Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
520/14.0TBVCT-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CONDOMÍNIO
ACTAS
DELIBERAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Para serem títulos executivos, as actas das deliberações da assembleia de condóminos devem fixar os montantes das contribuições devidas ao condomínio ou de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou a serviços de interesse comum, bem como estabelecer prazo certo para os pagamentos e fixar a quota parte de cada condómino.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 520/14.0TBVCT-A.G1

I –AA… intentou a presente oposição à execução mediante embargos de executado, alegando, para tanto e em síntese, que, tendo a exequente dado à execução, como títulos, duas actas de assembleia de condóminos, por um lado, a acta id. sob o nº 26 padece de falsidade, o que afecta e vivia a acta nº 24, enquanto títulos dados à execução; por outro lado, resulta, também, ainda assim, que as actas, por não estarem assinadas, como atrás se demonstrou, não podem ser acolhidas como títulos executivos; finalmente, quando assim não se entendesse, a deliberações que aprovaram a penalidade de € 100,00 e que alegadamente conferiram poderes ao administrador para as executar, contidas nas actas nºs. 24 e 26 apresentadas pela exequente, ora embargada, e que sustentarão a quantia liquidada de € 4.000,00, são inexequíveis e, também sempre seria inválidas por manifesto abuso de direito, dada a sua desmesura.---
O embargado Condomínio apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos, alegando, para o efeito e em síntese, que: as actas que servem de fundamento ao procedimento executivo são precisamente as números 24 e 26, a primeira reportando-se à Assembleia Ordinária de Condóminos realizada no dia 5 de Janeiro de 2012 e a segunda à Assembleia Ordinária de Condóminos realizada no dia 14 de Janeiro de 2014; de resto, a executada tem perfeito conhecimento que a acta número 25 reporta-se à Assembleia Ordinária de Condóminos realizada no dia 11 de Janeiro de 2013; a acta número 25, que a executada juntou à sua douta Oposição enferma de lapso quanto à sua correcta identificação, o qual não interfere minimamente com a pretensão da exequente; entretanto, as eventuais irregularidades cometidas estão sanadas há muito tempo, por não terem sido arguidas em tempo, quer quanto ao referido lapso quer quanto à alegada falta de assinatura; no mais, a executada votou favoravelmente a penalização em causa, com referência aos condóminos incumpridores, sendo num inadmissível exercício de “venire contra factumproprium” que ora pretende pôr em causa o que aprovou.---
Os autos prosseguiram e foi proferida sentença na qual se decidiu:
Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente oposição à execução mediante embargos de executado parcialmente procedente, termos em que se determina o prosseguimento da execução quanto à quantia de € 3.010,06, respeitante ao orçamento extra para obras de manutenção do ano de 2012, absolvendo-se a embargante do demais pedido exequendo formulado.----

Inconformado o embargado interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
A) A executada participou na assembleia de condóminos realizadano dia 05/01/2012 a que se reporta a acta número 24;
B) Dessa acta consta, entre o mais, que:
“O administrador pôs os orçamentos à votação, e o orçamentoda Firma BB…, no valor de 65.436,00€, foi aprovado por maioria,com o voto contra da fracção W, com a promessa de o administrador falar com oempreiteiro para tentar diminuir o valor do orçamento.
Ainda neste pondo ficou aprovado por unanimidade que os prazosde pagamento serão da seguinte forma:
a) 40% até ao dia 15/06/2012, data prevista para o início daobra;
b) 40% até ao dia 15/08/2012;
c) e os restantes 20% até ao dia 30/09/2012, data prevista parao fim da obra, se as condições climatéricas assim o permitirem.
Uma vez que se trata de obra cuja execução é urgente, cabe porisso garantir o pagamento com quem vier executar os trabalhos.
Por proposta do administrador foi deliberado, por unanimidade,estabelecer uma penalização no montante de 100€ (cem euros) por cada mês deatraso ou sua fracção, relativamente a cada prestação vencida, ou seja, a penalizaçãoé cumulável, com vista a garantir e salvaguardar o pagamento atempado dos compromissosassumidos”;
C) O nº 1 do artigo 6º do Dec. Lei nº 268/94, de 25 de Outubro,no seu enunciado distingue contribuições devidas ao condomínio das despesas necessáriasà conservação e fruição das partes comuns e do pagamento de serviços de interessecomum;
D) A administração do condomínio pretendeu assegurar o pagamentoatempado dos compromissos assumidos, cujo montante era significativo, maisprecisamente, € 65.436,00;
E) Tratava-se de despesa – encargo – que nada tinha a ver coma gestão corrente do condomínio, mas antes uma obra de manutenção e pintura nasfachadas do prédio, como consta expressamente da ordem de trabalhos da assembleiade condóminos a que se refere a acta número 24;
F) Só com o pagamento pontual por parte dos condóminos é quea administração poderá cumprir correcta e adequadamente as deliberações tomadas nasassembleias gerais;
G) Não basta que a maioria cumpra as deliberações, é necessárioque todos os condóminos, sem excepção, o façam;
H) O não pagamento pontual, por parte de alguns condóminos,pode inviabilizar o cumprimento das deliberações tomadas;
I) Foi precisamente essa preocupação que determinou a propostaapresentada pelo administrador que mereceu a concordância unanime de todos os condóminospresentes na assembleia, incluindo a embargante;
J) Não se tratou de deliberação estranha ou alheia à administraçãode condomínio;
K) Deliberaçãoessa que cabe integralmente no enunciado do nº1 do artigo 6º do já referido Dec. Lei nº 268/94;
L) Se assim não fosse o espírito do legislador sairia traído;
M) A acta à qual o legislador atribuiu eficácia executiva em matériade deliberações que dizem respeito à boa administração do condomínio não cumpririaa sua função se dessa eficácia se excluísse a contribuição devida pelos devedoresrelapsos;
N) De resto, não poderá ser tratado de forma igual o que é manifestamentediferente;
O) Se se excluísse do âmbito do nº 1 do artigo 6º do Dec. Lei nº268/94 a penalização dos condóminos relapsos, tal significaria que a administração docondomínio teria de recorrer a acção declarativa de condenação com manifesto prejuízodo princípio da economia processual e da própria administração do condomínio,que veria retardado o recebimento do que lhe é devido:
P) A decisão recorrida enferma de interpretação literal do textolegal, abstraindo-se do espírito do legislador;
Q) A pena pecuniária está expressamente prevista no institutoda propriedade horizontal, conforme resulta do disposto no nº 1 do artigo 1434º doCód. Civil;
R) A decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação dalei ao excluir do âmbito do nº 1 do artigo 6º do Dec. Lei nº 268/94 a eficácia executivaa penalização deliberada por unanimidade relativamente aos condóminos relapsos.

A recorrida apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª Instância foram dados como provados os seguintes factos:
i. A embargante é dona e legítima proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras "AF" e "AH" correspondentes, respectivamente, ao 4º andar esquerdo frente e 4º andar trás, do prédio urbano, sito no largo cidade da baía, lote …, união de freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior, Monserrate e Meadela), inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, cujo condomínio é administrado pelo exequente.---
ii. O administrador da ora exequente, CC…, foi eleito em assembleia de condóminos realizada no dia 14 de Janeiro de 2014, à qual corresponde a acta nº 26.---
iii. Na assembleia supra id. foi deliberado por todos os condóminos presentes accionar judicialmente a executada.---
iv. Conforme consta da referida acta nº 26, a dívida da executada ascende ao montante de € 3.010,06 respeitantes ao orçamento extra para obras de manutenção do ano de 2012, sendo € 1.177,85 relativamente à fracção "AF" e € 1.832,21 relativamente à fracção "AH", aprovado nos termos da assembleia de condóminos realizada, no dia 5 de Janeiro de 2012, à qual corresponde a acta nº 24.---
v. Nos termos das referidas actas, foi deliberado que os condóminos que não procedessem voluntariamente ao pagamento da quota-parte devida, seria ainda imputado o pagamento de uma penalização pelo atraso no pagamento da sua quota-parte nas despesas para obras de manutenção, calculado à razão de €100,00/mês para cada uma das fracções.---
vi. A executada, apesar de interpelada diversas vezes para regularizar a dívida, ainda não o fez.---
vii. A executada participou na assembleia de condóminos realizada no dia 05/01/2012.---
viii. A executada, apesar de convocada, não participou na assembleia de condóminos realizada no dia 14/01/2014, tendo-lhe sido comunicada a deliberação na mesma tomada.---
ix. A executada não impugnou qualquer das deliberações tomadas nas assembleias supra referidas.---
x. As actas nºs 24 e 26 supra mencionadas encontram-se assinadas pelo Presidente, CC, e pela Secretária, DD.---
xi. Aos 11/01/2013, foi realizada assembleia de condóminos, à qual corresponde a acta nº 25, na qual estiveram representadas as fracções “AF” e “AH” descritas em i..---
xii. A acta nº 26, melhor descrita em iv., não padece de qualquer falsidade.---
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Nos termos do disposto no artigo 6º, nº1, do DL nº 268/94, de 25.10, “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
O que está em causa é um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos previstos na al. d) do nº1 do elenco taxativo de títulos executivos constante do artigo 703º do Código de Processo Civil.
Para as actas da assembleia de condóminos assumirem força executiva é necessário, desde logo, que fixem os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a fixação da quota-parte de cada condómino.
É o caso dos autos, estando apenas em causa saber se a mesma constitui título executivo quanto à penalização que foi deliberada pelo atraso do pagamento.
Das actas consta o montante fixado em sede de penalização pelo atraso no pagamento.
O que está em causa é saber se as penalizações se integram no conceito estabelecido no artigo 6º do citado Decreto-Lei.
Na sentença recorrida entendeu-se que a acta apenas constituía título executivo em relação ao montante que foi deliberado sobre as obras e não quanto ao montante que foi deliberado sobre a penalização para atraso no pagamento daquele montante.
Nesta matéria há divergências na jurisprudência, havendo quem defenda – como nos acórdãos citados na decisão recorrida – que o montante a título de penalização não cabe na expressão “contribuições devidas ao condomínio”, e há quem defenda o contrário , quer na jurisprudência, quer na doutrina nomeadamente Sandra Passinhas, “Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, pág. 312.
A possibilidade de fixação de penas pecuniárias para a inobservância do cumprimento pontual de obrigações emergentes da lei ou de contrato corresponde ao princípio geral de estabelecimento de cláusulas penais, consagrado no artigo 810º do Código Civil (Cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III).
E as penalidades previstas no artigo 1434ºn.º 1 do Código Civil, quando visam sancionar a mora no cumprimento das comparticipações devidas aocondomínio, traduzem-se numa cláusula penal moratória, nos termos do nº1 do artigo 811º do Código Civil (Cfr., neste sentido, Acórdão do TRL de 13-11-2012, disponível in www.dgsi.pt.).
Como já se referiu, o artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro conferiu força executiva às actas das assembleias de condóminos que deliberem sobre o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio.
Daqui resulta que para ser título executivo é necessário que a acta fixe montante das contribuições devidas ao condomínio, ou de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, ou serviços de interesse comum, bem como se estabeleça prazo para o pagamento e a fixação da quota parte de cada condómino.
As actas apresentadas à execução reúnem todos estes requisitos, pois delas consta a deliberação sobre a quota parte de cada condómino e a oneraçãode cada fracção (em relação aos condóminos não pagadores) em 100,00 por cada mês de atraso.
E como se refere no Ac. da Relação de Évora, de 5/12/02, CJ, Ano XXVII, tomo V, pág. 249, “O título executivo é o documento - a acta – donde consta a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva. Por seu lado, a causa de pedir na execução, é a circunstância de a executada não haver satisfeito as prestações devidas ao condomínio, quer nos termos quer nos prazos pré-estabelecidos” (veja-se a este propósito também o Ac. do STJ de 11.2.99 CJ ano VII, t1 p.105).
Ora, a causa de pedir na presente execução é a falta de pagamento da quota parte da embargante, bem como do montante que foi deliberado pelo atraso no cumprimento, reunindo a acta todos os requisitos de exequibilidade a que se refere o artigo 703º, alínea d) do Código de Processo Civil, pelo que a mesma constitui título executivo quanto ao proprietário que deixe de pagar a sua quota parte, no prazo pré-estabelecido.
Em síntese, para serem títulos executivos, as actas das deliberações da assembleia de condóminos devem fixar os montantes das contribuições devidas ao condomínio ou de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou a serviços de interesse comum, bem como estabelecer prazo certo para os pagamentos e fixar a quota parte de cada condómino.

III- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, julgando improcedentes os embargos.
Custas dos embargos e do recurso pela recorrida.
Guimarães, 24 de Setembro de 2015.
Conceição Bucho
Maria Luisa Ramos
Raquel Rego