Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
912/14.4TBVCT-A.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: PROVA
DEPOIMENTO DE PARTE
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) O tribunal pode, oficiosamente, determinar a realização da prova por declarações de parte;
2) Pode igualmente o tribunal servir-se dos depoimentos de parte e considerá-los como declarações de parte, para efeitos de poder apreciar livremente as declarações das partes.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) A C.., CRL, veio instaurar o presente procedimento cautelar de arresto contra M.. e marido C.., J.. e J.. e mulher I.., onde conclui pedindo a final o arresto da parte do vencimento que a requerida M.. aufere, como professora, ao serviço da Escola Secundária de.., em todo o valor que exceda um salário mínimo nacional.
Conforme referido na decisão recorrida, alegou, para tanto, em síntese, que é titular de créditos vencidos de montante elevado sobre os primeiros e segundo requeridos; sendo que tais requeridos outorgaram entre si confissões de dívida, feitas pelos requeridos C.. e mulher M.., a favor do requerido J.., que deram origem a subsequentes execuções, sendo tais atos simulados, acrescendo ainda que, com data de 8 de abril de 2013, entre o requerido J.. e os requeridos J.. e mulher, foi outorgado um contrato de cessão de créditos que deu origem ao incidente subsequente de habilitação de cessionários nas referidas execuções, sendo que tal ato é simulado.
Os requeridos J.. e J.. e mulher I.. vieram deduzir oposição onde entendem dever a presente providência cautela ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.
*
Produzida a prova, foi proferida a decisão de fls. 217 e seguintes onde se decidiu julgar a presente providência cautelar procedente e, consequentemente, decretar o arresto de 1/3 (um terço) do vencimento que a requerida M.. aufere como professora ao serviço da Escola Secundária de.., declarando-se suspensos os descontos por efeito das penhoras sobre tal vencimento realizados à ordem das execuções 1413/13.3TBVNG e 2904/13.1TBVNG.
*
B) Inconformados com esta decisão, os requeridos J.. e J.. e mulher I.. vieram interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 282).
C) Nas alegações de recurso são formuladas as seguintes conclusões:
1º A Meritíssima Juiz “a quo” deu como Provada a Matéria de Facto constante dos nºs 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43 (constantes a fls. 10 verso e 11 da sentença), 27 (fls. 13 e seguintes da sentença), 28, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 59 dos Factos Provados, de fls. 15 a 18 verso, socorrendo-se apenas dos Depoimentos de Parte prestados pelos requeridos C.. e mulher M.., J.., J.. e mulher I..;
2º Tanto assim é que a Meritíssima Juiz recorrida, na Motivação da Matéria de Facto, constante a fls. 21 da sentença que ora se impugna, refere que a sua convicção quanto à existência indiciária dos invocados acordos simulatórios subjacentes às confissões de dívidas e cessão de créditos, resultou dos depoimentos de parte dos requeridos;
3º Todavia, não o podia fazer, uma vez que, estando “o depoimento de parte contemplado nos artigos 552º a 567º do CPC (atuais artigos 452º a 465º), denominando-se a secção respetiva “prova por confissão das partes” e, por outro lado, estando a “confissão definida no artigo 352º do CC como sendo “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, o “depoimento de parte destina-se a obter a confissão das partes, ou seja, a admissão de factos que lhes são desfavoráveis e, sendo a confissão judicial obtida por depoimento de parte, esta será reduzida a escrito e terá o valor de prova plena (artigos 358º nº1 do CC e 563º nº1 do CPC)”: cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 04.10.2012, proferido no proc. 4867/08.6TBOER-1L1-6, in www.dgsi.pt;
4º Pelo que “não pode, por isso, ser requerido o depoimento de parte para ser apreciado livremente pelo Tribunal, sem ter como objetivo a obtenção da confissão, sob pena de se estar a admitir um “testemunho de parte” que não é admissível na nossa lei…” (cfr. Lebre de Freitas, CPC anotado, volume 2, páginas 497 e seguintes): cfr. citado Acórdão;
5º A este propósito, tenha-se presente que o acórdão do Tribunal Constitucional de 13.07.2004 (proc. nº222/2004, in Diário da República, II Série, de 02.11.2004, pág. 160939) … aqui aplicável com as devidas adaptações (nos diz que):
“O direito à prova … como a generalidade dos direitos, não é absoluto, antes contém limitações de natureza intrínseca e extrínseca (…).
“Não se vê que fique vedado ao legislador ordinário regular a possibilidade de limitar o depoimento de parte por forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respetivo objeto seja irrelevante enquanto confissão, ou seja, quando se anteveja uma disfunção entre o meio processual e o fim tido em vista pela sua previsão”;
6º Nos presentes autos, o que aqui está em causa é essa limitação intrínseca “postulada” pela circunstância de os factos sobre os quais haveria de recair o depoimento de parte se encontrarem fora dos limites da eficácia da confissão;
7º Consequentemente, salvo o devido respeito e douta opinião de Vossas Excelências, a sentença recorrida carece de fundamento fáctico-legal para admitir o depoimento de parte dos Requeridos como suporte dos Factos Provados supra referidos;
8º Pois, da restante prova carreada para os autos pela Requerente, seja documental, seja testemunhal, inexistem elementos factuais que permitam que aqueles Factos dos nºs 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43 (constantes a fls. 10 verso e 11 da sentença), 27 (fls. 13 e seguintes da sentença), 28, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 59, sejam dados como Provados;
9º Como melhor se constata, de resto, pela transcrição integral dos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas S.. (funcionária da requerente e que depôs com base em meras deduções quanto aos factos aqui impugnados, que iam para além da concessão de crédito aos requeridos C.. e mulher) e J..(agente de execução, que se limitou a confirmar as penhoras e o movimento processual da transferência do dinheiro, unicamente, ignorando tudo o mais em causa);
10º Ora, inexistindo outra prova, que não os depoimentos daquelas testemunhas para se poder responder afirmativamente a matéria de factos dos nºs 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43 (constantes a fls. 10 verso e 11 da sentença), 27 (fls. 13 e seguintes da sentença), 28, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 59 e sendo os seus depoimentos manifestamente insuficientes para tal efeito, como supra se relata, não pode a mesma ser dada como provada;
11º Razão pela qual se impõe que as respostas aos nºs 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43 (constantes a fls. 10 verso e 11 da sentença), 27 (fls. 13 e seguintes da sentença), 28, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 59 dos Factos Provados devam ser alteradas, por forma a que os mesmos sejam respondidos negativamente;
12º Cuja consequência é a não verificação cumulativa dos requisitos de que depende a providência requerida (art. 391º e seguintes do CPC), que deve ser julgada improcedente, por não provada;
13º Por isso, na sentença ora impugnada ocorre manifesta violação do disposto nos art. 452º a 465º do CPC e art. 352º do CC, e ainda do art. 391º e seguintes do CPC;
14º Pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e ser substituída por decisão que julgue improcedente a presente providência, em conformidade com a prova produzida e demais elementos doutamente supridos por Vossas Excelências.
Termina entendendo dever ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
*
D) A requerente e apelada C.., CRL, apresentou resposta contra-alegações onde entende dever negar-se provimento ao recurso e manter-se a douta decisão impugnada.
E) Foram colhidos os vistos legais.
F) As questões a decidir na apelação são as seguintes:
1) Saber como deverão ser valorados os depoimentos de parte;
2) Saber se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 4 de junho de 2013, a requerente instaurou no tribunal judicial de Viana do Castelo, contra os requeridos em título, a execução comum nº 1579/13.2TBVCT do 4.º juízo cível.
2. Nessa execução a requerente reclama dos requeridos o pagamento dos valores referentes aos seguintes três empréstimos:
a) empréstimo nº 51006478982: concedido à sociedade D..-.., em 7 de outubro de 2008, avalizado pelos requeridos, no montante de €125.000,00, que se venceu em 7 de janeiro de 2013;
b) empréstimo nº 56053945927: concedido à sociedade D..-.., em 1 de novembro de 2012, avalizado pelos requeridos, no montante de €9.500,00, que se venceu em 1 de fevereiro de 2013;
c) empréstimo nº 40223515314: concedido à sociedade D..-.., em 28 de setembro de 2012, avalisado pelos requeridos, no montante de €9.500,00, que se venceu em 27 de abril de 2013.
3. O montante reclamado pela requerente dos requeridos, nessa data e nessa execução, ascendia a €140.588,56, acrescendo desde então os juros de mora vincendos e demais encargos dos empréstimos.
4. Os requeridos foram regularmente citados para essa execução, não tendo deduzido qualquer oposição.
5. Desde então e até ao dia de hoje, a requerente promoveu nessa execução diversas diligências de penhora, que, porém, se frustraram.
6. A requerente não recuperou, assim, qualquer valor por conta desse montante.
7. Em 4 de junho de 2013, a requerente instaurou no tribunal judicial de Viana do Castelo, contra os requeridos em título, a execução comum nº 1583/13.0TBVCT do 2.º juízo cível.
8. Nessa execução a requerente reclama dos requeridos o pagamento dos valores referentes aos seguintes três empréstimos:
a) empréstimo nº 51006479057: concedido à sociedade D..-.., em 7 de outubro de 2008, avalisado pelos requeridos, no montante de €50.000,00, que se venceu em 7 de janeiro de 2013;
b) empréstimo nº 56053945133: concedido à sociedade D..-.., em 1 de novembro de 2012, avalizado pelos requeridos, no montante de €9.500,00, que se venceu em 1 de fevereiro de 2013;
c) empréstimo nº 40223520250: concedido à sociedade D..-.., em 28 de setembro de 2012, avalisado pelos requeridos, no montante de €9.500,00, que se venceu em 27 de abril de 2013.
1.9. O montante reclamado pela requerente dos requeridos, nessa data e nessa execução, ascendia a €65.264,23, acrescendo desde então os juros de mora vincendos e demais encargos dos empréstimos.
1.10. Os requeridos foram regularmente citados para essa execução, não tendo deduzido qualquer oposição.
1.11. Desde então e até ao dia de hoje, a requerente promoveu nessa execução diversas diligências de penhora, que, porém, se frustraram.
1.12. A requerente não recuperou, assim, qualquer valor por conta desse montante.
1.13. EM 4 de junho de 2013, a requerente instaurou no tribunal judicial de Viana do Castelo, contra os requeridos em título, a execução comum nº 1580/13.6TBVCT.
1.14. Nessa execução a requerente reclama dos requeridos o pagamento dos valores referentes aos seguintes três empréstimos:
a) empréstimo nº 51006479132: concedido à sociedade D..-.., em 7 de outubro de 2008, avalisado pelos requeridos, no montante de €50.000,00, que se venceu em 7 de janeiro de 2013.
b) empréstimo nº 56053945455: concedido à sociedade D..-.., em 1 de novembro de 2012, avalisado pelos requeridos, no montante de €9.500,00, que se venceu em 1 de fevereiro de 2013.
c) empréstimo nº 40223522482: concedido à sociedade D..-.., em 28 de setembro de 2012, avalizado pelos requeridos, no montante de €9.500,00, que se venceu em 27 de abril de 2013.
1.15. O montante reclamado pela requerente dos requeridos, nessa data e nessa execução, ascendia a €72.066,30, acrescendo desde então os juros de mora vincendos e demais encargos dos empréstimos.
1.16. Os requeridos foram regularmente citados para essa execução, não tendo deduzido qualquer oposição.
1.17. Desde então e até ao dia de hoje, a requerente promoveu nessa execução diversas diligências de penhora, que, porém, se frustraram.
1.18. A requerente não recuperou, assim, qualquer valor por conta desse montante.
1.19. EM 4 de junho de 2013, a requerente instaurou no tribunal judicial de Viana do Castelo, contra os requeridos em título e também contra o requerido J.., a execução comum n.º 1582/13.2TBVCT do 4.º juízo cível.
20. Nessa execução a requerente reclama dos requeridos o pagamento dos valores referentes aos seguintes três empréstimos:
a) empréstimo nº 51006486203: concedido à sociedade D..-.., em 7 de outubro de 2008, avalisado pelos requeridos, no montante de €50.000,00, que se venceu em 7 de janeiro de 2013.
b) empréstimo nº 56053945380: concedido à sociedade D..-.., em 1 de novembro de 2012, avalisado pelos requeridos, no montante de €9.500,00, que se venceu em 1 de fevereiro de 2013.
c) empréstimo nº 40223523351: concedido à sociedade D..-.., em 28 de setembro de 2012, avalisado pelos requeridos, no montante de €9.500,00, que se venceu em 27 de abril de 2013.
1.21. O montante reclamado pela requerente dos requeridos, nessa data e nessa execução, ascendia a €.65.453,18, acrescendo desde então os juros de mora vincendos e demais encargos dos empréstimos.
1.22. Os requeridos foram regularmente citados para essa execução, não tendo deduzido qualquer oposição.
1.23. Desde então e até ao dia de hoje, a requerente promoveu nessa execução diversas diligências de penhora, que todas, porém, se frustraram.
1.24. A requerente não recuperou, assim, qualquer valor por conta desse montante.
1.25. Nas referidas quatro execuções, a requerente reclama dos requeridos C.. e M.. o montante total de €343.372,27 (trezentos e quarenta três mil, trezentos e setenta dois euros e vinte sete cêntimos).
26. E, especificamente do requerido J.., o valor de €65.453,18 (sessenta e cinco mil, quatrocentos e cinquenta três euros e dezoito cêntimos).
27. Com data de 2 de abril de 2012, os requeridos C.. e mulher e o requerido J.. assinaram a seguinte:
CONFISSÃO DE DÍVIDA
PRIMEIRO OUTORGANTE: C.. (…) e esposa M..(…)
Vêm pela presente dizer que são devedores a:
SEGUNDO OUTORGANTE: J.. (…)
Da quantia de €28.000,00 (vinte e oito mil euros)
Mais declara que:
Tal quantia se deve ao contrato de mútuo celebrado entre as partes na presente data
Mais declara que tal quantia será liquidada até 60 dias, sendo a primeira prestação a ser paga até dia 1 de maio de 2012, no montante de €14.000,00 (catorze mil euros), e o remanescente será liquidado no montante de €14.000,00 (catorze mil euros), até ao dia 1 de junho de 2012.
A quantia total a pagamento perfaz o valor de €28.000,00 (vinte e oito mil euros), mais o valor à taxa de juro legal.
O não pagamento de qualquer prestação agendada implica o imediato vencimento das restantes.
O presente instrumento tem a força de título executivo nos termos do artigo 46º alínea c) do Código do Processo Civil.
(…)
28. Ou seja, com data de 2 de abril de 2012, os requeridos C.. e M.., declararam dever ao requerido J.. o montante de €28.000,00, obrigando-se a pagar esse valor no prazo de 60 dias.
29. Em 19 de fevereiro de 2013, o requerido J.. instaurou no tribunal judicial de Vila Nova de Gaia, contra os requeridos C.. e M.., a execução comum nº 1413/13.3TBVNG.
30. No requerimento inicial executivo, o requerido J.. invoca que, por contrato de mútuo celebrado em 2 de abril de 2012, os executados ficaram a dever-lhe a quantia de €28.000,00, que deveria ter sido liquidada até 1 de junho de 2012.
31. Em 7 de março de 2013, nessa execução, o agente de execução procedeu à penhora de 1/3 do vencimento que a ré M.. aufere como professora na Escola Secundária de.., em Viana do Castelo.
32. Ou seja, com base na “confissão de dívida” com data de 2 de abril de 2012, o requerido J.. instaurou execução comum contra os requeridos M.. e marido, efetuando logo a penhora de 1/3 do vencimento daquela.
33. O requerido J.., na data constante do documento descrito em 1.27., ou noutra qualquer, não emprestou aos requeridos C.. e mulher a quantia de €28.000,00 ou qualquer outro valor.
34. Essa declaração foi composta em 19 de fevereiro de 2013, apenas com o intuito de servir de base à execução comum nº 1413/13 e, mais especificamente, conseguir a penhora rápida do vencimento da ré M...
35. Isto porque a requerente já então se preparava para efetuar a penhora de 1/3 desse vencimento nas 4 execuções supra referidas que tem pendentes contra a ré M...
36. O requerido J.., nas datas de 2 de abril de 2012 ou 19 de fevereiro de 2013, ou em qualquer outra data, não dispunha da quantia de €28.000,00, que refere ter emprestado, ou mesmo qualquer outro valor significativo.
37. Nessas datas, esse requerido enfrentava já dificuldades económicas por efeito da situação difícil em que se encontrava a sociedade de que era sócio e gerente (D..-..), não dispondo de dinheiro.
38. Os requeridos C.. e mulher e o requerido J.. eram os únicos sócios da sociedade D.., por isso, encontravam-se todos os dias, conversavam entre si, conheciam as responsabilidades bancárias e dificuldades de cada um e mesmo os pormenores da vida de cada um.
39. O requerido J.. sabia, designadamente, que os requeridos C.. e mulher se encontravam em dívida para com a requerente quanto aos empréstimos supra referidos.
40. E que a requerente se aprestava para penhorar o vencimento auferido pela ré M.., como professora, na Escola Secundária de...
41. Deste modo, os requeridos C.. e mulher e o requerido J.. combinaram compor a confissão de dívida com data de 2 de abril de 2012, e, de imediato, instaurar a execução n.º 1413/13, apenas com o fito de iludir a requerente.
42. A partir de 20 de março de 2013, a Escola Secundária de.., por efeito da penhora efetuada nessa execução passou a descontar cada mês 1/3 do vencimento da ré M.., transferindo esse valor para a conta do agente de execução.
43. Regularmente, esse agente de execução passou a entregar ao requerido J.. os valores correspondentes, que, de imediato, os foi devolvendo aos requeridos M.. e marido C...
44. Com data de 8 de abril de 2013, os requeridos em título fizeram consignar o seguinte:
CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITOS
PRIMEIRO: J..(…)
SEGUNDOS: J.. e I.. (…)
Pelo presente celebram os outorgantes um contrato de cessão de créditos o qual se regerá nos termos e de acordo com as seguintes cláusulas:
PRIMEIRA
O primeiro outorgante é titular de um crédito vencido sobre:
1) C.. e esposa M.., (…), no montante de €28.000,00, o qual corresponde a confissão de dívida entre o primeiro outorgante e os aqui já identificados, executados no 1.º juízo de Vila Nova de Gaia sob o nº 1413/13.3TBVNG, (…)
2) C.. e esposa M.., (…), no montante de €22.000,00, o qual corresponde a confissão de dívida entre o primeiro outorgante e os aqui já identificados, executados no 1º juízo de Vila Nova de Gaia sob o n.º 2904/13.1TBVNG, (…)
SEGUNDA
Pelo presente contrato o primeiro outorgante cede aos segundos outorgantes, o crédito identificado na cláusula precedente.
TERCEIRA
O preço da cessão é de €20.00,00 (vinte mil euros) do qual o presente faz competente quitação e que corresponde a 40% do valor do crédito
(…)
26. Ou seja, o requerido J.. declarou ceder aos requeridos J.. e I.., que declaram aceitar, os créditos objeto das execuções comuns nº 1413/13 e n.º 2904/13 (infra referida), que somavam o total de €50.000,00, pelo valor de €20.000,00.
27. O requerido J.. não era, na realidade, titular de qualquer crédito sobre os requeridos C.. e mulher, e, por isso, também nada podia ceder.
28. Os requeridos conhecem-se desde há 10 anos, conversam sobre negócios, projetos e dificuldades de cada um, conhecendo ou não podendo deixar de conhecer aspetos das vidas profissionais de uns e outros.
29. Este relacionamento chegado entre todos os requeridos deve-se ao facto de os requeridos C.. e J.. terem sido donos de 4 empresas de fabrico de móveis de cozinha, denominadas D...
30. O requerido J.., até ao ano de 2011 dedicou-se à construção civil.
31. Por efeito dessa relação, os requeridos J.. e mulher sabiam que os requeridos C.. e M.., ficticiamente, tinham assinado a “confissão de dívida” transcrita supra a favor do requerido J...
32. Tinham também conhecimento de que o requerido J.., na realidade, não tinha emprestado aos requeridos C.. e mulher o valor de €28.000,00 ou qualquer outro valor, e, por isso, não detinha qualquer crédito sobre eles.
33. O que sucedeu foi que, o requerido J.. é executado na execução que lhe foi instaurada pela ora requerente, supra referida e, por isso, corria o risco de a requerente penhorar o “crédito” que ele aparentava deter sobre os requeridos C.. e mulher, o que inutilizaria todo o esquema posto em prática pelos requeridos C.. e mulher, para fazer reverter a seu favor a penhora sobre 1/3 do vencimento da M.. na Escola Secundária de...
34. Os requeridos C.. e mulher e o requerido J.. concordaram então que este teria que ceder a um terceiro esse seu suposto crédito, a fim de impedir que a requerente o penhorasse.
35. Nestas circunstâncias e com este fito, contactaram os requeridos J.. e mulher, que logo se dispuseram a figurar como aparentes adquirentes desse falso crédito.
36. O requerido J.. não quis, efetivamente, ceder aos requeridos J.. e mulher o crédito objeto da execução comum nº 1413/13, nem o crédito da ação executiva infra referida nº 2904/13.
37. Os requeridos J.. e mulher, por sua vez, não quiseram também adquirir ao requerido J.. esses créditos, correspondentemente, o requerido J.. não recebeu o valor de €.20.000,00 ou qualquer outro valor, que, pois, os requeridos J.. e mulher não pagaram.
38. O “contrato de cessão de créditos” foi redigido com o intuito de justificar a habilitação dos requeridos J.. e mulher nas execuções comuns nº 1413/13 e 2902/13, e desse modo, impossibilitar a requerente de penhorar o crédito aparente do requerido J.. sobre os requeridos C.. e mulher.
39. Os valores que o agente de execução recebeu por efeito da penhora do vencimento da ré M.., foram por ele transferidos formalmente para a conta dos requeridos J.. e mulher, que, por sua vez, os devolveram aos requeridos C.. e mulher.
40. A partir de 24 de Outubro de 2013, por efeito da nova lei processual, os valores que a Escola Secundária de.. desconta no vencimento da ré M.., são transferidos diretamente para a conta dos requeridos J.. e mulher, que, por sua vez, vão devolvendo esses valores à ré M...
41. Servindo-se do referido contrato de cessão de créditos, em 12 de abril de 2013 os requeridos J.. e mulher I.., requereram a sua habilitação como cessionários nas execuções nº 1413/13 e 2904/13, para o efeito, alegaram, nas respetivas execuções, que o requerido J.. lhes tinha cedido os créditos de €28.000,00 e €22.000,00 que detinha sobre os requeridos C.. e mulher, e, por isso, a execução deveria prosseguir com eles como exequentes.
42. Esse incidente de habilitação não teve qualquer oposição, e, por isso, em 30 de outubro de 2013 o tribunal julgou habilitados para intervirem como exequentes os requeridos J.. e mulher.
43. Com data de 26 de abril de 2012, os requeridos C.. e mulher e o requerido J.. assinaram a seguinte:
CONFISSÃO DE DÍVIDA
PRIMEIRO OUTORGANTE: C.. (…) e esposa M.. (…)
Vêm pela presente dizer que são devedores a:
SEGUNDO OUTORGANTE: J.. (…)
Da quantia de € 22 000,00 (vinte e dois mil euros)
Mais declara que:
Tal quantia se deve ao contrato de mútuo celebrado entre as partes na presente data.
Mais declara que tal quantia será liquidada até 90 dias, no montante de €22.000,00 (vinte e dois mil euros) até ao dia 26 de julho de 2012.
A quantia total a pagamento perfaz o valor de €22.000,00 (vinte e dois mil euros), mais o valor à taxa de juro legal.
O não pagamento de qualquer prestação agendada implica o imediato vencimento das restantes.
O presente instrumento tem a força de título executivo nos termos do artigo 46º, alínea c) do Código do Processo Civil
(…)
44. Com data de 26 de abril de 2012, os requeridos C.. e M.., declararam dever ao requerido J.. o montante de €22.000,00, obrigando-se a pagar esse valor no prazo de 90 dias.
45. Em 19 de fevereiro de 2013, o requerido instaurou no tribunal judicial de Vila Nova de Gaia, contra os requeridos C.. e M.., a execução comum n.º 2904/13.1TBVNG.
46. No requerimento inicial executivo, o requerido J.. invoca que, por contrato de mútuo celebrado em 26 de abril de 2012, os executados ficaram a dever-lhe a quantia de €22.000,00, que deveria ter sido liquidada até 26 de julho de 2012.
47. Em 24 de outubro de 2013, nessa execução, o agente de execução procedeu à penhora de 1/3 do vencimento que a ré M.. aufere como professora na Escola Secundária de.., em Viana do Castelo.
48. Ou seja, com base na “confissão de dívida” com data de 26 de abril de 2012, o requerido J.. instaurou execução comum contra os requeridos M.. e marido, efetuando a penhora de 1/3 do vencimento daquela.
49. O requerido J.., nessa data ou noutra qualquer, não emprestou aos requeridos C.. e mulher a quantia de €22.000,00 ou qualquer outro valor.
50. Essa declaração foi composta em 19 de fevereiro de 2013, apenas com o intento de servir de base à execução comum nº 2904/13.1TBVNG e, mais especificamente, conseguir a penhora rápida do vencimento da ré M...
51. Isto porque a requerente já então se preparava para efetuar a penhora de 1/3 desse vencimento nas 4 execuções supra referidas, que tem pendentes contra a ré M...
52. Com essa declaração de dívida e subsequente execução, os requeridos C.. e mulher e o requerido J.., visaram tão-só concretizar uma penhora a favor deste último e frustrar a penhora da requerente, fim esse que conseguiram.
53. O requerido J.., nas datas de 26 de abril de 2012, ou em qualquer outra data, não dispunha da quantia de €22.000,00, que refere ter emprestado, ou mesmo qualquer outro valor significativo.
54. Nessas datas, esse requerido enfrentava já dificuldades económicas por efeito da situação difícil em que se encontrava a sociedade de que era sócio e gerente (D..-..), não dispondo de dinheiro.
55. Os requeridos C.. e mulher e o requerido J.. eram os únicos sócios da sociedade D.., por isso, encontravam-se com frequência, conversavam entre si, conheciam as responsabilidades bancárias e dificuldades de cada um e mesmo os pormenores da vida de cada um.
56. O requerido J.. sabia, designadamente, que os requeridos C.. e mulher se encontravam em dívida para com a requerente quanto aos empréstimos referidos supra.
57. Deste modo, os requeridos C.. e mulher e o requerido J.. combinaram compor a confissão de dívida com data de 26 de abril de 2012, e, de imediato, instaurar a execução nº 2904/13, apenas com o fito de iludir a requerente.
58. A partir de 24 de outubro de 2013, a Escola Secundária de.., por efeito da penhora efetuada nessa execução, passou a descontar cada mês 1/3 do vencimento da ré M.., transferindo esse valor para a conta do agente de execução.
59. Regularmente, esse agente de execução passou a entregar ao J.. os valores correspondentes, que, de imediato, os devolvia aos requeridos M.. e marido C...
60. Os requeridos J.. e mulher emitiram em nome do Requerido J.. os seguintes cheques:
- 3.000 euros no dia 10.04.2013, através do cheque nº 6316245659 do Banco...
- 3.000 euros no dia 11.04.2013, através do cheque nº 6316245756 do Banco..
- 3.000 euros no dia 12.04.2013, através do cheque nº 6316245853 do Banco..
- 4.500 euros no dia 15.04.2013, através do cheque nº 6316245465 do Banco.. 2.000 euros no dia 22.04.2013, através do cheque nº 6316246241 do Banco...
*
B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.C) Os apelantes discordam da decisão da matéria de facto aos factos dados como provados nos nºs 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43 (constantes a fls. 10 verso e 11 da sentença), 27 (fls. 13 e seguintes da sentença), 28, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 59 dos Factos Provados, de fls. 15 a 18 verso, que entendem que deveriam considerar-se como não provados.
Os factos dados como provados na sentença não se mostram ordenadamente dispostos, uma vez que existe numeração repetida, que não deveria existir.
Por outro lado, os apelantes, para se referirem à matéria de facto, de cuja decisão discordam, optaram por a identificar com recurso à numeração das páginas da sentença, recorrendo a uma numeração autónoma da sentença que efetivamente a não tem (nem tinha de ter), ao invés de recorrerem, como deveriam, à numeração das páginas tal como consta do processo.
E a situação é tanto mais grave quanto é certo que a inexistente numeração que os apelantes invocam, como referência à sentença, está errada, mesmo que se imaginasse que a mesma pudesse existir, dado que não corresponderia a tal paginação imaginária que se fantasia.
A apreciação da matéria de facto far-se-á, considerando a evolução crescente da numeração dos factos provados, ainda que parcialmente repetida, mantendo-se tal enumeração neste acórdão, para evitar ulteriores e acrescidas confusões.
Assim sendo, os factos em questão referem-se aos nºs 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43 (constantes a fls. 220 verso e 221 da sentença), 27, 28, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 59 dos Factos Provados (fls. 222 a 224 vº), que os apelantes entendem que deveriam considerar-se como não provados.
A questão a apreciar tem a ver, sobretudo, com a questão de saber se é legítimo valorar os depoimentos de parte dos requeridos para efeitos de poderem, juntamente com os demais elementos de prova, fundamentar a decisão quanto à matéria de facto.
No âmbito de vigência do anterior Código de Processo Civil, referia-se no acórdão do STJ de 02/11/2004, disponível em www.dgsi.pt, a propósito da valoração de um depoimento de parte, que o mesmo “não pode depor como testemunha, por ter a posição de parte no processo - art. 617 do C.P.C.
Também não pode prestar depoimento pessoal sobre os referidos factos, por lhe serem favoráveis...
O depoimento de parte só é admissível quando incidir sobre factos que desfavoreçam o depoente e, assim, possa dar origem a confissão.”
Também os Drs. Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto no Código de Processo Civil anotado, vol. II, 2.ª Edição, referem a páginas 497 que o depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão e, portanto, não permite a livre apreciação do depoimento sobre factos favoráveis.
De resto, acrescentamos nós, importa ter em conta que não é lícito considerar que o depoimento de parte possa ser apreciado livremente pelo tribunal quando não esteja em causa o reconhecimento de factos desfavoráveis à parte, conforme decorre do artigo 361º do Código Civil, onde se afirma que “o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.”
Importa, no entanto, notar que, com a entrada em vigor do NCPC – Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06 –, se passou a admitir a prova por declarações de parte, prevendo-se no artigo 466º que “as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto” (nº 1).
Quanto às razões que levaram à introdução desse meio de prova, refere o Dr. Luís Filipe Pires de Sousa, in As Malquistas Declarações de Parte, em Colóquio organizado pelo STJ, sobre o Novo Código de Processo Civil, disponível na página do mesmo Tribunal, que “até à entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, a parte estava impedida de depor como testemunha (art. 617 do CPC), podendo ser ouvida pelo juiz para a prestação de esclarecimentos sobre a matéria de facto (art. 265.2. do CPC) sendo que tais esclarecimentos não podiam ser valorados de per si como meios probatórios.
Podia ainda a parte ser convocada, oficiosamente ou a requerimento da contraparte, para a prestação de depoimento de parte (arts. 552.1. do CPC).
Constitui doutrina e jurisprudência dominantes que o depoimento de parte constitui um meio processual através do qual se pode obter e provocar a confissão judicial, sendo esta uma declaração de ciência que emana da parte e em que se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária a quem competiria prová-lo (art. 352º do Código Civil).
Nessa medida, o depoimento de parte só pode incidir sobre factos desfavoráveis ao depoente.
Chamado a pronunciar-se sobre esta questão, o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 504/2004, Artur Maurício, DR, II Série de 2.11.2004, p. 16.093, foi perentório no sentido de que “a confissão (...) não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero ato seu, formar provas a seu favor. /
Não se vê que fique vedado ao legislador ordinário regular a possibilidade de limitar o depoimento de parte de forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respetivo objeto seja irrelevante enquanto confissão, ou seja, quando se anteveja uma disfunção entre o meio processual e o fim tido em vista pela sua previsão.”
Todavia, ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado, foi crescendo uma corrente jurisprudencial pugnando no sentido de que o depoimento de parte- no que exceder a confissão de factos desfavoráveis à mesma parte - constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunal – artigo 361º do Código Civil (neste sentido, cf. os Acórdãos do STJ de 2.10.2003, Ferreira Girão, 03B1909, de 9.5.2006, João Camilo, 06A989, de 16.3.2011, Távora Víctor, 237/04 (“(…)o depoimento tem um alcance muito mais vasto, podendo o tribunal ouvir qualquer uma das partes quando tal se revele necessário ao esclarecimento da verdade material. E se é certo que “a confissão” só pode versar sobre factos desfavoráveis à parte, não é menos verdade que o Juiz no depoimento em termos gerais não está espartilhado pela confissão, podendo colher elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”), de 4.6.2015, João Bernardo, 3852/09. No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.11.2011, Araújo de Barros, 2700/03, também se discorreu que: «Por decorrência do princípio da livre apreciação da prova, embora o depoimento de parte seja o meio próprio para colher a confissão judicial das partes, nada impede que dele se extraiam elementos que contribuam para a prova de factos favoráveis ao depoente ou para a contraprova de factos que lhe sejam desfavoráveis.»)
Ou seja, embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, foram reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova em que a par de prova tarifada existem meios de prova sujeitos a livre apreciação.
A parte podia ser ouvida pelo juiz sob as vestes preconizadas no art. 265.2 do CPC e como depoente de parte, estando-lhe vedado ser testemunha em causa própria (“nemo debet esse testis in propria causa”).
As razões determinantes desta inadmissibilidade são essencialmente três: «receio de perjúrio; as partes têm um interesse no resultado da ação e podem ser tentadas a dar um testemunho desonesto e finalmente mesmo que as mesmas não sejam desonestas, estudos psicológicos demonstram que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o depoimento delas como testemunhas nos processos em que são partes não é, por essa razão de índole psicológica, fidedigno» (Elizabeth Fernandez, “Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito”, in Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, p. 27).
Todavia, constituía dado da experiência comum que a inadmissibilidade da prestação de declarações de parte conduzia – com frequência – a assimetrias no exercício do direito à prova (Elizabeth Fernandez, Op. Cit., p. 22, apela aqui à ideia de «um preocupante deficit de processo equitativo») dificilmente compagináveis com o princípio da igualdade de armas ínsito no direito à prova.
Constitui exemplo paradigmático o julgamento de acidente de viação em que o autor/condutor – por ser formalmente parte - não era ouvido quanto ao relato da dinâmica do acidente enquanto o segurado (e também condutor) da ré (seguradora) era sempre arrolado como testemunha.
Por outro lado, existem factos integrantes do thema probandum que são por natureza revéis à prova documental, testemunhal e mesmo pericial, nomeadamente «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percecionados por terceiros de forma direta» (Elizabeth Fernandez, Op. Cit., p. 37), factos respeitantes a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes» (Remédio Marques, “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à Parte”, in Julgar, jan-abr. 2012, nº 16, p. 168).
No que tange a este tipo de factos, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e das demais posições jurídicas subjetivas» (Remédio Marques, Op. Cit., p. 168).”
A questão que se levanta é a de saber se, não tendo sido requerido pelas partes, o tribunal poderia, oficiosamente, servir-se dos depoimentos de parte e considerá-los como declarações de parte, para efeitos de poder apreciar livremente as declarações das partes, nos termos do disposto no artigo 466º nº 3 do NCPC, isto é, se o tribunal pode determinar oficiosamente a produção de tal meio de prova.
Não obstante existam defensores da posição que entende que tal meio de prova só pode ser requerido pelas partes – Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 356, Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 2013, p. 278 e Acórdão da Relação de Lisboa de 10/04/2014, proferido na apelação nº 2022/07.1TBCSC-B.L1-2, pela Desembargadora Ondina do Carmo Alves, no endereço www.dgsi.pt – a verdade é que se entende que o tribunal pode determinar a sua realização oficiosa, por duas ordens de razões.
Por um lado, o artigo 466º NCPC não estabelece qualquer proibição direta de o tribunal poder determinar a realização de tal meio de prova oficiosamente, importando notar que, por força do princípio do inquisitório, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (artigo 411º NCPC).
Por outro lado, importa notar que o artigo 466º nº 2 NCPC estabelece que “às declarações das partes se aplica o disposto no artigo 417º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.”
Precisamente, na secção anterior, no artigo 452º nº 1 estabelece-se que “o juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa”, o que claramente permite que o tribunal determine oficiosamente a realização de tal meio de prova – neste mesmo sentido cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem e Paulo Ramos de Faria, in Primeiras Notas do Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, I Vol., p. 365.
Ora, conforme resulta das alegações dos apelantes, os mesmos limitam-se a defender a tese da inadmissibilidade dos depoimentos e não a sua substancialidade, pelo que, sendo admissíveis as declarações prestadas pelos requeridos, a apelação terá de improceder e, em consequência, manter-se a decisão sobre a matéria de facto, bem como decisão jurídica da causa, constante da douta sentença recorrida que, assim, se manterá.
*
D) Em conclusão:
1) O tribunal pode, oficiosamente, determinar a realização da prova por declarações de parte;
2) Pode igualmente o tribunal servir-se dos depoimentos de parte e considerá-los como declarações de parte, para efeitos de poder apreciar livremente as declarações das partes.
***
III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Guimarães, 17/09/2015
Figueiredo de Almeida
Purificação Carvalho
Cristina Cerdeira