Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
599/14.4TTGMR.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
TRANSACÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
LEGALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: i) a conciliação entre o empregador e o trabalhador obtida na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, só pode ser validada pelo juiz depois de se certificar da legalidade do resultado obtido.
ii) Havendo oposição do Ministério Público, o juiz só pode validar o resultado da conciliação se dos autos constarem elementos que confirmem a sua legalidade.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Apelante: Ministério Público (autor).
Apelada: L..., SA (ré).
Tribunal Judicial da comarca de Braga, instância central de Guimarães, Secção Trabalho, J3.

1. O Ministério Público intentou a esta ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho contra a ré, pedindo a final que seja reconhecido que o contrato celebrado entre a ré e S…, o qual se mantém, consiste num contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no artigo 12.º do Código do Trabalho.
Na audiência de partes, a empregadora e a trabalhadora declararam que pretendiam transigir quanto ao objeto destes autos, o que fizeram, acordando que entre eles existe um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho.
O Ministério Público declarou opor-se.
O tribunal homologou a transação nos seus precisos termos.

2. Inconformado, veio o A. interpor recurso de apelação, que motivou e apresentou as conclusões seguintes:
1º– No âmbito de uma ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a R. “L…, S. A.” e a trabalhadora, S… celebraram “acordo”, considerando que a relação entre elas existente não tem natureza de contrato de trabalho mas sempre foi antes contrato de prestação de serviços.
2 – Não obstante a oposição do Ministério Público, a M. Juíza a quo proferiu decisão homologando o referido “acordo”.
3 – Acontece que, neste tipo de ações prevalece um interesse público assente nas exigências constitucionais e legais de dignificação das relações laborais,
4 – visando, assim, o reconhecimento/regularização de situações como a dos presentes autos como relações de trabalho subordinado e assim sejam reconhecidas pelas partes.
5 – Do exposto, resulta que o acordo/conciliação a que alude o artigo 186.º-O do Código do Processo do Trabalho deve assentar em critérios de legalidade estrita, sendo apenas admissível para regularizar a situação laboral em apreciação, reconhecendo-a como contrato de trabalho.
6 – Para além disso, a trabalhadora não é parte na causa, revestindo, quando muito, a sua posição processual, a qualidade de mera assistente da parte principal, o M.º P.º, A. na ação, pelo que a sua intervenção está subordinada à intervenção do M.º P.º, não podendo o assistente tomar posições em oposição à da parte principal;
7 – E, não sendo parte na causa, não pode a trabalhadora dispor do objeto do processo, possibilidade restrita do(s) autor(es), transigindo quanto ao seu objeto;
8 – Assim, o tribunal “a quo“ ao homologar a transação entre a trabalhadora e a R., com a oposição do M.º P.º, A. na ação, violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 52.º n.º 2, e 186.º-O, ambos do Código de Processo do Trabalho, 283.º n.º 2, 284.º, 289.º, 290.º e 277.º, alínea d), todos do Código de Processo Civil.
Nestes termos, deve conceder-se provimento ao recurso, com a revogação da decisão recorrida, em conformidade com as conclusões que antecedem.

3. A recorrida contra-alegou e concluiu que a transação foi bem homologada e não violou qualquer normal jurídica, pelo que deve manter-se, uma vez que estamos em presença de direitos disponíveis, como resulta do art.º 186.º-O, o qual prevê a conciliação entre empregador e trabalhador, sem referência alguma ao Ministério Público e que o entendimento do recorrente é inconstitucional, por violar os princípios da igualdade e do direito a um processo equitativo, nos termos dos art.ºs 13.º n.º 1 e 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

4. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
5. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se o empregador e o trabalhador podem conciliar-se na audiência de partes desta ação especial e pôr termo ao processo, quando o Ministério Público se opõe e se existe inconstitucionalidade.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Os factos a considerar são os que os que constam do relatório e conclusões expostas.

APRECIAÇÃO
A questão a decidir neste recurso é a que já elencamos acima: apurar se o empregador e o trabalhador podem conciliar-se na audiência de partes, desta ação especial e pôr termo ao processo, quando o Ministério Público se opõe e se existe inconstitucionalidade.
Prescreve o art.º 186.º-O do CPT que se o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los (n.º 1).
Se interpretarmos literalmente esta norma jurídica, somos levados a concluir que o empregador e o trabalhador podem conciliar-se livremente, cabendo ao juiz apenas o dever de certificar-se da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação, que expressamente fará constar do auto (art.º 52.º n.º 2 do CPT), a qual carece de ser homologada (n.º 1 do mesmo artigo).
Analisados os autos, não foi isso que aconteceu. A juiz, após largos considerandos, decidiu “sem necessidade de mais considerações, atenta a qualidade dos intervenientes, o objeto do processo versando direitos disponíveis, e o disposto nos art.ºs 277.º alínea d), 283.º n.º 2, 284.º, 289.º e 290.º do CPC, homologar por sentença a transação efetuada pelas partes, condenando e absolvendo-se nos seus precisos termos”.
Extrai-se claramente desta decisão que a juiz não se limitou, como manda a lei, a certificar-se da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação, que expressamente deveria fazer constar do auto. Tratou a conciliação entre a empregadora e a trabalhadora como uma transação comum regulada no CPC. No CPT existem as normas especiais que já reproduzimos e eram estas que o tribunal recorrido deveria ter cumprido: verificar se as partes tinham capacidade e se o resultado da conciliação era legal.
Esta ação especial foi introduzida no CPT com a finalidade de acautelar muitas situações de relações laborais que as partes intitulam como de prestação de serviços, mas que na realidade podem ser de trabalho subordinado.
Dada a natural fragilidade negocial, para não dizer quase residual, de quem procura trabalho, a tendência é para aceitar o contrato que lhe é proposto pelo empregador, sem direito a uma verdadeira negociação. A ida ao tribunal por estes trabalhadores precários leva a que as empregadoras se indisponham com eles e acabem por fazer cessar a relação de trabalho, ficando o prestador na situação de não ter rendimentos para a sua subsistência.
Daí que o processo especial denominado ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho fosse incluído no CPT para que um terceiro, em representação do Estado, velasse pelo interesse público consistente na verdade das relações laborais, pondo fim a situações precárias excessivas, sem que tenha de ser o trabalhador a iniciar o litígio com o empregador para definir a situação jurídica na empresa deste.
O Ministério Público atua aqui não como patrocinador, mas como representante do Estado para garantir a concretização do interesse público na definição da relação jurídica existente entre o prestador e o recebedor da prestação. Ao mesmo tempo, o Ministério Público, através deste processo especial, concretiza o princípio constitucional de que é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego (art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa).
Decorre do exposto, que na audiência de partes a que se refere o art.º 186.º-O do CPT, o Ministério Público deve ser ouvido sobre a legalidade do acordo obtido entre o empregador e o trabalhador e se não tiver elementos que lhe permitam concluir pela sua legalidade, tem o dever de se opor à sua validação pelo juiz.
Perante esta oposição do Ministério Público à legalidade do resultado da conciliação, o juiz, de duas, uma: ou tem no processo elementos suficientes para formar a sua convicção de que o resultado da conciliação é legal e assim o declara; ou não tem esses elementos e então não poderá fazer constar da ata essa legalidade. O Ministério Público encarna a defesa da legalidade democrática e, ao opor-se ao resultado da conciliação, o juiz não pode sem ter elementos que provem o contrário da posição do Ministério Público, validar o resultado da conciliação, devendo os autos prosseguir os seus trâmites normais.
Este entendimento não viola os princípios constitucionais da igualdade e do direito a um processo equitativo e justo, pois todos os intervenientes processuais têm direito a contradizer, requerer o que tiverem por conveniente, exercer o direito de defesa, produção de prova e de recurso. O entendimento sufragado pela apelada não pode proceder, pois este processo especial foi criado para assegurar mais efetivamente o princípio constitucional da segurança no emprego (art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa), como já referimos.
Nestes termos, decidimos conceder provimento à apelação e revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus trâmites legais .
Neste sentido: Ac. RG, de 12.03.2015, processo n.º 569/14.2TTGMR.G1, por nós subscrito e em que foi relatora a aqui 2.ª adjunta e processo n.º 566/14.8TTGMR.G1, de 26.03.2015, subscrito pelos mesmos juízes desembargadores, constituindo jurisprudência uniforme desta Relação de Guimarães.
Sumário: i) a conciliação entre o empregador e o trabalhador obtida na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, só pode ser validada pelo juiz depois de se certificar da legalidade do resultado obtido.
ii) Havendo oposição do Ministério Público, o juiz só pode validar o resultado da conciliação se dos autos constarem elementos que confirmem a sua legalidade.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus trâmites legais.
Custas pela apelada.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Guimarães, 14 de maio de 2015.
Moisés Silva
Antero Veiga
Manuela Fialho