Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
102/2000.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Os valores indicados na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25.06), sobre a indemnização do dano corporal têm um âmbito específico de aplicação extrajudicial (regularização eventual de sinistros entre a seguradora e os lesados) e não substituem os critérios legais previstos no Código Civil – diploma este que se sobrepõe àquele na hierarquia das leis.
II - A atribuição de uma incapacidade permanente geral, desde que implique esforços suplementares, ainda que compatível com o exercício da actividade profissional, dá lugar à fixação de indemnização ao lesado, a título de danos patrimoniais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente: Fundo de Garantia Automóvel (co-réu);
Recorridos: B… (co-autora);

*****

Pedido:

Em acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, a co-autora B… pediu a condenação do Fundo de Garantia Automóvel e Outros no pagamento, a título de indemnização por acidente de viação, da quantia de esc.: 5.780.719$00, acrescida de juros legais a contar da citação.

Causa de pedir:

Alegou, em síntese, que teve prejuízos decorrentes das lesões físicas e respectivas sequelas, por si sofridas, em consequência de acidente de viação causado por culpa exclusiva do Réu C…, condutor do ciclomotor de matrícula 1-FLG-…-…, propriedade do Réu D…, e que não dispunha de seguro válido de responsabilidade civil contra danos provocados a terceiros.
Contestou o Réu Fundo de Garantia Automóvel, impugnando, por desconhecimento, os factos alegados pelas Autoras e invocando em seu favor a franquia legal de esc.: 60.000$00.
Também o Réu D… contestou, excepcionando que o ciclomotor de matrícula 1-FLG-…-… pertencia, à data do acidente, ao Réu C…, que lho havia comprado.
Respondeu a demandante, impugnando, por desconhecimento, a matéria de excepção alegada pelo Réu D….
Por requerimento de fls. 375 e ss. dos autos, veio a Autora B… ampliar o pedido inicialmente deduzido, de esc.: 5.780.719$00 (€ 28.834,10) para € 133.459,13, invocando para o efeito que a IPP de que ficou a padecer em consequência do acidente se situa em 35%.

Realizada a audiência e fixada a matéria de facto, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, tendo-se decidido, além do mais, o seguinte:
“- Condenar solidariamente os Réus C… e “Fundo de Garantia Automóvel”, a pagarem:
- à Autora B…, a quantia de € 38.838,36 (trinta e oito mil, oitocentos e trinta e oito euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal, vencidos e vincendos sobre a quantia de € 25.838,36 (vinte e cinco mil, oitocentos e trinta e oito euros e trinta e seis cêntimos) desde a data da citação, e vincendos sobre a quantia de € 13.000,00 (treze mil euros), desde a presente data, em ambos os casos até efectivo e integral pagamento;

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Fundo de Garantia Automóvel (FGA), de cujas alegações se extraem as seguintes conclusões:

1. Os critérios plasmados na PORTARIA n.º 377/2008, de 26 de Maio não podem deixar de se erigir em referente para o julgador, pois reduzem a incerteza e a subjectividade da decisão e asseguram um melhor tratamento igual entre todos os lesados;
2. Os critérios de tal instrumento normativo resultam de uma ponderação prudencial, médico-legal e económica e social e devem, por isso, ser considerados;
3. Havendo uma divergência substancial entre o resultado que se alcançaria pela aplicação da portaria e o resultado da decisão judicial, deve considerar-se que é possível o excesso da decisão judicial;
4. A indemnização pelo dano patrimonial da autora B… deve fixar-se em 4.500€;
5. Aos não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 496.º, 494.º e 566.º do CC.
Termos em que, deve o recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionados.

Houve contra-alegações, pugnando-se pela confirmação do julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685º-B, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC).


A questão suscitada pelo Recorrente prende-se com o seguinte:
a) A indemnização pelos danos patrimoniais atribuída à lesada Rute Almeida é excessiva, devendo ser calculada em função dos critérios previstos na Portaria nº 377/2008, de 26.05?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;


1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

1. Cerca das 16 horas e 50 minutos do dia 29 de Fevereiro de 1997, ocorreu um embate na E.N. 101, no lugar de Moure, concelho de Felgueiras, entre os veículos XL-…-…, 1-FLG-…-… e …-…-EF (cfr. resposta ao artigo 1º da base instrutória);
2. O ciclomotor 1-FLG-…-… era conduzido por C…, seu proprietário, o veículo de passageiros …-…-EF era conduzido por E…, seu proprietário, e o veículo ligeiro de mercadorias XL-…-…, era conduzido pela demandante, F…, e era propriedade de G… (cfr. respostas aos artigos 2º a 4º da base instrutória);
3. A demandante B… era transportada gratuitamente no veículo XL-…-… (cfr. resposta ao artigo 26º da base instrutória);
4. O veículo ligeiro de mercadorias XL-…-… circulava pela EN 101, no sentido Felgueiras-Lixa, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido, não excedendo os 50 Kms por hora de velocidade (cfr. respostas aos artigos 5º a 7º da base instrutória);
5. Por sua vez, o ciclomotor de matrícula 1-FLG-…-… circulava pela EM que liga Cramarinhos à EN 101 (cfr. resposta ao artigo 8º da base instrutória);
6. O local do embate é um cruzamento (cfr. resposta ao artigo 9º da base instrutória);
7. Ao chegar ao referido cruzamento, o condutor do ciclomotor 1-FLG-…-… não imobilizou o veículo que conduzia no sinal STOP que se lhe deparava (cfr. resposta ao artigo 10º da base instrutória);
8. E entrou na EN 101 no momento em que o veículo XL-…-… se encontrava a cerca de 3 metros de distância do referido ciclomotor (cfr. resposta ao artigo 11º da base instrutória);
9. A parte lateral direita do veículo XL-…-… foi embatida pela frente do ciclomotor 1-FLG-…-… (cfr. resposta ao artigo 13º da base instrutória);
10. Em consequência do embate referido no número anterior, o veículo XL-…-… desviou a sua marcha para a esquerda, entrando na metade esquerda da faixa de rodagem da E.N. 101, atento o sentido Felgueiras – Lixa (cfr. resposta aos artigos 12º e 14º da base instrutória);
11. Acabando por embater com a frente do veículo XL-…-… na frente do veículo ligeiro de passageiros …-…-EF, o qual circulava na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido Lixa-Felgueiras (cfr. resposta aos artigos 15º e 16º da base instrutória);
12. Em consequência do acidente, a demandante F… sofreu traumatismo abdominal (cfr. resposta ao artigo 17º da base instrutória);
13. Do local do acidente, a demandante F… foi transportada para o Hospital Padre Américo, do Vale de Sousa (cfr. resposta ao artigo 18º da base instrutória);
14. A demandante F… recorreu ao Hospital Padre Américo no dia 9 de Março de 1997, onde ficou internado no serviço de cirurgia até ao dia 11 de Março de 1997 (cfr. resposta aos artigos 19º a 20º da base instrutória);
15. A Autora F… sofreu dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do seu tratamento (cfr. resposta ao artigo 22º da base instrutória);
16. A Autora F… era bem constituída e saudável (cfr. resposta ao artigo 25º da base instrutória);
17. Em consequência do acidente, a demandante B… sofreu fractura do fémur direito (cfr. resposta ao artigo 27º da base instrutória);
18. Do local do acidente foi transportada para o Hospital de São Gonçalo de Amarante, onde foi submetida a intervenção cirúrgica para o encavilhamento com vareta de Kuntscher e parafuso de AOIF (cfr. resposta aos artigos 28º e 29º da base instrutória);
19. A demandante B… esteve internada no referido hospital desde a data do acidente até ao dia 15 de Março de 1997 (cfr. resposta ao artigo 30º da base instrutória);
20. Após 15.03.2007, a Autora B… continuou os seus tratamentos por consulta externa e fisioterapia (cfr. resposta ao artigo 31º da base instrutória);
21. Esteve impossibilitada de se deslocar durante cerca de 2 meses, após o que passou a poder circular apenas com ajuda de canadianas (cfr. resposta ao artigo 32º da base instrutória);
22. Em 9 de Outubro de 1998 é submetida a nova intervenção cirúrgica para extracção da vareta de Kuntscher, no Hospital de São Gonçalo de Amarante (cfr. resposta aos artigos 34º e 35º da base instrutória);
23. Durante este período de tempo a demandante B… desenvolveu síndrome depressivo reactivo (cfr. resposta ao artigo 37º da base instrutória);
24. Apesar dos tratamentos a que se submeteu, a demandante Rute ficou a padecer definitivamente de: atrofia muscular de 1 centímetro, na coxa direita; cicatriz operatório vestigial na face externa da coxa direita (cfr. resposta ao artigo 38º da base instrutória);
25. A demandante B…, em consequência das lesões sofridas no acidente, padecia, em 12.12.2002, de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 15%, que evoluiu com o decurso do tempo, fixando-se em 13.12.2011, numa incapacidade permanente geral para o trabalho de 5 pontos, dos quais 4 pontos a título de stress pós-traumático e 1 ponto a título de dores residuais no tornozelo direito (cfr. resposta ao artigo 39º e 50º da base instrutória);
26. A Autora B… sofreu dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do seu tratamento (cfr. resposta ao artigo 40º da base instrutória);
27. A demandante B… frequentava o 2º ano do Instituto de Ciências Superiores Educativas (cfr. resposta ao artigo 43º da base instrutória);
28. Em consequência do acidente não pode frequentar as aulas a que estava obrigada e não teve aproveitamento escolar que lhe permitisse passar para o ano seguinte (cfr. resposta aos artigos 44º e 45º da base instrutória);
29. A demandante B… era bem constituída e saudável (cfr. resposta ao artigo 46º da base instrutória);
30. Em consequência do acidente ficaram inutilizadas umas calças e uma blusa que a Autora B… vestia, de valor não inferior a € 100,00 (cfr. resposta ao artigo 48º da base instrutória);
31. No ano lectivo de 1996/1997, a Autora B… gastou em propinas e exames a quantia de 422.000$00 (cfr. resposta ao artigo 49º da base instrutória);
32. A demandante B… auferia, em Junho de 2001, vencimento líquido mensal de € 1.047,31 e, em Dezembro de 2011, vencimento líquido mensal não inferior a € 1.095,00 (cfr. resposta ao artigo 51º da base instrutória);
33. A Autora B… gastou ainda em medicamentos e consultas médicas o montante de esc.: 26.751$00 (cfr. resposta ao artigo 52º da base instrutória);
34.O proprietário daquele velocípede é o C… (cfr. resposta ao artigo 53º da base instrutória);
35. O Réu D… vendeu aquele velocípede ao 2º Réu, pelo preço de esc.: 100.000$00 que o Réu D… recebeu, tendo entregue ao comprador o velocípede e respectivos documentos entrando aquele na sua posse efectiva (cfr. resposta aos artigos 55º a 58º da base instrutória);
36. A Autora B… desenvolveu um quadro de stress pós-traumático, que se mantém, devido ao acidente (cfr. resposta ao artigo 59º da base instrutória);
37. O que se traduz por ansiedade mal controlada e humor triste (cfr. resposta ao artigo 60º da base instrutória);
38. O quadro referido nas respostas aos artigos 59º e 60º determina à Autora B… uma incapacidade permanente geral para o trabalho de 4 pontos (cfr. resposta ao artigo 61º da base instrutória);
39. A Autora B…, nasceu a 22.04.1977 (cfr. alínea B) dos factos assentes).
40. A Autora B… é actualmente professora na Escola Básica de Vila das Aves, auferindo vencimento líquido mensal não inferior a € 1.100,00 (cfr. resposta ao artigo 63º da base instrutória);
41. A Autora F… nasceu a 24.03.1976 (cfr. alínea A) dos factos assentes).
42. O proprietário do ciclomotor “1-FLG-…-…” não tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente da circulação daquele ciclomotor para nenhuma companhia de seguros (cfr. alínea C) dos factos assentes);

*****

2. De direito;

a) A indemnização pelos danos patrimoniais atribuída à lesada B… é excessiva, devendo ser calculada em função dos critérios previstos na Portaria nº 377/2008, de 26.05?

O recorrente FGA discorda da decisão recorrida com o duplo e contraditório argumento de que, por um lado, a indemnização é excessiva, devendo ser calculada com base nos critérios estabelecidos na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, a qual não deve exceder € 4.500,00, e, por outro lado, estando em causa uma incapacidade de 4 pontos, tal não implica qualquer repercussão concreta na capacidade de ganho; em suma, inexiste fundamento para a indemnização, a título de danos patrimoniais.
Esgrime, portanto, o recorrente a invocação da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25.06), para justificar a alteração do montante indemnizatório, com o “samaritano” argumento de serem referência para o julgador tais critérios de avaliação dos danos, diminuindo-se a incerteza e a subjectividade, além de haver um melhor tratamento igual entre todos os sinistrados.
Simplesmente, como é jurisprudência uniforme [1], os valores aí indicados sobre a indemnização do dano corporal têm um âmbito específico de aplicação extrajudicial (regularização eventual de sinistros entre a seguradora e os lesados) e não substituem os critérios legais previstos no Código Civil – diploma este que se sobrepõe àquele na hierarquia das leis.
De facto, no respectivo preâmbulo realça-se que tais tabelas “não visam a fixação de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, estabelecer um conjunto de regras e princípios que permitam agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando, ainda, a razoabilidade das propostas apresentadas”.
Conclui-se, pois, como no citado aresto supra (Acórdão do STJ de 07-06-2011, Proc.160/2002.P1.S1) que “aquela Portaria n.º 377/2008 veio fixar, tão-só, os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel proposta razoável para indemnização de dano corporal, não estando os tribunais limitados nem vinculados aos valores indemnizatórios ali previstos”.

Assim, importa aquilatar do montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta as particulares circunstâncias do caso e a previsibilidade normal das coisas.
Neste quadro, elementos instrumentais de cálculo do capital produtor de um rendimento vitalício para a lesada, como as fórmulas matemáticas, cálculos financeiros e aplicação de tabelas, devem ser entendidos como meramente orientadoras e explicativas daquele juízo de equidade.
Estabelece-se, assim (até pelas razões infra explanadas) que a ré deve indemnizar a autora, por tais danos futuros e previsíveis, cabendo avaliar o seu quantum, em face da incapacidade permanente geral de que aquela ficou a padecer.

Comprovam os autos que a autora, em consequência do acidente, sofreu lesões, com sequelas, que lhe determinam uma incapacidade permanente geral (IPG) de 5 pontos, a qual é compatível com o exercício da actividade habitual mas implica esforços suplementares.
Esta incapacidade permanente geral afecta, pois, a integridade física e psíquica da autora (perduram dores residuais no tornozelo direito – conforme perícia a fls. 886), obrigando-a a um superior esforço e implicando para ela uma maior penosidade na execução, com normalidade e regularidade, das diversas tarefas que se lhe depararão no futuro, o que se traduz necessariamente num sacrifício, físico e psíquico, suplementar para exercer as várias actividades gerais quotidianas.
O que significa que a indemnização a arbitrar – que tem natureza compensatória e será aferida por um critério equitativo – deve ter em conta, nomeadamente, a percentagem da incapacidade, o tipo de actividade exercida, a idade da autora, o salário auferido e a sua evolução, as características das sequelas sofridas, a taxa de juro e o coeficiente de desvalorização da moeda, a idade de reforma da vida laboral activa e a própria esperança média de vida da população portuguesa residente.

Ora, estes parâmetros foram ponderados na decisão recorrida, como concretamente o rendimento líquido anual da lesada (€ 14.700,00), os anos de expectativa de vida activa (49 anos), a IPG (de 5 pontos), a taxa de juro nominal (2%), mostrando-se justificado o montante indemnizatório atribuído a este título à recorrida – razão por que se mantém tal valor.

O recorrente FGA contrapõe que, não obstante ter sido atribuída à lesada uma IPG de 5 pontos, tal não implicou rebate profissional, o que afastaria o pagamento de uma indemnização.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, por um lado, trata-se de uma diminuição funcional permanente, de natureza física e psíquica, fixada em 5 pontos, sendo que, embora possa ser compatível com o exercício de actividade profissional, implica esforços suplementares, tanto mais que, a título de sequelas, permanecem dores residuais no tornozelo direito – cfr. perícia de fls. 886.
Em suma, esse défice de 5 pontos do lesado pode afectar e diminuir a potencialidade de ganho por uma de duas vias: pela perda da diminuição da remuneração ou pela implicação para a lesada de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou para desenvolver as várias tarefas, nomeadamente as do seu quotidiano.
A afectação do ponto de vista funcional não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral da lesada, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial, conforme se defende no Ac. do STJ, de 23.04.2009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..
Também se perfilha o entendimento defendido no Ac. do STJ de 16.12.2010 (relatado por Lopes do Rego, proferido no proc. nº 270/06, disponível em www.dgsi.pt.) de que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
O dano resultante da atribuição de uma incapacidade é um dano futuro, tendo sido tratado o dano que consiste numa incapacidade parcial permanente sem rebate na vida profissional do lesado, pela jurisprudência, como dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física, constituindo um dano patrimonial a indemnizar segundo as regras do artºs 562, 564/2 e 566 do CC – vide o supracitado Ac. do STJ de 23.04.2009.

Sintetizando:
I - Os valores indicados na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25.06), sobre a indemnização do dano corporal têm um âmbito específico de aplicação extrajudicial (regularização eventual de sinistros entre a seguradora e os lesados) e não substituem os critérios legais previstos no Código Civil – diploma este que se sobrepõe àquele na hierarquia das leis.
II - A atribuição de uma incapacidade permanente geral, desde que implique esforços suplementares, ainda que compatível com o exercício da actividade profissional, dá lugar à fixação de indemnização ao lesado, a título de danos patrimoniais.

*****

IV – Decisão;

Em face do exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Guimarães, 24 de Outubro de 2013
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva
_______________________________
[1] Veja-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 07-06-2011, Proc. 160/2002.P1.S1, in dgsi.pt.