Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
715/08.5TBPTL.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: SERVIDÃO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Se desde a data da partilha (e já anteriormente) ficou acordado que a água de um poço situado em parcela, serviente, de uma das partes se destina ao abastecimento da casa, sita em prédio dominante, da outra parte, e que esta necessita de aceder ao local por um corredor e portão situado na dita parcela, com vista à conservação e reparação, bem como para a colocação de tubos para a ligação da água a sua casa, goza esta última parte do direito a tal acesso (designadamente mediante a chave do portão) em consequência do seu prédio ser dominante.
II - Tal direito de passagem não configura uma servidão autónoma daqueloutra, mas tão só um meio necessário, funcionalizado ao inerente aproveitamento de servidão.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

Proc. n.º 715/08.5TBPTL.G1

I – L… e L…, casados e residentes em 23, Rue La Carrera, Maslaeq, França, vieram instaurar a presente acção comum, com processo sumário, contra M… e marido, J…, residentes em 69, Grande Rue, Rosselange, França, onde terminam peticionando que se declare que os actos praticados pelos réus, e melhor descritos na petição inicial, são inválidos e, por via disso, sejam os réus condenados a:
- reconhecer que a linha divisória entre a “parcela H)” (que identificam por referência à planta cuja cópia se encontra junta a fls. 37), pertença dos autores, e a “parcela G)”, da ré, é definida por uma linha recta, tirada de poente para nascente, devendo ser um prolongamento em linha recta do muro divisório (paredes sem cobertura) indicado pela letra J) e, no prazo a ser fixado pelo Tribunal, rectificar a implantação da sua entrada, levantando os cubos na parte que excede os limites da sua parcela;
- repor, no prazo a ser fixado pelo Tribunal, a parte da vinha e os três esteios em pedra retirados da parte a sul da “parcela H)”;
- desobstruir, no prazo a ser fixado pelo Tribunal, a entrada (assinalada com a letra N) para as parcelas dos autores, procedendo à demolição da construção efectuada (muro);
- permitir o acesso dos autores ao poço que serve de abastecimento de água às suas propriedades, facultando-lhes, no prazo a ser fixado pelo Tribunal, uma chave do portão que impede o acesso ao logradouro dos réus, onde se situa o poço;
- tapar, no prazo a ser fixado pelo Tribunal, as aberturas (janelas e porta) do seu prédio que distem a menos de 1,5 metros do prédio dos réus;
- no pagamento aos autores da quantia de € 100,00 (cem euros), a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na realização das obras ou entrega da chave.
Alegam, em síntese, que na sequência do processo de inventário que correu termos no 2.º juízo deste Tribunal sob o n.º 300/99, foi acordada a partilha dos prédios aí descritos sob as verbas n.º 2 e 7 (cfr. art. 1.º da p.i.), procedendo-se então à adjudicação das verbas e lavrando-se, complementarmente, os esclarecimentos atinentes à divisão material das mesmas (cfr. art. 2.º e 3.º da p.i.), com o acordo de todos os interessados.
Acontece que, já depois de homologada e transitada em julgado a partilha, os réus violaram o dito acordo, invadindo a parcela que coube aos autores com a construção da entrada para a sua parcela; destruindo parte das vinhas que foram adjudicadas aos autores; vedando um das entradas usadas pelos autores para as suas parcelas; e, impedindo os autores de acederem ao poço, sito na parcela dos réus, cuja água lhes foi adjudicada. Além disso, os réus fizeram obras na casa que lhes foi adjudicada, procedendo à abertura de uma porta e de duas janelas na fachada nascente do seu prédio que deitam directamente para a fachada poente da garagem dos autores, distando ambos os prédios menos de metro e meio.

Válida e regularmente citada, veio a ré informar que o seu marido havia falecido, contestando no mais a acção. Para o efeito, além de impugnar parte dos factos alegados, apresentou a sua versão do ocorrido, invocando no que concerne às aberturas referidas pelos autores, a existência de uma servidão por destinação de pai de família, impugnando a existência de qualquer passagem tapada, bem assim como a necessidade de aceder ao poço da forma pretendida pelos autores, mais negando ter violado o direito de propriedade dos autores.
Termina, pedindo a absolvição do pedido.
Apresentaram os autores, ainda, a resposta, onde reitera o alegado na p.i. e terminando pedindo com a condenação da ré no pedido.

Efectuado o julgamento foi proferida a sentença na qual se decidiu:
Face ao exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelos autores e, consequentemente, condeno a ré:
a) a desviar para sul a linha do calcetado que colocou na entrada junto do portão de acesso para a parcela designada pela letra G) do croquis de fls. 37, levantando o mesmo na área correspondente a 0,066 cm2 (i.e., 0.33 cm a ponte x 0,20 cm a nascente, em linha recta);
b) a permitir o acesso dos autores ao poço sito no logradouro destinado ao uso da ré (identificado pela letra G) no croquis de fls. 37), devendo para o efeito ser-lhes entregue a chave que permite a abertura do portão de acesso ao local.
No mais, absolvo a ré dos pedidos.

Inconformada a ré interpôs recurso cujas alegações de fls. 242 a 250, termina com conclusões onde são colocadas as seguintes questões:

A decisão constante da alínea b) não corresponde à factualidade dada como provada, nem aos termos da fundamentação de direito, que sustenta essa matéria.
Além de que, permite uma actuação dos autores, e um correspondente encargo para a ré, sem limites, nem regras, não acautelando devidamente a preocupação e os objectivos referidos ou seja, justifica-se para assegurar àquela, na qualidade de serviente a possibilidade de certificar fiscalizar a regularidade da conduta dos autores e, assim, impedir abusos e excessos e a devassa do seu prédio, injustificada e desnecessariamente.
E ainda não respeita o princípio fundamental de que a serventia se destina exclusivamente a satisfazer as necessidades específicas do respectivo benefício.
Deve ser revogada a decisão constante da alínea b) e substituída por outra que condene a ré a “ permitir o acesso dos autores ao poço sito no logradouro destinado ao uso da ré (identificado na alínea g) no croquis de fls. 37), exclusivamente para fazerem a manutenção do mesmo (limpeza) devendo os autores solicitar à ré essa possibilidade e a ré entregar aos autores a chave que permite a abertura do portão de acesso ao local, com aquela finalidade e pelo tempo estritamente necessário para o efeito.
A sentença recorrida decide pela existência da compropriedade e de um fraccionamento material dos prédios, apenas como forma de regulamentação do uso da coisa comum.
Face à matéria de facto provada deveria ter-se entendido e decidido que os herdeiros, autores e ré incluídos adquiriram partes divididas e demarcadas desses dois prédios partilhados, ora em questão com as características que constam da relação de bens conjugada com os respectivos complementos e esclarecimentos.


Os recorridos apresentaram contra-alegações que constam dos autos a fls. 258 a 261 e nas quais pugnam pela manutenção do decidido.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 684º, e 685-A Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1 – Correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, o processo de inventário judicial com o n.º 300/99, para partilha da herança aberta por óbito de Delfina….
2 – Foram relacionados, entre outros, os seguintes bens imóveis, sitos na freguesia de Vitorino das Donas, do concelho de Ponte de Lima:
- sob a Verba n.º 2: «Eido com ramada e quatro oliveiras, sito no Lugar de Barco, com a área de 502 m2, a confrontar de norte e nascente com Caminho do Souto do Barco, de sul com Laurentino da Silva Dias de Carvalho e de poente com Herdeiros de Rosa da Silva, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 389°, com o valor patrimonial de Esc.3.881$00», sendo que se acrescentou à descrição da verba: «Neste prédio foram feitas as seguintes construções: a) Casa construída pela interessada Maria das Dores; b) Coberto construído pelos inventariados; c) Garagem construída pela interessada Laurinda; d) Paredes levantadas pela interessada Laurinda, à altura da garagem, sem Cobertura».
- sob a Verba n.º 7: «Casa de habitação, sita no Lugar de Barco, com a superfície coberta de 113 m2, a confrontar de norte e nascente com Caminho, de sul com Joaquim da Costa Torres e de poente com José da Costa Torres, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 38°, com o valor patrimonial de Esc. 13.897$00», sendo que se acrescentou à descrição da verba: «Encontra-se dividida em três parcelas com a composição seguinte:
a) Parcela 1 - composta de rés-de-chão com cozinha e sala, 1° andar com dois quartos e casa de banho, sótão e logradouro, a confrontar de norte com Laurentino Rodrigues, nascente Eva da Conceição Cerqueira Dias de Carvalho, sul Laurentino da Silva Dias de Carvalho e poente com Maria das Dores Cerqueira Dias de Carvalho; b) Parcela 2 - composta de rés-de-chão com uma cozinha e uma sala, 1 ° andar com dois quartos e casa de banho, sótão e logradouro, a confrontar de norte e nascente com Laurentino Rodrigues, sul com Madalena Cerqueira Dias de Carvalho e poente com Maria das Dores Cerqueira Dias de Carvalho Baptista; c) Parcela 3 - composta por rés-de-chão com uma divisão, 1° andar com dois quartos e hall, garagem e logradouro, a confrontar de norte com o Largo do Barco e Laurentino Rodrigues e a Estrada, sul com Eva da Conceição Cerqueira Dias de Carvalho, poente com Eva da Conceição Cerqueira Dias de Carvalho e Madalena Cerqueira Dias de Carvalho. A interessada Madalena efectuou obras de restauro e beneficiação na parcela 1 (um). A interessada Eva efectuou obras de restauro e beneficiação na parcela 2 (dois)».
3 - Na conferência de interessados realizada no decurso desse inventário, foi deliberado adjudicar as verbas n.º 2 e 7 do seguinte modo:
- a verba «nº 2 aos interessados MARIA … na proporção de 20/152 partes; à interessada EVA…, na proporção de 9/152 partes; à interessada MARIA MADALENA…, na proporção de 43/152 partes; à interessada LAURINDA …, na proporção de 41/152 partes e ao interessado MANUEL…, na proporção de 39/152 partes»;
- a verba «nº 7 aos interessados MARIA MADALENA…, EVA… e LAURINDA…, na proporção de 1/3 (um terço) para cada um».
4 - Na mesma conferência ficou consignado o seguinte:
«… pelos interessados foram feitos os seguintes esclarecimentos:
(…) Quanto à verba n.º 2 (dois) a interessada Maria das Dores construiu uma casa na sua parte assinalada na planta junta a fls. 191, com a letra A).
A parte da interessada Eva… está assinada na mesma planta com a letra D).
A parte do interessado Manuel… é constituída pelo coberto, pelo terreno desde a tia Rosalina à casa da tia Maria das Dores e pelo corredor do portão até ao final do logradouro e está assinalado pelas letras B) e C).
A parte da interessada Maria Madalena… engloba a horta, o corredor desde o muro do craveiro até ao muro do tio Casimiro e a entrada desde a estrada até ao final do muro da parte de dentro da garagem da Laurinda…, assinaladas com as letras E) e G).
A parte da interessada Laurinda engloba as vinhas da casa assinaladas com a letra H), a garagem assinalada com a letra I) e as paredes sem cobertura assinaladas com a letra F), sendo a entrada por N).
(…) Quanto à verba n.º 7 (sete), as partes da casa correspondem às parcelas descritas na mesma verba, sendo que a parcela 1 (um) está na posse da interessada Maria Madalena…, que nela efectuou obras de restauro e beneficiação.
A parcela 2 (dois) está na posse da interessada Ev…, que nela efectuou obras de restauro e beneficiação.
A parcela 3 (três) está na posse da interessada Laurinda…, devendo excluir-se a garagem por já estar referida no esclarecimento feita à verba n.º 2 (dois).
No logradouro, na parte da interessada Maria Madalena… existe um poço de exploração de água destinada ao abastecimento das casas das interessadas Eva…, Maria Madalena, Maria das Dores, Laurinda e Manuel…, sendo na Laurinda para as casas assinaladas no croquis com a letra L) e a sua parte na casa assinalada com a letra O).”
5 – As letras referidas em 4) correspondem àquelas apostas na planta junta a fls. 37 dos presentes autos e que constitui cópia daquela junta ao predito processo de inventário.
6 - Foi elaborado, posteriormente, o mapa da partilha, cuja cópia se encontra junta a fls. 32 a 36, o qual foi homologado por sentença de 06.10.2003, que transitou em julgado.
7 – No esclarecimento relativo à verba n.º 2, houve um erro de escrita, pelo que, onde lê “letra F)” deve ler-se “letra J)”.
8 – A ré, no ano de 2006, procedeu ao calcetamento da entrada referida nos esclarecimentos relativos à parte da verba n.º 2 e que lhe foi adjudicada.
9 – A dita entrada confronta: a norte com a parcela afecta aos autores (e assinalada com a letra H) na planta junta a fls. 37), a poente com um portão da ré de acesso à zona referida sob a letra G), a nascente com a estrada e a sul com o prédio que foi do “tio Casimiro”.
10 – A implantação da dita entrada deveria respeitar a distância de 3 metros de largura contados desde a parcela H) dos autores ao prédio que foi do “tio Casimiro” (e em todos os pontos da sua extensão, i.e. desde o portão até à estrada).
11 – Laurentino… cedeu à ré uma faixa de terreno com a largura de 67 cm a poente (junto ao portão) e 1,50 m a nascente (junto à estrada), terreno este que integrava o prédio que foi do “tio Casimiro” e passou a incorporar a entrada referida em 8).
12 – A ré, ao proceder ao calcetamento referido em 8), ultrapassou:
- a poente (junto do portão/parede divisória assinalada com a letra J)), 0,33 cm para norte, ocupando nesse espaço a parcela dos autores designada pela letra H);
- a nascente (junto da estrada), 0,20 cm para norte, ocupando nesse espaço a parcela dos autores designada pela letra H).
13 – A ré retirou os arames da latada que pendia sobre a entrada referida em 8) e que se encontrava segura, a norte, pelos esteios sitos na parcela referida em H) e a sul pelos esteios sitos no prédio do “tio Casimiro” e que pertenciam ao dito prédio (i.e. ao prédio que confina a sul com a área da entrada referida em 8).
14 – A ré retirou os três esteios em pedra que sustentavam a referida vinha e que estavam sitos no prédio e muro do “tio Casimiro”.
15 – A ré, para impedir que os autores acedessem às suas (da ré) parcelas, construiu há pelo menos 2 anos, um muro com 1,08 metros de altura, entre os prédios assinalados na planta de fls. 37 com as letras O) e L).
16 – Esse muro foi erigido a meio do corredor que se inicia na entrada nomeada sob a letra N) da planta de fls. 37 e que termina na zona designada por G), a sul das entradas para as parcelas 1 e 2 da verba n.º 7 (correspondente às parcelas do prédio designado com a letra O) no mapa referido).
17 – O poço referido nos esclarecimentos relativos à verba n.º 7 fica situado no prédio descrito sob a verba n.º 2, encostado à vertente sul do muro identificado no mapa de fls. 37 sob a letra J).
18 - Os autores ainda não ligaram os tubos de abastecimento da água dos seus prédios.
19 – Os autores necessitam de aceder ao poço pelo corredor da parcela adjudicada à ré (designada pela letra G) exclusivamente para fazerem a manutenção do mesmo (limpeza), uma vez que conseguem aceder ao seu sistema de abastecimento (motor e tubos) através da abertura que fizeram no seu prédio, junto ao muro identificado sob a letra J),
20 – Em 1994, depois da morte dos seus pais, a ré e o marido fizeram obras na parte da casa de habitação que corresponde à parcela 1 (que se situa na parte mais a sul) do prédio inscrito na matriz sob o artigo 38º urbano (e descrito sob a verba n.º 7 no inventário supra referido) e que foi adjudicada à ré aquando da partilha realizada no inventário referido em 1).
21 - Quando realizaram essas obras, a ré e o marido fizeram avançar a fachada nascente da parcela referida em 20), abrindo na mesma uma porta e duas janelas.
22 - Essas aberturas deitam directamente para o corredor que faz parte do prédio assinalado sob a letra G) e para a fachada poente da garagem assinalada com a letra I) na planta de fls. 37, situando-se:
- a porta e a janela (aberta em cima da porta) a uma distância de 1,25 metros da parede da dita garagem;
- as janelas sitas na zona mais a sul da fachada a uma distância de 1,60 metros da parede da dita garagem.
23 – A parcela designada com a letra I) foi adjudicada, aquando do inventário referido em 1), aos autores.
24 – A fachada dessa garagem e dessas paredes voltadas para as referidas janelas e porta é constituída por uma parede em blocos e argamassa de cimento com altura superior a dois metros sem qualquer abertura ou acesso para a parte identificada com a letra “G”.
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Conforme decorre dos autos, o que está em causa no recurso, é a condenação da ré a permitir o acesso ao poço por parte dos autores.
A servidão predial exprime uma limitação no direito de propriedade do prédio que com ela é onerado (prédio serviente).
Para se poder falar na existência de uma servidão é necessário que os prédios serviente e dominante pertençam a donos diferentes.
As servidões prediais podem ser constituídas por via contratual, por testamento, usucapião ou destinação de pai de família, conforme decorre do disposto no artigo 1547º do código Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed. pág. 305, Ac. S.T.J. de 18-3-82, Bol. 315-263).
No caso em discussão, por acordo e nos termos da partilha, quer a recorrente quer os recorridos, procederam a uma divisão dos prédios e à sua demarcação, e as parcelas assim delimitadas passaram a pertencer a proprietários diferentes, onde voluntariamente colocaram sinais permanentes de serventia .
A servidão constituída – tal como consta da partilha - diz respeito ao aproveitamento da água do poço para usos domésticos e consumo, poço este que se encontra na parcela do prédio adjudicada à ré, onde irão ser instaladas as canalizações.
Também e para acesso ao poço existe um portão que dá acesso ao prédio onde o mesmo está instalado.
O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para seu uso e conservação.
O direito de passagem não configura uma servidão autónoma mas só um meio necessário funcionalizado ao inerente aproveitamento da servidão.
A constituição de uma servidão por destinação do pai de família obedece aos requisitos do art. 1549 do C.C., que dispõe o seguinte:
" Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis ou permanentes, postos em um ou em ambos , que revelem serventia de um para o outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios , ou as duas fracções do mesmo prédio, vieram a separar-se salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento".
Trata-se de uma servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou as fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes.
Todavia, qualificar a servidão como voluntária, não significa dizer que ela resulta de uma declaração negocial.
A servidão assenta num facto voluntário (a colocação do sinal ou sinais aparentes e permanentes) mas, a relevância ou os efeitos deste facto são os determinados por lei.
O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação.
Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício entender-se-á constituída a servidão de forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com menor prejuízo para o prédio serviente.
Estando provado que os AA. desde a data da partilha (e já anteriormente) utilizam a água e que ficou estabelecido que para acederem directamente ao poço, têm que utilizar um corredor da parcela (onde a recorrente colocou um portão) visando a conservação e reparação, bem como a colocação de tubos para a ligação da água do poço à sua casa, situado no seu prédio, adquiriram o direito de aí acederem, em consequência do direito do seu prédio (dominante), para aquela estrita finalidade (artigo 1556º do Código Civil).
Tal direito de passagem não configura uma servidão autónoma daqueloutra, mas tão só um meio necessário, funcionalizado ao inerente aproveitamento de servidão; trata-se, pois, de adminicula servitutis” – Ac do STJ de 14/5/09, proc. 09A0661, em www.dgsi.pt.
E para os autores (recorridos) aí acederem, deveria (como consta da condenação) para o efeito, ser-lhes entregue a chave que permite a abertura do portão de acesso ao local onde o mesmo se encontra.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, v. III, pág. 618:
Se houver duas ou mais formas de satisfazer as necessidades do prédio dominante, a que a servidão se encontra adstrita, deve preferir-se a que menor dano cause ao dono do prédio serviente e não a que maior vantagem proporcione ao titular do prédio dominante.
Ora, no caso a única maneira dos autores acederem ao poço é através do portão, uma vez que a parcela que foi adjudicada à recorrente está completamente murada, e o acesso não pode ser condicionado à autorização da ré ou ao seu critério.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 20/10/92, in BMJ 420, pág. 580 O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação (art. 1565°, nº1, do Código Civil), nesta fórmula se incluindo todas as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares, os quais representam os meios adequados ao pleno aproveitamento de servidão, correntemente chamados “adminicula servitutis”, e que não constituem servidão autónoma, ainda que acessória e diferente da que se designaria por principal. Os princípios fundamentais que o intérprete deve observar em caso de dúvida quanto à extensão ou modo do exercício da servidão (art. 1565º, n.º 1 do Cód. Civil) são a) a satisfação das necessidades normais e previsíveis do prédio dominante; b) o menor prejuízo para o prédio serviente.
As necessidades a satisfazer por meio da servidão não são apenas as existentes no momento em que ela se constitui, mas deve atender-se, em princípio, também às novas necessidades e eventuais exigências do prédio dominante, desde que sejam naturais e previsíveis, com exclusão de certos casos que tornem a servidão mais onerosa - Ac do STJ de 14/5/09, já citado.
Só que, no caso, obrigar os autores a pedirem a chave quando pretendessem deslocar-se ao poço para limpeza e conservação, e deixar ao critério da ré a apreciação do modo e do tempo necessário para tal, seria limitar o direito que está cometido aos autores, que devem estar munidos da chave, obviamente, para se deslocarem ao poço para aqueles efeitos.
Se ao dono do prédio serviente assiste o direito de tapagem do seu prédio e de colocação de um portão, também ao dono do prédio dominante, assiste o direito de ter uma chave para acesso ao poço.

Em síntese: se desde a data da partilha (e já anteriormente) ficou acordado que a água do poço situado na parcela da recorrente se destina ao abastecimento da casa dos recorridos para uso doméstico, e que os mesmos necessitam de aí aceder por um corredor e portão situado naquela parcela, visando a conservação e reparação, bem como para a colocação de tubos para a ligação da água a sua casa, adquiriram o direito de aí acederem, em consequência do direito do seu prédio (dominante), para aquela estrita finalidade, devendo ser-lhe entregue a chave do portão.
Tal direito de passagem não configura uma servidão autónoma daqueloutra, mas tão só um meio necessário, funcionalizado ao inerente aproveitamento de servidão.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Guimarães, 12 de Maio de 2011.
Conceição Bucho
Antero Veiga
Conceição Saavedra