Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1651/04.0TBSTS-F.G1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Não há qualquer vantagem em alterar a situação, com os riscos que a alteração poderia implicar, de um menor de 13 anos que está à guarda e cuidados do pai há cerca de 4 anos , com quem tem estado muito bem, podendo visitar a mãe quando quer, não colocando o pai qualquer objeção a estes convívios, sem que nenhuma falha haja resultado provada na conduta do requerido e essa alteração só se justificaria se afirmássemos uma prevalência do direito da mãe à guarda de um filho, o que não é de acolher nem a lei reconhece tal direito de “preferência”.

II- Não se vê que possa ser para ela benéfica, particularmente do ponto de vista emocional, uma mudança de hábitos e rotinas adquiridos pelo menor ao longo dos últimos anos, sobretudo na fase da adolescência.
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 – Relatório.

Veio o Magistrada do Ministério Público requerer que se procedesse à alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança E. L., contra D. L. e P. M..
Para o efeito, alegou que por sentença proferida em 21 de março de 2007, transitada em julgado, a criança E. L. ficou confiada à guarda e cuidados da mãe, competindo a esta o exercício do poder paternal (agora responsabilidades parentais), podendo o pai visitar e estar com o filho sempre que quisesse, mas sem prejuízo dos seus horários de descanso e de estudo. Mais alegou que no âmbito do NUIPC 1742/11.0TABRG que correu termos no 3º juízo criminal do Tribunal Judicial de Braga, foram emitidos mandados de detenção contra a progenitora, por despacho de 14 de maio de 2013, desconhecendo-se quando é os mesmos iriam ser cumpridos, deixando quando o forem a requerente de ter condições para ter o filho a seu cargo.
Foi determinado que fosse dado cumprimento ao então art. 182º, nº 3 da OTM e o processo foi inundado por requerimentos/exposições da progenitora manifestamente injuriosos e difamatórios, o que conduziu a que fossem extraídas certidões para instauração de processos-crime contra a progenitora e internamento compulsivo da mesma.
Foi solicitado à Segurança Social a elaboração de inquérito às condições do E. L. e dos seus pais, que foi junto aos autos a fls 55 e ss e a progenitora voltou a assumir as mesmas posturas ofensivas.
Foi designada data para uma conferência de pais que teve lugar 26.01.2015, onde foram ouvidos os progenitores e o E. L..
O processo, face ao conflito parental, foi remetido para a audição técnica especializada, cujo relatório se encontra junto aos autos.
O processo prosseguiu os seus termos, notificando-se os intervenientes para apresentarem alegações e oferecerem provas.
Posteriormente, a Exma Magistrada do M.P. veio requerer a fixação de um novo e provisório regime de regulação das responsabilidades parentais, o que foi feito a fls 196 e ss.
Foi, então, proferida sentença, onde se decidiu o seguinte:
«Alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais referente à criança E. L., da seguinte forma:

I - RESPONSABILIDADES PARENTAIS.
1) A criança E. L. fica à guarda e cuidados do pai, com quem fica a residir em …, exercendo este as responsabilidades parentais relativas aos atos de vida corrente da criança;
2) As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança E. L., nomeadamente, no que respeita à sua saúde e educação, serão exercidas por ambos os progenitores.

II - DIREITO DE VISITAS/CONVIVIOS/FÉRIAS:

A mãe poderá conviver e estar com a criança E. L. quando o entender, sem prejuízo dos horários de estudo e descanso da criança e da vontade da mesma, contatando previamente com o progenitor com 24 horas de antecedência.
Sem prejuízo da análise casuística que o pai fica incumbido, nas férias de verão, em agosto, o E. L. passará 15 dias com cada um dos pais, de forma interpolada: uma semana com a mãe, outra com o pai, a seguinte novamente com a mãe e a última semana do mês com o pai. Também, nas festas de natal e ano novo, o E. L. passará este período com ambos os pais. Assim, este ano, passará o dia 24.12 com a mãe, o 25 com o pai, o dia 31.12 com a mãe e o dia 01.01 com o pai, alterando-se nos anos seguintes.

III - ALIMENTOS/DESPESAS:

1) A título de alimentos devidos à criança E. L., a mãe pagará mensalmente ao pai, até ao dia 08 (oito) de cada mês, a quantia de 100€ (cento euros), sendo tal quantia entregue através de qualquer meio idóneo e será anualmente atualizável nos termos divulgados pelo INE, mas em valor não inferior a 2%.
2) As despesas médicas, medicamentosas e escolares de início de ano, na parte não comparticipada, serão suportadas por ambos os progenitores na proporção de 50% para cada progenitor, mediante apresentação de comprovativo ao outro».
Inconformada com a sentença, a requerida interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
«85. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual alterou a regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor E. L., ao abrigo do artigo 32.º do RGPTC da lei 114/2015 de 8 de Setembro.
86. O presente recurso versa sobre a matéria de Factos, em especial dos factos não provados e dos factos provados com bastante insuficiência e foram omitidos.
87. A nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 615º nº 1 alínea d) do CPC traduzse no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no art. 15 nº 2 do CPC,que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.
88. A apelante invoca que a sentença é nula por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão.
89. Quanto à omissão de pronúncia, a apelante invoca que o tribunal omitiu “participação criminal do apelado”, alcançando-se do corpo das alegações que se reportará a vicissitudes ocorridas aquando da audiência, tendo o Meritíssimo Juiz.
90. Reclamando a apelante pela circunstância do Meritíssimo Juiz ter omitido a prolação de testemunhas, de um CD, e de alguns factos relevantes para a causa.
91. Invoca ainda a apelante a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, indicando que “a realidade factual” impunha decisão diferente da que a primeira instância tomou.
92. Socorrendo-nos do conceito de silogismo, temos que a sentença deve ter uma estrutura argumentativa lógica, no sentido de que as premissas precedem a conclusão, que delas deve decorrer naturalmente
93. Lendo a decisão concluiu-se que o juízo feito pelo tribunal a quo está alicerçado nas razões expostas na decisão, sendo que a apelante questiona o juízo de mérito feito pelo Meritíssimo Juiz, invocando, verdadeiramente, erro de julgamento e não uma hipótese de nulidade da sentença.
94. A apelante peticiona a revogação da sentença e a sua substituição “por outra que a mesma tenha a guarda do menor, que criou desde o nascimento até 2013, que lhe foi tirado por ter sido internada”.
95. Refere ainda que “o critério utilizado” pelo tribunal – “e outro se não vê que possa ter sido utilizado”, acrescenta – “foi o de o pai auferir (alegadamente) mais dinheiro do que a mãe” e do relatório médico de 2006 e do relatório da segurança socia , não está correcto.
Em especial,
96. A recorrente nunca foi notificado dos relatórios elaborados pela Assistente Social.
97.Relatórios que constam dos autos nunca lhe foram notificados, ao contrário do que é alegado pelo tribunal, e os mesmos são desatualizados;
98. As testemunhas arroladas no processo não foram ouvidas pelo Tribunal de Família e menores. (Junta doc n.º 1)
99. As testemunhas em causa, eram importantes para a motivação, provando-se que o mesmo não cumpre devidamente com a relação efetiva com o menor;
100. Que faltam condições educativas importantes para o menor;
101. O mesmo não compra o material escolar, não lhe dá vestuário, não marca consultas para o menor;
102. Sendo a recorrente (mãe do menor) que acompanha todas estas situações;
103. Algo que foi também enviado nos inúmeros emails pela recorrente;
104. Não foi provado que a mãe na atualidade tenha nenhuma doença, como diz a sentença, num relatório de 2006, quando estamos em 2016.
105.Não foi provado que o pai trata decentemente do filho menor e das suas necessidades;
106. O relatório baseou-se numa análise superficial dos factos e inconclusivos;
107. A motivação da douta sentença, baseia-se num juízo desadequado e sem sentido,
108. O mesmo alegado, baseia-se num relatório de 2006, e nunca afetou a relação até hoje com o menor. (Junta doc 2)
109. A recorrente viveu sempre sozinha com o filho, sem ajuda financeira, desde 2003 até 2013.
110. O mesmo cresceu num ambiente saudável, sempre foi bom aluno, perspicaz;
111. A mãe sempre foi a melhor para o menor, e devido a um problema ocorrido em 2013, a recorrente perdeu o seu filho, mas não deixou de lutar;
112.O juízo do tribunal, baseou-se num erra do pressuposto de análise etimológico;
113. Em especial, o relatório médico do ano de 2006, sendo que a mãe está estabilizadas na atualidade;
114. Estando num quadro clinico normal, e fragilizada pela perda do menor;
115. Algo que afeta a sua vida e a sua sensibilidade;
116. Por erro, da comissão de proteção de menores da Trofa, que devido ao internamento da recorrente, decidiu retirar provisoriamente o menor da companhia da mãe;
117. O que afetou a mesma, e a revoltou até aos dias de hoje;
118. E pergunta-se “ de 2003 até 2013 o menor não foi bem tratado pela recorrente2?
119. Devido a um internamento normal, e rotineiro que direito tem o CPCJ, de tirar o menor a uma mãe?
120. Sem ouvir o pedido de menor, e não ter nenhuma prova que a mãe não fosse uma boa mãe.
Cumpre referir
121. Que o relatório da Segurança Social apenas refere “ O progenitor parece estar capaz de exercer a uma coparentalidade positiva, no entanto o mesmo parece não acontecer atualmente por parte da progenitora, dado o elevado nível de emoções negativas até ao momento não resolvidas, relativamente ao progenitor “
122. Esta passagem do relatório, constante dos autos, que nunca foi notificada à recorrente, demonstra uma análise errado dos factos.
123. Porque a recorrente de facto de emoções negativas, devido à falta de respeito do progenitor, que não a pensão de alimentos desde 2013, que vive com a sua irmã, e também as emoções negativas aumentaram, desde que a mesma perdeu injustamente o menor em 2013.
124. O mesmo apresentou um discurso fluido e maturado no relatório, mas isso não corresponde à verdade;
125. O progenitor em virtude de um filho de um outro casamento, abandonou à fome e sede, o filho com esquizofrenia;
126. Filho esse que foi abandonado e maltratado, como demonstra a reportagem, Link para visualização:
https://drive.google.com/file/d/0B6E0BxHOtWFLdW9XMGdIVVN6VEU/view
127. Algo que não foi tida em conta na motivação do douto tribunal, algo muito grave que atesta a personalidade desconforme do progenitor e pai do menor;
128. Reportagem que entregue pela recorrente em CD, no dia de audiência de julgamento, mas foi negado a sua visualização;
129. Factos que devem ter relevância para a decisão do objeto da causa, e que não vislumbrado pelo tribunal;
130. Que mostram com quem o menor está neste momento, com um progenitor que abandona o filho com esquizofrenia;
Mas também,
131. O menor não quer estar com a irmã da recorrente, que vive em relação de união de facto com o progenitor;
132. Mas o menor não que estar com a sua tia;
133. O mesmo na motivação foi instruído pelo pai, para referir que queria estar com o mesmo;
134. O progenitor demonstra uma atitude conhecida por síndrome alienação parental grave.
135. O progenitor alienado é visto como um indivíduo perigoso, chegando a ser encarado como um inimigo. Surgem sentimentos de ódio e recusa para com o progenitor alienado, enquanto o outro progenitor é amado e defendido de forma irracional.
136. Como potenciador da necessária alteração, configura-se o designado Síndrome de Alienação Parental, como um distúrbio que surge principalmente no contexto das disputas pela guarda e confiança da criança, caracterizado por um conjunto de sintomas resultantes do processo (alienação parental) pelo qual um progenitor transforma a consciência do seu filho, com o objectivo de impedir, obstaculizar ou destruir os vínculos da criança com o outro progenitor.
137. A quebra procurada, da relação com um dos progenitores, importa necessariamente num empobrecimento, nas múltiplas áreas da vida da criança, caso das interações, aprendizagens e troca de sentimentos e apoios, mas também, podendo gerar, face à presença ou a possibilidade de aproximação do progenitor não guardador, reações de ansiedade e angústia, em si igualmente patológicas.
138. As visitas ao progenitor tornam-se escassas ou mesmo inexistentes tal como as visitas aos avós e família alargada que se ocorrer convertem-se em reações adversas.
139. Ainda que a campanha de difamação seja mais contínua e intensa, a criança já revela alguma independência de pensamento pois não justifica as suas acções com recurso a ideias transmitidas por outros.
140. Algo que o progenitor, fez e faz com a criança, instruindo a mesma de forma a alterar a sua ideia da mãe,
141. Mas o mesmo continua a querer a mãe, está diariamente com e recorrente;
142. Mas a recorrente sente falta do menor, que é a sua vida, e é parte da mesma;
143. Uma relação que foi quebrada indevidamente pelo internamento da recorrente, e devida atitude do CPCJ;
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE
RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:

I- Revogada a sentença recorrido, por nulidade, omissão e insuficiência de factos e factos provados erradamente, e substituída por outra que atente aos interesses do menor, e em consequência alteradas as responsabilidade parentais, no que concerne à guarda do menor, para que a guarda seja entregue à recorrente do presente recurso;
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA»
Na s contra-alegações, o Ministério Público alega em síntese que a recorrente não cumpriu minimamente o ónus de impugnação da matéria de facto, pois não indica os concretos pontos que considera incorrectamente julgados, nem os meios probatórios que impunham decisão diversa e não desenvolveu qualquer análise crítica das provas não indicando a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida sobre as mesmas.
Conclui o MºPº que nesta parte deve o recurso ser rejeitado.
Quanto à parte de direito refere que também aqui não foi cumprido o ónus do recurso, pois não indica as normas jurídicas violadas.
Finalmente alega que a decisão salvaguarda o interesse do menor e por isso deve ser mantida.
Foi proferido despacho para cumprimento do contraditório relativamente à rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Foram dados como provados na 1.ª instância os seguintes factos:
a) E. L. nasceu em 06 de outubro de 2003 e é filho de P. M. e de D. L..
b) Por acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, homologado por sentença proferida nos autos principais a 21 de março de 2007, o menor E. L. ficou confiado à guarda e cuidados da mãe, competindo a esta o exercício do poder paternal, podendo o pai visitar e estar com o filho sempre que quisesse, mas sem prejuízo dos seus horários de descanso e de estudo.
c) Foi este o regime em vigor até 20 de junho de 2013, data em que foi aplicada, a título urgente e a favor do E. L., a medida de acolhimento em instituição, confirmada no âmbito do processo de promoção e proteção que constitui o apenso ”G”.
d) Em sede de intervenção protetiva, por despacho proferido no dia seguinte, depois de ouvido o progenitor (o único presente em virtude de a progenitora se encontrar internada no Hospital, desde o dia anterior), foi ainda decidido fixar-se provisoriamente a regulação do exercício das responsabilidades parentais do E. L. nos seguintes termos: 1. O menor E. L. fica entregue à guarda e cuidados do progenitor, D. L.; 2. A título de prestação de alimentos para o menor neste momento não se decide quanto à sua fixação, por se desconhecer as condições económicas da progenitora; 3. A progenitora, P. M. poderá visitar o menor sempre que quiser, sem prejuízo dos horários de descanso do menor, avisando com a antecedência de 48h o progenitor, D. L..
e) Na sequência do assim decidido, foi determinada a cessação da medida protetiva.
f) Com algumas interrupções é este o regime que tem vindo a ser efetivamente executado (apesar da sua natureza provisória e de ter sido fixado no âmbito de um processo de promoção e proteção entretanto extinto).
g) No relatório de fls. 144 a 147 do apenso “G”, elaborado em 17 de junho de 2015, refere-se que, nessa altura, o E. L. encontrar-se-ia a viver com a progenitora, mas nas diligências realizadas em 17 de agosto de 2015 no mesmo processo, foi referido pelo progenitor que o E. L. já se encontrava de novo na sua companhia desde o dia 15 de julho.
h) O regime estabelecido na alínea d) é o que tem vigorado, mantendo-se o E. L. a residir com o pai, com exceção de um período em que os pais procuraram reatar a relação, mas sem sucesso, altura em que o E. L. “andou de um lado para o outro” até voltar, com carácter regular, para a companhia do pai, que é quem desempenha as funções de encarregado de educação.
i) O pai do E. L. é reformado da Guarda Nacional Republicana e recebe mensalmente, a título de pensão de reforma, a quantia de 1.062€.
j) Tem três filhos de um anterior casamento que são maiores e têm uma boa relação com o E. L..
k) Vive em casa própria (um T2) em Vila Verde que adquiriu com recurso ao crédito bancário, pagando mensalmente ao banco uma verba para amortização do empréstimo.
l) Na referida casa o E. L. tem um quarto para si.
m) A mãe do E. L. vive numa casa arrendada em Vila Verde, pagando, mensalmente 300€ de renda.
n) Trabalha para empresas, fazendo análises à água, desconhecendo-se o seu rendimento mensal médio.
o) A progenitora é portadora de doença mental que identifica como “personalidade anormal paranoica”.
p) Ambos os pais do E. L. nutrem amor e carinho pelo mesmo.
q) O E. L. gosta de ambos os pais, considerando o pai mais exigente na sua formação e a mãe mais liberal.
r) O E. L. preferia ir viver com a mãe, por gostar do seu estilo de vida, mas gostava que fosse o pai o seu encarregado de educação.
s) O E. L. sente-se bem em casa do pai e gosta de viver com o mesmo.
t) O E. L. visita a mãe quando quer, não colocando o pai qualquer objeção a estes convívios.
u) O E. L. transitou para o 8º ano de escolaridade e é bom aluno.
v) O E. L. é uma criança perspicaz, dócil e extrovertida.
w) O pai do E. L. não tem antecedentes criminais.
x) A mãe do E. L. já foi várias vezes condenada, dando-se por reproduzido todo o teor de fls 111 a 123..

1.2. Com interesse para a decisão da causa, não há factos não provados.


2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:
1ª Questão - Saber se foi cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto.
2ª Questão – Saber se foi cumprido o ónus de impugnação de direito.
3ª Questão – Saber se a decisão salvaguarda o superior interesse do menor.

3 - Análise do recurso.

1ª Questão - Saber se foi cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto.

Vejamos o quadro legal aplicável que permite a impugnação da matéria de facto:
Dispõe o artigo 640.º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
b) (…).
A questão é saber se a recorrente satisfez (ou não) os ónus a que estava adstrita para que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não seja rejeitada.
Ora, da análise das alegações de recurso em causa, como aliás refere o MºPº verificamos que a recorrente não indica os concretos pontos que considera incorrectamente julgados, nem os meios probatórios que impunham decisão diversa, não desenvolveu qualquer análise crítica das provas não indicando a decisão que no seu entender deveria ter sido proferida sobre as mesmas.
Limita-se, de forma genérica e conclusiva, a criticar a opção do tribunal recorrido e a descrever uma outra (a sua) versão dos factos.
Esta forma de impugnação da matéria de facto, sendo, sem dúvida, mais fácil e expedita, não é a legalmente imposta.
(E esta omissão não é apenas relativa às conclusões do recurso, mas sim de todo o texto da alegação, pelo que, mesmo que se considere que não é de exigir, nas conclusões, a reprodução do que alegou anteriormente, ainda assim, há incumprimento de tal ónus, porque nem no texto da alegação encontramos os pontos referidos).
Há pois uma falta total dos requisitos de impugnação da matéria de facto, impedindo-nos de delimitar e apreender o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proemio e n.º 2, alínea a) do CPC.
Como diz Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, página 138) [e também Amândio Ferreira (in Manual dos Recursos em Processo Civil, página 157)]: “o não cumprimento dos ónus impostos à recorrente implica a rejeição do recurso, sem possibilidade de despacho de aperfeiçoamento (…) pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo ele uma pretensão a um tribunal que não intermediou a produção da prova, é antes compreensível uma maior exigência (…), sem possibilidade de paliativos (…), importando observar“ (…) ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Em suma:
Deve o recurso nesta parte ser rejeitado.

2ª Questão – Saber se foi cumprido o ónus de impugnação de direito.

O MºPº nas suas contra-alegações também alega que quanto à parte de direito não foi cumprido o ónus do recurso, pois não são indicadas as normas jurídicas violadas.
Porém, ainda que de forma deficiente a recorrente invoca um contexto legal onde fundamenta as suas pretensões, o que se considera suficiente até porque está em causa o interesse do menor, legalmente tutelado e a recorrente várias vezes se refere ao mesmo.
Considera-se por isso cumprido o ónus relativo ao enquadramento jurídico.

3ª Questão – Saber se a decisão de confiança do menor à guarda e cuidados do pai salvaguarda o superior interesse do menor.

Defende a recorrente que, considerando que o menor viveu consigo desde que nasceu até 2013, o menor revela uma relação mais próxima consigo do que com o pai, que reúne boas competências parentais e tem um bom relacionamento com o menor, que a mãe a figura parental mais significativa do menor com quem não tem conflitos, que o menor mantém alguma distância física do pai e mantém uma relação física próxima consigo, havendo contacto físico afetivo e colo e que atendendo à idade do menor, ao seu desenvolvimento físico-psíquico, nada justifica a implementação de um regime da guarda ser atribuída ao pai.
Importa analisar esta posição, ainda que com a matéria de facto fixada na 1ª instância uma vez que foi rejeitada aparte da impugnação de facto.
Vejamos:
Nos termos do artigo 1878.º, n.º 1 do CC,:
“Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover aos seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.”.
Como diz Almiro Rodrigues, “Interesse do Menor – contributo para uma definição”:Na lei portuguesa, o interesse da criança, como critério fundamental a levar em linha de conta na atribuição do pátrio poder, é sublinhado e imposto pelo art. 1906º, nº 2, do Código Civil. Intencionalmente, e por se considerar um conceito jurídico indeterminado, a lei não define este conceito que, assim, se há-de aferir, casuisticamente, tendo como referência “o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”
Trata-se de um poder-dever, estando o seu exercício submetido, altruisticamente, ao interesse da criança, de tal modo que esse princípio funciona como critério e limite do mesmo, não só nas situações que determinam a sua inibição, mas também na aplicação de providências que o limitam.
Como se pode ler no Ac. STJ, de 04.02.2010, proc. 1110/05.3TBSCD.C2.P1, em www.dgsi.pt: “Por mais que aceitemos a existência de um “direito subjectivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstracto a preencher face a cada caso concreto - que deve estar acima de tudo.
(…)"Critério orientador, na regulação do poder paternal é o superior interesse do menor, conceito aberto que carece de concretização, por parte do Juiz, devendo tomar-se em linha de conta a disponibilidade afectiva demonstrada pelos progenitores, ou terceira pessoa, a capacidade, ou não, dos progenitores em promoverem o harmonioso desenvolvimento do menor e de se adaptar ás suas necessidades.
(..) e, modernamente, tem-se entendido que o factor relevante para determinar esse interesse é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada é pessoa que cuida dela no dia-a-dia".
Se esse “interesse subjectivo” dos pais não coincide com o “interesse superior” do menor, não há outro remédio senão seguir este último interesse. A lei, porém, não define o que entende por superior interesse da criança. Trata-se de um conceito aberto, que só em concreto se concretiza, com a consciência que qualquer decisão tomada com base nesse critério reside na valoração – que tem sempre um resquício de subjectividade – que o julgador faça da realidade provada.
Daí ser pertinente a indicação de critérios objectivos e funcionais que presidam à decisão, englobando-se nos primeiros, as necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como relações que vai estabelecendo com a comunidade onde se integra e nos segundos a capacidade dos pais para satisfazer as necessidades dos filhos, tempo disponível para cuidar deles, afectos, estilos de vida, estabilidade, etc. – neste sentido, Maria Clara Sottomayor,, in Exercício do Poder Paternal, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, de pág.s 100 a 103.
Como esta autora sintetiza, na sua obra, Exercício do Poder Paternal, a pág. 167: “O objectivo das normas sobre a regulação do poder paternal não é promover a igualdade entre os pais ou a alteração das funções de género mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência.”.
Como refere a Drª Clara Sottomayor, "esta regra permite, por um lado, promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e por outro, atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade Casos de Divórcio, 3ª edição, página 46, Almedina, 2000.
Por outro lado, este critério está em harmonia com as orientações legais acerca do conteúdo do poder paternal - arts. 1885°, 1918° - e com as que consideram a vontade da criança como um factor decisivo na resolução de questões que dizem respeito á sua vida - cf. artigos 1878°, nº2 e 1901°, nº2, ambos do Código Civil.
A regra da figura primária de referência é um critério objectivo e funcional, relacionado, como se disse, com o dia-a-dia da criança, ou seja, com a realização de tarefas concretas prestadas ao menor, no quotidiano.
Ora, sem pôr em causa o amor de mãe que seguramente a recorrente nutre pelo filho, que lhe retribui em igual medida, o que resulta da matéria provada é que desde 20 de junho de 2013 (data em que foi aplicada, a Título urgente e a favor do E. L., a medida de acolhimento em instituição, confirmada no âmbito do processo de promoção e proteção que constitui o apenso ”G”) o menor vive com o pai.
Sabemos ainda que:
O E. L. gosta de ambos os pais, considerando o pai mais exigente na sua formação e a mãe mais liberal.
r) O E. L. preferia ir viver com a mãe, por gostar do seu estilo de vida, mas gostava que fosse o pai o seu encarregado de educação.
s) O E. L. sente-se bem em casa do pai e gosta de viver com o mesmo.
t) O E. L. visita a mãe quando quer, não colocando o pai qualquer objeção a estes convívios.
u) O E. L. transitou para o 8º ano de escolaridade e é bom aluno.
v) O E. L. é uma criança perspicaz, dócil e extrovertida.
Ora, neste contexto, concordamos com a sentença recorrida na opção de que o menor continue à guarda do pai.
Note-se que o menor já tem 13 anos. Tem uma situação estável na casa do pai e na escola o que permite concluir que tem tido pelo menos nos últimos anos um bom desenvolvimento fisíco e emocional.
Não há qualquer vantagem em alterar essa situação, com os riscos que a alteração poderia implicar.
Aliás, é curioso o facto do menor referir que gosta que o pai seja o seu encarregado de educação, o que traduz um sentimento de segurança, sendo certo que tal sentimento é muito relevante na idade em que se encontra o menor.
De qualquer forma, o menor visita a mãe quando quer, não colocando o pai qualquer objeção a estes convívios, pelo que, tendo em conta a idade do mesmo ( que já não é uma criança de colo e por isso já terá alguma autonomia de movimentos) é uma situação flexível e desejável que possibilita um convivío amplo com ambos os progenitores.
Não resulta de forma alguma dos factos que - ao contrário do que diz a recorrente - que o menor tenha uma relação mais próxima consigo do que com o pai.
Retirar o menor da guarda do pai e do meio em que vive e tem estado muito bem, sem que nenhuma falha haja resultado provada na conduta do requerido, só se justificaria se afirmássemos uma prevalência do direito da mãe à guarda de um filho, o que não é de acolher nem a lei reconhece tal direito de “preferência”.
Não vemos que possa ser para ela benéfica, particularmente do ponto de vista emocional, uma mudança de hábitos e rotinas adquiridos pelo menor ao longo dos últimos anos, sobretudo considerando esta fase da adolescência.
È aliás significativo o realçado pela Audição Técnica Especializada de que é a figura do progenitor, atento às necessidades do filho, que tem vindo a contribuir para a manutenção da flexibilidade e do equilíbrio emergente ao bem-estar do E. L..
De resto, se dúvidas existissem constatamos que afinal não é assim tão seguro que a recorrente se encontre numa situação de estabilidade emocional como defende, a avaliar pela continuação do comportamento menos próprio que resulta do teor da última missiva dirigida aos autos (imediatamente antes deste Ac.) na linha das anteriores missivas dirigidas aos autos pela progenitora, de cariz calunioso.
E não se veja nisto qualquer menor consideração pela recorrente, é apenas um facto.
Do que se trata apenas é de resolver no melhor interesse do menor e mesmo tomando em conta a sua idade e o seu sexo, privilegiando-se a estabilidade dos seus vínculos afectivos e das suas rotinas de vida que sofreriam, por certo, forte abalo se, de momento, outra solução fosse encarada.
Como refere o Sr. Juiz Conselheiro Armando Leandro, “in” Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, p. 119.
As "responsabilidades parentais" não são um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral".
Ou seja, a recorrente deve compreender que desta forma está assegurado o interesse do seu filho e usufruir com qualidade do seu convívio.
Em suma: Improcede totalmente o recurso confirmando-se integralmente a sentença recorrida.

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Guimarães, 11.07.2017