídicos que predominam num dado momento e aos valores fundamentais da nossa civilização” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, II, 1993, pag. 103).

O regime legal das proibições de prova decorre em primeiro lugar da Constituição da República Portuguesa, mas encontra-se desenvolvido no art. 126º do Código de Processo Penal. Em síntese, resulta desde logo do nº 8 do art. 32º da CRP que são absolutamente proibidas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, e que são também proibidas as provas obtidas com abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, ou seja, com violação das regras em que a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações é permitida. As proibições absolutas respeitam aos direitos que a Constituição consagra como invioláveis (art. 25º da CRP); as proibições relativas aos direitos que a Constituição admite sejam limitadas nos casos previstos na lei em matéria de processo penal (arts. 26º e 34º, nºs 3 e 4 da CRP

O art. 126º do Código de Processo Penal disciplina nos nºs 1 e 2 as provas absolutamente proibidas e no nº 3 as provas relativamente proibidas. As primeiras não podem ser utilizadas nunca, as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei, ou seja, desde que respeitadas as regras estabelecidas na lei para a intromissão nos direitos tutelados

Haverá contudo de estabelecer distinção delimitando as fronteiras entre as proibições de prova e as meras regras de produção de prova: as primeiras, constituem, como já exposto, “barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo” e estabelecem ou prescrevem um limite à descoberta da verdade; por outro lado, as regras de produção de prova são normas que estabelecem os procedimentos necessários para que a prova seja executada de modo regular.

Nessa medida, ou porque estas últimas se destinam afinal a tutelar ou salvaguardar direitos ou interesse distintos, ou porque a gravidade do vício daí decorrente não justifica o recuo do interesse no apuramento da verdade, impõe-se considerar a prova como admissível. Neste ultimo caso, a violação das normas ordenadoras reclama a aplicação do regime processual geral das nulidades (artigos 118 a 123º Código de Processo Penal) e seria susceptível de ser catalogada ainda no campo das meras irregularidades processuais (neste sentido Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, pág. 83 a 86 e Germano Marques da Silva, obra citada pag.103 a 104).

Afigura-se-nos que a norma constante do n.º 2 do art.º 9.º da Portaria 1556/2007 se inclui no campo das regras de produção de prova.

Em todo o caso, a falta de indicação da data de verificação periódica no registo de medição, não se incluindo em nenhuma das nulidades tipificada na lei, constitui uma mera irregularidade, entretanto sanada por ter não ter sido suscitada em tempo e perante o tribunal de primeira instância (artigos 118.º a 120 e 123.º n.º 1 e 126.º, todos do Código do Processo Penal).

O arguido não concretiza minimamente os elementos em que se baseia para afirmar que a omissão de indicação da data de verificação periódica do aparelho alcoolímetro afectou o exercício de modo eficaz e substantivo do seu direito à realização de uma contra prova.

Salvo o devido respeito, trata-se de uma argumentação destituída de sustentação razoável ou normativa, uma vez que nada impediu o arguido de solicitar essa contra prova e o preceito citado não tem o alcance que o recorrente lhe pretende atribuir.

Sabendo-se que o aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue do arguido tinha sido efectivamente sujeito a verificação periódica em tempo útil, tendo em conta que o arguido beneficiou da oportunidade de requerer a realização de contra prova, pôde suscitar a irregularidade na ocasião e posteriormente no tribunal, teve a possibilidade de apresentar contestação e os meios de prova que entendesse adequados em audiência de julgamento sujeita ao princípio do contraditório, não se vislumbra fundamento algum para afirmar que a mera omissão de indicação daquele facto no chamado “talão” do alcoolímetro, constituiu uma violação dos “direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação” (na formulação de Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, p. 516) ou, em todo o caso, uma diminuição inadmissível das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Improcede manifestamente a arguição de nulidade e de inconstitucionalidade.

6. Da insuficiência da matéria de facto

Existe vício decisório de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada da alínea a) do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal quando se conclua, a partir do próprio texto da sentença, isoladamente considerada ou em conjugação com regras de experiência comum, que a matéria de facto provada se revela insuficiente para a decisão correcta de direito. Entendendo-se necessário precisar que a decisão critério não é aquela decisão que se alcançou no processo, mas a decisão justa, a composição mais próxima da “ideal” e que, tendencialmente, declara a justiça no caso concreto Como decidiu o Acórdão do STJ de 07-01-99, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é um vício que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal recorrido deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência o justifique” (sum citado por Simas Santos, Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª ed. 2008, Rei dos Livros, página 74, sublinhado nosso)

Ou ainda, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1998 Relator Joaquim Rodrigues Dias Cabral, na Colectânea, Tomo II, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n° 2 do art. 410° do C.P.P. (…) é um vício que resulta do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum; vício de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que torna impossível uma decisão logicamente correcta, justa e conforme à lei.
Especificamente, a insuficiência prevista na al. a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa.
Insuficiência em termos quantitativos porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Não o fazendo, a decisão formou-se incorrectamente por deficiência da premissa menor. O suprimento da insuficiência faz-se com a prova de factos essenciais, que fazem alterar a decisão recorrida, já na qualificação jurídica dos factos, já na medida concreta da pena, ou de ambos conjuntamente. Se os novos factos não determinarem alguma dessas alterações, não são essenciais, o vício não é importante, pode ser sanado no tribunal de recurso”..

Ou seja, a matéria de facto provada é suficiente para a decisão quando o tribunal esgotou os poderes de investigação e decidiu, entre provados e não provados, quanto a todos os factos relevantes para a decisão justa. Incluindo-se nestes últimos, não só os que constam da acusação ou da contestação mas também os que resultam da discussão da causa, em função das várias soluções viáveis – absolvição, condenação, existências de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena ou quanto a circunstâncias relevantes para a dosimetria penal.

O arguido não invoca um único elemento extraído do texto da sentença de onde possa resultar a alegada insuficiência, restringindo a fundamentação neste âmbito na dúvida quanto à fiabilidade do aparelho alcoolímetro pela falta de verificação periódica e nas declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento.

O fundamento indicado em primeiro lugar improcede, porquanto a tempestividade da verificação periódica do alcoolímetro pode ser “verificada” pela menção no auto de notícia ainda em tempo útil para o juízo probatório do tribunal, ou seja, em audiência de julgamento, com plena observância do princípio do contraditório.

O argumento indicado em segundo lugar improcede porque na falta de qualquer outro elemento de prova, seja pericial, documental ou testemunhal, a singela afirmação do próprio arguido de que não tinha ingerido bebidas alcoólicas não é susceptível, por si só, de infirmar a prova decorrente do resultado do teste de pesquisa de álcool no ar expirado ou de criar sequer uma dúvida razoável quando ao estado de influenciado pelo consumo de álcool.

Acresce mesmo que existem elementos recolhidos a partir da prova testemunhal que podem desmentir a afirmação do arguido, bem como explicar a necessidade de diversas tentativas e ainda corroborar o resultado do exame de pesquisa de álcool: Como consta do excerto de depoimento transcrito pelo recorrente, o militar da GNR João Pinheiro afirmou no depoimento prestado na audiência de julgamento, que na ocasião da realização do teste “ era notório que o Sr. (referindo-se ao arguido) aparentava estar embriagado (…) O Sr. mal se segurava em pé, tinha dificuldade em se expressar… (…) Tinha um odor ….O Sr. em vez de expirar, inspirava….”

Em conclusão não vislumbramos insuficiência da matéria de facto, improcedendo a arguição do vício decisório.

7. Da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova

Como tem sido entendido, ocorre contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição irredutível entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal. Por seu turno, o vício decisório de erro notório na apreciação da prova, consiste numa falha ou incorrecção de pensamento ou de raciocínio por ignorância ou falsa representação da realidade que conduz a uma apreciação ilógica, arbitrária, de todo insustentável em regras de vivencia comum, e que não passe despercebida à observação e verificação comum do homem médio.

Salvo o devido respeito, a motivação e as conclusões a este propósito são confusas, senão mesmo ininteligíveis, podendo ainda assim entender-se que o recorrente invoca a existência de diversas contradições e de erros notórios na apreciação da prova, tendo como base o que considera ter sido a prova de que o arguido “sofre de diabetes e toma antidepressivos”.

Ora, o arguido não apresentou contestação e na audiência de julgamento não foi produzida qualquer prova, seja de que natureza for, susceptível de fundamentar um juízo probatório sobre o estado de saúde do arguido, a ingestão de medicamentos e a eventual influencia que esses medicamentos teriam no valor da TAS. A este propósito, apenas existem algumas referências, vagas e imprecisas, do próprio arguido. É assim compreensível que nada conste a esse propósito na sentença.

Por último, não se pode compreender a arguição de uma contradição entre os factos provados e os não provados, pela singela razão que a sentença não concretiza qualquer “facto não provado”…

Sem necessidade de outros considerandos e uma vez que inexiste qualquer erro na apreciação da prova ou antinomia relevante entre o texto da fundamentação e o da decisão, improcede o recurso do arguido neste âmbito.

8. Da alteração legislativa

Seguidamente, cumpre ter presente as alterações introduzidas no Código da Estrada decorrentes da Lei nº 72/2013 de 3 de Setembro de 2013, que iniciou vigência em 1 de Janeiro de 2014.

Recorde-se que o procedimento de fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas consta dos artigos 152.º e seguintes do Código da Estrada e que o artigo 8.° do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro estabelece os erros máximos admissíveis (EMA) nos exames efectuados pelos alcoolímetros aprovados e que são variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE).

Com efeito, o artigo 170º do Código da Estrada (CE), na redacção da Lei n.º 72/2013 hoje vigente, preceitua que no auto de notícia elaborado pelo agente de autoridade quando presenciar contra-ordenação rodoviária, tem de constar, além do mais, “b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.

A condução automóvel na via pública sob o efeito do álcool constitui seguramente uma “infracção aferida por aparelho aprovado nos termos legais”. Por outro lado, a norma refere-se exclusivamente ao levantamento de autos por infracção contra-ordenacional, mas tem necessariamente de se estender ao procedimento para as infracções criminais como é o caso da condução em estado de embriaguez do artigo 292.º do Código Penal .

Impõe-se ainda reter que a dissensão jurisprudencial sobre a aplicação dos EMA se centrou no âmbito da interpretação e valoração da prova, bem como na aplicação do princípio de direito probatório in dubio pro reo e nunca em diferente interpretação normativa (como se salientou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2009, acima citado), precisamente porque inexistia norma legal que pudesse merecer interpretação no sentido de que os erros máximos admissíveis deviam ser objecto de desconto no momento da imputação do factos integradores de contra-ordenação ou crime

Em consequência, a actual redacção do artigo 170.º, n.º 2 alínea b) do CE, impondo a dedução em cada medição concreta da taxa referente à margem de erro no desempenho dos alcoolímetros, tem de ser entendida como uma Lei Nova.

A nova Lei tem conteúdo mais favorável ao arguido, uma vez que poderá ter como efeito diminuir o grau de ilicitude do facto, com influência na medida das penas.

Deve, por isso, ser aplicada retroactivamente, nos termos do artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa e do artigo 2º, nº 4 do Código Penal (neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 18-02-2014, Rel. João Gomes de Sousa, proc. 287/13.9GAOLH.E1, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-02-2014, Rel. Maria Pilar Oliveira, proc. 140/13.6TVIS.C1, mas, em sentido diferente, considerando que a redacção do artigo 170.º conferida pela Lei 72/2013 constitui uma lei interpretativa, vide os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-01-2014, Rel. Jorge Gonçalves, proc. 270/13.4PAAMD.L1-5 e do Tribunal da Relação do Porto de 19-02-2014, Rel. Artur Oliveira, proc. 76/13.0PDMAI.P1)

Aplicando estas considerações ao caso concreto:

O teste de pesquisa álcool no sangue do arguido revelou um resultado de 2,55 g/l (cfr. fls. 8); aplicando agora o EMA de 8%, previsto no anexo da Portaria 1556/2007 de 10/12., temos como relevante a TAS de 2,346 g/l.

Assim, impõe-se alterar a matéria de facto provada constante do ponto um por forma a constar:

1. No dia 22 de Outubro de 2013, pelas 23 h e 02 m, o arguido, José C..., circulava ao volante conduzindo o veículo “ligeiro de passageiros” particular de matrícula 57-88-... na estrada nacional 103, km 49,730, C..., Póvoa de Lanhoso, com uma taxa de álcool no sangue de 2,34 g/l, após dedução do erro máximo admissível;”

Em consequência deve ponderar-se de novo na concretização da pena principal e da pena acessória correspondente ao crime destes autos.

Os elementos a considerar na determinação da medida concreta da pena são os seguintes:

-O arguido conduziu um veículo ligeiro de passageiros, de noite, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas. O grau de ilicitude assume a gravidade decorrente do valor da taxa de álcool no sangue de 2,34 grama por litro, claramente superior ao limiar de 1,2 grama por litro da responsabilização penal;

- No que respeita aos elementos da personalidade, inserção familiar social e profissional, interessa valorar positivamente que o arguido beneficia de efectiva inclusão profissional e familiar. Dever-se-á ainda ter em conta que o arguido não regista antecedentes criminais

-As exigências de prevenção geral são muito significativas pela profusão de crimes de condução em estado de embriaguez na nossa comunidade;

A alteração da taxa de alcoolemia a considerar deve conduzir a uma diminuição das penas impostas. Sopesando em conjunto as enunciadas circunstâncias, concluímos que a pena equitativa para a culpa exteriorizada pelo arguido, assim como necessária e imprescindível para corresponder a exigências de prevenção geral positiva ou prevenção de integração e deve fixar em 65 dias de multa.

Considerando a amplitude da “moldura legal” (artigo 47.º n.º 2 do Código Penal) e a previsível situação económica do arguido (médico, sócio de uma empresa detentora de uma clínica) consideramos que a razão diária da multa fixada na sentença recorrida se deverá manter.

A determinação da medida concreta da pena acessória, numa moldura abstracta com um mínimo de 3 meses e um máximo de 3 anos, deverá ser efectuada, tal como a pena principal, de acordo com os critérios gerais enunciados no artigo 71º do Código Penal, sem perder de vista que a aplicação da proibição de conduzir, além de constituir uma sanção adicional do facto e se destinar a prevenir a perigosidade do agente, também visa obter um efeito de prevenção geral de intimidação (Figueiredo Dias, As Consequências, 1993. pag.165).

Tendo em conta a matéria de facto provada em audiência de julgamento e fixada na sentença recorrida, os elementos a considerar no caso vertente são aqueles já acima expostos para a determinação da medida concreta da pena principal de multa:

- O grau da ilicitude assume significativa gravidade pela proporção de álcool no sangue e a consequente afectação da acuidade visual, da capacidade de discernimento e de reflexos na condução automóvel.

- No que respeita aos elementos da personalidade, inserção familiar social e profissional, releva necessariamente ter em conta que o arguido beneficia de completa integração familiar e social;

Valorando em conjunto os factores enunciados, concluímos que a pena acessória de proibição de conduzir se deve fixar em três meses e quinze dias.

9. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido e em consequência, alterando a decisão da matéria de facto nos termos acima enunciados, condenam o arguido José C..., pelo cometimento de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de sessenta e cinco dias de multa à razão diária de quinze euros e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de três meses e quinze dias.

Sem tributação por procedência parcial do recurso.

Guimarães, 17 de Março de 2014.