Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1157/13.6TBFLG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A situação de insolvência a que alude o n.º 1 do art.º 3.º do CIRE depende da verificação da impossibilidade de o devedor cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas.

II- Os factos-índice elencados no n.º 1 do art.º 20, do CIRE, que constituem condição necessária para legitimar a iniciativa processual dos sujeitos aí mencionados, não são, necessariamente, e em todas as situações, suficientes para que se declare a insolvência, revelando-se de igual modo, como pressuposto imprescindível - com exceção da situação prevista na alínea g) -, que o incumprimento, em razão do seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele a impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua incapacidade patrimonial generalizada.

Decisão Texto Integral: Apelação nº 1157/13.6TBFLG.G1.
Relator: Jorge Teixeira.

Adjuntos: Manuel António Bargado.

Helena Gomes de Melo.


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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: M…

Recorrido: G…

Tribunal Judicial Viana do Castelo – 4º juízo.

M…, residente na Rua de Acela, nº 209, freguesia de Pedreira, concelho de Felgueiras, veio requerer a insolvência de G…, residente no lugar de Cimo de Vila, freguesia de Pedreira, concelho de Felgueiras.

Como fundamento alega, em síntese, que foi trabalhadora do R. e que cessou o seu contrato de trabalho em Outubro de 2012, sendo que, até à presente data, não lhe foram pagos os créditos laborais que lhe são devidos, no valor de € 3.000,08.

Mais alega que o R. se tem estado incontactável e não consegue cumprir com as suas obrigações salariais, sendo conhecidas as suas dificuldades em cumprir com as obrigações bancárias.

Alega ainda que o passivo do R. é muito superior ao ativo, não exercendo qualquer atividade que lhe permita angariar os rendimentos necessários à satisfação das suas obrigações.

Por se terem mostrado infrutíferas todas as diligências úteis com vista à citação do Requerido, foi a mesma dispensada, nos termos do disposto no artigo 12º nº 1 do CIRE.

Realizado o julgamento, foi proferido despacho que respondeu à matéria de facto controvertida, sendo proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu o Requerido do pedido.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a Autora, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

A. No entender da recorrente, e salvo melhor opinião, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, em virtude de ter feito uma aplicação errada do mesmo, pois não procedeu corretamente ao enquadramento da matéria de facto dada como provada nos autos nos termos do disposto no artigo 20.°, n.º 1, aI. b) do ClRE.

B. Tendo sido considerado provado, nomeadamente, que:

• “…a requerente fez cessar o contrato de trabalho com fundamento em salários em atraso;

• O requerido não pagou à requerente o valor das retribuições mensais e indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho;

• Apesar de interpelado para o efeito, o requerido não pagou ate hoje a referida quantia, escusando-se no facto de não ter possibilidades económicas para o efeito;

• O requerido encontra-se incontactável;

• Por força de salários em atraso, duas ex-funcionárias rescindiram o contrato de trabalho que as vinculava ao requerido, tendo intentado ações no Tribunal do Trabalho de Guimarães em virtude da falta de pagamento das remunerações e indemnização”:

C. A Mmª Juiz a quo entendeu que em face da prova produzida “não se encontram verificadas nenhumas das circunstâncias que a lei exige, de forma cumulativa, para que seja declarada a insolvência de um devedor”.

D. Ora, com o devido respeito, a sentença recorrida merece discordância da recorrente.

E. A insolvência é no Direito Português genericamente definida como a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas pelo citado artigo 3.º, n.º 1 do CIRE, sendo este o critério principal para a definição da situação de insolvência.

F. “A impossibilidade de incumprimento é que verdadeiramente caracteriza a insolvência" (vide Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, vol. I, pág. 70/1);

G. No entanto, esta impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e já vencidas.

H. O que se revela imprescindível para que seja decretada a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado ou pelas circunstâncias do incumprimento, evidenciem a impotência de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos;

I. Ora, no caso sub júdice, resultou provado que o recorrido não procedeu ao pagamento de três créditos laborais.

J. Destarte, encontra-se preenchido o facto-Índice previsto no artigo 20.0, n.º 1 , aI. b), do CIRE.

K. Assim, ao contrário do decidido na douta sentença, a lei não exige que se estejam preenchidos, de forma cumulativa, os factos índices previstos nas alíneas do artigo 20.°, n.º 1, pois,

L. A lei, ciente da dificuldade de um terceiro e nomeadamente um credor de demonstrar o valor do ativo e do passivo do requerido, bem como a sua carência de meios para a satisfação das obrigações vencidas, basta-se, nos casos de requerimento de declaração de devedor por qualquer um dos legitimados, com a prova de um dos factos enunciados no referido artigo e que permitem presumir a insolvência do devedor.

M. E, no caso sub judice é manifesta a dificuldade da recorrente em demonstrar o valor do ativo e do passivo do recorrido, nomeadamente, por o mesmo se encontrar incontactável.

N. É através daqueles factos, comummente designados por factos- índices ou presuntivos da insolvência, que, normalmente, a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza, pelo que a verificação de qualquer de um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor.

O. Alegados e provados tais factos, que em face das regras da experiência, constituem manifestações da impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, este será consequentemente, considerado em situação de insolvência.

P. A Mmª Juiz a quo julgou que a matéria de facto provada integrava um dos indicados factos-Índices na alínea b) do artigo 20.°, n.º 1 do CIRE, ao aduzir que o requerido ora recorrido não pagou três créditos laborais.

Q. Ora, provados os factos alegados pela recorrente, nomeadamente, o incumprimento de três obrigações/créditos, estão preenchidos todos os pressupostos, de facto e de direito, para ser proferido acórdão que considere a ação procedente e provada, nos termos peticionados, devendo a sentença ser substituída por Acórdão que aceite o presente recurso, tudo com as legais consequências.

*

O Apelado não apresentou contra alegações.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II- Do objeto do recurso.

Sabendo-se que o objeto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:

- Apreciar se resultam ou não demonstrados os pressupostos de que depende a declaração de insolvência do Requerido.

*

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados.

A) A requerente foi admitida a trabalhar por conta e sob as ordens do ora requerido, tendo exercido as funções de trabalhadora de Hortofrutícola, em estufas criadas pelo mesmo, sitas na Rua dos Vales, nº 829, na freguesia de Pedreira, concelho de Felgueiras, desde Março de 2012 até Outubro de 2012, mediante a retribuição mensal de cerca de € 250;

B) A requerente prestou efetivamente trabalho para o requerido sem nunca ter recebido qualquer retribuição em troca;

C) Por isso, a requerente fez cessar o contrato de trabalho com fundamento em salários em atraso;

D) O requerido não pagou à requerente o valor das retribuições mensais e indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho;

E) Apesar de interpelado para o efeito, o requerido não pagou até hoje a referida quantia, escusando-se no facto de não ter possibilidades económicas para o efeito;

F) O requerido encontra-se incontactável;

G) Por força de salários em atraso, duas ex-funcionárias rescindiram o contrato de trabalho que as vinculava ao requerido, tendo intentado ações no Tribunal de Trabalho de Guimarães em virtude da falta de pagamento das remunerações e indemnização;

H) O requerido não possui liquidez nem crédito que lhe permita ultrapassar a situação de endividamento em que se encontra.

Factos não provados.

1- O requerido não consegue cumprir com as suas obrigações salariais;

2- O requerido não paga a generalidade das suas dívidas;

3- E são conhecidas as suas dificuldades em cumprir com as suas obrigações bancárias;

4- É impossível que o requerido obtenha a liquidez necessária para pontualmente cumprir as suas obrigações;

5- O passivo do requerido é muito superior ao ativo;

6- O requerido não tem atividade que lhe permita gerar rendimentos.

Fundamentação de direito.

Ora, como decorre do supra exposto entende a Recorrente que dos factos tidos como demonstrados, designadamente, do incumprimento das três obrigações/crédito, resultam preenchidos todos os pressupostos, de facto e de direito, para ser proferida decisão que considere a ação procedente e provada.

E em sustentação desta sua posição alega que, ao contrário do decidido na douta sentença, a lei não exige que se estejam preenchidos, de forma cumulativa, os factos índices previstos nas alíneas do artigo 20.°, n.º 1, do CIRE, pois que, ciente da dificuldade de um terceiro, e nomeadamente, de um credor, de demonstrar o valor do ativo e do passivo do requerido, bem como a sua carência de meios para a satisfação das obrigações vencidas, basta-se, nos casos de requerimento de declaração de insolvência por qualquer um dos legitimados, com a prova de um dos factos enunciados no referido artigo, que permitem presumir a insolvência do devedor.

Conclui, assim, que tendo sido dados como demonstrados os factos por si alegados, que integram um factos-índices referenciados na alínea b), do nº 1, do artigo 20.°, do CIRE, deveria a presente ação ter sido julgada procedente e provada, e, consequentemente, declarado o Requerido em estado de insolvência.

Em conformidade com o que se dispõe no artigo 3º, do CIRE, que define os contornos da situação de insolvência, é considerado nesta situação “o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, sendo que, tem sido pacificamente aceite que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento “não tem de abranger todas das obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas”, (…) revelando-se decisivo para este aspeto a “insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante”.(1)

Preceitua o art 20º, n.º 1, do CIRE que “A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos, designadamente, os seguintes:

a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;

b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;

c) Fuga do titular da empresa (…)”;

d) Dissipação, abandono, liquidação apressada (…)”I;

e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito de exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor”.

g)Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos (…).

(…)

Estes factos ou situações objetivas consubstanciam aquilo que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto (2).

O estabelecimento de tais factos - meramente presuntivos - que, como é sabido, constituem meros índices da situação de insolvência, teve o objetivo de possibilitar que o credor e demais legitimados, fundando-se neles, desencadeiem o processo de insolvência, sem que lhes seja exigido que façam a prova cabal da efetiva situação de impossibilidade de cumprimento.

E, uma vez que sejam invocados, sobre o devedor impenderá o ónus da alegação de factos e adução de meios probatórios tendentes a demonstrar que se não encontra insolvente, de molde a ilidir a presunção decorrente de tais factos-índice, como, de facto, resulta do disposto nos n.ºs 3 do art.º 30.º, do mencionado diploma, onde expressamente se prescreve que “a oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamente o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência”.

Todavia, sendo evidente que a verificação de um ou mais factos-índice, constitui condição necessária para legitimar a iniciativa processual dos sujeitos mencionados naquele normativo, daí não decorre, necessariamente, que tais factos sejam suficientes para que se declare a insolvência.

Tem, assim, constituído entendimento generalizado na jurisprudência, o que vai no sentido de que “o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para demonstrar saúde financeira bastante.” (3)

Importa, assim, averiguar se a factualidade alegada e tida como demonstrada, é de molde a permitir legitima e fundadamente inferir pelo preenchimentos dos pressupostos ou requisitos indiciadores da insolvência mencionados no artº 20º CIRE, ou mais concretamente, e na presente situação, o previsto na respetiva alínea b) - que é o que exclusivamente está em discussão no presente recurso -, ou dito de outro modo, e mais precisamente, se de tais factos se pode concluir de forma indiciária, pela verificação de uma impossibilidade do requerido “de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Prescreve-se nesta alínea que a insolvência pode ser requerida se se verificar a “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade do devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.

O facto indiciador da insolvência, contudo, não se basta com o mero incumprimento de uma ou de algumas das obrigações vencidas, revelando-se de igual modo, como pressuposto imprescindível, que o incumprimento, em razão do seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele “a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”, como se estipula na aludida al. b), do n.º 1, do citado art. 20.º.

E como decorrência disto, com linear clareza resulta que o requerente, além do incumprimento de obrigações vencidas, terá também de alegar todas as demais circunstâncias envolventes desse incumprimento, de modo a poder concluir que se trata de uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua penúria ou incapacidade patrimonial generalizada, pois só assim não será quando o incumprimento se reporte a um dos tipos de obrigações enumeradas na alínea g), do art. 20, “porquanto, tal ocorrência, verificada pelo período de seis meses aí indicado, fundamenta, só por si, sem necessidade de outros complementos, a instauração da ação pelo legitimado, deixando para o devedor o ónus de demonstrar a inexistência da impossibilidade generalizada de cumprir, e, logo, da insolvência”.(4)

Com relevância para analisar este aspeto resultaram demonstrados os seguintes factos:

- A requerente foi admitida a trabalhar por conta e sob as ordens do ora requerido, tendo exercido as funções de trabalhadora de Hortofrutícola (…) desde Março de 2012 até Outubro de 2012, mediante a retribuição mensal de cerca de € 250;

- Prestou efetivamente trabalho para o requerido;

- Nunca recebeu qualquer retribuição em troca;

- Por isso, a requerente fez cessar o contrato de trabalho com fundamento em salários em atraso;

- O requerido não pagou à requerente o valor das retribuições mensais e indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho;

- Escusando-se no facto de não ter possibilidades económicas para o efeito;

- Por força de salários em atraso, duas ex-funcionárias rescindiram o contrato de trabalho que as vinculava ao requerido.

Interpretando esta materialidade escreve-se na decisão recorrida o seguinte:

(…)

“Assim, decorre dos autos que o R. tem dívidas vencidas de pelo menos € 2.000, à Requerente, embora possa possuir mais, mas em termos que se desconhecem.

Do exposto decorre que se apuraram factos consubstanciadores da falta de cumprimento de uma obrigação já vencida.

Acontece que o facto-índice em causa exige, concomitantemente, que os montantes destas obrigações não cumpridas, ou as circunstâncias do seu incumprimento, revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

Face à matéria de facto dada como provada, entende o tribunal que no caso em apreço não se verifica o aludido facto-índice na sua complexidade, pois o facto do requerido não ter pago três créditos laborais não pode ser considerado um elemento de relevo no sentido da impossibilidade de satisfação pontual das obrigações vencidas, uma vez que normalmente estes créditos estão envolvidos em situações litigiosas e alguma renitência do credor em satisfazê-los.

Por outro lado, desconhece o Tribunal a situação atual do requerido, mais precisamente, se aufere ou não rendimentos, se tem ou não créditos e termos dos débitos, não tendo a requerente logrado demonstrar, como lhe competia, que o passivo é manifestamente superior ao ativo.”

(…)

E, com fundamento nestas considerações, conclui-se na decisão recorrida, não se encontrarem verificadas nenhuma das circunstâncias que a lei exige, de forma não cumulativa, para que seja declarada a insolvência de um devedor.

Ora, ressalvado o devido respeito, também a nós se nos afigura que a materialidade demonstrada não nos permite concluir pela insolvência, ver nela o circunstancialismo do incumprimento, ou seja, a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

Na verdade, pese embora a existência das mencionadas e comprovadas dívidas, por parte do Requerido, a demais materialidade, se se não pode dizer que é totalmente omissa, não deixa, no entanto, margem para quaisquer dúvidas, de que é manifestamente insuficiente com relação às circunstâncias em que o incumprimento ocorreu, em termos de permitir suportar a conclusão de que está se perante uma impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua “penúria ou incapacidade patrimonial generalizada”, pois que, e realça-se mais uma vez, o devedor apenas será insolvente logo que se torne incapaz de pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem.

Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto (5) Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 15/10/2012, processo n.º 4529/11.7TBVLG.P1, in www.dgsi.pt., “a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações e não a uma mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa. Efetivamente, a situação líquida negativa não implica a insolvência do devedor se o recurso ao crédito lhe permitir cumprir pontualmente as suas obrigações, assim como uma situação líquida positiva não afastará a insolvência, se se verificar que a falta de crédito não permite ao devedor supera a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações”.

E a Requerente embora os tenha invocado, não conseguiu demonstrar os factos-índice supra referidos, como era seu ónus, designadamente, que o Requerido não efetua o pagamento da generalidade das suas dívidas, que não consegue cumprir com as suas obrigações salariais, que não tem rendimentos, que possua um passivo muito superior ao ativo e que se revele impossível que obtenha a liquidez necessária para pontualmente cumprir as suas obrigações.

Destarte, desconhecendo-se, por não se terem demonstrado, as circunstâncias em que esse incumprimento ocorreu, à luz de tudo quanto se acaba de expender, inquestionável resulta, de igual modo, que, de forma alguma, se poderá concluir pela verificação da impossibilidade de o Requerido satisfazer, pontualmente, a generalidade das suas obrigações, não se encontrando, assim, demonstrado e preenchido o facto-espécie previsto na mencionada alínea b), do artigo 20.

E assim sendo, o presente recurso não poderá senão de, e na integra, deixar de ser julgado improcedente, mantendo-se, por consequência, a decisão recorrida.

Sumário – artigo 663, nº 7, do CPC.

I- A situação de insolvência a que alude o n.º 1 do art.º 3.º do CIRE depende da verificação da impossibilidade de o devedor cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas.

II- Os factos-índice elencados n Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. o n.º 1 do art.º 20, do CIRE, que constituem condição necessária para legitimar a iniciativa processual dos sujeitos aí mencionados, não são, necessariamente, e em todas as situações, suficientes para que se declare a insolvência, revelando-se de igual modo, como pressuposto imprescindível - com exceção da situação prevista na alínea g) -, que o incumprimento, em razão do seu montante ou pelas circunstâncias em que ocorre, revele a impossibilidade de cumprimento do devedor resultante da sua incapacidade patrimonial generalizada.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.

Guimarães, 20/ 02/2014

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo

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(1)Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, reimpressão de 2009, pgs. 70 a 72

(2)Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 133.

(3)Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 72

(4)Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. Cit., pg. 72.Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. Cit., pg. 135.

(5)Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 15/10/2012, processo n.º 4529/11.7TBVLG.P1, in www.dgsi.pt.