Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1647/11.5TBVRL-B.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DIREITO DE USUFRUTO
PENHORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O direito de usufruto é penhorável

II. A respetiva penhora pode ser concretizada mediante termo e nomeação de depositário
III. A penhora no direito ao usufruto sobre casa de habitação não atenta contra o direito constitucional à habitação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Os executados J… e A… vieram deduzir oposição à penhora alegando, em síntese, que a penhora do direito do usufruto que os executados detêm sobre os imóveis identificados no auto de penhora é legalmente inadmissível por considerarem que o usufruto de imóveis não tem objeto suscetível de apropriação.
A exequente contestou pugnando pela improcedência desta oposição.
Por decisão de 18/2/2014 julgou-se a oposição improcedente.

Inconformados os executados interpuseram recurso de apelação concluindo em síntese:

- A penhora é Inadmissibilidade, sendo impenhoráveis certos bens entre os quais as coisas ou direitos inalienáveis. O direito de usufruto é impenhorável considerando o seu regime legal e factual. Os imóveis com direito de usufruto não podem ser penhorados. Os frutos advindos da penhora não teriam qualquer expressão económica imediata e nem mediata. Os executados habitam nos imóveis. Verifica-se ofensa do direito de outrem. Inexiste objeto suscetível de apropriação.

Em contra-alegações defende-se o julgado, referindo-se que o elenco de bens impenhoráveis é taxativo.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.

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A factualidade com interesse é a seguinte:

- No âmbito dos autos foram penhorados os direitos de usufruto dos seguintes bens:

- Penhora do direito de usufruto simultâneo e sucessivo que os Executados M… e A… detêm sobre o prédio urbano composto de casa de rés do chão (com 2 divisões para arrumos, tendo um deles um lagar), 1º andar com divisões, 1 cozinha 1 quarto de banho e uma varanda), e quintal, sito em … freguesia de …, concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o número …. e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...

- Penhora do direito de usufruto simultâneo e sucessivo que os Executados M… e A…, detém sobre o prédio urbano composto de casa com cave (na qual se encontram 2 divisões para arrumos e garagem), rés do chão (com 4 divisões, uma cozinha e 1 quarto de banho) e logradouro, sito em …, freguesia de …, concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o número … e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….

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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, n. 4 e 639º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Importa saber se pode incidir penhora sobre o direito de usufruto.

Nos termos do artigo 601º do CC e 735º, 1 do CPC todos os bens do devedor suscetíveis de penhora respondem pelo cumprimento das obrigações deste, constituem garantia geral do credor. Assim e não sendo a obrigação cumprida pode este executar o património daquele – artigo 817º do CC.

Só são impenhoráveis os bens que a lei refere como tal – artigos 822º (atual 736º), bens totalmente impenhoráveis, sendo de destacar os bens ou direitos inalienáveis); 823º (atual 737º), bens relativamente impenhoráveis; e 824º (atual 738º), bens parcialmente penhoráveis.

Não é correto afirmar que os bens com usufruto não podem ser penhorados. Descoberto estava o modo de por os imóveis a coberto das penhoras. A apreensibilidade do bem não é condição de penhorabilidade. O que não pode é penhorar-se o imóvel em si como se não houvesse usufruto. Tanto pode ser penhorado apenas o usufruto, como a nua propriedade. A nua propriedade pode ser penhorada como penhora de direitos, nos termos do artigo 856 ss, (atual 773º ss), cumprindo-se o disposto no artigo 862º, 1 (atual 781º, 1) do CPC. (notificação aos usufrutuários).

E como pode ser penhorada a nua propriedade também o usufruto pode ser penhorado. Do regime legal deste, artigos 1439 ss do CC, não resulta tratar-se de direito inalienável. Assim é que nos termos do artigo 1444º do CC., pode ser trespassado e onerado (salvas as restrições constantes do título). O que o usufrutuário não pode é dispor da nua propriedade do imóvel, mas não foi esse o direito penhorado.
E a penhora pode fazer-se nos termos em que foi efetuada, com termo e nomeação de fiel depositário – artigos 838º, 3 e 839º (atuais 755º e 756º) do CPC por força do artigo 863º do mesmo diploma (atual 783º). Embora a regra da penhora de direitos consista na notificação de terceiros (artigo 856º do CPC).
É que no caso presente a apreensão do bem não causa prejuízo ao terceiro (o titular da nua propriedade), porquanto é o usufrutuário que usa frui e administra a coisa, conforme o título, devendo fazê-lo como o faria um bom pai família (artº 1446º do CC). Conquanto se cumule a posse do proprietário de raiz, só o usufrutuário tem contacto direto com a coisa, estando reservado ao proprietário de raiz em termos de contacto direto apenas os casos previstos no artigo 1471º do CC, e sempre sem prejuízo do usufruto – nº 2 do mesmo artigo.
Para saber como proceder à penhora de usufruto importa ter em atenção o disposto no artigo 862°, 5 do CPC (atual 781º, 5).
Refere-se neste "o disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, à penhora do direito real de habitação periódica e de outros direitos reais cujo objeto não deva ser apreendido, nos termos previstos na subsecção anterior".
Ou seja, se o objeto não puder ser apreendido, dada a natureza do que se pretende penhorar, a penhora faz-se por notificação, caso contrário far-se-á nos termos da penhora de imóveis.
Como refere Lebre de Freitas, em “A ação executiva depois da reforma”, 4º Ed., a lei distingue três tipos de penhoras, a de imóveis a de móveis e a de direitos. Refere o autor a fls. 247 que da leitura das disposições legais resulta que o âmbito da penhora dos direitos se determina por exclusão de partes. Assim refere, “ ela tem lugar quando não está em causa o direito de propriedade plena e exclusiva do executado sobre coisa corpórea nem um direito real menor que possa acarretar a posse efetiva e exclusiva da coisa corpórea…”
Em nota refere:
«a sujeição dos direitos reais menores que acarretam a posse efetiva e exclusiva da coisa às normas reguladoras da penhora de móveis ou imóveis é feita por analogia, visto todos terem de comum o ato de desapossamento do executado, enquanto que os direitos reais menores, que não acarretam a posse, dão lugar a penhora de direitos».
Ora o usufruto como direito real menor importa a posse efetiva por parte do usufrutuário como já vimos. Assim, só não deverá ocorrer apreensão se esta for incompatível com direito de terceiro não parte na execução. Ora, no caso presente, o proprietário de raiz não fica prejudicado com a apreensão, pois que não tem a posse efetiva do bem – factual - e o seu direito nenhuma mácula sofrerá. Vd. No sentido apontado, RP 22/1/2001, www.dgsi.pt, processo nº 0051482, de 22/4/1996, processo nº 9551179; Lopes do Rego, Comentários ao C. Processo Civil, p. 574, citando o Prof. Castro Mendes, Ação Executiva, p. 111.
Também não constitui obstáculo á penhora o facto de os executados habitarem os imóveis. Não consta do elenco de bens impenhoráveis o imóvel “de habitação“ do executado.
A lei estabeleceu é certo algumas defesas em relação à habitação – vd. Artigo 834º nº 2 redação da L. 60/2012 (atual 751º, nºs 3, als. a) e b)), estabelecendo só ser possível a penhora de imóvel, caso este seja a habitação permanente do executado, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de doze meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância, e de dezoito meses excedendo a dívida metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância. Mas a questão colocada no recurso não se prende com qualquer desaplicação deste normativo. No sentido da proteção da habitação vejam-se ainda e entre outros os artigos 839º, 1, a) e 930º, 6 do CPC, e no atual os artigos 704º, 4; 733º, 5; 861º, 6.
Por ultimo a admissibilidade da penhora não atenta contra o direito constitucional à habitação. “ O direito à habitação não se confunde com o direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão, como porque a penhora, só por si, não priva de habitação quem na casa de morada de família possa habitar” – Vd. Ac. RG de 7/5/2003, www.dgsi.pt, processo nº 1267/06-1 e da mesma relação o de 25/3/2010, www.dgsi.pt, processo nº 1880/08.7TBFLG-B.G1. Vd. Ainda TC no processo nº 155/99.
Consequentemente improcede a apelação.
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando o decidido.
Custas pelos recorrentes.

Antero Veiga
Maria Luísa Duarte
Raquel Rego