Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3450/12.6TBGMR-B.G1
Relator: MARIA ROSA TCHING
Descritores: CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
CITAÇÃO POSTAL
NULIDADE
DIREITO DE DEFESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1º- A República Portuguesa está vinculada ao primado do Direito da União, nos termos do disposto no o art. 8º, nº 4 da Constituição da República.
2ª- A prevalência do Direito da União, designadamente, no que respeita aos regulamentos, resulta do disposto no art. 249º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), segundo o qual, os regulamentos são obrigatórios em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados-Membros.
3º- O Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007 é directamente aplicável em Portugal, em matéria civil ou comercial, quando um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação.
4º- Da conjugação dos artigos 8º e 14º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, interpretados à luz do seu considerando preambular n.º 12, impõe-se concluir, por um lado, que o Regulamento (CE) n.º 1393/2007 não exclui, antes admite, a citação ou notificação pelos serviços postais, relativamente a actos judiciais, como decorre do disposto no seu art. 14º.
E, por outro lado, que, utilizando-se a citação directa pelos serviços postais, fora, portanto, do âmbito de transmissão de acto a realizar entre entidades de origem e entidades requeridas, não se impõe que o acto judicial, seja traduzido para a língua oficial do Estado requerido ou para uma língua que o destinatário compreenda.
Essencial é que, de acordo com o disposto no art. 8º, nº 1 do Regulamento n.º 1393/2007, seja comunicado ao destinatário da citação, através do modelo uniforme constante do anexo II, e na língua oficial do Estado-Membro de destino, a possibilidade de recusa do acto por não se encontrar acompanhado de uma tradução.
5º- A citação efectuada sem que seja assegurada ao destinatário da citação esta possibilidade de recusa de recepção do acto está ferida de nulidade, nos termos do art. 198º, n.º 1, do C. P. Civil, uma vez que se está perante a omissão de uma formalidade essencial.
6º- Todavia, se a falta cometida não prejudicar a defesa do citado, é de considerar sanada esta nulidade, de acordo com o disposto no art. 198º, nº4 do C. P. Civil
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

A massa insolvente de B…, Ldª, instaurou contra a H…, S.L, com sede em…, Barcelona, Espanha, execução comum, para pagamento da quantia de € 45.946,73 e juros vencidos, no total de € 73.113,92, com base em sentença transitada em julgado e que condenou a mesma a pagar à B…, Ldª, a quantia de 45.946,73, acrescida de juros vencidos, à taxa legal, desde a data de vencimento das facturas em causa naquela acção até efectivo e integral pagamento.

A agente de execução citou a executada através de carta registada com aviso de recepção, nela constando o prazo para pagar e ou deduzir oposição à execução e à penhora bem como os efeitos da não oposição.

A executada Happy Punt, S.L. veio arguir a nulidade da citação,

A exequente foi notificada, nos termos do art. 229º-A do Cód. Proc. Civil, e nada veio dizer.

Foi proferido despacho que, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 198º, nº 4, do Cód. Proc. Civil, indeferiu a invocada nulidade.
As custas do incidente ficaram a cargo da executada, tendo a taxa de justiça sido fixada em 1 Uc.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou a executada, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“ 1ª- A citação deverá assegurar ao citando o fim último daquela: o da cabal compreensão do objecto da comunicação, de modo a que o princípio do contraditório, a garantia da transparência e do direito de defesa sejam respeitados, não fixando a lei qualquer excepção quando se trata da citação de execução baseada em sentença judicial.
2ª- Quando o citando resida no estrangeiro, como ocorre nos presentes autos, deve observar-se o estipulado nos tratados ou convenções internacionais, tanto mais que a República Portuguesa está vinculada à primazia do direito internacional, aplicando-se relativamente à citação o que está previsto no Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007.
3ª- O aludido Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, impõe de forma explicita a possibilidade de recusa, ao prescrever no art.º 8:
«1. A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a recepção do ato quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:
a) Uma língua que o destinatário compreenda; ou
b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação, sendo certo que o anexo II abrange todas as línguas.
Sendo certo que o art.º 14, deste mesmo Regulamento prescreve:
«Os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado –Membro, por carta registada com aviso de recepção ou equivalente».
4ª- No caso dos autos não foi observado o formalismo exigido no Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, tal como, aliás, é admitido na própria decisão recorrida, pelo que a citação é NULA, por preterição das formalidades previstas na lei na sua realização – cfr. artigo 198º, nº 1, do CPC.
5ª- O facto da Executada ter constituído mandatário, ter sido arguida a nulidade e face à ausência de qualquer decisão em tempo útil ter obrigado, por mera cautela, a ter sido requerido, com o acordo da parte contrária, a prorrogação do prazo para a dedução da Oposição e, porque continuou a não existir qualquer decisão e o prazo se encontrava em curso, determinou a dedução da própria Oposição, não são actos cuja prática permita concluir que a Executada não foi prejudicada com a omissão das formalidades exigidas para a sua citação.
6ª- Aliás, a arguição da nulidade da citação é habitualmente feita com a Oposição/Contestação, para cujo prazo a lei até remete, sendo que a sua dedução não pode significar que o citando não foi prejudicado pela omissão das formalidades prescritas na lei para a citação nem sequer tal situação se verifica pelo facto do titulo executivo ser uma sentença judicial.
7ª- É que a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao citando de que foi intentada contra ele uma execução e se chama ao processo para se defender, devendo ser acompanhada de todos os elementos e cópias legíveis documentos e peças do processo necessários à sua plena compreensão (artigo 228º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), sendo que o cuidado e diligencia na realização da citação deveria até ter sido maior porquanto a carta de citação é proveniente de um Agente de Execução e não do Tribunal.
8ª- Ficou em causa a realização do princípio do contraditório, da transparência e do direito de defesa, consagrado, além do mais, no artigo 3º do Código de Processo Civil, violando a decisão recorrida, ainda, o disposto nos artigos 198º e 228º do Código de Processo Civil e artigo 8º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007.”

A exequente não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

FUNDAMENTAÇÃO:
Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.[1]

Assim, a única questão a decidir traduz em saber se a citação da executada/apelante está, ou não, afectada de nulidade e, em caso afirmativo, se deve, ou não, anular-se o processado após a apresentação do requerimento executivo.

Os factos constantes dos autos e com interesse para a decisão desta questão são os seguintes:
1º- Por sentença proferida no processo ordinário que sob o nº 356/07.4TCGMR correu termos nas Varas de competência mista de Guimarães, parcialmente alterada pelo Acórdão da Relação de Guimarães proferido em11.09.2012 e já transitado em julgado, foi a ré, ora executada, H…, S.L., condenada a pagar a B…, Ldª, a quantia de 45.946,73, acrescida de juros vencidos, à taxa legal, desde a data de vencimento das facturas em causa naquela acção até efectivo e integral pagamento ( cfr. certidão de fls. 31 a 58).
2º- Com base nesta sentença judicial condenatória veio a massa insolvente de B…, Ldª, instaurar contra a H…, S.L, com sede em…, Barcelona, Espanha, execução comum, para pagamento da aludida quantia de € 45.946,73 e juros vencidos, no total de € 73.113,92.
3º- A agente de execução citou a executada através de carta registada com aviso de recepção, nela constando o prazo para pagar e ou deduzir oposição à execução e à penhora bem como os efeitos da não oposição. Juntou cópia do requerimento executivo, respectivos documentos e auto de penhora. (cfr. fls. 64 a 66).
4º- A executada, através do mandatário constituído, requereu, com o acordo da parte contrária, a prorrogação do prazo para a dedução da Oposição, que veio, depois, a apresentar.

Perante este quadro factual e dando-se por assente, em total concordância com a executada/apelante e com a Mmª Juíza a quo, que, no caso dos autos, a citação da executada deveria ter ido concretizada com observância do disposto no Regulamento (CE) n° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 [2], o que não aconteceu, temos por certo que a resposta a dar à questão supra enunciada passa também pela resolução da questão de saber se a nulidade cometida e tempestivamente arguida pela ora apelante deve, ou não, ser considerada sanada.
Nesta matéria, dispõe o art. 228º, n.º 1 do C. P. Civil que a citação é o acto pelo qual, além do mais, se dá conhecimento ao réu de que foi intentada contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender, estabelecendo o seu nº3 que a mesma deve ser acompanhada de todos os elementos e cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto.
Tratando-se de citação de pessoa colectiva ou sociedade, que tenha sede no estrangeiro, como acontece com a ora executada, o artigo 247°, n° l do C. P. Civil impõe a observância do estipulado nos tratados ou convenções internacionais, estatuindo o seu nº2 que, só na falta destes, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.
Por outro lado, é consabido que a República Portuguesa está vinculada ao primado do Direito da União, dispondo o art. 8º, nº 4 da Constituição da República que “ as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
E a prevalência do Direito da União, designadamente, no que respeita aos regulamentos, resulta do disposto no art. 249º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), segundo o qual, os regulamentos são obrigatórios em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados-Membros.
Assente que o mencionado Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007 é directamente aplicável em Portugal, em matéria civil ou comercial, quando um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação ( cfr. art. 1º), vejamos, então, o que o mesmo dispõe na matéria com interesse para a resolução do caso dos autos.
Estatui o art. 4º, nº 2, que: “A transmissão dos actos, requerimentos, atestados, avisos de recepção, certidões e quaisquer outros documentos entre as entidades de origem e as entidades requeridas pode ser feita por qualquer meio adequado, desde que o conteúdo do documento recebido seja fiel e conforme ao conteúdo do documento expedido e que todas as informações dele constantes sejam facilmente legíveis”.
E o nº 3 acrescenta que: “O acto a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, de acordo com o formulário constante do anexo I. O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou numa das línguas oficiais do local em que deva ser efectuada a citação ou notificação, ou ainda numa outra língua que o Estado-Membro requerido tenha indicado poder aceitar. Cada Estado-Membro deve indicar a língua oficial ou as línguas oficiais das instituições da União Europeia que, além da sua ou das suas, possam ser utilizadas no preenchimento do formulário”.
Na notificação assim feita os documentos devem ser redigidos numa das línguas previstas no art. 8º que estipula:
“1. A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a recepção do acto quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o acto à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:
a) Uma língua que o destinatário compreenda; ou
b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou a notificação.
2. Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto nos termos previstos ao abrigo do disposto no nº l, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão a que se refere o artigo 10.°, e devolver-lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.
3. Se o destinatário tiver recusado a recepção do acto ao abrigo do disposto no nº 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do acto acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no nº 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do acto é a data em que o acto acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado-Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado-Membro, um acto tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do acto inicial, determinada nos termos do nº 2 do artigo 9.º.
4. Os nºs 1, 2 e 3 aplicam-se igualmente aos meios de transmissão e de citação ou notificação de actos judiciais previstos na secção 2”.
Nesta Secção 2, por seu turno, o artigo 14° (citação ou notificação pelos serviços postais) estabelece:
“Os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou equivalente”.
Assim, da conjugação de todos estes normativos, impõe-se concluir, por um lado, que o Regulamento (CE) n.º 1393/2007 não exclui, antes admite, a citação ou notificação pelos serviços postais, relativamente a actos judiciais, como decorre do disposto no seu art. 14º.
E, por outro lado, que, utilizando-se a citação directa pelos serviços postais, fora, portanto, do âmbito de transmissão de acto a realizar entre entidades de origem e entidades requeridas, não se impõe que o acto judicial, seja traduzido para a língua oficial do Estado requerido ou para uma língua que o destinatário compreenda.
Daí poder dar-se o caso de o destinatário ser citado por serviço postal sem que os actos (v.g. peças forenses, avisos de recepção, certidões e documentos), escritos em língua que lhe seja de todo estranha, tenham sido traduzidos.
E bem se compreende que seja assim, pois o Regulamento n.º 1393/2007 teve por objectivo acelerar a transmissão entre os Estados-Membros dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial, para efeitos de citação ou notificação.
Mas, a verdade é que foi também preocupação deste regulamento, como aliás ficou bem expresso no seu considerando preambular n.º 12, assegurar eficácia à utilização de todos os meios adequados à transmissão dos actos e defender o interesse dos destinatários da citação ou notificação de actos, razão pela qual o mesmo reservou sempre a estes a possibilidade de poderem recusar um acto realizado numa língua que não seja reconduzível ao prescrito no art. 8.º, nº 1 acima enunciado.
Quer isto dizer, nas palavras do Acórdão do STJ, de 05.03.2013 [3], que “ a permissão contida no artigo 14.º do Regulamento (citação ou notificação pelos serviços postais), sem acompanhamento de uma tradução, não implica a derrogação de todas as garantias de estabilidade e segurança na transmissão de um acto judicial, mormente as do artigo 8.º consubstanciadas no direito à recusa por parte do destinatário, até porque nessa situação se encontra mais desprotegido por ausência de prévio aviso da entidade requerida do Estado-Membro onde reside”.
No caso dos autos, competia, assim, à agente de execução promover o acto de citação da executada, ainda que ao abrigo do artigo 14.º do Regulamento, por carta registada com aviso de recepção, de molde a que o direito à recusa por parte da destinatária fosse, ou pudesse ser, realmente exercido.
Ou seja, sobre ela impendia, pelo menos, o dever de comunicar à destinatária da notificação, através do modelo uniforme constante do anexo II, e na língua oficial do Estado-Membro de destino, a possibilidade de recusa do acto por não se encontrar acompanhado de uma tradução, de acordo com o disposto no art. 8º, nº 1 do Regulamento n.º 1393/2007.
Ora, o que ressalta da factualidade acima descrita e dos documentos juntos a fls. 65 e 66 dos autos, é que, apesar da executada/apelante ter sido citada por carta registada com aviso de recepção, sem que as peças processuais ( cópia do requerimento executivo, respectivos documentos e auto de penhora) tivessem sido acompanhadas da respectiva tradução, a agente de execução não lhe comunicou, através do modelo uniforme constante do anexo II, e na língua oficial do Estado-Membro de destino (espanhol), a possibilidade de recusa do acto por não se encontrar acompanhado de uma tradução.
Sendo assim e porque à destinatária/recorrente sempre lhe assistia a possibilidade de recusa de recepção do acto a que se reporta o art. 8º do referido Regulamento, evidente se torna que tal procedimento viola o disposto nos artigos 247º, nº 1 do C. P. Civil, bem como o disposto nos nºs 1 e 4 do citado art. 8º, pelo que a citação efectuada pela agente de execução está ferida de nulidade, nos termos do art. 198º, n.º 1, do C. P. Civil, uma vez que se está perante a omissão de uma formalidade essencial.
Todavia, posto que o nº4 deste mesmo artigo estipula que “A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”, não podemos de deixar de indagar se, no caso dos autos, ocorreu, ou não, esse prejuízo.
A este respeito, constata-se que a executada/apelante, através de requerimento junto a fls. 60 e 61, limitou-se a arguir a nulidade decorrente da falta de observância do disposto nos arts. 8º e 14º do Regulamento (CE) nº 1393/2007 e a pugnar pela repetição do acto nulo.
E se é verdade ter afirmado, nas suas alegações de recurso que tal falha “põe em causa a compreensão do objecto da comunicação” e , na 8ª conclusão destas alegações , que, face à nulidade cometida, “ficou em causa a realização do princípio do contraditório, da transparência e do direito de defesa”, não é menos verdade que a mesma não concretiza nenhuma destas afirmações, sendo ainda certo que do facto dela ter requerido, com o acordo da parte contrária, a prorrogação do prazo para a dedução da Oposição e ter deduzido oposição, resulta, implicitamente, que ela bem compreendeu o acto de citação.
Acresce, tal como refere a Mmª Juíza a quo, estarmos perante um caso em que o título dado à execução é uma decisão judicial condenatória, proferida no âmbito de uma acção proposta contra a ora executada/apelante e parcialmente confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação, na sequência de recurso de apelação por ela interposto, o que tudo indicia ter a mesma perfeito conhecimento do teor de tal título.
Por tudo isto e porque não vê que a falta cometida tivesse prejudicado o direito de defesa do ora apelante nem qual o benefício, em termos do exercício deste seu direito, que uma eventual repetição do acto de citação poderia trazer à executada, impõe-se considerar sanada a invocada nulidade de acordo com o disposto no art. 198º, nº4 do C.P. Civil (correspondente ao art. 191º, nº4 do novo Código de Processo Civil).
Daí nenhuma censura merecer a decisão recorrida que, por isso, será de manter.
Improcedem todas as conclusões da executada/apelante.
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SUMÁRIO:
1º- A República Portuguesa está vinculada ao primado do Direito da União, nos termos do disposto no o art. 8º, nº 4 da Constituição da República.
2ª- A prevalência do Direito da União, designadamente, no que respeita aos regulamentos, resulta do disposto no art. 249º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), segundo o qual, os regulamentos são obrigatórios em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados-Membros.
3º- O Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007 é directamente aplicável em Portugal, em matéria civil ou comercial, quando um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação.
4º- Da conjugação dos artigos 8º e 14º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, interpretados à luz do seu considerando preambular n.º 12, impõe-se concluir, por um lado, que o Regulamento (CE) n.º 1393/2007 não exclui, antes admite, a citação ou notificação pelos serviços postais, relativamente a actos judiciais, como decorre do disposto no seu art. 14º.
E, por outro lado, que, utilizando-se a citação directa pelos serviços postais, fora, portanto, do âmbito de transmissão de acto a realizar entre entidades de origem e entidades requeridas, não se impõe que o acto judicial, seja traduzido para a língua oficial do Estado requerido ou para uma língua que o destinatário compreenda.
Essencial é que, de acordo com o disposto no art. 8º, nº 1 do Regulamento n.º 1393/2007, seja comunicado ao destinatário da citação, através do modelo uniforme constante do anexo II, e na língua oficial do Estado-Membro de destino, a possibilidade de recusa do acto por não se encontrar acompanhado de uma tradução.
5º- A citação efectuada sem que seja assegurada ao destinatário da citação esta possibilidade de recusa de recepção do acto está ferida de nulidade, nos termos do art. 198º, n.º 1, do C. P. Civil, uma vez que se está perante a omissão de uma formalidade essencial.
6º- Todavia, se a falta cometida não prejudicar a defesa do citado, é de considerar sanada esta nulidade, de acordo com o disposto no art. 198º, nº4 do C. P. Civil.
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DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da executada/apelante.
Guimarães, 15 de Outubro de 2013
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, p. 84 e Ano III, tomo 1, p. 19, respectivamente.
[2] Relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros.
[3] In, www.dgsi.pt.