Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
735/10.0TBVCT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: .I. – As tabelas indemnizatórias constantes da Portaria 377/2008 não são vinculativas para os tribunais.
.II – Mostra-se adequada, a título de danos não patrimoniais, uma quantia no montante de 6 000 euros para indemnizar o lesado que sofreu, em consequência de atropelamento, dores cervicais e hematoma na cabeça, teve que ser seguido por médicos durante vários meses, tendo que ingerir anti-inflamatórios e fazer natação para minorar as dores, mantendo cervicalgias ocasionais que o obrigam a tomar medicação e o impedem de desfrutar em plenitude das actividades lúdicas e sociais e lhe causam angústia, depressão, nervoso, stress emocional e muitas vezes exasperação.
.III – Mostra-se adequada a título de danos patrimoniais - compensação do dano biológico – a quantia de 7.500,00 euros para indemnizar o lesado que tinha à data do atropelamento 50 anos de idade, ficando com sequelas permanentes que lhe determinaram a IPG de 3% e perda de rendimento de actividades agrícolas e de criação de animais que exercia fora do horário de trabalho a que se encontrava sujeito como funcionário público.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que integram a 1ª secção Cível deste Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório
F. veio interpor acção declarativa sob a forma de processo sumário contra Companhia de Seguros …, S.A., alegando, em síntese que:
No dia 21 de Outubro de 2008, pelas 17,50, o A. conduzia a sua viatura ligeira de passageiros com a matrícula HC, pela Avenida Paulo VI, na freguesia de Darque. Quando se encontrava imobilizado nuns semáforos que se encontravam com luz vermelha e que antecediam uma passadeira para peões, foi embatido na retaguarda pelo veículo de matrícula DJ, propriedade da C., S.A., conduzido por J. que naquele momento circulava distraidamente.
Por força do embate foi projectado cerca de 3 metros para além do local onde se encontrava, o que lhe causou ferimentos graves.
A responsabilidade emergente de acidentes de viação estava transferida para a R. que assumiu integralmente a culpa pela produção do acidente e indemnizou o A. em 2.750,00 euros, tendo o A. declarado no recibo de quitação que se encontrava ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram do referido acidente.
Sucede que, cerca de dois meses após a ocorrência do referido acidente, veio a sentir agravamento do seu estado de saúde, relativamente aos ferimentos sofridos com o acidente, o que comunicou à R., passando a ser seguido no departamento médico da R., no Porto.
Em Setembro de 2009 foi dado como clinicamente curado, embora com IPP, mas as partes não se entenderam sobre o montante da indemnização, pelo que teve que instaurar a presente acção.
Pede que a R. seja condenada a pagar-lhe pela IPP de 3% com que ficou o montante de 15.680,75 e pelos danos não patrimoniais que sofreu a quantia de 12.000,00, 167,37 de despesas médicas, medicamentos, exames e transportes, 80,00 euros de gasolina e desgaste da viatura relativas a duas deslocações em viatura própria ao Porto para ser observado pelos médicos da R. e 66,50 euros por ter deixado de trabalhado duas tardes, vendo-se forçado a usar um dia de férias que não gozou, num total de 27.994,62, acrescida dos juros legais que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento.
A R. contestou, impugnando que o A. tenha visto agravado o seu estado de saúde dois meses após o acidente, sendo que as lesões que refere não são consequência do acidente dos autos.
No saneador foi fixado à acção o valor de 30.000,01, pelo que os autos passaram a seguir a forma ordinária. Foram seleccionados os factos assentes e a base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a R:
a) a pagar ao A. a quantia de 7.747,37 (sete mil, setecentos e quarenta e sete euros e trinta e sete cêntimos = ( 7.500,00 + 167,37 + 80,00), a título de danos patrimoniais, e de 6.000,00 (seis mil euros) a título de danos não patrimoniais;
b) a pagar ao A. os juros de mora à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8/4):
• desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos
danos patrimoniais;
• desde a data da sentença até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.
Ambas as partes interpuseram recurso de apelação.
O A. apresentou as seguintes conclusões:
1.º - As indemnizações arbitradas na, aliás, douta sentença recorrida, acima mencionadas, são manifestamente baixas e inadequadas à situação factual dos autos;
2.º - Com efeito, os valores atribuídos pela douta sentença recorrida não traduzem uma reparação justa e com sentido de equidade ao Recorrente;
3.º - Entendemos que a justa indemnização para os danos não patrimoniais deve ser quantificada em montante não inferior a 10.000 €uros, em vez dos 6.000 €uros atribuídos, e o dano patrimonial em valor não inferior a 17.747,25 €uros, a uma taxa de capitalização de 2%, em substituição dos 7.500 €uros fixados na sentença recorrida e da taxa de 3% de capitalização aí utilizada para cálculo da mesma;
4.º - Ao decidir de modo diverso, a Mma. Juiz recorrida violou o disposto nos art.496º, 562º e 564º, todos do Código Civil.
5.º - Pelo que deve a, aliás, douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acordão de Vossas Excelências que arbitre ao Recorrente as indemnizações peticionadas.
A R. formulou as seguintes conclusões:
1ª. - A douta decisão proferida pelo Tribunal "a quo" condenou a recorrente a pagar ao Recorrido, além do mais, a quantia de 6.000,00 euros a título de danos de natureza não patrimonial é exagerada e merecedora de reparo por se afigurar contrário à boa aplicação do disposto nos artigos 496º, 562º e 564º do Código Civil.
2ª. - Não houve, a nosso ver, o equilíbrio e o sentido das proporções fundamentais necessárias para atribuição da quantia em questão a título de danos não patrimoniais quando comparada com situações com gravidade acentuada em que aquele valor tem sido fixado em quantias bem inferiores.
3ª. - A quantia a arbitrar ao Recorrido, atentas as lesões sofridas e as sequelas delas resultantes, nunca deveria ser superior a 3.500,00 euros.
4ª. - A Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, veio estabelecer critérios na fixação das indemnizações resultantes de danos corporais e a sua aplicabilidade à matéria dos autos e pela sua grande actualidade, entendemos que a sua tabela deve servir para atenuar o risco de discricionariedade nos valores a fixar, já que não deixa de reflectir um estudo e reflexão actuais sobre o que o legislador entendeu razoável fixar a vítimas de acidentes de viação: Acórdão STJ 08P3459, de 25-02-2009 e Acórdão Relação de Coimbra nº 1609627 de 21-11-2008;
5ª. - Por outro lado não há muita probabilidade nem previsibilidade de que o A. pudesse realizar a sua actividade profissional para além dos 65 anos.
6ª . - Tendo tudo em conta ao A. não deveria ser arbitrada uma quantia superior a 3.000,00 euros a título de IPP.
7ª. - A douta sentença recorrida violou e fez errada aplicação das normas constantes dos arts. 496º, 562º, 564º e 566º do C.C.
Objecto do recurso:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. nos recursos apreciam-se questões e não razões; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
As questões suscitadas nos recurso do A. e da R são as mesmas e são as seguintes:
. se devem ser alterados os montantes atribuídos a título de indemnização dos danos não patrimoniais e patrimoniais sofridos pelo A.

II – Fundamentação
II-A: Os factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1.1. No dia 21 de Outubro de 2008, pelas 17.50 horas, o A. conduzia a sua viatura ligeira de passageiros com a matrícula HC, pela Avenida Paulo VI, na freguesia de Darque, nesta comarca, no sentido Norte Sul, ou seja, de Viana para Darque.
1.2. O que fazia pela sua mão de trânsito e a velocidade inferior a 50 Km/h.
1.3. Ao alcançar a rotunda que existe na intersecção da estrada que, à direita, se dirige para a Praia do Cabedelo, naquela freguesia, o A. circulou com o seu veículo HC em direcção ao centro de Darque, contornando a mesma.
1.4. Seguidamente, o A. continuou a circular com aquela viatura HC na Av. Paulo IV, na indicada direcção Norte Sul.
1.5. Após haver circulado cerca de 20 metros naquela via, o A. foi confrontado com a existência de semáforos, que antecediam uma passadeira para peões, pintada nesse pavimento, pela cor branca e com a largura de 2,50 metros.
1.6. Cerca de 10 metros antes da viatura conduzida pelo A. alcançar o poste de sinalização daqueles semáforos, acendeu-se a luz vermelha, pelo que o A. imobilizou a sua viatura HC junto àqueles semáforos e imediatamente antes da passadeira referida, permitindo, como permitiu, a passagem de peões.
1.7. Quando o A. tinha a sua viatura HC assim imobilizada, surgiu-lhe, naquele dia e hora, na sua retaguarda, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula DJ, propriedade da C., SA., e conduzido por J.
1.8. O condutor do DJ, naquele momento, circulava de forma distraída e desatenta, não atentando na presença da viatura HC imobilizada junto aos aludidos semáforos e passadeira para peões.
1.9. Razão pela qual embateu frontalmente com a sua viatura DJ na retaguarda do HC, projectando a viatura do A. em cerca de 3 metros para além do local onde se encontrava imobilizada e causando ferimentos no Autor.
1.10. A R. assumiu integralmente a culpa pela produção do relatado acidente, tendo, por recibo datado de 25.11.2008, indemnizado o A. na quantia de 2.750 uros, tendo, por sua vez, o A. declarado, nesse recibo, que se encontrava então ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram do relatado acidente, dando quitação total dos mesmos.
1.11. Tal indemnização foi acordada no pressuposto, à data, de que o A. se encontrava recuperado das lesões sofridas pelo descrito acidente.
1.12. Sucede que, em Dezembro de 2008, ou seja, cerca de 2 meses após a ocorrência do acidente, o A. viu novamente afectado o seu estado de saúde, em consequência das lesões sofridas com este acidente de viação.
1.13. Pelo que o A. enviou no dia 06.01.2009, uma comunicação, via fax, à ora R. dizendo-lhe o seguinte:
- que antes deste acidente era uma pessoa saudável e sem qualquer mazela física;
- apressadamente a R. concluiu que o A. não tinha sequelas físicas resultantes deste acidente;
- também apressadamente a R. quis emitir o recibo de quitação integral de 2.750euros
- que o ora A. foi vítima de erro de vontade e de declaração, pois ao subscrever aquele recibo de quitação, jamais previu que poderia vir a sofrer, como aconteceu logo no mês seguinte, de sequelas físicas resultantes daquele acidente;
- pelo que, ou a R. reassumia a sua disponibilidade para o tratar e porventura o indemnizar de eventuais sequelas a nível de IPP resultantes daquele acidente, ou então instauraria a competente acção de declaração de nulidade daquele recibo de quitação, por erro e vício da vontade.
1.14. Por instruções da Ré, o A., a partir de Janeiro de 2009, passou a ser seguido clinicamente no Departamento Médico da ora Ré, no Porto.
1.15. Por causa do embate, o A. sofreu dores cervicais e um hematoma na cabeça.
1.16. Pelo que foi imediatamente transportado de ambulância, daquele local, para o Centro Hospitalar de Viana do Castelo, onde lhe prestaram os primeiros socorros.
1.17. De acordo com o Relatório Clínico da urgência hospitalar, ficou aí referido que o A. apresentava as seguintes queixas: Traumatismo na cabeça. Refere cefaleias, tonturas e apresenta hematoma parietal associada a dor cervical.
1.18. O autor realizou aí vários exames médicos, tendo permanecido naquele Hospital durante 4 horas em observações.
1.19. Findo esse tempo, foi-lhe concedida alta clínica, tendo o A. regressado a sua casa, com dores e a tomar anti-inflamatórios para o seu alívio.
1.20. A partir dessa data, o A. passou a ser tratado pelo departamento clínico da Ré.
1.21. Em 07.11.2008, a R. comunicou ao A. que este estava recuperado das lesões sofridas e que não haveria lugar à abertura do processo de avaliação dos danos corporais.
1.22. O autor, nessa ocasião, sentia-se melhor do seu estado de saúde e aceitou o
que lhe fora comunicado pela Ré.
1.23. Porém, em Dezembro de 2008, o A. passou a sentir fortes dores na região da cervical e ombros, crises de parestesias até aos cotovelos, e também episodicamente sintomas de síndrome cervico-basilar, espasmos musculares com rigidez de coluna, razão pela qual passou a ser observado pelo seu médico assistente, que o medicou com anti-inflamatórios.
1.24. No dia 16.01.2009, o A. voltou a ser observado clinicamente pelo seu médico assistente, que insistiu na continuidade do A. continuar a tomar anti-inflamatórios, uma vez que as dores não lhe desapareciam.
1.25. Nessa altura, foi-lhe recomendado pelo seu médico assistente que praticasse natação, o que o A. passou então a realizar semanalmente e em dois dias alternados.
1.26. O mesmo ocorreu em 28.03.2009, quando o A. voltou à consulta médica e as dores permaneciam.
1.27. Por tal motivo, o A. teve necessidade de realizar exames radiológicos, como Rx e Ressonância Magnética à coluna cervical.
1.28. No dia 25.09.2009, o A. foi observado pelo seu médico assistente, Sr. Dr.
Peres Filipe, especializado em ortopedia e traumatologia.
1.29. Porém, as dores persistiam ao nível da coluna cervical, pelo que aquele médico ortopedista mandou o A. continuar a praticar natação e a tomar anti-inflamatórios, o que o A. assim fez.
1.30. No dia 16.10.2009, o A. voltou a ser novamente consultado pelo este médico especialista.
1.31. Actualmente, o A., em consequência das lesões sofridas no acidente, sofre
cervicalgias ocasionais de intensidade ligeira a moderada, despertadas por determinadas posições e tarefas que envolvam esforços, e durante a noite.
1.32. Que o obrigam, por vezes, a tomar medicação e o impedem de fazer, em plenitude, as suas actividades lúdicas e sociais.
1.33. Em consequência das dores que sente e sofre, o A. passou a andar angustiado, deprimido, nervoso, inquietado.
1.34. Antes deste acidente, o A. era uma pessoa totalmente saudável e sem qualquer tipo de limitação física.
1.35. Por causa das supra descritas lesões que lhe advieram deste acidente, o A.
ficou com uma incapacidade permanente geral de 3 pontos, nos termos do código MD 801, da TNI D.L.352/2007 de 27.10.
1.36. À data do acidente, o A. tinha 50 anos de idade (nasceu em 10.11.1957).
1.37. À data do acidente, o A. era, como é, funcionário público, exercendo funções de 2.º Ajudante na Conservatória do Registo Civil …, auferindo o vencimento mensal de 1.242,49 euros.
1.38. Por causa do relatado acidente, o A. sofreu dores com as lesões que do mesmo lhe advieram, sendo quantum doloris fixável no grau 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente.
1.39. Em consequência das lesões sofridas pelo acidente, o A. passou a ter dificuldade em manter a posição prolongada de sentado, designadamente frente ao computador, seja em casa, seja no serviço.
1.40. Acresce que o A., após o horário laboral, e antes deste acidente, dedicava-se todos os dias ao amanho de algumas propriedades rústicas que lhe pertencem e de outras que trazia em cultivo, trabalhos a que igualmente se dedicava aos fins-de-semana e nas suas férias.
1.41. Igualmente, antes do acidente, o A. tratava da criação de galinhas, coelhos,
patos, perus, etc, sendo o A. quem ia ao campo cortar a erva que semeou, para lhes dar de comer.
1.42. O Autor também procedia à plantação de batata para consumo doméstico, tal como de feijão, tomate, e tratava da vinha que existe nas suas propriedades, designadamente podando-a, sulfatando-a e colhendo as uvas.
1.43. Depois do acidente, o A. sente dificuldades em realizar as tarefas supra descritas em 1.39. a 1.41., devido às dores que sente na cervical descritas em 1.31., que o impedem de continuar a realizar tais trabalhos, tendo então de ser auxiliado por terceiros, tendo o A. necessidade de recorrer à contratação de mão-de-obra rural, o que lhe acarreta custos.
1.44. E ainda lhe provoca desgosto e aborrecimento, stress emocional, angústia e, muitas vezes, exasperação.
1.45. Para tratamento das lesões sofridas, em despesas médicas, medicamentos, exames médicos e transportes, o A. despendeu, para além das já pagas pela Ré, a importância global de 167,37 euros, do modo seguinte:
- Taxa moderadora ………………………. 11,60 : doc.13
- Farmácia………………………….…………5,51 : doc.14
- Farmácia ……………………………………4,44 : doc.15
- Farmácia …………………………………. 15,24 : doc.16
- Electromiografia ………………………….. 7,60 : doc.17
- Médico …………………………………….. 60,00 . doc.9
- Médico……………………………………… 55,00 : doc.8
- Médico …………………………………….. 3,99 : doc.7
- Médico ……………………………………… 3,99 : doc.6.
1.46. O autor deslocou-se 2 vezes em viatura própria ao Porto, para ser observado pelo Departamento Clínico da Ré.
1.47. O veículo com a matrícula DJ é propriedade de C., SA, a qual havia transferido para a R. a responsabilidade civil, relativamente a danos causados a terceiros, com a circulação do referido veículo, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 750361110.

II-B: O Direito
Como se referiu supra, as questões suscitadas nos recursos do A. e da R. são as mesmas: montante da indemnização pela IPP de que o A. ficou a padecer e montante da indemnização por danos morais, pugnando o A. por indemnizações mais elevadas e a R. pela diminuição dos valores atribuídos pelo tribunal da 1ª instância.

Vejamos seguidamente as indemnizações atribuídas:
A título de danos não patrimoniais:
O Mmº Juiz a quo fixou a indemnização em 6.000,00. O A. pretende que lhe seja atribuída uma indemnização no montante de 10.000,00 e a R. considera adequado o montante de 3.500,00.
Apurou-se que em consequência do embate o A. sofreu dores cervicais e um hematoma na cabeça. Foi transportado ao Hospital onde realizou vários exames médicos, tendo permanecido no Hospital durante 4 horas em observações. Findo esse tempo, foi-lhe concedida alta clínica, tendo o A. regressado a sua casa, com dores e a tomar anti-inflamatórios para o seu alívio.
O A. a partir dessa data foi sendo assistido nos serviços clínicos da R. e em 7.11.2008 aceitou a alta da R. Porém, em Dezembro de 2008, o A. passou a sentir fortes dores na região da cervical e ombros, crises de parestesias até aos cotovelos, e também episodicamente sintomas de síndrome cervico-basilar, espasmos musculares com rigidez de coluna, razão pela qual passou a ser observado pelo seu médico assistente, que o medicou com anti-inflamatórios.
Comunicou à R. o que se estava a passar e passou a ser de novo seguido clinicamente no Departamento Médico da R. Teve que voltar a tomar anti-inflamatórios porquanto as dores não desapareciam, e praticar natação prescrita pelo médico duas vezes por semana e, em Setembro de 2009, quase volvido 1 ano sobre o acidente – ocorrido em Outubro de 2008 – as dores ainda persistiam ao nível da coluna cervical.
Actualmente, o A., em consequência das lesões sofridas no acidente, tem cervicalgias ocasionais de intensidade ligeira a moderada, despertadas por determinadas posições e tarefas que envolvam esforços, e durante a noite que o obrigam, por vezes, a tomar medicação e o impedem de fazer, em plenitude, as suas actividades lúdicas e sociais. Antes deste acidente, o A. era uma pessoa totalmente saudável e sem qualquer tipo de limitação física.
Em consequência das dores que sente e sofre, o A. passou a andar angustiado, deprimido, nervoso, inquietado.
Por causa do relatado acidente, o A. sofreu dores com as lesões que do mesmo lhe advieram, sendo quantum doloris fixável no grau 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente.
Foi submetido a diversas consultas e teve que realizar exames médicos.
O A., após o horário laboral, e antes deste acidente, dedicava-se todos os dias ao amanho de algumas propriedades rústicas que lhe pertencem e de outras que trazia em cultivo, trabalhos a que igualmente se dedicava aos fins-de-semana e nas suas férias e tratava da criação de galinhas, coelhos, patos, perus, etc, sendo o A. quem ia ao campo cortar a erva que semeou, para lhes dar de comer. Igualmente procedia à plantação de batata para consumo doméstico, tal como de feijão, tomate, e tratava da vinha que existe nas suas propriedades, designadamente podando-a, sulfatando-a e colhendo as uvas. Depois do acidente, o A. sente dificuldades em realizar estas tarefas agrícolas devido a dores que sente na cervical que o impedem de continuar a realizar tais trabalhos, tendo então de ser auxiliado por terceiros, o que lhe provoca desgosto e aborrecimento, stress emocional, angústia e, muitas vezes, exasperação.
Nos termos do artigo 496 nº 1 do CC, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, como é o caso dos danos sofridos pelo A., mereçam a tutela do direito. E, nos termos do nº 3 do artº 496º do CC, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do CC. Na indemnização por este tipo de danos não estamos face a um “equivalente do dano”, mas perante uma “compensação pelo dano”, permitindo-se ao lesado, com a indemnização atribuída, o acesso a bens (consumo) e serviços (lazer ou outros) que o distraiam do dano causado. A compensação assim atribuída deve ser significativa e não meramente simbólica, como a jurisprudência vem afirmando, estando ultrapassado a época das indemnizações miserabilistas, por hoje serem mais elevados os prémios de seguro e as condições de vida dos portugueses.
Deve ponderar-se designadamente o “quantum doloris”, o período de duração do sofrimento físico e moral, prejuízo de afirmação pessoal, as sequelas permanentes decorrentes da lesão, designadamente a incapacidade de que se fica a padecer na medida em que implica sofrimento físico ou moral, prejuízo estético, e outros.
A R. defende que deve atentar-se nos valores previstos na portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, para as situações como a dos autos, pela sua actualidade e com o fim de atenuar o risco de discricionariedade nos valores a fixar.
A Portaria 377/2008, de 26/5 fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (artº 1/1 da referida Portaria).
Nos termos da alínea b) do artº 3º da referida Portaria é indemnizável o dano pela ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico), de que resulte ou não perda da capacidade de ganho, determinado segundo a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil anexa ao DL 352/2007. Este diploma aprovou a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, constantes respectivamente dos anexos I e II do referido decreto -lei e que dele fazem parte integrante (artº 1º do referido DL).
As tabelas constantes da Portaria não são vinculativas para o Tribunal, conforme se decidiu no Ac. do desta Relação de 28/05/2009 No qual foi relatora Isabel Rocha, proferido no Proc. Nº 2596/08-2, disponível em www.dgsi.pt..Em conformidade com o disposto no artigo 1º, esta destina-se apenas a fixar critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, pelas entidades seguradoras (intenção que também é referida no preâmbulo). É assim apenas aplicável à regularização extrajudicial de sinistros, impondo às empresas de seguros regras e procedimentos, designadamente na avaliação dos danos dos lesados, de modo a permitir, de forma pronta e diligente, a assunção das suas responsabilidades e o pagamento das indemnizações.
A apelante também não defende que as tabelas sejam vinculativas. Em seu entender, serão uma referência. E tem-se entendido que, embora não vinculando, os tribunais podem socorrer-se das mesmas, sem abdicarem do seu poder soberano e da sua liberdade de julgamento, designadamente mediante o recurso à equidade, como critério aferidor do montante a fixar, face ao seu grau de racionalidade, razoabilidade e actualização, conforme se defende no Ac. do STJ, de 14/09/2010 Proferido no processo nº 797/05, cujo relator é Ferreira de Almeida, disponível em www.dgsi.pt., na procura de indicadores que permitam tratar o mais igual possível, situações iguais.
Nos termos da Portaria 377/2008, só há lugar a indemnização por dano patrimonial futuro, quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional ou no caso de incapacidade permanente absoluta (alínea a) do artº 3º da Portaria e preâmbulo do diploma).
A compensação prevista no anexo IV para o dano biológico entre 1 a 5 pontos que é o caso dos autos, para lesados com idade à data do acidente (momento a considerar de acordo com o artigo 12º da Portaria) compreendida entre os 46 e 50 anos, situa-se entre 560 a 730 euros por ponto. A indemnização deverá aproximar-se ou atingir o limite máximo, se a idade do lesado se situar no limite mínimo da idade prevista para aqueles valores. Posteriormente a Portaria 377/2008 foi alterada pela Portaria 679/2009, de 8/4, tendo estes valores sido alterados para 574,56 a 748,96.
Ora, como se constata, os valores da Portaria são muito baixos, penalizando os sinistrados com incapacidades permanentes pequenas, não cumprindo a função de reparação que a indemnização deve ter.
E quanto aos danos morais sofridos pelo próprio, a Portaria 377/08 não prevê indemnização para quantum doloris, como é o caso, abaixo de 4 pontos. As tabelas não personalizam o dano, valorizando, essencialmente sequelas orgânicas e uma mesma lesão ou sequela orgânica pode ter consequências diferentes para cada pessoa. As tabelas não contemplam todas as variações e dimensões do dano e não valorizam as pequenas incapacidades, não contemplando quantum doloris abaixo de quatro e não compensando a repercussão na vida profissional até 10 pontos.
Nos casos como o dos autos, os valores constantes da portaria não podem constituir assim uma referência.
Considerando as dores que o A. sofreu durante um período prolongado, tendo o quantum doloris sido fixado no grau de 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente, dores que ocasionalmente ainda ocorrem, causando-lhe desgosto, angústia, inquietação, nervosismo, stress emocional, e muitas vezes exasperação, mostra-se adequada a indemnização arbitrada pela primeira instância. Atribuir um valor de indemnização inferior, como reclama a R., não compensaria adequadamente o A. que teve que suportar dores e tem ainda que as suportar ocasionalmente e que sofre com as limitações que esta patologia lhe provoca.
Tudo ponderado, atendendo ao disposto no nº 3 do artº 496º e 494º do CC mostra-se adequada a indemnização arbitrada pela 1ª instância.

Quanto à indemnização por danos patrimoniais:
O Mmº Juiz a quo fixou a indemnização em 7.500,00. O A. pretende que lhe seja atribuída uma indemnização em montante não inferior a 17.747,25 e a R. considera adequado o montante de 3.000,00. Na petição inicial o A. pediu a este título a quantia de 15.680,75. No recurso vem alterar a quantia pedida a este título, mantendo-se, contudo, dentro do valor total do pedido formulado na petição inicial.
O A. ficou com uma incapacidade permanente geral de 3 pontos, em consequência das lesões sofridas.
A incapacidade parcial permanente pode afectar e diminuir a potencialidade de ganho por duas vias: pela perda da diminuição da remuneração ou pela implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou para desenvolver as várias tarefas, nomeadamente as do seu quotidiano.
No caso, não se apuraram quaisquer factos que permita concluir pela perda de rendimentos do lesado relativamente à sua actividade profissional de 2º ajudante na Conservatória do Registo Civil de ...
Contudo, sempre a IPP com que ficou é de indemnizar, devido aos esforços acrescidos que vai ter de fazer para desenvolver as actividades que até desenvolvia. Uma pessoa com incapacidade, mesmo de reduzida expressão, está numa situação diferente e pior, do que outra sem qualquer incapacidade. E esse dano não deve ser indemnizado ao abrigo do artº 496º do CC, por não se tratar de dano não patrimonial. A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial Conforme se defende no Ac. do STJ, de 23.04.009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..
O dano resultante da atribuição de uma incapacidade parcial permanente sem rebate na vida profissional do lesado, tem sido tratado pela jurisprudência, como dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física, constituindo um dano patrimonial a indemnizar segundo as regras do artºs 562, 564/2 e 566 do CC Conforme se defende no Ac. do STJ de 23.04.2009, citado na nota de rodapé antecedente..
Desde 1979 que a jurisprudência acolheu a solução de que a indemnização a pagar ao lesado deve, relativamente aos danos futuros “representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”Conforme se defende no Ac. do STJ de 9.1.79, BMJ 283º, p. 260. .
Posteriormente, em 1981, deflagrou um novo critério que não afastou a corrente que defendia o recurso às tabelas financeiras, e que chamou a atenção para que a indemnização fosse calculada tendo em atenção o tempo provável da vida activa da vítima, de modo a que o capital produtor do rendimento cubra a diferença entre a situação anterior até ao final da vida activa Nomeadamente, Ac. do STJ de 8/5/86, BMJ 357º, p. 396. Actualmente, tem-se defendido que não há que atender apenas ao período de vida activa do lesado, mas sim à esperança média da vida humana, atendendo que as suas necessidades básicas não se esgotam no dia em que deixa de trabalhar, por motivo da sua passagem à situação de reforma – cfr. Ac. do STJ de 14/09/2010 (relator Sousa Leite), proferido no Proc. nº 267/06, disponível em www.dgsi.pt, entendimento com o qual se concorda..
O Conselheiro Sousa Dinis, num estudo publicado na CJ/STJ – vol I, de 2001 O artigo denomina-se “Dano corporal em acidentes de viação – cálculo da indemnização em situações de morte, incapacidade total e incapacidade parcial”. Ainda recentemente, já em 2010, no âmbito de uma conferência sobre o avaliação do dano e reparação do dano patrimonial e não patrimonial no direito civil, no Centro de Estudos Judiciários, no Curso de Especialização em Direito Civil, o Conselheiro Sousa Dinis continuou a defender a actualidade deste estudo publicado em 2001 e a não utilização das tabelas de compensação da Portaria 377/2008, por considerar que atribuem valores que não indemnizam os lesados. , apresenta uma fórmula matemática simples destinada a auxiliar no cálculo da indemnização, salientando que os cálculos matemáticos constituem meros auxiliares do julgador a corrigir de acordo com a factualidade do caso concreto e o recurso à equidade.
Considera que se pode facilmente encontrar o capital necessário que dê ao lesado ou os seus herdeiros o rendimento perdido, calculado a uma determinada taxa de juro, “…através de uma regra de três simples, não “afinando” o resultado obtido pelo recurso às tabelas financeiras (nem sempre acessíveis nem de consulta fácil) mas fazendo intervir no fim a equidade” Estudo citado, p. 9.
De acordo com este entendimento há que determinar qual o capital necessário para, à taxa de juro que se indicar, se obter o rendimento perdido. À quantia assim obtida há que proceder a uma redução, para evitar uma situação de enriquecimento sem causa, uma vez que o lesado, ou os seus herdeiros em caso de morte, vão receber de uma só vez o que receberiam parcelarmente. O desconto dependerá do nível de vida do país e até da sensibilidade do juiz, defendendo a redução de ¼. Se a idade da vítima for baixa a quantia encontrada poderá ser aumentada e quanto mais alta for a idade, mais a verba a atribuir será fixada num nível inferior. Em caso de IPP, ficciona-se uma situação de incapacidade total que constitui o ponto de partida e depois fixa-se a quantia considerada adequada, tendo em conta o grau de incapacidade.
No Ac. do STJ de 4.12.07 Relatado por Mário Cruz, proferido no proc. nº 07A3836, disponível em www.dgsi.pt. podemos encontrar outro meio de cálculo da indemnização por danos futuros e que pretende estabelecer limites mínimos, através de uma fórmula acessível à generalidade dos aplicadores do direito.
Na sentença recorrida considerou-se “…equilibrada a equilibrada a solução que começou por ser acolhida nos Acs. STJ 4Fev93, CJ-S t.1º p.128 e STJ 5Mai94, CJ-S t.2º p.86 (do mesmo relator), que atende à descida evolutiva da taxa de juro, tendência que se tem acentuado ao longo dos últimos anos e que tende para a estabilização na casa dos 5%-6% líquidos, sendo certo que actualmente a banca paga aos depositantes entre 2% e 4%. Aplicá-la-emos utilizando uma taxa de 3% e considerando um limite da vida activa entre os 65 70 anos e uma esperança de vida entre os 75-80 anos (AcsSTJ 4Fev93 cit, STJ 5Mai94 cit. e STJ 4Jun98, BMJ 478º p.344), certo como é que, como tem vindo a ser admitido pela maioria da jurisprudência, a capacidade de ganho se mantém mesmo para além da idade da reforma, ainda que porventura de forma menos acentuada (Acs STJ 16Mar99, CJ-S t.1º p.167 e STJ 25Jun02, CJ-S t.2º p.128)”.
Se utilizássemos a fórmula referida no Ac. do STJ 4.12.07, obteríamos um valor base de 7.763,75, tendo em conta apenas o salário mensal do A., uma vez que se desconhece o rendimento que auferia pela exploração agrícola que desenvolvia e pela criação de gado, se considerássemos uma provável vida activa até aos 70 anos de idade, idade que tem sido considerada como referência em diversos arestos Nomeadamente, no Ac. do TRP citado pela R., mencionado na nota de rodapé 4. e que se nos afigura adequada, numa altura em que o aumento da idade da reforma está a ser equacionado em vários países, incluindo Portugal.
A sentença recorrida alude ao defendido em dois arestos do STJ que citou, mas não demonstra as operações que efectuou. A fórmula constante destes acórdãos é uma fórmula complexa (a fórmula publicada no acórdão de 1993, como se refere no acórdão de 1994, cujo relator é o mesmo, não reproduz o que se escreveu no acórdão sendo assim inaproveitável, sendo antes de atentar na fórmula constante do acórdão de 1994) exigindo diversas operações matemáticas. O acórdão de 1993 embora tenha sido tirado por unanimidade tem duas declarações de voto dos juízes adjuntos que são as seguintes: “ a justa indemnização não está sujeita a qualquer liquidação matemática”.
Outros entendimentos têm sido defendidos para o cálculo da indemnização por incapacidade. No Ac. do TRG, de 16.04.2009, defendeu-se “…a ponderação dos casos análogos tratados pela jurisprudência, satisfazendo assim um desiderato de justiça que aos tribunais cumpre assegurar” Cujo relator é Gouveia Barros, proferido no Proc. nº 197/2002, disponível em www.dgsi.pt. e assegurando a igualdade dos cidadãos.
Embora, não podendo deixar de reconhecer a utilidade do uso de fórmulas ou de critérios estabelecidos em tabelas, mormente no caso de se ter apurado a concreta perda de rendimentos, entendemos também, que os valores resultantes destas tabelas são meramente indicativos, devendo ser corrigidos depois de acordo com a equidade, aplicando-se o disposto no nº 3 do artº 566º do CC.
Saliente-se que, nos casos como o em apreço, em que não há uma concreta perda de rendimentos resultante da incapacidade sofrida, no que concerne à actividade profissional do A. como 2º ajudante, a remuneração auferida pela vítima não é muito relevante. O dano biológico traduzido numa determinada pontuação, sem rebate profissional, é sensivelmente o mesmo quer o sinistrado aufira 300,00 euros como 3.000,00 euros mensais. As dores na região cervical são sentidas da mesma maneira, independentemente da remuneração que cada um aufere, embora a repercussão destas dores na actividade exercida pelo lesado, possa variar.
Relativamente à actividade que o A. exercia para além do trabalho de 2º ajudante, uma vez que o A. não pode efectuar as tarefas que até então desempenhava, sem contratar mão-de-obra, ocorre aqui uma perda de rendimentos, correspondente ao valor da mão de obra que o A. passou a ter que custear, embora desconhecendo-se o seu montante.
Conforme se defende Ac. do STJ de 16.12.2010 Relatado por Lopes do Rego, proferido no proc. nº 270/06, disponível em www.dgsi.pt. a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Apurou-se que o A. antes do acidente era totalmente saudável, sem qualquer limitação física e depois do acidente passou a não desempenhar sozinho as actividades que até então exercia na agricultura e na criação de animais. Igualmente passou a não poder permanecer muito tempo sentado, sendo provável que atenta a profissão que exerce – 2º ajudante na Conservatória do Registo Civil de … - e a predominância que o uso dos computadores tem hoje nos serviços públicos, exercesse as suas funções maioritariamente sentado, utilizando um computador, o que o limita nesse desempenho, exigindo-lhe esforços adicionais.
No Ac. do STJ de 20.01.2010 Proferido no proc. 203/99, disponível em www.dgsi.pt. atribuiu-se uma indemnização de 15.000,00 visando compensar os danos morais e a incapacidade permanente de 5% com que a sinistrada ficou sem rebate na vida profissional, com 2 meses de incapacidade para o trabalho (no caso dos autos não seu deu como provada qualquer período de incapacidade para o trabalho), em que a vítima sofreu uma intervenção cirúrgica e ficou com uma cicatriz no nariz. No caso em apreço não há danos estéticos a registar, mas por outro lado as sequelas permanentes que a vítima sofreu no caso do Ac. do STJ, além da cicatriz, poderão ser entendidas como menores - dificuldade em respirar por vezes, por o nariz se entupir com mais facilidade. E no caso dos autos há a considerar a necessidade de recorrer à contratação de terceiros, o que implica mais custos e menor rendimento, relativamente às actividades de agricultura e de criação de animais.
Tudo ponderado, considerando que o A. nada contribuiu para os danos sofridos, a repercussão dos mesmos na sua vida, a capacidade económica do obrigado à indemnização, consideramos adequada a indemnização fixada na sentença recorrida – 13.500,00 euros (6.000,00 a título de danos não patrimoniais e 7.500,00, a título de indemnização pela incapacidade de que ficou afectado) - que se nos afigura encontrar-se dentro dos critérios seguidos pelo STJ no recente acórdão citado.

Sumário:
.I. – As tabelas constantes da Portaria 377/2008 não são vinculativas para os tribunais, sendo os seus valores muito baixos, no caso de sinistrados com incapacidades permanentes pequenas, não cumprindo a função de reparação que a indemnização deve ter.
.II – Mostra-se adequada, a título de danos não patrimoniais, uma quantia no montante de 6 000 euros para indemnizar o lesado que sofreu, em consequência de atropelamento, dores cervicais e hematoma na cabeça, teve que ser seguido por médicos durante vários meses, tendo que ingerir anti-inflamatórios e fazer natação para minorar as dores, mantendo cervicalgias ocasionais que o obrigam a tomar medicação e o impedem de desfrutar em plenitude das actividades lúdicas e sociais e lhe causam angústia, depressão, nervoso, stress emocional e muitas vezes exasperação.
.III – Mostra-se adequada a título de danos patrimoniais - compensação do dano biológico – a quantia de 7.500,00 euros para indemnizar o lesado que tinha à data do atropelamento 50 anos de idade, ficando com sequelas permanentes que lhe determinaram a IPG de 3% e perda de rendimento de actividades agrícolas e de criação de animais que exercia fora do horário de trabalho a que se encontrava sujeito como funcionário público.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente ambas as apelações e em confirmar a sentença recorrida.
Custas da apelação do A. pelo A. e da apelação da R. pela R.
Not.
Guimarães, 9 de Junho de 2011
Helena Melo
Amílcar Andrade
José Rainho