Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
78625/12.7YIPRT.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PREÇO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
BOA-FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. O pagamento do preço de elaboração de um projecto de investimento agrícola que fica dependente da aprovação desse investimento, sujeita-o a uma condição suspensiva.
2. Tal condição – aprovação do investimento – tem-se por verificada, se a sua verificação for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica.
3. Logo, não só aquele que impede que a condição se verifique há-de ser prejudicado, como tal impedimento deve atentar as regras de boa fé.
4. Não traduz deslealdade ou má fé a actuação do contraente, cuja verificação da condição (aprovação do investimento) o beneficiava e o impedimento desta ficou a dever-se a circunstâncias alheias ao contrato de prestação de serviços de per se: a não apresentação do documento que titulava a aquisição do terreno a investir foi devido à não realização da escritura pública de compra e venda, por aquele não ter meios financeiros para o fazer, pois contava com a concessão do financiamento para adquirir esse terreno.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Apelante: AA LDA (autora);
Apelada: BB (ré);

*****
Pedido:
A autora AA LDA., intentou procedimento de injunção, convertido numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra a ré BB, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia total de € 6.434,92, sendo € 4.451,70 de capital e € 1.881,22 de juros de mora.

Causa de pedir:

No exercício da sua actividade comercial celebrou com a ré um contrato de prestação de serviços, tendo emitido a factura nº 0000000535, em 03/08/2007, no valor de € 4.451,70, correspondente ao preço a ser pago na data dessa emissão, o que a ré omitiu.
Por via desse contrato, a autora obrigou-se a elaborar o Projecto “Agro Medida 1 – Jovens Agricultores” e a Ré obrigou-se a pagar o valor de € 4.451,70 como contrapartida pelo serviço prestado.
Houve oposição, impugnando a ré dever a quantia reclamada, contrapondo ainda que os honorários pela elaboração do projecto apenas seriam devidos após aprovação do mesmo e assim que a ré recebesse a primeira parte do total do investimento. O projecto não foi aprovado e a ré não recebeu qualquer valor por conta do mesmo.

Realizou-se o julgamento, findo o qual se decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo-se a ré do pedido.

Inconformada com a sentença, dela interpôs a autora a presente apelação, em cujas alegações formula, em suma, as seguintes conclusões:
1. A questão que aqui se coloca resume-se a saber se a circunstância do projecto não ter sido aprovado por causa imputável à R. releva para efeitos da verificação da condição.
2. Até à verificação de um facto futuro e incerto (aprovação do projecto em causa) os efeitos da declaração, no que toca ao pagamento da dívida, não se produzem. Quer isto dizer que estão em suspenso.
3. No caso em apreço, conforme melhor consta do pedido de informação emitido pelo IFAP em comunicação de 20/02/2014 (constante de fls. 68 e ss.), o projecto não foi aprovado “por não estar assegurada a titularidade dos prédios rústicos”.
4. Na verdade, “foi concedido à beneficiária um prazo de mais de 30 dias para apresentação de prova da titularidade da terra, sob pena do projecto, findo esse prazo, vir a ser cancelado”.
5. Todavia, conforme resulta da comunicação constante de fls. 158, enviada pela Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Norte à Apelada, a candidatura apresentada, para atribuição de apoio financeiro, foi recusada uma vez que não obtiveram resposta aos ofícios 81200/4781 de 23/12/2003 e 81200/256 de 19/01/2004.
6. Toda a correspondência endereçada ao casal, foi entregue na nova morada, afigurando-se inverosímil que a Apelada não tenha recepcionado nenhuma daquelas comunicações.
7. Tanto mais que, em 02/03/2004, a Apelada enviou uma carta ao IFADAP, em resposta à comunicação de 19/01/2004, entregando diversos elementos solicitados, com excepção da certidão de inscrição actualizada, da Conservatória do Registo Predial, relativa ao prédio rústico que deveria adquirir.
8. De facto, no que concerne a este ponto, a Apelada limitou-se a juntar declaração sob compromisso de honra de entrega da certidão da Conservatória do Registo Predial do prédio a adquirir logo que esteja inscrito em nome do vendedor, conforme conta de fls. 159 do processo.
9. Como se referiu, o projecto foi retirado devido à falta de junção do documento comprovativo da titularidade de posse da terra.
10. Atenta a factualidade dada como provada, é indubitável que a Apelada ao não realizar a escritura de compra e venda do terreno onde iria ser aplicado o investimento impediu, injustificadamente, a verificação da condição.
11. Este seu comportamento inesperado, isto é, contra tudo o que seria de prever, foi susceptível de comprometer o direito da outra parte (Apelante).
12. Nessa medida, a Apelada agiu de má fé ao violar os deveres secundários, especiais, de conduta a que se encontrava adstrita. Note-se que para a identificação do comportamento como sendo
de má fé não é preciso que o contraente vise dolosamente a verificação da condição.
13. Para a apreciação da culpa da Apelada basta que a mesma não tenha actuado com o cuidado e a prudência que lhe era exigível.
14. Efectivamente, a Apelada bem sabia que a junção daquele documento se afigurava fulcral para a aprovação do projecto, porque dessa necessidade foi devidamente informada pela Apelante e notificada pelo IFADAP.
15. Não obstante, não efectuou a escritura de compra e venda do aludido terreno.
16. Através deste comportamento contrário às legítimas expectativas da Apelante, a Apelada olvidou o princípio da protecção de confiança ínsito no artigo 334º do Código Civil.
17. Pelo exposto, forçoso é concluir-se que tendo a verificação da condição (aprovação do projecto) sido impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica (Apelada), tem-se a condição por verificada.
18. Assim, produzindo-se os efeitos do negócio jurídico, tem a Apelante direito ao recebimento do preço correspondente aos serviços prestados, conforme dispõe o artigo 270º do Código Civil.
19. A obrigação de pagamento não é ilíquida. Isto porque no projecto de investimento, (constante de fls. 189 e ss.), é mencionado o valor de EURO 4.988,35 como correspondendo ao custo da elaboração do projecto.
20. Do processo constam os elementos necessários para se fixar o montante da obrigação (vide artigo 609º do Código de Processo Civil).
21. Deste modo, não se tendo apurado o montante ilegível, deverá considerar-se que a obrigação do pagamento do preço corresponde ao montante de EURO 4.451,70, plasmado no aludido projecto e correlativo à elaboração do projecto.
Pede que se revogue a decisão recorrida.

A ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pela recorrente podem sintetizar-se nos seguintes itens:
a) A circunstância do projecto não ter sido aprovado por causa imputável à R. releva para efeitos da verificação da condição?
b) Se a obrigação de pagamento é líquida?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
a) A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à consultadoria de engenharia agronómica, elaboração de projectos agrícolas e agro-industriais, assistência técnica, acções de desenvolvimento rural, actividades de contabilidade e auditoria e consultoria fiscal.
b) No exercício daquela sua actividade a Requerente celebrou com a Requerida, um contrato de prestação de serviços, mediante o qual se obrigou a elaborar o projecto “Agro Medida 1 – Jovens Agricultores”, através do qual a Requerida iria receber uma determinada quantia para investimento num projecto de agricultura, e a Requerida obrigou-se a pagar o respectivo preço correspondente a 2% do total do investimento que viesse a ser aprovado pelo IFADAP.
c) Foi acordado entre ambas as partes que o pagamento do corresponde preço estava condicionado à aprovação do projecto por parte do IFADAP e seria devido 15 dias a contar da data do recebimento da informação por parte da Requerida que a candidatura foi aprovada.
d) A Requerente elaborou o projecto a que se obrigou e apresentou-o nos serviços regionais do IFADAP ao qual foi atribuído o nº 2003.12.001206.1.
e) O projecto submetido a aprovação, foi cancelado em 21/12/2004, por não ter sido apresentado o documento da titularidade da posse da terra onde iria ser aplicado o investimento, vindo a ser recusado definitivamente pelo respectivo Gestor através do Despacho nº 275/2008, de 21/05/2008.
f) Para liquidar o serviço prestado, a Requerente emitiu e enviou à Requerida a factura nº 0000000535, emitida em 03/08/2007, com o valor de € 4.451,70.
g) A Requerida não efectuou o pagamento do valor facturado.
h) A Requerida não apresentou junto do organismo competente o documento comprovativo da titularidade da posse do terreno, pois não realizou a escritura pública de compra e venda, por não ter meios financeiros para o fazer, pois contava com a concessão do financiamento para adquirir o terreno.

Factos não provados
- Conforme acordado entre Requerente e Requerida, os fornecimentos efectuados seriam pagos na data de emissão da correspondente factura.
- A Requerida sempre reconheceu dever à Requerente o montante facturado.

*****

2. De direito;

a) A circunstância do projecto não ter sido aprovado por causa imputável à R. releva para efeitos da verificação da condição?
b) Se a obrigação de pagamento é líquida?


O objecto do recurso cinge-se às duas questões supra suscitadas pela recorrente e respeitam a invocado erro de direito.
Isto porque a apelante não impugna a matéria de facto (cfr. artºs 640º e 662º do CPC).
Daí que seja juridicamente irrelevante ou inócuo a referência feita nas alegações aos depoimentos de testemunhas, com vista à subsunção jurídica dos factos.
Tais depoimentos relevam em sede de fixação da matéria de facto.

Posto isto, esgrime a recorrente de que existe erro de direito na sentença, em virtude de o projecto de investimento agrícola em causa não ter sido aprovado porque a ré não apresentou o documento comprovativo relativo à aquisição do terreno e necessário a essa candidatura, actuando assim de má fé.
Entende-se que não lhe assiste razão.
Na verdade, sendo certo e pacífico que a condição a que estava sujeita a obrigação de pagamento pela ré (aprovação do investimento elaborado pelo IFADAP) não se verificou (foi cancelado ou recusado tal projecto), preceitua o artº 275º, nº2 do Código Civil (CC) que “se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada”.
É aquilo a que o Prof. Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. págs. 567-568, denomina sintomaticamente como casos de «sabotagem».
Argumenta a recorrente que a ré agiu de má fé porque não respondeu às comunicações do organismo que iria aprovar o projecto de investimento e porque não juntou o aludido documento comprovativo da titularidade da posse do terreno e pedido por aquele organismo.
Ora, que tal documento não foi apresentado é inquestionável.
Simplesmente, quanto a tal não apresentação, provou-se [alínea h) dos factos provados] que a ré não o fez porque “não realizou a escritura pública de compra e venda, por não ter meios financeiros para o fazer, pois contava com a concessão do financiamento para adquirir o terreno”.
Sendo certo ainda que, face a esta factualidade provada, a ré não deixava de ter interesse no preenchimento daquela condição (aprovação do projecto de investimento), até porque tal aprovação beneficiava-a (tirava proveito dessa aprovação), ao invés de a prejudicar.
Além disso, ante aquele único factualismo apurado quanto aos motivos de não apresentação do documento comprovativo da titularidade da posse do terreno (“não realizou a escritura pública de compra e venda, por não ter meios financeiros para o fazer, pois contava com a concessão do financiamento para adquirir o terreno”), não se vislumbra que a mesmo possa qua tale integrar uma conduta de má fé contratual, como o exige o apontado artº 275º, nº 2, do CC.
Segundo o mesmo autor, in opus citada, pág. 568, “Comporta-se contra a boa fé quem não se comporta como se pode esperar, segundo o sentido do contrato, de um contraente que pense com lealdade; não é preciso que o contraente vise dolosamente a verificação da condição; basta que o seu comportamento, de uma forma reconhecível para ele, não corresponda ao que a outra parte, segundo a boa fé, tem legitimidade para esperar dele”.
Também Baptista Machado, RLJ, 119º-261 e ss., acentua que no apontado preceito “está em causa algo mais que a mera violação da boa fé; está em causa mesmo uma violação (sui generis) do vínculo assumido. (…) que o autor da conduta em causa tenha consciência de que ele não é coerente com a lealdade ao vínculo assumido”.
No caso em apreço, o circunstancialismo fáctico descrito na referida alínea h), não permite concluir que a concreta conduta omissiva da ré traduza a apontada deslealdade, quebra de confiança, não só porque a ré não deixa de ser prejudicada de forma relevante pela não aprovação do projecto, como a mesma estava convencida de que essa aprovação lhe concedia o financiamento para adquirir o terreno, até porque não tinha meios financeiros para o fazer.
E, por certo, a autora, projectista desse investimento, não seria alheia ou não deveria sê-lo, a essa necessidade financeira da ré para a obter a titularidade do terreno, enquanto condição ou requisito para a elegibilidade da candidatura. Basta conferir o teor do ofício do IFADAP de fls. 263 dos autos, no qual se aponta tal deficiência no projecto de candidatura.
É até sintomático que, tendo sido tal projecto de investimento (ano de 2003) sido cancelado (em 2004) pelos motivo de falta de apresentação do documento de titularidade do terreno a explorar pela ré e pelas razões elencadas na dita alínea h dos factos provados (falta de meios financeiros para adquirir o terreno, sendo a concessão do financiamento o modo de obter aqueles meios), a autora se preste a elaborar outro projecto de investimento (ano de 2005), em que tal requisito também se verifica e era exigível (necessidade de prova da titularidade do terreno a adquirir e, consequentemente, de meios financeiros para tal).
Acresce apenas dizer que a alegada falta de resposta da ré às solicitações do IFADAP, consubstanciadora de má fé contratual, não se mostra demonstrada nos factos provados.

Já no que concerne à invocada liquidez da obrigação, o conhecimento desta questão mostra-se prejudicado, em face do que acima se deixa descrito, na medida em que se concluiu pela inexistência da obrigação.
Ainda assim, sempre se dirá que a materialidade fáctica provada não permite concluir pela liquidez da obrigação, quanto à reclamada quantia de € 4.451,70, já que é distinto do aludido montante referido a fls. 194 dos autos (projecto de investimento) e também contraditório com o que provou na alínea b) dos factos provados (vide também documento emitido pela autora a fls. 247).
Ainda assim, tal não obstaria a uma condenação em quantidade a liquidar em execução de sentença, caso a obrigação existisse.

Porquanto se deixa aduzido, não procede a apelação.

Sintetizando:
1. O pagamento do preço de elaboração de um projecto de investimento agrícola que fica dependente da aprovação desse investimento, sujeita-o a uma condição suspensiva.
2. Tal condição – aprovação do investimento – tem-se por verificada, se a sua verificação for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica.
3. Logo, não só aquele que impede que a condição se verifique há-de ser prejudicado, como tal impedimento deve atentar as regras de boa fé.
4. Não traduz deslealdade ou má fé a actuação do contraente, cuja verificação da condição (aprovação do investimento) o beneficiava e o impedimento desta ficou a dever-se a circunstâncias alheias ao contrato de prestação de serviços de per se: a não apresentação do documento que titulava a aquisição do terreno a investir foi devido à não realização da escritura pública de compra e venda, por aquele não ter meios financeiros para o fazer, pois contava com a concessão do financiamento para adquirir esse terreno.

DECISÃO

Pelo exposto, e pelos fundamentos acima expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.


Guimarães, 14.05.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira