Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52567/10.9YIPRT.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: PROVA GRAVADA
NULIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE A QUESTÃO PRÉVIA
Sumário: A inaudibilidade de um ou mais depoimentos equivale praticamente, quando esteja em causa reapreciar as provas em sede de apelação, à inexistência da prova produzida; e se a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é em boa verdade impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.
.A não gravação, ou a sua deficiência, corresponde a uma omissão de um acto que pode influir no exame e na decisão da causa, constituindo uma nulidade processual (artº 201º, nº 1, do CPC).
. A nulidade (falta/deficiência da gravação de depoimentos) pode ser arguida até ao termo do prazo das alegações do recurso ou, nos processos instaurados a partir de 01/01/2008, até ao termo do prazo constante do artº 685º, nºs 1, 5 e 7, do CPC (DL nº 303/2007, de 24/08).
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
A…, residente na Rua…, Águeda, apresentou requerimento de injunção pedindo que a demandada I…, Lda., com sede no Loteamento Industrial … Barcelos, fosse notificada para lhe pagar a quantia de € 8.191,78, acrescida de juros vincendos.
Alegou em síntese quee o requerente que é sócio da requerida e foi seu gerente entre 7 de Julho de 2008 e 5 de Fevereiro de 2009, data em que renunciou à gerência.
Acrescentou que enquanto gerente da requerida esta lhe pagava a remuneração mensal ilíquida de € 1.260,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 6,45 diários.
Aduziu, finalmente, que a requerida não lhe pagou as remunerações e subsídio de alimentação referentes aos meses Outubro de 2008 a Janeiro de 2009, assim como não lhe pagou os proporcionais da férias, subsidio de férias e subsídio de natal, referentes àquele mesmo período.
A requerida veio deduzir oposição, alegando que devido às dificuldades financeiras que atravessava na altura em que o requerente se tornou sócio, ficou acordado que ele, assim como os outros sócios, não aufeririam qualquer remuneração até que aquela situação financeira melhorasse, reservando-se assim a disponibilidade de tesouraria para pagar a trabalhadores dependentes e fornecedores.
Alegou ainda a requerida que o demandante nunca aportou para a sociedade a quantia de € 5.000,00 respeitante à sua entrada para o capital social da mesma, concluindo, assim, nada dever àquele e que, na realidade, é ele quem mantém perante si um débito no montante de € 5.000,00.

Os autos foram remetidos à distribuição.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com integral observância do legal formalismo.
Nesse acto teve o requerente a possibilidade de se pronunciar quanto à matéria de excepção vertida na oposição, reafirmando quanto alegara no requerimento de injunção.
No final foi proferida sentença, decidindo-se (dispositivo):
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando pela improcedência da acção decido absolver do pedido a ré I…Lda.
Mais decido condenar o autor no pagamento das custas do processo ( artigo 44º do Código de Processo Civil).”

Inconformado apelou o autor da sentença proferida, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A)Pretendendo recorrer da douta sentença proferida a fls, solicitou o Recorrente a entrega de cópia do suporte da respectiva gravação, dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, juntando para o efeito o CD necessário.
B)Sucede porém que, procedendo à audição de tal CD, para efeitos de transcrição, apercebeu-se o Recorrente que o depoimento da testemunha Maria…, não se encontra gravado de forma perceptível.
C)Com efeito, a referida testemunha foi indicada para prova de toda a matéria e do CD nº 54/11, com inicio às 15:36:01 e fim às 16:16:58, apenas são perceptíveis algumas das questões efectuadas pelo Exmo. Dr Juiz e pelos mandatários, já não quase totalidade das respostas dadas pela referida testemunha;
D)A imperceptibilidade da gravação do depoimento da testemunha Maria…, impede que validamente se possa cumprir o disposto no artº 685º-B do Código de Processo Civil, sendo que
E)Tal imperceptibilidade de gravação de depoimento da referida testemunha, afecta, como não poderia deixar de ser, o trabalho a quem, como o Recorrente, pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, impedido que está de demonstrar que a decisão da matéria de facto, ou não considerou ou valorizou de forma indevida, tudo quanto por aquela testemunha foi referido.
F)Tal nulidade implica a anulação do processado a partir da audiência de julgamento, incluindo, necessariamente esta (artº 201º nº 2 do CPC), a fim de se proceder à correcta gravação dos depoimentos.
G)O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da Sentença proferida nos presentes autos, a qual julgando pela improcedência da acção, decidiu absolver do pedido a Ré I…,Lda,
H)Quanto aos factos elencados em 7, 8, 9, 12 do artigo 15º do presente recurso, dados como provados com base no depoimento da testemunha Maria…, em conjugação com os documentos que as partes fizeram juntar ao processo, o Tribunal a quo julgou incorrectamente tais factos, porquanto em relação aos mesmos, além de não ter sido produzida prova, foi feita a prova do contrário, pelo que estes factos deveriam ter sido dados como não provados, tendo sido incorrectamente julgados, senão vejamos:
I)Do depoimento da única testemunha cuja valoração fundamenta na decisão recorrida os factos 7, 8, 9, 12 do artigo 15º do presente recurso dados como provados, aquela testemunha não atesta ter presenciado tais factos, isto é, o depoimento prestado pela testemunha Maria… não vai no sentido de afirmar que viu ou ouviu que “A parte respeitante ao requerido foi titulada pelo cheque cuja cópia consta de fls. 16 dos autos, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos pelo valor de €5.000,00, datado de 25 de Julho de 2008 e emitido à ordem da requerida I…, Lda;Os sócios – gerentes da requerida acordaram entre si aguardar a reestruturação da sociedade e, só após a obtenção desse equilíbrio, os sócios C… e o aqui requerente aufeririam remuneração pelo cargo de gerente, tendo o requerente anuído a este plano;Posteriormente à assembleia – geral de 7 de Julho de 2008, o requerente solicitou aos restantes sócios que o seu cheque, de €5.000,00, não fosse depositado, o que estes aceitaram;O requerente nunca aportou para a sociedade requerida a quantia de €5.000,00 a que se obrigou por acta da assembleia – geral de 7 de Julho de 2008.”
J)Com efeito, da referida testemunha Maria… cujo depoimento se encontra na gravação do CD 54/11, com inicio do depoimento às 15:36:01 e fim da gravação às 16:16:58, questionado pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz sobre se “trabalhou para a empresa I…”, aquele respondeu ao minuto 00:32 do seu depoimento “trabalhar directamente não! Eu trabalho para uma empresa de um dos sócios…” e questionado pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz sobre qual a identidade do sócio para quem trabalha, respondeu ao minuto 1:05 do seu depoimento que “do Sr. C…, era e sou funcionária da empresa desta sócio”
K)Questionada ao minuto 15:08 do seu depoimento quando é que foi feito o acordo de que os sócios gerentes não aufeririam retribuição, se ouviu e como é que sabe da existência de tal acordo, a mesma respondeu ao minuta 15:22 do seu depoimento que” houve um acordo verbal” e questionada ao minuto 15:50 se estava presente aquando desse acordo, a mesma respondeu que”Não”, e questionada ao minuto 15.58 se o que sabe é pela boca do Sr. C… e do Sr. C… a mesma respondeu “Sim”
L) Por outro lado, também é bem evidente que a decisão da matéria de facto não teve em consideração o teor dos documentos sob os nºs 1, 2, 3, 4 e 5 que foram juntos pela Requerida em 16.06.2011, concretamente a acta da assembleia geral realizada em 07.07.2008 de aumento do capital social e entrada dos dois novos sócios, onde expressamente se refere que foi deliberado o aumento do capital social por entradas em dinheiro e deliberada a nova redacção da cláusula quarta do pacto social que passou a ser “O capital social, realizado integralmente em numerário é de quinze mil euros e é formado por três quotas, de cinco mil euros cada uma, pertencentes cada um delas a cada um dos seguintes sócios: C…….; A…… e C……”- cfr. doc. nº 3 – e os Extractos contabilísticos da conta 51 – Capital Social - dos anos de 2008 e 2009, bem como de todos os documentos comprovativos dos movimentos efectuados na referida conta, -cfr. doc.s nºs 1, 2, 4 e 5, documentos estes todos da autoria da Requerida, dos quais se alcança a resposta negativa aos factos onde e se perguntava se: “A parte respeitante ao requerido foi titulada pelo cheque cuja cópia consta de fls. 16 dos autos, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos pelo valor de €5.000,00, datado de 25 de Julho de 2008 e emitido à ordem da Requerida I…, Lda; “Posteriormente à assembleia – geral de 7 de Julho de 2008, o requerente solicitou aos restantes sócios que o seu cheque, de €5.000,00, não fosse depositado, o que estes aceitaram;“O requerente nunca aportou para a sociedade requerida a quantia de €5.000,00 a que se obrigou por acta da assembleia – geral de 7 de Julho de 2008.
M)Por outro lado, salvo melhor e douta opinião, deveria ser considerado como provado facto constante da alínea a) do artigo 16º do presente recurso, isto é, que “Enquanto gerente da requerida, esta pagava ao requerente a remuneração mensal ilíquida de €1.260,00, a que acrescia o subsídio de alimentação no valor de €6,25 diários”, desde logo porque
N)No que toca ao valor da remuneração supra referido, este facto não foi sequer impugnado pela Recorrida, a qual se limitou a alegar na sua Oposição que “os sócios – gerentes acordaram entre si a aguardar a plena reestruturação da sociedade requerida, e, só após a obtenção desse equilíbrio, aufeririam remuneração pelo cargo de gerente”
O)Por outro lado, atento, quer aos recibos remuneração da autoria da recorrida e que foram juntos pelo requerente, aquando da realização da Audiência de Julgamento, como documentos nºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6, os quais não foram sequer impugnados ou sequer postos em causa pela Requerida
P)Quer, ainda dos documentos juntos pela própria recorrida em 16.06.2011, documento esses da sua própria autoria, concretamente os documentos com os nºs 7 a 49, isto é, os Extractos contabilísticos da conta 2621 – Pessoal remunerações a pagar aos órgãos sociais - dos anos de 2008 e 2009, bem como de todos os documentos comprovativos dos movimentos efectuados na referida conta; Extractos contabilísticos da conta 641 – Remunerações a pagar aos órgãos sociais - dos anos de 2008 e 2009, bem como de todos os documentos comprovativos dos movimentos efectuados na referida conta;
Folhas de remunerações mensais enviadas pela Ré para a Segurança Social do período de Julho de 2008 até Fevereiro de 2009 e Modelo 10 enviado pela Ré para a Administração Fiscal dos anos de 2008 e 2009, dos quais se infere tal remuneração e
Q)Sempre deveria ser considerado como provado que “Enquanto gerente da requerida, esta pagava ao requerente a remuneração mensal ilíquida de €1.260,00, a que acrescia o subsídio de alimentação no valor de €6,25 diários”,
R)Como aliás, resultou do próprio depoimento de parte prestado pelos gerentes da Ré C… e de C…..
S)Com efeito, o referido C…, cujo depoimento se encontra na gravação do CD 54/11, com inicio do depoimento às 14:59:50 e fim da gravação às 15:14:07, questionado sobre se “enquanto gerente da requerida, esta pagava ao requerente a remuneração mensal ilíquida de €1.260,00 a que acrescia o subsídio de alimentação no valor de €6,25 diários”, aquele respondeu ao minuto 01:36 do seu depoimento “é certo esse valor foi-lhe pago durante dois meses, Julho e Setembro”
T)De igual forma, o referido C…, cujo depoimento se encontra na gravação do CD 54/11, com inicio do depoimento às 15:14:43 e fim da gravação às 15:28:33, questionado sobre se “enquanto gerente da requerida, esta pagava ao requerente a remuneração mensal ilíquida de €1.260,00 a que acrescia o subsídio de alimentação no valor de €6,25 diários”, aquele respondeu ao minuto 02:59 do seu depoimento “chegou a pagar um ou dois salários” e ao minuto 3:25 “chegámos a pagar um ou dois salários em virtude de lhe pagarem as despesas dele”
U)Pelo exposto é bem evidente que a decisão da matéria de facto não teve em consideração o teor dos documentos nºs 1 a 6 juntos pelo recorrente aquando da realização da audiência de julgamento e dos documentos juntos pela recorrida em 16.06.2011, documento esses da sua própria autoria, sob os nºs 7 a 49, concretamente os Extractos contabilísticos da conta 2621 – Pessoal remunerações a pagar aos órgãos sociais - dos anos de 2008 e 2009, bem como de todos os documentos comprovativos dos movimentos efectuados na referida conta; Extractos contabilísticos da conta 641 – Remunerações a pagar aos órgãos sociais - dos anos de 2008 e 2009, bem como de todos os documentos comprovativos dos movimentos efectuados na referida conta; Folhas de remunerações mensais enviadas pela Ré para a Segurança Social do período de Julho de 2008 até Fevereiro de 2009 e Modelo 10 enviado pela Ré para a Administração Fiscal dos anos de 2008 e 2009, dos quais se alcança a resposta positiva de que “Enquanto gerente da requerida, esta pagava ao requerente a remuneração mensal ilíquida de €1.260,00, a que acrescia o subsídio de alimentação no valor de €6,25 diários”, e, nessa medida, fazem prova plena quanto ao seu teor.
V)A tudo isto acresce que, do oficio da Segurança Social remetido à requerida e que esta fez juntar no decurso da Audiência de Julgamento, nada se extrai de válido para a posição por si defendida, porquanto,
W)Tal ofício data de 08.07.2009, isto é, muito posterior à renuncia à gerência pelo recorrente e respeita tão só às remunerações anteriores a Setembro de 2008, sendo que
X)Não deixa de causar estranheza a tese da recorrida ao alegar que, a recorrida “passou por um período de grandes dificuldades financeiras … os sócios gerentes acordaram entre si aguardar a plena reestruturação da sociedade requerida, e, só após a obtenção desse equilíbrio, aufeririam remuneração pelo cargo de gerente” – cfr. artigo 6º e 8 da Oposição-, e que as remunerações relativas aos dois novos sócios passaram a ser formalmente processadas por ter sido alertada para a necessidade de o fazer por um técnico de contas que lhe transmitiu que tal seria exigido pela Segurança Social .
Y)Ora, se a requerida estivesse com dificuldades financeira e se tivesse passado a processar formalmente as remunerações do recorrente, porque tal seria exigido pela Segurança Social, nunca processaria a remuneração de €1.260,00, mas outra de montante seguramente mais baixo, de forma a gastar menos nas contribuições para a segurança social.
Z)De igual forma, não processaria a remuneração de gerente referente a férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal, como o fez, e
AA)Muito menos emitiria cheques tituladores das remunerações peticionadas pelo recorrente, como emitiu conforme resulta dos documentos juntos pela própria recorrida em 16.06.2011, documento esses da sua própria autoria, concretamente os documentos com os nºs 7 a 49, isto é, os Extractos contabilísticos da conta 2621 – Pessoal remunerações a pagar aos órgãos sociais - dos anos de 2008 e 2009, bem como de todos os documentos comprovativos dos movimentos efectuados na referida conta; Extractos contabilísticos da conta 641 – Remunerações a pagar aos órgãos sociais - dos anos de 2008 e 2009, bem como de todos os documentos comprovativos dos movimentos efectuados na referida conta; Folhas de remunerações mensais enviadas pela Ré para a Segurança Social do período de Julho de 2008 até Fevereiro de 2009 e Modelo 10 enviado pela Ré para a Administração Fiscal dos anos de 2008 e 2009, dos quais se infere que foram emitidos cheques à ordem do recorrente tituladores das remunerações peticionadas.
Assim sendo, é bem evidente ter havido erro na fixação dos factos materiais da causa, por não se ter atendido aos documentos referidos, de que resultou ofensa de disposições expressas da lei que fixam a força probatória daqueles meios de prova.
BB)Há, pois que dar como não provados os factos elencados em 7, 8, 9, 12 do artigo 15º do presente recurso e como provado o facto constante da alínea a) do seu artigo 16º, pois é indiscutível que os apontados documentos impõem uma resposta diversa à dada pelo Tribunal a quo e, assim sendo a acção deveria ter sido julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, a Requerida, ora recorrida, condenada por todos os pedidos formulados pelo Recorrente,
CC)Como assim não julgou o Meritíssimo Juiz a quo violou, além do mais, o disposto no artigo 376º do C. Civil
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E EM CONSEQUÊNCIA:
A – Deve ser revogada a matéria de facto e substituída por outra, nos termos propugnados nas conclusões anteriores
B - Revogada a sentença recorrida por outra que julgue procedentes e condene a Recorrida em todos os pedidos formulados no requerimento injuntivo, tudo com todas as consequências legais

A apelada contra alegou, pugnando pela não verificação da invocada nulidade e pela manutenção do decidido na primeira instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões dos recorrentes não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC), são as seguintes as questões a decidir:
- deficiente gravação da prova
- alteração da matéria de facto
- mérito da acção

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevo para a decisão a proferir, foram considerados provados os seguintes factos:
1. O requerente foi sócio da requerida, sociedade comercial por quotas, em cujo capital social de € 15.000,00, deteve uma quota no valor nominal de € 5.000,00.
2. O requerente foi nomeado gerente da requerida em 7 de Julho de 2008, cargo esse que manteve desde o dia 7 de Julho de 2008 até ao dia 5 de Fevereiro de 2009, altura em que renunciou à gerência da requerida.
3. A requerida não pagou ao requerente remunerações e subsídio de alimentação referentes aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009.
4. A requerida não pagou ao requerente proporcionais de férias, subsídio de férias
e subsídio de Natal referentes ao período de 7 de Julho de 2008 a 5 de Fevereiro de 2009.
5. Por acta da assembleia-geral da requerida datada de 7 de Julho de 2008 os sócios da requerida, na altura, decidiram proceder a um aumento do capital social desta, que passou de cinco para quinze mil euros.
6. O referido aumento foi realizado pela entrada de dois novos sócios, o aqui requerente e ainda C…, cada um com uma entrada de € 5.000,00.
7. A parte respeitante ao requerido foi titulada pelo cheque cuja, cópia consta de fls. 16 dos autos, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos pelo valor de € 5.000,00, datado de 25 de Julho de 2008 e emitido à ordem da requerida I…, Lda.
8. Os sócios-gerentes da requerida acordaram entre si aguardar a reestruturação da sociedade e, só após a obtenção desse equilíbrio, os sócios C… e o aqui requerente aufeririam remuneração pelo cargo de gerente, tendo o requerente anuído a este plano.
9. Posteriormente à assembleia-geral de 7 de Julho de 2008, o requerente solicitou aos restantes sócios que o seu cheque, de € 5.000,00, não fosse depositado, o que estes aceitaram.
10. O requerente anunciou aos restantes sócios a sua indisponibilidade em manter-se na sociedade, solicitando a cessão da sua quota de € 5.000,00, o que foi aceite por aqueles.
11. A transmissão da quota do requerente formalizou-se em 5 de Fevereiro de 2009, data em que aquele renunciou formalmente à gerência.
12. O requerente nunca aportou para a sociedade requerida a quantia de € 5.000,00 a que se obrigou por acta da assembleia-geral de 7 de Julho de 2008.

Questão Prévia
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, cumpre, em primeiro lugar, que nos pronunciemos sobre a nulidade, arguida em sede de recurso, decorrente da alegada imperceptibilidade de parte da gravação da prova pessoal produzida em audiência.
Com interesse para a decisão importa considerar o seguinte circunstancialismo:
O ora recorrente requereu a gravação da prova produzida em audiência.
Procedeu-se à gravação da prova pessoal produzida em audiência, como está exarado na acta da audiência, ficando registada no CD 54/11.
Constatámos, depois de ouvir a dita gravação que a gravação do depoimento da testemunha Maria…é em grande parte imperceptível devido a um barulho de fundo que impede a correcta percepção do que é dito pela depoente.
Por requerimento datado de 10/10/2011 o autor /recorrente veio pedir a entrega de cópia do suporte da respectiva gravação.
Com data de 30/10 apresenta recurso da decisão final no qual invocada como questão prévia a nulidade processual decorrente da deficiente gravação da prova testemunhal.

O DIREITO
Por se tratar de questão prioritária, nos termos já referidos, analisemo-la.
Como referem J. Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e R. Pinto o registo da prova tem a utilidade de permitir ao tribunal, em caso de dúvida no momento da decisão da matéria de facto, a reconstituição do conteúdo do acto de produção de prova e a função de permitir às partes o recurso dessa decisão, que, de outro modo, escapa ao controlo do tribunal da Relação.
A gravação visa, essencialmente, possibilitar a alteração, pelo tribunal de recurso, da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância (arts. 712º, nº 1, a), e 685º-B, do CPC).
A não gravação, ou a sua deficiência, corresponde a uma omissão de um acto que pode influir no exame e na decisão da causa, constituindo uma nulidade processual (artº 201º, nº 1, do CPC).
As nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido . No artº 201º, nº 1, do CPC, norma relativa às regras gerais da nulidade dos actos processuais, estabelece-se que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto que a lei prescreve, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Não tem sido unânime o entendimento jurisprudencial no tocante ao prazo de arguição da referida nulidade processual.
Sustentando que o prazo de arguição do vício de deficiência de gravação é de dez dias (art. 153°, n° 1, do CPC), decidiu-se que tal prazo se inicia imediatamente após o termo da audiência de discussão, ou, pelo menos, após a data de entrega à parte da cópia da gravação. A parte deve, então, diligenciar, dentro do aludido prazo, pela audição dos registos magnéticos, presumindo-se um comportamento negligente da mesma parte, ou do respectivo mandatário, caso não efectuar esta audição.
Outra corrente jurisprudencial, a que aderimos, defende que tal nulidade (falta/deficiência da gravação de depoimentos) pode ser arguida até ao termo do prazo das alegações do recurso ou, nos processos instaurados a partir de 01/01/2008, até ao termo do prazo constante do artº 685º, nºs 1, 5 e 7, do CPC (DL nº 303/2007, de 24/08). Não é exigível à parte, ou ao seu mandatário, que proceda à audição dos registos magnéticos antes do início do prazo do recurso (relativo à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto), sendo no decurso deste prazo que surge a necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo dos referidos registos e, com ele, o conhecimento de eventuais vícios da gravação que podem ser alegados na própria alegação de recurso entretanto interposto
Permitimo-nos transcrever, aqui, parte da fundamentação exposta, a este propósito, no Ac. do STJ, de 13/01/2009, de que foi Relator o Exmº Juiz Conselheiro Dr. Silva Salazar, publicado em www.dgsi.pt:
“…, a deficiência da gravação, a existir, constitui uma nulidade secundária, das previstas no art. 201, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, uma vez que tal deficiência integra uma omissão de um acto prescrito na lei (art. 7.°, n.º 2, do Dec. - Lei n.º 39/95, de 15/2), que pode nitidamente influir na decisão da causa por obstar, quer à fundada impugnação da matéria de por esta ser detectável quando cometida, ou por o dever ser quando a parte, posteriormente a tal cometimento, intervenha em algum acto praticado no processo ou seja notificada para qualquer termo dele.
Nem sequer faria sentido que a parte fosse obrigada a arguir nulidades que não soubesse ou não tivesse obrigação de saber que haviam sido cometidas, sendo que, na hipótese dos autos, só dela se poderia aperceber precisamente quando, pretendendo impugnar a matéria de facto, analisasse a gravação”.
Ainda que se entenda que uma actuação prudente implicará a verificação imediata da qualidade da gravação, afigura-se-nos que pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, não lhe é exigível que proceda à audição dos respectivos suportes magnéticos no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe foi entregue a cópia dos CDs pelo Tribunal, podendo fazê-lo dentro do prazo da apresentação da motivação do recurso.
Conforme decidiu o STJ (Ac. 09.07.2002, CJSTJ, II, p. 153), "não tendo a parte, durante a audiência, possibilidade de controlar uma questão meramente técnica, como é a das boas ou más condições em que a gravação está a decorrer, não pode exigir-se a arguição imediata da nulidade denunciada, e não tendo depois da audiência sido praticado qualquer acto em que a recorrente haja intervindo, nem ocorrido notificação que, por sua natureza, fosse idónea para por si só lhe dar conhecimento da deficiência da gravação, não sendo a entrega das cópias de gravação suficiente para presumir o conhecimento do seu mau estado, é razoável que a parte só ouça as cópias no período em que elabora as alegações, pelo que no momento em que as alegações são apresentadas ainda não findou o prazo da reclamação da nulidade".
Na verdade, a parte confia, pressupõe que a gravação é feita de forma adequada, sem imperfeições ou defeitos, na medida em que conforme resulta dos art.os 4.º a 6.º do Dec.-Lei 39/95, a gravação é monitorizada por um funcionário judicial, que deve zelar pela observância de todos os requisitos de ordem técnica conducentes a um registo sonoro que permita a posterior reprodução e eventual transcrição dos depoimentos prestados, a fim de obviar à repetição da prova produzida, nos termos do art.º 9.º do mesmo diploma.
Assim, não sendo detectada qualquer anomalia no decurso da audiência, também não é na data designada para leitura da resposta à base instrutória que as partes podem aperceber-se de qualquer deficiência dos registos áudio, do que resulta que o prazo de arguição apenas tem o seu início a partir do momento da entrega das cassetes de gravação, sendo estas solicitadas para efeitos de transcrição dos depoimentos”.
Depois, o autor no caso em apreço não interveio em nenhum outro acto praticado no processo posteriormente à audiência.
E só pode ter tomado conhecimento da nulidade porventura existente quando lhe foi entregue o registo magnético da prova produzida em audiência a fim de preparar as alegações da apelação, conforme oportunamente requereu, ou seja, já na fase do recurso.
Sem dúvida que não arguiu a nulidade no prazo de dez dias (art. 153° do mesmo Código) a contar dessa entrega. Mas, detectada ela apenas após interposição e admissão do recurso, quando já começara o prazo para elaboração das alegações, e como meio necessário para delimitação do objecto do recurso, que abrangia a apreciação da matéria de facto pela Relação, entende-se que nada na lei obsta à respectiva arguição apenas nas próprias alegações da apelação, e portanto até ao termo desse prazo.
Em consequência do entendimento que perfilhamos considera-se tempestiva a invocação da referida nulidade, apesar de arguida apenas nas alegações de recurso.
Resta verificar, no caso, a existência da alegada deficiência da gravação.
Na audiência de discussão e julgamento foram ouvidos os depoimentos de parte e apenas a testemunha Maria … cujos depoimentos ficaram registados num CD.
Do tribunal recorrido foi-nos enviado um CD.
Ouvido o registo fonográfico contido no aludido CD ( em mais do que um aparelho) constata-se uma deficiente gravação no referente à testemunha Maria….
Com efeito, não se consegue ouvir, com clareza, quer as perguntas do Srº Juíz e dos Srs Mandatários das partes mas sobretudo muitas vezes imperceptível as respostas da testemunha.
Toda a gravação deste depoimento tem um ruído de fundo (que se começa a manifestar no depoimento de parte do autor, mas que não impede a percepção) que impede uma correcta audição, sobrepondo-se ao diálogo entre juízo, advogados e testemunha.
Quer dizer, detectamos, efectivamente, a ocorrência de deficiências de gravação dos depoimentos das aludidas testemunhas, que, pela sua quase total imperceptibilidade, não permitem uma correcta reapreciação da prova.
Verifica-se, pois, a descrita nulidade processual, tempestivamente arguida nas alegações do recurso.
Sobre esta questão ver Ac. Do STJ de 16.10.2010 “ a inaudibilidade de um ou mais depoimentos - facto, insiste-se de novo, que sempre terá de ser constatado pela 2ª instância - equivale praticamente, quando esteja em causa reapreciar as provas em sede de apelação, à inexistência da prova produzida; e se a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é em boa verdade impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, precisamente o direito que os recorrentes pretenderam exercer na apelação levada à Relação”.
Termos em que deve julgar-se verificada a arguida nulidade decorrente da imperceptibilidade parcial dos depoimento da testemunha Maria…., uma vez que tal deficiência determina a impossibilidade de reapreciação da matéria de facto por este tribunal que, assim, não dispõe de todos os elementos probatórios que permitem tal reapreciação, uma vez que o apelante pretende impugnar tal julgamento, nos termos dos art.º 712º do Código de Processo Civil.
Em consequência, deve ser anulado o acto viciado, e os actos posteriores que dele dependam, repetindo-se os depoimento da identificada testemunha, anulando-se todos os termos posteriores do processo, designadamente a decisão que incidiu sobre a matéria de facto e a sentença recorrida.
Fica assim prejudicado o conhecimento das demais questões objecto do recurso.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do TRG, em julgar procedente a apelação no que concerne à questão prévia suscitada, anulando-se parcialmente o julgamento e os termos posteriores do processo, designadamente a decisão que incidiu sobre a matéria de facto e a sentença recorrida, determinando-se, em conformidade, a repetição da inquirição da testemunha Maria de Lurdes
Custas pela apelada
Notifique.
13.02.2012