Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
874/12.2TBFAF.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CIRCULAÇÃO AUTOMÓVEL
SEGURO AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A referência a “circulação” e “ circular” efectuada no Dec. Lei do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e art.º 503 do C. Civil tem, a nosso ver, de ser entendida, logo à partida, em termos hábeis porque não pode traduzir a ideia de que o veículo sinistrado tenha que estar movimento. Um veículo parado, em certas circunstâncias, pode constituir um risco enorme para a segurança de pessoas e bens.
2.Um acidente é causado pelo veículo e como tal é acidente de viação sempre que o veiculo tenha sido causa directa ou indirecta do evento, ou seja, que resulte da função que lhe é própria- a função de veículo circulante, o que no caso aconteceu.
3.Estando na presença de um automóvel pesado de mercadorias a sua função de veículo circulante é exercida pelo veículo com a sua particular configuração, em suma com todos os seus componentes, como seja o depósito do combustível ou o tubo hidráulico que também o compõe pois com todos eles circula, constituindo o referido tubo um seu componente e por tal podendo ser causa de danos como foi, ou seja, apesar de ser usado no desempenho funcional do veículo, sendo componente do veículo que circula dele podem derivar riscos para a segurança viária.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório
A presente acção declarativa com processo sumário foi intentada por F… e mulher M… contra L… – Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta, no pagamento da quantia de €21.418,63 (vinte e um mil quatrocentos e dezoito euros e sessenta e três cêntimos) acrescidas de juros legais, contados desde a data do sinistro até efectivo e integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, sito na Rua …, em Fafe, descrito na Conservatória do registo Predial sob o n.º… e inscrito na matriz, sob o art.º ….
Mais alegaram que a empresa “F…, Lda”, tinha estado a executar um furo artesiano na casa vizinha, pelo que, no dia 11 de Agosto de 2011, esteve estacionado à porta do seu prédio, concretamente junto aos portões e muros exteriores do mesmo, o veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-AJ-.., segurado na ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5558389, válido a essa data.
Mais alegaram que, quando o condutor do aludido veículo o colocou a trabalhar com o intuito de abandonar o local onde se encontrava, rebentou o tubo de óleo do sistema hidráulico que faz levantar as rampas para carregar as máquinas, o qual projectou para o logradouro lateral direito da casa dos autores, diversas pingas de óleo que danificaram grande parte do piso que é em pedra amarela (granito de Mondim).
Mais alegaram que o dito rebentamento ficou a dever-se unicamente ao rebentamento do tubo de óleo do sistema hidráulico do veículo segurado na ré, o qual causou danos no piso do logradouro do seu prédio, que havia sido colocado há cerca de três meses, pelo que se tratava de um piso novo, quase sem utilização, tendo ficado consequentemente imprestável e impossível de recolocar na situação anterior, razão pela qual tem que ser substituído por um novo.
Para proceder à remoção do pavimento existente e colocar um novo e igual, os autores terão que despender a quantia de €16.194,01, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, no montante de €3.724,62, o que totaliza a importância de €19.918,63.
Para além disso e segundo acrescentaram, a pedra que se mostrava colocada no logradouro do seu prédio, tinha cerca de três meses, sendo que, ao verem a pedra toda salpicada de óleo e sem solução para a sua limpeza e recolocação no estado em que se encontrava antes do sinistro, ficaram tristes e desgostosos, pelo que, deverão ser indemnizados por tais danos não patrimoniais, no montante de €1.500.
Concluíram dizendo que, a ré é responsável pelo pagamento das aludidas quantias, porquanto, o veículo nela seguro foi o único e exclusivo culpado pela ocorrência do sinistro.
Citada que foi a ré seguradora para os termos da presente acção, admitiu ter sido para si transferida a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com o veículo de matrícula ..-AJ-.., ao abrigo do seguro obrigatório e nos termos da apólice n.º 5558389.
Alega porém que o acidente ocorrido não resultou da circulação rodoviária do referido veículo, mas antes da actividade do respectivo proprietário, como coadjuvante da perfuração que executava quando o veículo se encontrava a trabalhar junto á casa dos autores, pelo que, o acidente em causa não foi um acidente de viação ou resultante da circulação do veículo seguro, mas antes, um acidente resultante da actividade industrial exercida pela F… e no exercício desta, pelo que, não se mostra o sinistro coberto pela identificada apólice, não sendo consequentemente a ré responsável pelo pagamento da indemnização peticionada.
Mais alegou que a área de pavimento atingida foi de 53 m2, pelo que, não se mostra necessário proceder à substituição de todo ele, para além de que, o tomador do seguro, por sua conta e risco tentou reparar a área atingida com a aplicação de um produto, fazendo com que as manchas de óleo se alastrassem a áreas que não tinham sido atingidas, em vez de procurar uma empresa especializada na remoção de tais manchas.
Por esse motivo e segundo conclui, o tomador do seguro tornou-se responsável pelo agravamento dos danos, desobrigando, assim, a seguradora dos mesmos, para a hipótese desses estarem a coberto do seguro contratado.
Com base nos descritos fundamentos, concluiu pugnando pela improcedência da acção com a sua subsequente absolvição do pedido.

A matéria de facto assente e a que constitui a base instrutória foi seleccionada e não foi objecto de qualquer reclamação.
A audiência de julgamento realizou-se, a matéria de facto foi fixada sem censura e no final foi proferida a seguinte sentença:
"Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente por não provada a presente acção, dela se absolvendo a ré “L… – Companhia de Seguros, SA” do pedido formulado pelos autores.
Custas:
Custas a cargo dos autores, nos termos do art.º 446º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Notifique".
Inconformados com esta decisão os AA apresentaram recurso formulando, nas suas alegações, as seguintes Conclusões
1ª-) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal “ a quo” estamos perante um acidente de viação, estado todos os pressupostos, para assim ser qualificado preenchidos, pelo que deve a douta sentença sob censura ser revogada e substituída por outra que julgando a acção procedente, condene a Ré, enquanto responsável pelos danos provenientes do sinistro aqui em causa, a pagar aos Autores o valor de € 21.418,63, conforme o peticionado pelos Autores na sua petição inicial;
2ª-) Todos factos atinentes à qualificação do acidente como sendo um acidente de viação, foram dados como provados pelo tribunal recorrido;
3ª-) Foi alegado pelos Autores que o veículo se encontrava estacionado na via pública e foi também alegado que o sinistro ocorreu quando o condutor do veículo pesado o pôs a trabalhar, com intuito de abandonar o local;
4ª-) Estes factos foram dados como provados – PONTO 6 DOS FACTOS ASSENTES;
5ª-) Ficou provado que o condutor do veículo de matrícula ..-AJ-.. o pôs a trabalhar, com o intuito de abandonar o local onde se encontrava, rebentou o tubo de óleo de sistema hidráulico que faz levantar as rampas de carregar máquinas;
6ª-) O veículo estava estacionado na via pública e o sinistro ocorreu por motivos atinentes à sua condução, como resulta dos factos provados;
7ª-) O sinistro não ocorreu, como erradamente decidiu o tribunal “ a quo”, no decorrer da acção de carregar máquinas;
8ª-) O veículo estava a iniciar a sua marcha para abandonar o local e foi quando o tubo de óleo rebentou, sendo o sistema hidráulico não estava sequer a funcionar ou a ser utilizado;
9ª-) Estamos perante um acidente, sendo um evento futuro e imprevisível que gerou danos a terceiros, designadamente aos autores. O veículo que deu origem ao sinistro estava estacionado na via pública. O veículo iniciou a sua marcha com intuito de abandonar o local e foi quando o tubo rebentou sem que nada o fizesse prever;
10ª-) Não ficou de forma alguma provado que o tubo rebentou ao ser acionado o sistema hidráulico;
11ª-) Assim, por todo o exposto este sinistro deve ser qualificado como um acidente de viação e por via disso ser a Ré condenada a pagar aos Autores a quantia de € 21.418,63, conforme o peticionado pelos Autores na sua petição inicial, por via do contrato de seguro celebrado com a proprietária do camião;
12ª-) Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou, entre outros, o artigo 2º do Código da Estrada, os artigos 342º, 483º e 503º do Código Civil, bem como o artigo 668º, nº1 al. c) do Código de Processo Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a sentença por acórdão que julgue a acção totalmente procedente, por totalmente provada, com todas as legais consequências,
no que farão V.Exas, a sempre Inteira e Costumada JUSTIÇA!

A apelada contra alegou concluiu-se pela negação de provimento ao recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685-A todos do Código de Processo Civil (CPC).
Assim, as questões a apreciar e a requerer resolução são as seguintes:
. nulidade da sentença ?
. O acidente em causa nos presentes autos encontra-se ou não abrangido pelo contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel?

Fundamentação
De facto:
Com relevo para a decisão da causa foram considerados provados os seguintes factos
1. Os autores são donos de um prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e andar com logradouro, sito na Rua …, da cidade e comarca de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrita na matriz sob o artigo….
2. No dia 11 de Agosto de 2011 a “F…, Lda” tinha estacionado em frente à casa dos autores o veículo pesado de mercadorias, marca Renault, de matrícula ..-AJ-...
3. O qual estava estacionado junto aos portões e muro exteriores da casa dos autores, melhor descrita em 1).
4. Em 11 de Agosto de 2011, a proprietária do veículo automóvel, pesado de mercadorias, de matrícula ..-AJ-.., tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de viação transferida para a “L…– Companhia de Seguros, SA”, mediante contrato de seguro válido e titulado pela apólice n.º 5558389.
5. A sociedade “F…, Lda”, no dia referido em 2), ou seja, no dia 11 de Agosto de 2011, tinha estado a executar um furo artesiano na casa vizinha da dos autores.
6. E quando o condutor do veículo de matrícula ..-AJ-.. o pôs a trabalhar, com o intuito de abandonar o local onde se encontrava, rebentou o tubo de óleo de sistema hidráulico que faz levantar as rampas de carregar as máquinas.
7. O qual projectou para o logradouro lateral da casa dos autores, diversas pingas de óleo.
8. E, em consequência, uma parte do piso de pedra amarela (granito de Mondim de basto) ficou danificado.
9. Os autores tinham colocado aquele piso do seu logradouro há menos de um ano.
10. Em consequência do sinistro e mais concretamente do óleo que para ele foi projectado pelo veículo seguro na ré, o mesmo ficou imprestável, impossível de recolocar na situação anterior.
11. Pelo que tem que ser substituído por novo.
12. Para proceder à remoção do pavimento existente e colocar um novo e igual, os autores terão que despender o montante de €16.194,01, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, no montante de €3.724,62, o que totaliza a importância de €19.918,63.
13. Os autores ao verem a pedra toda salpicada de óleo e sem solução para a sua limpeza e recolocação no estado em que se encontrava antes do sinistro, ficaram tristes e desgostosos.
14. O sinistro ocorrido em 11 de Agosto de 2011 e referido em 6) ocorreu no exercício e em virtude da actividade exercida pela “F…, Lda”.
15. A área do logradouro que foi atingida pelos salpicos de óleo não é inferior a 70 m2.
16. Por outro lado, o tomador do seguro, por sua conta e risco tentou reparar a área atingida com a aplicação de um produto.
17. O que fez com que as manchas de óleo se alastrassem a áreas que não tinham sido atingidas.

Do Direito
Nulidade da sentença
Os recorrentes e apenas na conclusão 12ª) referem que Ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou, entre outros, o artigo 668º, nº1 al. c) do Código de Processo Civil.
Esta causa de nulidade ocorre, como se sabe, quando “há um vício real no raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.” A decisão proferida padecerá desse erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, se a argumentação desenvolvida ao longo da sentença/acórdão apontar claramente num determinado sentido e, não obstante, a decisão for no sentido oposto.
Contudo, não se verifica essa causa de nulidade quando o resultado a que o julgador chega deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados. Significa isto que saber se as conclusões a que a decisão recorrida chegou relativamente à causa de pedir e pedido são ou não as mais correctas ou se a decisão proferida não é conforme ao direito aplicável constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença. Trata-se de questão de mérito, a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade de sentença/acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal.
No caso, entendeu-se (não interessa, nesta sede, se bem ou mal, por ora) que o acidente ocorrido não foi um acidente de viação porque Embora o veículo em causa se destinar a circular, o acidente dele proveniente, … derivou da intervenção de elementos que estão ligados ao veículo para outros fins, nomeadamente e no caso concreto para a actividade de levantamento das rampas de carregar as máquinas.
Tal facto, considerando que a responsabilidade da ré assenta no contrato de seguro automóvel que outorgou com o proprietário do aludido veículo de matrícula ..-AJ-.., leva a que se conclua pela improcedência do pedido contra ela formulado
Vale isto por dizer que tal decisão se encontra em perfeita e total sintonia com os fundamentos que lhe serviram de base, o que exclui obviamente a verificação da invocada causa de nulidade da sentença.
Enquadramento jurídico da factualidade apurada
Dispõe o artigo 503 n.º 1 do Código Civil que “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”
Nos termos do artigo 4º nº 1, do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto (diploma que regula seguro automóvel de responsabilidade civil automóvel) “toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor (…) seus reboques ou semi-reboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade nos termos do presente decreto -Lei”.
O seguro obrigatório constitui uma medida de alcance social inquestionável, visando-se com o mencionado reforçar e aperfeiçoar, procurando dar uma resposta cabal aos legítimos interesses dos lesados dos acidentes de viação”.(neste sentido preâmbulo do DLº522/85 de 31.12 que institui o seguro obrigatório).
Devemos ter ainda em atenção o disposto nos artigos 483 e ss do CC.
Quanto ao conceito “veículo em circulação”, ensina Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 10ª edição, pág. 667:
“Tanto faz que ele circule em via pública, aberta ao trânsito geral, como em qualquer recinto privado, apenas franqueado ao trânsito dos veículos de certa empresa, ou dos habitantes de certo imóvel.
E pouco importa mesmo que o veículo circule fora de qualquer via, como o jeep que caminha sobre terrenos que outras viaturas não podem percorrer”.
No mesmo sentido Vaz Serra, “deve reputar-se acidente de viação toda a ocorrência lesiva de pessoas ou bens provocada por veículo sempre que este manifeste os seus riscos especiais” – RLJ., nº 104, pág. 46.
Tendo presentes estes princípios jurídicos importa relembrar a matéria de facto essencial à resolução da questão colocada.
Provou-se que No dia 11 de Agosto de 2011 a “F…, Lda” tinha estacionado em frente à casa dos autores o veículo pesado de mercadorias, marca Renault, de matrícula ..-AJ-...
3. O qual estava estacionado junto aos portões e muro exteriores da casa dos autores, melhor descrita em 1).
A sociedade “F…, Lda”, no dia referido em 2), ou seja, no dia 11 de Agosto de 2011, tinha estado a executar um furo artesiano na casa vizinha da dos autores.
E quando o condutor do veículo de matrícula ..-AJ-.. o pôs a trabalhar, com o intuito de abandonar o local onde se encontrava, rebentou o tubo de óleo de sistema hidráulico que faz levantar as rampas de carregar as máquinas.
O qual projectou para o logradouro lateral da casa dos autores, diversas pingas de óleo.
E, em consequência, uma parte do piso de pedra amarela (granito de Mondim de basto) ficou danificado.
O sinistro ocorrido em 11 de Agosto de 2011 e referido em 6) ocorreu no exercício e em virtude da actividade exercida pela “F.., Lda”.
Ponderando estes factos e tendo presentes os princípios jurídicos supra sumariamente enunciados, não temos dúvidas em afirmar que a razão se encontra do lado dos Recorrentes, pois também se entende que o acidente em causa encontra-se abrangido pelo contrato de seguro celebrado entre o proprietário do veículo pesado de mercadorias e a Ré seguradora.
De facto, verificou-se uma ocorrência anormal, imprevista ( noção de acidente).
Depois o veículo pesado de mercadorias interveniente é um veículo com motor (sendo certo que ninguém põe em causa ser um veículo terrestre a motor).
E tal veículo encontrava-se estacionado junto aos portões e muro exteriores da casa dos autores, ou seja, numa via destinada à circulação como se depreende de toda a factualidade apurada nos termos concluídos pela Srs. Juiz e não questionados em sede de recurso.
A referência a “circulação” efectuada nas normas legais supra citadas (Dec.Lei do seguro e artº 503 do C.Civil) tem, a nosso ver, de ser entendida, logo à partida, em termos hábeis porque não pode traduzir a ideia de que o veículo sinistrado tenha que estar movimento. Um veículo parado, em certas circunstâncias, pode constituir um risco enorme para a segurança de pessoas e bens. Já Vaz Serra (RLJ, ano 104, 47) afirmava, em palavras que mantêm actualidade, que “do mesmo modo, apesar de o artigo 56.º do Código da Estrada falar em veículo que esteja em circulação nas vias públicas, se tem entendido que mesmo os acidentes causados por veículos parados podem dar lugar à responsabilidade pelo risco próprio da responsabilidade por acidentes de viação.”.
Mas será que estamos perante um acidente de viação?
Um acidente é causado pelo veículo e como tal é acidente de viação sempre que o veículo tenha sido causa directa ou indirecta do evento, ou seja, que resulte da função que lhe é própria- a função de veículo circulante, o que no caso aconteceu.
De facto estando na presença de um automóvel pesado de mercadorias a sua função de veículo circulante é exercida pelo veículo com a sua particular configuração, em suma com todos os seus componentes, como seja o depósito do combustível ou o tubo hidráulico que também o compõe, pois com todos eles circula.
É evidente o tubo cujo rebentamento foi causa dos danos não faz parte dos componentes necessários à colocação do veículo em circulação.
Todavia constituindo o referido tubo um seu componente permanente, (como disse a testemunha M… conforme consta da resposta à matéria de facto fls 159 destes autos) ou seja , faz parte da constituição do veículo pode ser causa de danos como foi, ou seja, apesar de ser usado no desempenho funcional do veículo, sendo componente do veículo, dele podem derivar riscos para a segurança viária.
Basta pensar na situação de esta ocorrência ter acontecido quando o veículo em causa circulava numa estrada aberta ao público sendo o óleo que derramou proveniente do tubo hidráulico causa de um acidente de outro veículo.
Acresce que como se salienta no Ac do STJ de 13 de Março de 2008 CJAno XVI T1 pp177 e se a um acidente como o dos autos não são aplicáveis as regras estradais, nem por isso, fica descoberto de protecção legal, aplicando-se nessas situações as normas que regem a responsabilidade civil extracontratual em geral e as que especialmente dispõem sobre tais acidentes, como é o caso dos arts 503 e ss do C. Civil.
Pretendeu a ré afastar a sua responsabilidade alegando que o acidente ocorrido não resultou da circulação rodoviária do veículo seguro mas da sua actividade como coadjuvante da perfuração que a F… executava quando o veiculo se encontrava a trabalhar junto da casa dos Autores ( artº 2 e e 3 da contestação que passou a constar do artº 10 da base instrutória).
Nas contra alegações procurou equiparar a situação apurada com as cargas e descargas por forma a excluir a cobertura do seguro.
Contudo não foi feita a prova desta factualidade, tendo apenas sido considerado provado que O sinistro ocorrido em 11 de Agosto de 2011 e referido em 6) ocorreu no exercício e em virtude da actividade exercida pela “F…, Lda” sendo esta afirmação manifestamente uma conclusão inócua insusceptível de consideração e valoração jurídica.
Em suma os danos causados não o foram no desempenho funcional do veículo, não teve a ver com os riscos próprios do funcionamento do veículo pesado de mercadorias, como máquina industrial, mas antes foram provocados por componente que faz parte do veículo como unidade circulante.
Sendo certo que, se é ao lesado que compete a alegação e demonstração de que o veículo seguro se encontrava em circulação – ainda que, eventualmente, imobilizado - numa via aberta ao trânsito público - como elemento constitutivo do direito à indemnização sobre a seguradora estradal - já representará uma circunstância excepcional e impeditiva – a demonstrar pela demandada - o facto de o acidente ter tido a sua génese em qualquer causa independente do risco de circulação do veículo.
Ora do acervo fáctico finalmente apurado, não apenas resulta que o acidente se deu numa via pública destinada à circulação de veículos, como inclusivamente nele não é evidente que o óleo derramado proceda de qualquer acto de preparação ou intervenção em elementos que se liguem ao veículo para outros fins e não se encontrem acoplados ao veículo de forma permanente como seu componente,constituinte.
Temos, por conseguinte, que, por um lado, os autores provaram os elementos de facto que caracterizariam o acidente como de viação; e que, por outro lado, a Ré não evidenciou um facto impeditivo do direito do lesado.
Como tal os danos apurados de natureza patrimonial e não patrimonial encontram-se cobertos pelo contrato de seguro referido nos autos sendo a recorrida responsável pelo seu pagamento.
Sustenta a recorrida que “ O tomador do seguro por sua conta e risco tentou reparar a área atingida com a aplicação de um produto. Fazendo com que as manchas de óleo alastrassem a área que não tinham sido atingidas. Pelo que se tornou responsável pelo agravamento dos danos e desobrigando a seguradora …”.
Na verdade prescreve o art.º 570º do C. Civil que “ Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída”.
A conduta culposa referida neste artigo sofre o mesmo juízo de censura quando entra em concurso com a conduta do lesante; como tal deverá ser apreciada segundo o critério ou padrão do art.º 487º nº2 do C. Civil.
Mas não basta a existência de um facto culposo do lesado; importa que ele seja concausal do respectivo dano; e esta concausalidade será determinado pelo método da causalidade adequada. (V. Dário Martins, in Manual de Acidentes de Viação pp 358).
Debruçando-se sobre a problemática do concurso da culpa do lesado escreveu Vaz Serra ( Bol 86 pp 131 a 136)
“Parece de exigir que o facto do prejudicado possa considerar-se uma causa (ou melhor concausa) do dano (…) em concorrência com o facto do responsável, causa também do dano. Ambos os factos devem pois ser causa do dano e o nexo causal é de apreciar segundo o mesmo critério (o da causalidade adequada).
(…) Visto que se está em face de um facto de terceiro, causador de dano, quer-se dizer que o facto do prejudicado só contribui para a redução da indemnização quando este tenha omitido a diligência exigível com a qual poderia ter evitado o dano. Entende-se que aquela redução só é razoável quando o prejudicado não tenha adoptado as medidas exigíveis com que poderia ter impedido o dano”.
No caso em apreço, ficou provado A área do logradouro que foi atingida pelos salpicos de óleo não é inferior a 70 m2.
Por outro lado, o tomador do seguro, por sua conta e risco tentou reparar a área atingida com a aplicação de um produto.
O que fez com que as manchas de óleo se alastrassem a áreas que não tinham sido atingidas.
Mais se provou que
E, em consequência, uma parte do piso de pedra amarela (granito de Mondim de basto) ficou danificado.
Os autores tinham colocado aquele piso do seu logradouro há menos de um ano.
Em consequência do sinistro e mais concretamente do óleo que para ele foi projectado pelo veículo seguro na ré, o mesmo ficou imprestável, impossível de recolocar na situação anterior.
Pelo que tem que ser substituído por novo.
Para proceder à remoção do pavimento existente e colocar um novo e igual, os autores terão que despender o montante de €16.194,01, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, no montante de €3.724,62, o que totaliza a importância de €19.918,63.
Do exposto, podemos concluir que no caso em apreço não temos apurada qualquer conduta temerária e manifestamente reprovável dos lesados que permita deferir o pedido da ré. Temos uma conduta da segurada que procura resolver o problema, sendo certo que se apurou que a não ser a substituição do piso nada mais o resolve. Assim sendo, não obstante a conduta que teve outra não lhe seria exigível. E esta conduta agravou os danos? Não sabemos pois apenas se apurou que a conduta da segurada fez com que as manchas de óleo se alastrassem a áreas que não tinham sido atingidas, sendo esta mais uma afirmação manifestamente uma conclusão inócua insusceptível de consideração e valoração jurídica.
Em sede de danos, pedem os Autores o pagamento de danos patrimoniais e não patrimoniais.
No que se reporta aos primeiros considerados como a lesão de interesses de natureza patrimonial susceptíveis de avaliação pecuniária, apurou-se a seguinte factualidade:
E quando o condutor do veículo de matrícula ..-AJ-.. o pôs a trabalhar, com o intuito de abandonar o local onde se encontrava, rebentou o tubo de óleo de sistema hidráulico que faz levantar as rampas de carregar as máquinas.
O qual projectou para o logradouro lateral da casa dos autores, diversas pingas de óleo.
E, em consequência, uma parte do piso de pedra amarela (granito de Mondim de basto) ficou danificado.
Os autores tinham colocado aquele piso do seu logradouro há menos de um ano.
Em consequência do sinistro e mais concretamente do óleo que para ele foi projectado pelo veículo seguro na ré, o mesmo ficou imprestável, impossível de recolocar na situação anterior.
Pelo que tem que ser substituído por novo.
Para proceder à remoção do pavimento existente e colocar um novo e igual, os autores terão que despender o montante de €16.194,01, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, no montante de €3.724,62, o que totaliza a importância de €19.918,63.
Estes os danos apurados, cuja reparação os AA têm direito nos termos previstos nos arts 483 e 562 º e ss do C. Civil no valor que corresponde ao prejuízo causado, mais concretamente à importância de €19.918,63.
Porque estamos perante uma obrigação pecuniária ao valor da indemnização fixada acrescem juros à taxa legal devidos no caso em apreço desde a citação (arts 805º e 806º do C. Civil).
Mais se apurou que Os autores ao verem a pedra toda salpicada de óleo e sem solução para a sua limpeza e recolocação no estado em que se encontrava antes do sinistro, ficaram tristes e desgostosos.
A área do logradouro que foi atingida pelos salpicos de óleo não é inferior a 70 m2.
Em nosso entender estes factos integram o conceito de dano não patrimonial já que atingem bens imateriais e, por isso, não são susceptíveis de uma avaliação pecuniária.
Serão ressarcíveis?
Entendemos que não.
É que de acordo com o disposto no art.º. 496º., do Cód. Civil, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Porém o conceito de gravidade a merecer tutela tem de ser densificado casuisticamente com recurso a critérios objectivos (cf., o Prof. A. Costa, ob. cit. 503).
Ou seja, o legislador pretendeu estabelecer a regra de que a compensabilidade deste tipo de danos deve ser proporcionado à sua gravidade, ponderando as regras da vida, do senso comum, do equilíbrio (cf., Prof. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, cit. 606.
Acresce que, a gravidade do dano moral é um conceito relativamente indeterminado, que merece um preenchimento valorativo individualizado, caso a caso, sempre por referência ao substrato factual apurado
Como é do senso comum, quem fica com os seus pertences estragados fica aborrecido e triste.
Ora os autores pessoas comuns, podem ter sentido tudo isso.
Contudo, a matéria de facto provada não permite fazer um juízo sobre a dimensão do correspondente aborrecimento e tristeza, designadamente no que respeita à sua intensidade e persistência, prova esta que era necessária para a procedência do pedido.
Por ex não ficou provado se a tristeza e aborrecimento foram de tal modo graves que alteraram significativamente o equilíbrio emocional e a paz de espírito dos autores.
Enquanto factos constitutivos do direito, era aos autores que cabia alegá-los e prová-los, o que não fizeram, em nosso entender.
Ora, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo … e não à luz de factores subjectivos” sendo que “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais (in “Código Civil Anotado”, em anotação ao art.º 496º.).
Em suma, os referidos aborrecimentos e tristeza situam-se ao nível das contrariedades e incómodos que, para efeitos indemnizatórios se apresenta num patamar de gravidade inferior ao necessário para reclamar uma compensação.
Neste sentido ver Acórdão proferido nesta Relação com data de 29.05.2012 no processo 2508/09.3TBBCL, relatado pelo Sr Desembargador Fernando Freitas e no qual a aqui relatora interveio na qualidade de adjunta.
E ainda desta Relação Acórdão proferido no processo 981/04.5 TBFAF. G2 com data de 02.05.2013 e no processo 2688/07.2TBCR:g1 com data de 10.10.2009.

Sumário
. A referência a “circulação” e “ circular” efectuada no Dec. Lei do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e art.º 503 do C. Civil tem, a nosso ver, de ser entendida, logo à partida, em termos hábeis porque não pode traduzir a ideia de que o veículo sinistrado tenha que estar movimento. Um veículo parado, em certas circunstâncias, pode constituir um risco enorme para a segurança de pessoas e bens.
.Um acidente é causado pelo veículo e como tal é acidente de viação sempre que o veiculo tenha sido causa directa ou indirecta do evento, ou seja, que resulte da função que lhe é própria- a função de veículo circulante, o que no caso aconteceu.
.Estando na presença de um automóvel pesado de mercadorias a sua função de veículo circulante é exercida pelo veículo com a sua particular configuração, em suma com todos os seus componentes, como seja o depósito do combustível ou o tubo hidráulico que também o compõe pois com todos eles circula, constituindo o referido tubo um seu componente e por tal podendo ser causa de danos como foi, ou seja, apesar de ser usado no desempenho funcional do veículo, sendo componente do veículo que circula dele podem derivar riscos para a segurança viária.

Decisão
Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelos recorrentes, o que determina a substituição da decisão recorrida por outra que julgando parcialmente procedente por provada a presente acção condena a ré a pagar aos autores a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de €19.918,63 (dezanove mil novecentos e dezoito euros e sessenta e três cêntimos) acrescida de juros à taxa legal de 4% contados desde a citação e até efectivo pagamento.
Custas a suportar pelos recorrentes e recorrida na proporção do decaimento
Notifique
Guimarães, 10 de Dezembro de 2013
Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade