Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
378/14.9T8VNF.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: PER
NULIDADE DA DECISÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
MORATÓRIA
PREJUÍZO DOS CREDORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- Nas situações de nulidade da decisão, o tribunal de recurso apenas deve conhecer do objecto da apelação, nos termos do disposto no artigo 665, nº 1, do C.P.C., se tiver sido fixada toda a matéria de facto necessária para o efeito, ou do processo constarem todos os elementos que permitam a sua fixação, pois só nesses casos o tribunal de recurso, pode exercer o poder censório quanto à matéria de facto tida por provada e sobre o próprio direito aplicado e aplicável.

II- A instituição do processo especial de revitalização representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime da insolvência com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses colectivos dos credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos.

III- A prossecução deste desiderato - da revitalização de devedores -, terá de ser mediada com a salvaguarda dos direitos dos credores contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, comprometedoras de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos, que, indubitavelmente, são também de fulcral relevância para o bom funcionamento da economia, que constitui o verdadeiro interesse público.

IV- Assim, a homologação de medida que estabelece uma moratória no pagamento da dívida de avalistas, ao impedir o exercício desses direitos “durante a vigência do Plano” está a afectar os “direitos dos credores contra os terceiros garantes da obrigação”, constitui uma violação do n.º 4 do artigo 217º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AAA. e BBB.

Recorrido: CCC.

Tribunal Judicial de Guimarães, Instância Central – Secção Central, 1ª Secção de Comércio.

CCC, impulsionou os presentes autos de revitalização, tendo em vista a aprovação de plano de recuperação.

Nomeado administrador judicial provisório, foi apresentada lista de credores.

Findo o prazo fixado para conclusão das negociações, veio o senhor administrador judicial provisório juntar aos autos plano de recuperação, dando-o por aprovado por maioria de 2/3 dos votos – 90,8002% de votos a favor.

Por decisão proferida a 05/03/2015 procedeu-se á homologação do plano de recuperação referente à Requerente, nos termos do disposto nos artigos 17.º-F, n.º 5 e n.º 6 do CIRE.

Inconformados com a aludida decisão homologatória, dela interpuseram recurso os Credores/Reclamantes, AAA., e DDD., de cujas alegações extraíram, em suma, as seguintes conclusões:

Conclusões do recurso interposto pelo Reclamante AAA.:

A. O presente recurso foi interposto do despacho proferido pelo Mº. Juiz a quo que homologou o plano de revitalização apresentado pela devedora CCC.,

B. Ao presente recurso de apelação deve ser atribuído efeito suspensivo, quer porque a execução da decisão recorrida causaria grave prejuízo ao Recorrente, quer porquanto, se não fosse atribuído efeito suspensivo a este recurso, correr-se-ia o risco de perda do efeito útil da decisão a proferir pelo Tribunal ad quem.

C. A Requerente/Devedora CCC, S.A., não se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas sim em situação de insolvência.

D. O passivo da Devedora ascende a Eur. 26.497.482,93 (vinte e seis milhões e quatrocentos e noventa e sete mil e quatrocentos e oitenta e dois euros e noventa e três cêntimos), conforme Lista Provisória de Credores elaborada e junta aos autos pela AJP.

E. O AAA. é credor da Devedora da quantia de, pelo menos, Eur. 1.634.637,02 (um milhão e seiscentos e trinta e quatro mil e seiscentos e trinta e sete euros e dois cêntimos), sendo que as responsabilidades se encontram em incumprimento desde Julho de 2012.

F. O mesmo acontece com outras Instituições Bancárias, sendo que a divida para com estas ascende ao valor global de € 15.315.334,66.

G. Com efeito, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, detém dividas ao Fisco e Segurança Social bem como, dividas garantidas por hipoteca há mais de 6 meses.

H. Para a declaração de insolvência basta o preenchimento de um ou alguns dos factos contidos nas diversas alíneas do artigo 20.º do CIRE, através dos quais a situação de insolvência se manifesta ou exterioriza, uma vez que tais factos são taxativos, e não cumulativos.

I. É a própria devedora a admiti-lo no plano de revitalização junto aos autos (pag.9 e ss): “A sociedade encontra-se em situação económica difícil, porque não consegue cumprir pontualmente com as suas obrigações, por falta de liquidez e, também porque não consegue obter crédito com dimensão que permita de momento solver todas as suas obrigações.

J. O n.º 5, do art. 17 - F, do CIRE, estipula que são aplicáveis, “…com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º.”

K. Nos termos do plano de recuperação apresentado, “Será condição necessária que a aprovação do presente plano implique, por parte dos credores, o não accionamento dos terceiros garantes (avalistas/fiadores), concedendo-lhes as condições necessárias para que aqueles possam dedicar todo o seu tempo à efectiva recuperação da sociedade, único meio que verdadeiramente poderá possibilitar o ressarcimento dos créditos aos credores. ” (v.g. pág. 16.).

L. Esta cláusula, como facilmente se percebe, é especial e directamente direccionada para as instituições bancárias, como a aqui recorrente. O seu intuito é, assim, o de impedir que estes credores, a favor de quem foi prestado aval por terceiros, accionem essa mesma garantia para cobrança do seu crédito.

M. Como supra referido, o AAA votou contra o plano em crise, entendendo não lhe ser vantajoso e, logo, não se dever sujeitar ao mesmo.

N. Acresce que, se lhe afigura inadmissível a circunstância de, por via deste plano, a devedora limitar o seu raio de actuação relativamente a terceiros.

O. Um plano de recuperação não pode restringir os direitos dos credores, designadamente de accionar as garantias que detêm sobre terceiros.

P. O plano de recuperação visa apenas isso mesmo, permitir a recuperação de determinada pessoa (singular ou colectiva) que esteja a atravessar sérias dificuldades financeiras e, portanto, na eminência de se tornar insolvente.

Q. Mas aquilo que um plano de recuperação não pode é coarctar, reduzir ou mesmo impedir o exercício de certos direitos dos credores sobre terceiros, sobre outros que não o devedor/revitalizando.

R. Tal cláusula, limitativa do exercício de legítimos direitos dos credores, é ilegal e até inconstitucional, violando o preceituado no artigo 18º, nº 2 da CRP, nos termos do qual ”A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

S. Neste caso concreto, não só não é a lei - mas antes um devedor por intermédio de um plano de recuperação por si apresentado - quem vem restringir direitos adquiridos de terceiros, como também não se descortina que outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos pudessem justificar tamanha restrição.

T. É patente que tal prescrição afronta directamente o estatuído no n.º4 do artigo 217º do CIRE.

U. Porquanto, “seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólume os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que responde e no regime da responsabilidade originária” (vide CIRE Anotado de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Reimpressão 2013, Lisboa 2009, pag.724).

V. Neste sentido, vide, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10-12-2013 (processo nº1083/13.9TBBRG.G1).

W. O plano e o despacho de homologação violam o disposto nos artigos 3º, 17º-f n.º5, 20º, 192º, 195º, 215º, 216º e 217º todos do CIRE.

Conclusões do recurso interposto pelo Reclamante DDD.:

1. O Recorrente, BBB não se conforma com o despacho de homologação do Plano de Revitalização da Recorrida, CCC, S.A.

2. No entender do Recorrente, o Meritíssimo Juiz “ a quo” não decidiu bem, uma vez que não se pronunciou quanto ao requerimento de RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO, apresentada pelo RECORRENTE, nos presentes autos, em 03/03/2015 (referência 1234022) antes do despacho de homologação do Plano de Recuperação, nos termos e para efeitos do disposto no artº 216º n.º 1 al) a do CIRE, aplicável “ex.vi” do seu artº 17 F n.º 5, violando assim o disposto legal na al) d) e e) do artº 615 do C.P.C.

3. Mais, ao decidir nos termos em que o fez violou o disposto nos artº 213º, 214º, 215 e 216 n.º 1 a) e b) do CIRE, aplicáveis, in causa, por força do n.º 5 do artº 17º do mesmo diploma, devendo a douta sentença ser revogada na parte em que homologou o presente processo de revitalização.

4. NULIDADE DA SENTENÇA de HOMOLOGAÇÂO DE PLANO, nos termos do n.º d) e e) do artº 615 do C.P.C.

5. No decorrer das negociações, foi apresentado o PLANO DE REVITALIZAÇÃO pela devedora, para votação a fls e que se dá reproduzido para os devidos efeitos legais.

6. O RECORRENTE, por entender, que o aludido Plano, é menos favorável de que a ausência de qualquer plano e ainda que o mesmo limita o seu direito em accionar as garantias que detém sobre terceiros votou contra, cfr documento n.º 1 que se junta e se dá reproduzido para os devidos efeitos legais.

7. Notificado da aprovação de plano o aqui Reclamante BBB requereu, ao abrigo do disposto no artº 215 º e 216º do CIRE, aplicável por força do seu artº 17º F n.º 5, a não homologação do Plano de Recuperação da devedora, cfr requerimento citius 1234022.

8. Requerimento, que deu entrada no tribunal, em 3 de Março de 2015, antes da homologação do aludido plano, por isso tempestivo!

9. O Plano de Recuperação, para além de só poder considerar-se aprovado, desde que mereça o voto favorável da maioria legal de credores (artº17 F3 e 212-1 do C.I.R.E), não deverá conter violação de normas legais, nos termos do art.º 215 e 216 do C.I.R.E caso em que o juiz terá de recusar a homologação.

10. O Juiz recusa ainda a homologação constando que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano artº 216 n.º 1 a) a ex. vi. artº 17º Fº n.º5.

11. Efectivamente, cfr se referiu no Requerimento de Recusa de Homologação que o Plano de Revitalização homologado estipula de forma clara e inequívoca como condição essencial e, não simples recomendação, o seguinte: “ será condição que a aprovação do presente plano implique, por parte dos credores, o não accionamento dos terceiros garantes (avalista/fiadores), concedendo-lhes as condições necessárias para que aqueles possam dedicar todo o seu tempo à efectiva recuperação da sociedade, único meio que verdadeiramente poderá possibilitar o ressarcimento dos créditos dos credores” cfr página 16 do Plano de revitalização, junto aos autos. “sublinhado e negrito nosso”.

12. A Homologação do plano, obsta a que o reclamante BBB., exerça o seu direito perante terceiros (avalistas/fiadores), pelo que o plano de recuperação, é assim quanto ao credor, BBB, notoriamente, menos favorável de que a ausência do aprovado plano de recuperação, violando assim o art.º 216 n.º 1 al) a do CIRE.

13. Alegou ainda, o Recorrente, BBB que o Plano de Revitalização, ao Impedir o exercício desses direitos "durante a vigência do Plano" esta a afectar os "direitos dos credores contra os terceiros garantes da obrigação", o que colide com o princípio consagrado no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE. Assim, contendo o plano de Revitalização da Devedora, uma cláusula contrária à lei, determina,” per si” que o mesmo não devia ser homologado, por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de revitalização.

14. O Recorrente, no seu requerimento de Não Homologação do plano de Revitalização, alegou e demonstrou em “termos plausíveis “os fundamentos constantes no artº 215 e alínea a) e b) do disposto no n.º 1 do artº 216 do CIRE, estando assim verificados os pressupostos para que o juiz se debruce sobre qualquer pedido nesse sentido, cfr se pode aferir do documento junto aos autos e, que se dá reproduzido para os devidos efeitos legais.

15. Uma vez apresentado, em tempo, pelo aqui Recorrente, manifesta oposição à aprovação do plano, nos autos, quer através do voto, quer do aludido requerimento de Recusa do Plano de Recuperação, a verdade é que douto Tribunal “a quo” não se pronunciou, quanto ao requerido.

16. Andou mal o Tribunal “a quo” ao omitir pronunciar-se sobre o requerimento apresentado, bem como sobre o preenchimento dos restantes pressupostos legais que se impunha!

17. Como tal, a sentença de que ora se recorre enferma de nulidade, nos termos do artigo termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

18. Efectivamente, trata-se de um vício de limite integrador de “error in judicio” consistente no silenciar uma questão que o tribunal deva conhecer.

19. Como vem julgando este Supremo Tribunal de Justiça “a omissão de pronúncia supõe a omissão de conhecimento de questão que o Tribunal deva conhecer por força do n.º 2 do artigo 660.º (que não o, de forma detalhada, abordar todos os argumentos, considerações, ou até juízos de valor, produzidos pelas partes) silenciando-as em absoluto.” – Acórdão de 20 de Junho de 2006 – 06 A1443. (cf. ainda, o Acórdão de 6 de Julho de 2006 – 06 A1838, entre outros: “A omissão de conhecimento, como causa de nulidade da decisão, implica o silenciar de qualquer das questões a que se refere o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil. Se a questão é abordado mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, que não “errore in procendo”).

20. Deve se assim concluir, sem qualquer dúvida, pela nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto o juiz deveria conhecer a questão que o Recorrente, em tempo, submeteu, à sua apreciação, e não o fez!

21. Caso assim não se entenda, o que apenas por hipótese de se admite, por cautela e dever de patrocínio, não pode o Recorrente, ainda assim, conformar-se com a douta sentença recorrida na parte em que homologou o plano de recuperação da Recorrida.

22. A douta sentença ao decidir nos termos em que o fez, violou o disposto nos art.º artº 213º, 214º, 215 e 216 n.º 1 a) e b) do CIRE, aplicáveis, in causa, por força do n.º 5 do artº 17º do mesmo diploma, devendo ser revogada e substituída por não aprovação do Plano de Recuperação.

23. O Plano de Revitalização da Devedora, estipula de forma clara e inequívoca como condição essencial e, não simples recomendação, “…o não accionamento dos terceiros garantes (avalista/fiadores), concedendo-lhes as condições necessárias para que aqueles possam dedicar todo o seu tempo à efectiva recuperação da sociedade, único meio que verdadeiramente poderá possibilitar o ressarcimento dos créditos dos credores” cfr página 16 do Plano de revitalização, junto aos autos.” sublinhado e negrito nosso”.

24. O Plano de Revitalização, aqui em causa, determina a manutenção de garantias, avales e outros existentes durante o período de execução do presente plano, sobre a revitalização e os seus avalistas, com compromisso de não execução dos mesmos pelos credores enquanto se mantiver o respectivo cumprimento.

25. Tal condição face ao disposto no n.º 4 do art.º 217, do CIRE, está condenada ao insucesso, uma vez que, por via do plano apresentado não poderá eximir os avalistas/fiadores ao cumprimento das responsabilidades assumidas perante os credores, a consequência da inclusão no plano de uma cláusula como aquela que se transcreveu, só pode ser a não homologação do plano.

26. Pois, caso assim não fosse, estaria assim posto em causa o disposto no art.º 217, n.º 4,.”…

27. Neste sentido, decidiu o STJ [Ac. de 26/02/2013,] que “a aprovação do plano de insolvência da sociedade subscritora da livrança…, onde passou a existir uma moratória para o cumprimento das suas obrigações, quanto ao pagamento dos seus débitos, não é invocável pelos respectivos avalistas, …contra quem o Banco portador da mesma livrança instaurou a … execução para obter o seu pagamento”.

28. E fundamentou esta conclusão afirmando que “o plano de insolvência é constituído por um conjunto de medidas que só se aplicam à sociedade insolvente”, já que “ao votar a favor do plano, o credor fá-lo apenas por se tratar de medidas aplicáveis a uma sociedade que está numa particular situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações para com os credores” e “não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são insolventes, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram” [no mesmo sentido, quanto aos efeitos da homologação do plano de insolvência relativamente à obrigação do avalista, decidiram os Acórdãos desta Relação do Porto de 12/09/2013, proc. 2021/11.9TBVCD-A.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Coimbra de 01/07/2014, proc. 1355/13.2TBLRA-A.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc;

29. E ainda, no sentido de que a autonomia da obrigação cartular impede que os acordos homologados em planos de insolvência ou em processos de revitalização impliquem consequente alteração daquela obrigação, se pronunciaram, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 26-02-2013 (Proc. 597/11.0TBSSB-A.L1.S1) e de 30-10-2014 (Proc. 16/13TBSCF-A.L1.A.S1), desta Relação, de 12.9.2013 (Proc. 2021/11.9TBVCD-A.P1), da Relação de Coimbra, de 01-07-2014 (Proc. 1355/13.2TBLRA-A.C1) e da Relação de Guimarães, de 30-05-2013 (Proc. 3308/08.3TBGMR-A.G1).

30. No entendimento do credo reclamante, BBB deveria o Meritíssimo juiz, “ a quo” recusar a homologação do plano de revitalização por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, de acordo com o artº 215 do CIRE ex vi 17 F n.º 5.

31. O plano em causa, apresenta uma cláusula ilegal, o que determina,” per si” que o mesmo não deva ser homologado, pois caso a mesma seja admitida, o que não se concebe, seria um expediente, através do qual os garantes se desonerariam das garantias que prestaram, ficando, os credores, nomeadamente, o Recorrente, impedido de exercer o seu direito sobre terceiros. Esta limitação ao exercício de legítimos direitos adquiridos dos credores é claramente violadora da lei e dos princípios basilares que regem a Constituição da República Portuguesa, como seja o disposto no seu art. 18.º, n.º 2.

32. O Meritíssimo juiz ao decidir, nos termos em que o fez violou o disposto nos artº 213º, 214º, 215 e 216 n.º 1 a) e b) do CIRE, aplicáveis, in causa, por força do n.º 5 do artº 17º do mesmo diploma, devendo a douta sentença ser revogada na parte em que homologou o presente processo de revitalização.

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A Apelada apresentou contra alegações pugnando pela improcedência das apelações interpostas.

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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar das invocadas nulidades da decisão recorrida por omissão de pronúncia e por condenação em objecto diverso do pedido e previstas no artigo 615, nº 1, al. d), e e), do C.P.C..

- Apreciar se a moratória estabelecida para o pagamento das dívidas garantidas pelos avalistas contidas no plano de recuperação viola o disposto no artigo 217, nº 4, do CIRE.

- Apreciar se a decisão recorrida homologatória do Plano de Recuperação viola o disposto no artigo 216, do CIRE, por virtude de o plano configurar uma situação menos favorável para o credor/recorrente, do que a que existiria na ausência de qualquer plano.

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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

O circunstancialismo fáctico e processual a ter em consideração para a decisão a proferir é, além do supra referido e constante do relatório do presente acórdão, o a seguir descrito:

A 05/03/2015, foi proferida nos autos a decisão homologatória do plano de revitalização junto aos autos com o seguinte teor:

“(…)

III.

O processo especial de revitalização é um processo com uma natureza híbrida, misto de negociação extrajudicial e aprovação judicialmente homologada. Destina-se a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização. É pois um processo negocial, tendente à obtenção de um acordo que conduza à revitalização do devedor. E decorre, essencialmente, entre o devedor e os seus credores, com intervenção de um administrador judicial provisório nomeado pelo Tribunal.

A intervenção do Tribunal neste processo negocial resume-se, grosso modo, e excluindo os actos de publicidade do processo e “depósito” dos documentos para consulta, à nomeação inicial do administrador judicial provisório (artigo 17.º-C, n.º 3, alínea a) do CIRE), à decisão sobre as impugnações da lista provisória de créditos (artigo 17.º-D, n.º 3 do CIRE), e à homologação (ou recusa) do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor (artigo 17.º-D do CIRE); ainda, caso seja encerrado o processo negocial sem que haja sido aprovado um plano de recuperação, declarar a insolvência caso o devedor se encontre nessa situação (artigo 17.º-G do CIRE).

Prevê o artigo 17.º-D, n.º 3 do CIRE que “a lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal CITIUS, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.

Nas alterações do CIRE que instituíram o processo especial de revitalização não se previu expressamente qual o direito subsidiariamente aplicável. A interpretação sistemática leva-nos, quase de imediato para o próprio Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diploma em que as regras foram inseridas. Aplicando a regra geral do artigo 549.º, n.º 1 do CPC, resultará que ao processo especial de revitalização, como processo especial que é, se aplicarão, em primeiro lugar, as regras próprias, em segundo lugar as disposições gerais e comuns, no caso, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, caso seja necessário, as regras do Código de Processo Civil sempre com o crivo do artigo 17.º do CIRE.

Tal obriga-nos sempre à indagação, quando nos deparamos com uma lacuna, de qual a filosofia e finalidade do instituto da revitalização e se, no caso concreto, tais finalidade e filosofia consentem a aplicação das regras subsidiárias, seja de primeira, seja de segunda linha, nos termos do artigo 9.º do Código Civil.

Da redacção do preceito acima citado – aliada à especialidade do processo de revitalização – afigura-se-nos ser resultado pretendido pelo legislador e visado com esta singela tramitação, que as impugnações sejam decididas pelo Juiz em acto seguido à apresentação das impugnações, sem contraditório, sem tentativa de conciliação, sem fixação de objecto da prova, sem julgamento, sem produção de prova que não a documental junta com a reclamação e com a impugnação da lista apresentada, afastando, em princípio, a aplicação subsidiária prevista no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para a verificação e graduação de créditos no âmbito de um processo de insolvência.

Daqui resulta, em suma, que a “impugnação” a que se refere a norma em apreço e a decisão que se lhe segue pouco têm que ver com a impugnação e decisão do processo de insolvência. Carvalho Fernandes e João Labareda (“CIRE Anotado”, 2.ª edição, Lisboa, Qui Júris, 2013, págs. 154 e sãs.) assinalam, precisamente, na linha do que se tem sustentado, como principais diferenças: a impugnação apenas afecta os créditos envolvidos, devendo todos os demais considerar-se assentes; não deve haver lugar a resposta às impugnações; e não há realização de quaisquer diligências de prova que não a apreciação de documentos que já se encontrem nos autos.

A eventual estranheza que este regime pode suscitar dissipa-se, todavia, quando consideramos o efeito da lista: uma vez que esta não impede a reclamação de créditos num futuro processo de insolvência, “a lista só é definitiva nos termos e para os efeitos do processo de revitalização” (Carvalho Fernandes e João Labareda, cit., pág. 159), ou seja, principalmente para formação e apreciação do quórum deliberativo, e não impede que as questões que eventualmente não tenham sido adequadamente discutidas no PER venham a ser novamente suscitadas, já com recurso a outras garantias processuais e meios probatórios, no processo de insolvência (cf. AA. citados, pág. 159, que assim sintetizam as suas ideias: “a impugnação de créditos e as subsequentes avaliação e decisão judiciais só podem ser suportadas em prova documental e esta última apenas tem carácter definitivo nos termos e para os efeitos do processo de revitalização em que se insere”).

Assim se compatibilizam os interesses em jogo, incluindo a celeridade do procedimento. E é esta a posição a que se adere e que se considera mais coerente com um processo de natureza negocial, que o legislador pretendeu abreviado, sem qualquer juízo declarativo quanto aos créditos (a única consequência para o processo de insolvência é a dispensa de reclamação – artigo 17.º-G, n.º 7 do CIRE).

E daí uma outra consequência de enorme importância: é irrelevante a natureza dos créditos, desde que não subordinados ou condicionais; e mesmo quanto a estes a sua relevância esgota-se no âmbito do artigo 212.º, n.º 1 do CIRE, por remissão do disposto no artigo 17.º-F, n.º 3, do mesmo diploma: há aprovação quando o plano obtém votos favoráveis de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, desde que nesta maioria estejam incluídos votos favoráveis de mais de metade dos credores por créditos não subordinados, não se considerando as abstenções. Deste modo, interessa saber se o crédito tem natureza subordinada ou não. Se não tiver natureza subordinada, é irrelevante saber se é comum, privilegiado ou garantido. E mesmo o carácter subordinado do crédito só releva nos termos do artigo 212.º, n.º 1 do CIRE.

Por fim, a decisão de homologação, por sua vez, não determina o valor dos créditos a pagar e não declara a existência ou inexistência de qualquer crédito.

O entendimento que se tem vindo a descrever revela-se ainda coerente com uma consideração transversal sobre os efeitos do PER: caso este se encerre sem aprovação/homologação e sem requerimento de insolvência, não há qualquer efeito da lista e das suas impugnações; havendo lista definitiva de créditos reclamados e sendo o processo convertido em processo de insolvência, o prazo j) do n.º 1 do artigo 36.º (prazo de reclamação de créditos fixado na sequência de declaração de insolvência) destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados no PER (cf. artigo 17.º-G, n.º 7 do CIRE).

Por outro lado, em caso de aprovação do plano, a decisão judicial homologatória – insiste-se – não determina o valor dos créditos a pagar e não declara a existência ou inexistência de qualquer crédito, não retira ou confere privilégios ou garantias de que os créditos beneficiassem ou deixassem de beneficiar. Apenas tem como efeito a vinculação ao cumprimentos nos precisos termos do plano.

IV.

Nos termos do artigo 32.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente e constitui, juntamente com as despesas em que incorra, um encargo compreendido nas custas do processo.

Entrou em vigor no passado dia 26.03.2013 a Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, que estabelece o estatuto do administrador judicial, a qual revogou a Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, e que veio dispor, quanto à remuneração do administrador judicial provisório em processo especial de revitalização, ter direito a uma remuneração de acordo com o montante estabelecido em portaria e ainda a uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor, considerando-se como tal o valor determinado com base no valor dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano conforme tabela específica constante da já referida portaria – cfr. artigo 23.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 da Lei n.º 22/2013.

A portaria referida não foi, até à data, publicada, mantendo-se, pois, em vigor a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, para a fixação da remuneração variável em função do resultado da liquidação, mas sem qualquer regra aplicável, em concreto, quer ao processo especial de revitalização, quer a plano de insolvência tendo por conteúdo a recuperação.

Recorde-se que o artigo 17.º-C, n.º 3, alínea a) do CIRE manda aplicar ao administrador judicial provisório as regras dos artigos 32.º a 34.º do CIRE, com as devidas adaptações, o que inclui o citado artigo 32.º, n.º 3 do CIRE.

Já se havia constatado, na vigência da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, a inadequação dos critérios previstos nos termos conjugados dos artigos 24.º e 22.º, n.º 1 (remuneração do administrador provisório) para os casos de Administrador Judicial Provisório em PER.

A inadequação e diferenciação de funções já deveriam conduzir a diverso critério para a fixação da remuneração: ponderando que o administrador em PER recebe reclamações de créditos e elabora relação provisória de credores, participa nas negociações entre o devedor e os credores, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade (artigo 17.º-D, n.º 3 e n.º 9 do CIRE), tem exclusiva competência para autorizar o devedor a praticar actos de especial relevo (artigo 17.º-E, n.º 2 do CIRE), atesta a aprovação do plano, em caso de aprovação, abre os votos e conta-os em conjunto com o devedor (artigo 17.º-F, n.º 1 e n.º 4 do CIRE) e em caso de não aprovação comunica tal ao processo, cabendo-lhe então, ouvido o devedor, emitir parecer no sentido de o devedor se encontrar ou não em estado de insolvência, requerendo, em caso afirmativo, a sua declaração de insolvência (artigo 17.º-G, n.º 1 e n.º 4 do CIRE), resulta claro que o factor relevante para o grosso das funções do administrador acaba por ser o número e natureza dos créditos, que determinam, quer a questão da feitura da lista, quer o decurso das negociações e contagem dos votos.

Assim, tem sido esse o critério determinante para a fixação da remuneração do administrador judicial provisório em PER. Na falta de melhor critério ou de quantificação precisa, notando a congruência do critério jurisprudencial com a actual lei na identificação dos créditos como factor determinante, é, ainda hoje, esse o critério que deverá continuar a seguir-se, já que a falta de disposição específica não pode ser impeditiva do pagamento do exercício efectivo de funções.

É à luz desse critério que se ouvirão os devedores e o senhor administrador judicial provisório relativamente à fixação da remuneração deste.

***

V.

Em face do decidido supra em “III.”, a lista provisória de credores tem-se por definitiva.

*

Nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 3 do CIRE, “considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º do CIRE, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.º 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida”.

No caso concreto, o quórum de aprovação é o correspondente a mais de dois terços da totalidade dos créditos constantes na lista definitiva, compreendendo mais de metade dos créditos não subordinados relacionados, o que se verifica (artigo 212.º, n.º 1 do CIRE).

O plano foi aprovado por credores representando 2/3 dos votos e metade correspondiam a créditos não subordinados.

Tendo em conta o plano de recuperação na sua última versão, não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo este quaisquer condições suspensivas ou quaisquer actos ou medidas que devem preceder a homologação (artigo 215.º do CIRE, aplicável ex vi artigo 17.º-F, n.º 5 do CIRE).

Assim sendo, nada obstando e tendo em conta o disposto no artigo 17.º-F, n.º 5 do CIRE, deverá o plano de revitalização ser homologado.

***

VI.

Em face do exposto, homologo pela presente sentença, nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5 e n.º 6 do CIRE, o plano de revitalização dos devedores.

A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artigo 17.º-F, n.º 6 do CIRE.

*

Custas pelos Requerentes com taxa de justiça reduzida a um quarto - artigos 17.º-F, n.º 7 e 302.º, n.º 1 do CIRE.

Valor da acção para efeitos de custas: o previsto no artigo 301.º do CIRE.

Registe, notifique e publicite nos termos dos artigos 37.º e 38.º, ex vi n.º 6 do artigo 17.º-F do CIRE.

(…)”.

Fundamentação de direito.

A questão suscitada pelo Recorrente DDD., relativa à nulidade do despacho proferido, tem de ser apreciada, naturalmente, com prevalência sobre as demais, pois que a sua eventual procedência implica, de facto, a nulidade da decisão proferida, conforme é por eles sustentado.

Invoca o Recorrente a violação, por parte da decisão recorrida, do disposto no art. 615º, nº 1, als. d) e e), do C.P.C., que abrange os casos de nulidade por omissão de conhecimento e conhecimento de objecto diverso do pedido.

O primeiro desses casos consiste no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer.

Quanto a este aspecto e como é consabido, tem constituído posição pacífica na doutrina a que vai no sentido de relacionar este vício da sentença com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, havendo, assim, de, por ele, ser integrado.

Daí que se possa afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

Daqui decorre que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie o divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.

Por outro lado, haverá condenação em objecto diverso do pedido quando aquela não tenha qualquer correspondência com a pretensão formulada em juízo, mesmo que a prestação em que o réu seja condenado tenha a mesma natureza identitária da prestação pedida, ou dito de outro modo, desde que determinada medida de tutela jurisdicional não tenha sido oportunamente pedida, o princípio dispositivo, que assegura à parte circunscrever o thema decidendum, obsta a que o tribunal dela conheça e a decrete.

Ora, aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não de algum destes invocados vícios, ou seja, se deixou se pronunciar sobre qualquer questão de que não pudesse conhecer ou se conheceu de objecto diverso daquele que constituía a pretensão formulada, como pretende o Recorrente.

Como fundamento da pretensão que deduz alegam os Recorrentes, em síntese, que notificado da aprovação de plano o aqui Reclamante BBB requereu, ao abrigo do disposto no artº 215 º e 216º do CIRE, aplicável por força do seu artº 17º F n.º 5, a não homologação do Plano de Recuperação da devedora, antes da respectiva homologação de tal plano.

O Plano de Recuperação, para além de só poder considerar-se aprovado, não deverá conter violação de normas legais, nos termos do art.º 215 e 216, do C.I.R.E., caso em que o juiz terá de recusar a homologação, designadamente, quando constate que o requerente demonstrou, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano, nos termos do artº 216 n.º 1 a) a ex. vi. artº 17º Fº n.º5, do CIRE.

Ora, conforme foi referido no aludido requerimento de Recusa de Homologação o Plano de Revitalização homologado, estipula de forma clara e inequívoca como condição essencial e, não simples recomendação, o seguinte: “ será condição que a aprovação do presente plano implique, por parte dos credores, o não accionamento dos terceiros garantes (avalista/fiadores), concedendo-lhes as condições necessárias para que aqueles possam dedicar todo o seu tempo à efectiva recuperação da sociedade, único meio que verdadeiramente poderá possibilitar o ressarcimento dos créditos dos credores” cfr página 16 do Plano de revitalização, junto aos autos.”

Assim, em seu entender, a Homologação do plano, obsta a que o BBB., exerça o seu direito perante terceiros (avalistas/fiadores), pelo que o plano de recuperação, é assim quanto ao credor, BBB, notoriamente, menos favorável de que a ausência do aprovado plano de recuperação, violando assim o art.º 216 n.º 1 al) a do CIRE.

Mais alegou o Recorrente, BBB que o Plano de Revitalização, ao Impedir o exercício desses direitos “durante a vigência do Plano” está a afectar os “direitos dos credores contra os terceiros garantes da obrigação”, o que colide com o princípio consagrado no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE, pelo que, contendo o plano de Revitalização da Devedora, uma cláusula contrária à lei, determina, ”per si” que o mesmo não devia ser homologado, por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de revitalização.

Em decorrência, conclui o Recorrente que, tendo alegado e demonstrado no seu Requerimento de Não Homologação do Plano de Revitalização, em “termos plausíveis“, os fundamentos constantes no artº 215 e alínea a) e b) do disposto no n.º 1 do artº 216 do CIRE, estando assim verificados os pressupostos para que o juiz se debruce sobre qualquer pedido nesse sentido, conforme se pode aferir do documento junto aos autos, mal andou o Tribunal “a quo” ao omitir pronunciar-se sobre o teor do requerimento apresentado, bem como sobre o preenchimento dos restantes pressupostos legais, como se impunha, enfermando, por consequência, a decisão recorrida de uma nulidade, nos termos do artigo termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Ora, atentando em tudo o acabado de expender, parece-nos de todo evidente que, sem embargo da linearidade do juízo jurídico substantivo ou das conclusões jurídicas inequivocamente extraídas no despacho recorrido, que vão no sentido da homologação do Plano de Recuperação da devedora, analisada a decisão recorrida à evidência se constata que ela é completamente omissa quanto tratamento das questões previamente suscitadas pela Recorrente em sustentação da não homologação de tal Plano de Recuperação, não tendo sido efectuada na fundamentação do despacho qualquer análise tendente a concluir pela acuidade ou pela irrelevância de todas essas questões como fundamento da não homologação do Plano, sendo, efectivamente, tal decisão completamente omissa quanto a todos esses aspectos.

Destarte, na inexistência de mais quaisquer considerações no despacho recorrido sobre este aspecto, desde logo se conclui, por um lado, que nele se não materializa qualquer análise das questões suscitadas pelo Recorrente como fundamento da sua manifestada pretensão de não homologação do Plano de Recuperação, resultando, assim, com linear clareza, uma efectiva omissão que, obviamente, acarreta a nulidade de tal despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1, do artigo 615.º e do n.º 3, do artigo 613.º, ambos do CPC.

E assim sendo, dúvidas não restam, pois, de que, em face do estatuído no artigo 615, nº 1, alínea d), do C.P.C., o despacho recorrido se encontra afectado por vícios que originam a sua nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia.

Aqui chegados, cumprirá então chamar à colação o disposto no artigo 665º, nº 1), do C.P.C., em que se estipula que “ainda que se declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação”.

Assim, e pese embora se nos afigure que o tratamento uniforme por parte do legislador de todas as nulidades de sentença pode conduzir, em alguns casos, a situações em que de uma forma manifesta se viola um grau de jurisdição, passemos então a analisar da sua aplicabilidade na presente situação.

Para haver uma reapreciação por parte do tribunal de recurso, necessário se revela que tenha havido uma primeira apreciação sobre a matéria de facto em causa, pois que, e como é evidente, na ausência da fixação de toda ou de parte dessa matéria de facto, ou da disponibilidade dos elementos probatórios que a permitam fixar, não pode este tribunal de recurso, por um lado, e desde logo, exercer o poder censório quanto à própria matéria de facto tida por provada, e, por outro, fixar a demais factualidade que se afigure necessário e ainda não fixada, bem como e, por último, estará também impossibilitado de proceder ao controle do próprio direito aplicado e aplicável.

Os conflitos de interesses entre as partes e as relações materiais controvertidas traduzem-se em factos, sendo em razão destes que se aplica o direito, razão pela qual, apenas na falta absoluta ou parcial da matéria alegada e relevante para o conhecimento do direito invocado, não será possível conhecer se foi bem ou mal aplicado o direito correspondente, nem proceder à sua aplicação com a incontornável correcção que se exige.

- Isto assente, passemos então à análise da primeira questão substancial suscitada pelos Recorrentes consistente na de saber se a supra mencionada cláusula ínsita no plano de recuperação viola o disposto no artigo 217, nº 4, do CIRE.

Assim, e mais concretamente, a questão em apreço nos autos a mais se não subsume do que na de aquilatar da validade da cláusula contida no plano de recuperação apresentado, estipula de forma clara e inequívoca como condição essencial “(…) o não accionamento dos terceiros garantes (avalistas/fiadores), concedendo-lhes as condições necessárias para que aqueles possam dedicar todo o seu tempo à efectiva recuperação da sociedade, único meio que verdadeiramente poderá possibilitar o ressarcimento dos créditos aos credores. ”

Como é consabido, e cumprirá, desde já referir, a homologação do plano de recuperação aprovado pelos credores traduz o culminar e concretização do fim visado com a criação, no âmbito do CIRE, através das alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20/04, que aditou um novo capítulo, o II, ao título I, constituído pelos arts. 17º-A a 17º-I], do processo especial de revitalização, como resulta do disposto nos seus arts. 17º-A nº 1 e 17º-F nº 6.

O primeiro destes preceitos estabelece que “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização”; o segundo dispõe que “a decisão do juiz [decisão homologatória do plano aprovado] vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (…)”, levando ao termo daquele processo especial.

Dos artigos 17º-A a 17º-I que regulam o processo especial de revitalização não consta, porém, norma equivalente à que o nº 4 do art. 217º contém para a homologação do plano de insolvência, sendo que, apesar das diferenças entre o processo de revitalização e o processo de insolvência e entre o plano de recuperação e o plano de insolvência, poderá dizer-se que o plano de recuperação [tal como o plano de insolvência] “contém um conjunto de medidas que se aplicam à sociedade a revitalizar” [no segundo caso, à sociedade insolvente]”, que esse plano vincula-a e vincula os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações (…), mas só vincula os credores relativamente à sociedade requerente e não relativamente aos terceiros, (…)”, sejam estes condevedores ou garantes, designadamente avalistas. “Os credores votam o plano que é aprovado, atendendo à particular posição da sociedade que se encontra numa situação económica difícil ou de insolvência iminente (…), estando os garantes fora do âmbito da revitalização e do que nesta se delibera”. Cfr Acórdão da Relação de Guimarães de 05/12/2013, proc. 2088/12.2TBFAF-B.G1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg.

Assim, atento a que estas características são em tudo idênticas às que se verificam no plano de insolvência, cujos efeitos não aproveitam (não são extensíveis), nem podem ser invocados pelos condevedores nem pelos garantes do devedor/insolvente, cingindo-se os mesmos às relações entre este e os seus credores, haverá de conclui-se que a norma do nº 4 do art. 217º do CIRE é também aplicável, com as necessárias adaptações, por interpretação extensiva, ao plano de recuperação. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 05/12/2013, proc. 2088/12.2TBFAF-B.G1, disponível in www.dgsi.pt e Isabel Menéres Campos, em anotação constante dos Cadernos de Direito Privado, nº 46, Abril/Junho de 2014, a pgs. 61 e segs.

Isto assente, temos que, com os fundamentos supra expendidos, alegam os Recorrentes que a aludida cláusula ora em referência do Plano de Recuperação violará a estipulação contida neste último preceito do CIRE – artigo 217, do CIRE.

Abundantemente debatida na jurisprudência continua a ser a questão de saber se a modificação no crédito gerada com a aprovação e homologação de um plano de revitalização (ou plano de insolvência) se reflecte e transmite aos respectivos avalistas, beneficiando-os, questão que não tem sido objecto de tratamento unívoco e líquido na jurisprudência e doutrina nacionais, havendo quem lhe dê resposta afirmativa Cfr. Acs. RG de 24-02-2012 e de 24-04-2014, Ac.RP de 12-02-1996 e “CIRE Anotado” de Luís Martins, p.466 e ss, o qual admite se reflicta nos avalistas nos condicionalismos aí mencionados, designadamente de manutenção do título cambiário dentro das relações imediatas., e uma outra corrente de sentido negativo Cfr. Ac. R.G. de 05-02-2013 e Ac. STJ de 26-02-2013..

Para os que defendem a primeira orientação entende-se que com a aprovação e homologação do plano de revitalização nasce uma nova dívida suportada num novo título, com novos valores e prazos, na grande maioria das vezes com a anuência do próprio credor – instituição financeira.

Argumenta-se em sustentação desta tese não ser aceitável que, com base no título primitivo, o credor vá executar o avalista obtendo o ressarcimento do seu crédito por dois lados e de forma diferente (prazos, garantias, juros etc.), podendo ler-se no Acórdão Relação de Guimarães datado de 24.02.2012, a propósito do plano de insolvência, que “(…) a aprovação do plano da insolvência, no qual esse crédito foi aprovado e qualificado como crédito privilegiado, devendo ser pago na íntegra no prazo de 8 anos, alterando o prazo do cumprimento da obrigação, do que beneficia o avalista, torna inexigível a obrigação exequenda, por causa superveniente, devendo ser julgada extinta a instância executiva (…).” Cfr. Acórdão Relação de Guimarães datado de 24.02.2012, proc. n.º 1248/10.5TBBCL-A.G2, in www. Dgsi.pt.

Esta posição jurisprudencial, claramente minoritária, contraria, em nosso entender, os princípios gerais e fundamentais do nosso direito e vigentes na nossa ordem jurídica.

Em sentido contrário, perfila-se o entendimento segundo o qual se entende que “o aval é um negócio jurídico cambiário autónomo, que faz nascer uma obrigação materialmente autónoma, dependente da obrigação principal apenas quanto ao aspecto formal” Cfr. FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, volume III, Universidade de Coimbra, 1975, pág. 215., do que necessariamente se infere que qualquer alteração que possa existir na obrigação garantida pelo aval, por força de um qualquer plano de revitalização, é irrelevante para a obrigação dos aqui executados, que continuam vinculados ao pagamento da dívida nos termos em que a assumiram quando deram o aval.

Para os defensores desta posição jurisprudencial “tratando-se de uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente, não poderá, em nosso juízo, o avalista valer-se da renovação/prorrogação do contrato de abertura de crédito para se desobrigar de uma obrigação que, pela sua abstracção e literalidade, se emancipou da relação subjacente para subsistir como obrigação independente e autónoma. O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente”. Cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2013, de 11/12/2012, proferido na revista nº 5903/09.4TVLSB.L1.S1 e publicado no Diário da República, 1.-ª série, n.º 14, de 21/01/2013, a págs. 433 e ss..

Do acabado de expender, como inequívoco resulta que a questão objecto de debate na jurisprudência (de saber se a modificação no crédito gerada com a aprovação e homologação de um plano de revitalização (ou plano de insolvência) se reflecte e transmite aos respectivos avalistas assenta, em nosso entender, na caracterização jurídica da figura do aval e, em particular, da sua autonomia no que concerne à relação subjacente.

Sendo o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário de uma letra garante o seu pagamento por parte de um dos seus subscritores – art. 30 da LULL, aplicável às livranças por força do seu art. 77 - a sua função é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, destinada a cobri-la e caucioná-la, em ordem a garantir o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário.

Por decorrência, o aval é um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma da do obrigado cambiário, pois que, o avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado, tendo a responsabilidade do avalista a mesma extensão e o conteúdo da obrigação da pessoa por ele afiançada.

A obrigação do avalista é, assim, uma obrigação materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente da do avalizado, pois o avalista responsabiliza-se pela pessoa que avaliza, assumindo a responsabilidade, abstracta e objectiva, pelo pagamento do título, subsistindo, no entanto, a sua obrigação independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de um vício de forma – Cfr. art. 32 da LULL.

Como se escreve no aludido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2012, “tratando-se de uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente, não poderá o avalista valer-se da renovação/prorrogação do contrato de abertura de crédito para se desobrigar de uma obrigação que, pela sua abstracção e literalidade, se emancipou da relação subjacente para subsistir como obrigação independente e autónoma”, havendo assim de concluir-se que o avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado, mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito, ou dito de outro modo, a obrigação assumida pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente, razão pela qual, constitui uma obrigação autónoma e independente, respondendo como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança.

E assim se torna entendível e justificável para quem o defende, que o facto de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não determine ou imponha que tais situações se transmitam à obrigação cambiária, a qual, não obstante essas circunstâncias, se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo, designadamente, o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra.

A responsabilidade do avalista é assim uma responsabilidade solidária, podendo ser chamado a cumprir a obrigação de pagamento independentemente da excussão prévia dos bens do avalizado, como resulta do art. 47º da LULL. Deste preceito resulta que a obrigação do avalista e do avalizado perante o credor cambiário é solidária, apesar de entre um e outro (avalista e avalizado) existir uma relação de subsidiariedade (podendo por isso o avalista, satisfazendo a obrigação, exercer direito de regresso contra o avalizado – art. 32º, § 3 da LULL).

Por decorrência, e como impressivamente se escreve no citado Acórdão do S.T.J., de 26/02/2013 Cfr. Acórdão do S.T.J., de 26/02/2013, in www.dgsi.pt., “a circunstância da relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária”, permanecendo, a relação cambiária constituída “independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal”.

(…)

Como se refere nesse mermo aresto “esta doutrina da autonomia da obrigação do avalista está conforme e harmoniza-se perfeitamente com o preceituado no art. 217, nº4, do CIRE, onde se estabelece:

“As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos”.

(…)

Na verdade, o plano de insolvência é constituído por um conjunto de medidas que só se aplicam à sociedade insolvente.

Ao votar a favor de tal plano, o credor fá-lo apenas por se tratar de medidas aplicáveis a uma sociedade que está numa particular situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações para com os credores.

Não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são insolventes, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram.

Com efeito, o credor do insolvente, ao votar favoravelmente um plano de insolvência, fá-lo apenas em relação ao insolvente.

Os garantes estão fora do âmbito da insolvência e do que nesta se delibera”.

(…)

De tudo resulta que, “(…) sendo o plano de insolvência constituído por um conjunto de medidas que só visa a sociedade insolvente, regulando os termos e condições em que os débitos dele constantes irão ser pagos e não sendo as obrigações dos condevedores do insolvente ou dos terceiros garantes, afectadas por aquele plano – art. 217º, nº 4, do CIRE – o facto do credor não poder exigir à insolvente o pagamento do seu crédito, para além dos termos aí acordados, não é impeditivo de poder exigir a totalidade do crédito nos termos em que o podia fazer anteriormente a esse plano aos avalistas da insolvente”, até porque “aplicando-se o plano de insolvência somente à sociedade insolvente que está impossibilitada de cumprir as suas obrigações nada impede que o credor accione os avalistas com vista ao cumprimento da obrigação que assumiram em consequência do aval prestado”. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 01/07/2014, proc. 1355/13.2TBLRA-A.C1, inwww.dgsi.pt.

Incontroverso resulta, assim, que a aprovação e homologação, no competente processo, do plano de insolvência não produz efeitos na obrigação do avalista que continua obrigado ao pagamento da dívida cartular, nos precisos termos em que se vinculou quando apôs o seu aval no título de crédito, não podendo invocar a seu favor a moratória e/ou o parcial perdão da dívida ali concedido pelos credores ao insolvente, seu avalizado.

Na verdade, diversa desta era a solução acolhida no anterior CPEREF [Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência] – revogado pelo CIRE - que, no art. 63º, prescrevia que, quando tivessem votado favoravelmente ou aceitassem alguma providência de recuperação, os credores ficavam afectados nos seus direitos contra os co-obrigados e os garantes “na medida da extinção ou modificação dos respectivos créditos”.

Mas “o legislador (…) esteve atento [às críticas apontadas a tal solução] e houve por bem considerar os reparos, modificando a orientação, de sorte que agora, seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem e no regime de responsabilidade originário”.

Estes (os condevedores e os garantes) é que “independentemente do que paguem, apenas poderão exigir pela via de regresso o que, homologado o plano, o próprio credor poderia solicitar ao devedor e nos termos e condições que o próprio plano estabeleceu – ou que dele decorrem por determinação legal”. Cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., anotação 12 ao art. 217º, pgs. 724-725.

De tudo o exposto inequivocamente decorre então que o plano de recuperação aprovado e homologado no processo de revitalização só diz respeito e só vincula os credores e o devedor que se apresentou à revitalização (ao respectivo processo) e que o aí acordado quanto à dívida deste (prorrogação do prazo de pagamento, perdão parcial, períodos de carência, etc.) não é extensível às obrigações dos condevedores nem dos garantes, nem por estes invocável, permanecendo as obrigações destes inalteradas.

E assim sendo, como inequívoco resulta que, mesmo constando de um concreto Plano de Recuperação uma cláusula reguladora dos termos e condições de pagamento dos débitos, designadamente, estabelecendo uma moratória para o cumprimento das suas obrigações por parte do devedor insolvente, não é invocável pelos respectivos avalistas, e, portanto, também não vincula os credores, nada os impedindo, portanto, de accionar os avalistas com vista ao cumprimento da obrigação que assumiram em consequência do aval prestado.

Logo, “se a dívida em questão se encontra garantida por aval, considerando, (…), os princípios da autonomia, da incorporação e da independência da obrigação do avalista e também o disposto nos arts. 30º e 32º da LULL, conserva o credor todos os direitos de acção em relação aos avalistas, ainda que o plano de revitalização preveja a modificação dos créditos, designadamente, alteração do plano de pagamentos, perdões, períodos de carência, podendo accioná-los para cobrança da totalidade da dívida e não podendo os avalistas opor as providências previstas no plano. Na verdade, a obrigação do avalista é solidária em relação à obrigação do avalizado, conservando o credor, em resultado dessa solidariedade, o direito de exigir a prestação por inteiro”. Cfr. Isabel Menéres Campos, ob. cit., pg. 65.

E isto porque, “o preceituado no nº 4 do art. 217º do CIRE, por contraposição à anterior norma do art. 63º do CPEREF, tem a clara intenção de estimular os credores a aprovarem um plano, não lhes tolhendo os direitos contra os co-obrigados” e que “aplicando a mesma lógica de raciocínio, pensamos que a intenção do legislador, ao consagrar o processo de revitalização, não foi a de impedir, diminuir ou extinguir as garantias pessoais de que os seus créditos beneficiavam”. Cfr. Isabel Menéres Campos, ob. cit, pgs. 66-67.

É que, e como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 7/10/2014, “ao de o credor que aceita um dado plano de revitalização fá-lo porque conhece as dificuldades de solvência da empresa devedora o que o obriga a fazer concessões com protelamento de pagamentos; porém, essa predisposição não ocorre em relação aos avalistas sobretudo quando estes não enfermam da mesma dificuldade em cumprir compromissos assumidos.

Por isso, qualquer credor que votar favoravelmente um plano de revitalização fá-lo em função daquele devedor e das dificuldades deste mas não pretende abdicar das garantias que o avalista lhe proporciona; doutro modo, seria, em muitos casos, possivelmente outro o seu sentido de voto.

Donde, a própria função do plano de revitalização no sentido de procurar viabilizar a empresa que a ele recorre ficaria prejudicada caso o credor tivesse que arcar com o ónus de amenizar pagamentos, nomeadamente no que aos prazos concerne, não apenas relativamente aqueles que directamente negoceiam no âmbito de tal plano mas também com garantes, avalistas, que nada têm a ver com os pressupostos e a ponderação desse plano.

(…)

Em conclusão: o avalista não pode invocar perante o portador da livrança as providências previstas no plano de revitalização do avalizado”. Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 7/10/2014, proferido no processo nº 3803/13.2TBGDM-A.P1, www.dgsi.pt.

Mas, como decorre com linear clareza do teor de todos o acórdãos citados, e em que foram defendidas as posições jurisprudenciais acabadas de citar, o que estava em causa era saber se o exequente pode exigir aos avalistas o pagamento imediato da livrança dada à execução, após o acordado no plano de insolvência da subscritora da livrança, ou seja, se os avalistas podem defender-se com a excepção do plano de insolvência, com moratória no pagamento da dívida.

E como se afirma no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, de 26/02/2013, sendo a obrigação do avalista uma obrigação materialmente autónoma, por via dessa autonomia, como também aí se diz, “o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento (Vaz Serra, R.L.J, Ano 113, pág. 186, nota 2; Ac. S.T.J. de 23-1-86, Bol. 353, pág. 485; Ac. S.T.J. de 27-4-99, Col. Ac. S.T.J., VII, 2º, 68; Ac. S.T.J. de 19-6-2006, Col. Ac. S.T.J., XV, 2º, 118)”, e daí que se compreenda que neste aresto se haja concluído que “… a aprovação do plano de insolvência da sociedade subscritora da livrança, …, onde passou a existir uma moratória para o cumprimento das suas obrigações, quanto ao pagamento dos seus débitos, não é invocável pelos respectivos avalistas, ora recorrentes, contra quem o Banco portador da mesma livrança instaurou a presente execução para obter o seu pagamento”.

Todavia, o que está em causa na presente situação, não é a possibilidade de o apelante demandar os avalistas exigindo deles o pagamento do seu crédito.

E tanto não está que os apelantes reclamaram os créditos e os mesmos foram considerados no Plano de Recuperação aprovado e homologado, pelo que, a questão controvertida consistirá em saber se o plano de revitalização aprovado não afecta a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, ou seja, se legítima a aprovação uma moratória quanto à possibilidade de o avalista ser executado.

Mas essa circunstância, em nosso entender, não altera as conclusões supra expendidas atinentes às situações em que o avalista se defende invocando a aprovação do plano de insolvência da sociedade subscritora da livrança, onde passou a existir uma moratória para o cumprimento das suas obrigações, quanto ao pagamento dos seus débitos, pois que, dificilmente se poderia entender que o terceiro avalista não pudesse invocar perante o portador da livrança as providências previstas no Plano de Revitalização do devedor avalizado, também, e simultaneamente, se admitisse que o Plano pudesse acolher medidas limitadoras dos direitos dos credores contra tais terceiros garantes.

Como se deixou dito, representando o aval – enquanto obrigação cambiária autónoma – uma garantia patrimonial adicional, na medida em que os avalistas afectam os seus patrimónios pessoais ao cumprimento da obrigação cambiária do subscritor da livrança, não poderá um concreto “plano” destruir tais garantias/avais prestados, pois que, o “plano” de recuperação não pode retirar aos credores o direito de exigir dos avalistas o pagamento da totalidade dívida a que estes se obrigaram nos termos originários, ou seja, as obrigações dos condevedores da insolvente/pré-insolvente ou de terceiros garantes não podem ser afectadas pelo “plano”, sob pena de clara violação do disposto no art. 217º, nº4, do CIRE.

Ora, à luz de tudo quanto se expôs, como inequívoco se nos afigura que que em situações em que no plano de recuperação sejam apenas estipuladas medidas de moratória quanto ao pagamento do crédito da empresa devedora, motivadas pelas dificuldades de solvência desta, e não também dos avalistas, que não enfermam da mesma dificuldade em cumprir compromissos assumidos, por não serem transmissíveis ao avalistas, não violam, portanto, o disposto nos artigos 32º da LULL e 217º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Todavia, bem diversas serão aquelas situações, como a presente, em que o Plano de Revitalização homologado estipula de forma clara como condição essencial, que “ será condição que a aprovação do presente plano implique, por parte dos credores, o não accionamento dos terceiros garantes (avalista/fiadores), concedendo-lhes as condições necessárias para que aqueles possam dedicar todo o seu tempo à efectiva recuperação da sociedade, único meio que verdadeiramente poderá possibilitar o ressarcimento dos créditos dos credores”.

Na verdade, à evidência resulta que, como e bem alegam os Recorrentes, nesta situação, o Plano de Revitalização, ao impedir o exercício desses direitos “durante a vigência do Plano” está a afectar os “direitos dos credores contra os terceiros garantes da obrigação”, colidindo, dessa forma, com o princípio consagrado no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE.

Com efeito, sendo os responsáveis avalistas terceiros quanto a este processo (embora administradores da revitalizada) e ainda que apenas esteja em causa uma moratória (prejudicial para os credores, na medida em que, eximindo aqueles, priva estes do recebimento dos respectivos juros, contudo sem efectivo benefício para o devedor, que, saliente-se, não é avalista mas subscritor do título cambiário) e não a existência e propriamente o montante da dívida avalizada (o capital titulado), não pode o Plano dispor contra os interesses e a vontade dos apelantes incidentes na sua relação com os garantes, nem a decisão, portanto, homologar uma cláusula a limitar o exercício de direitos (de crédito e de acção) que aqueles sempre estariam impedidos de invocar, nos termos do nº 4, do citado artº 217º, e que, portanto, violadora de tal norma, sempre lhes seria inoponível.

Como refere Isabel Menéres Campos, “o preceituado no nº 4 do art. 217º do CIRE, por contraposição à anterior norma do art. 63º do CPEREF, tem a clara intenção de estimular os credores a aprovarem um plano, não lhes tolhendo os direitos contra os co-obrigados” e que “aplicando a mesma lógica de raciocínio, pensamos que a intenção do legislador, ao consagrar o processo de revitalização, não foi a de impedir, diminuir ou extinguir as garantias pessoais de que os seus créditos beneficiavam”. Cfr. Isabel Menéres Campos, em anotação concordante ao Ac. da Rel. de Guimarães atrás referenciado, constante dos Cadernos de Direito Privado, nº 46, Abril/Junho de 2014, a pgs. a pgs. 66-67.

Assim, a estipulação no plano de recuperação em causa de moratória quanto ao pagamento do crédito dos Apelantes viola, inequivocamente, o disposto no artigo 217º, n.º 4, do CIRE.

Destarte, e por tudo o exposto, na procedência das presentes apelações, decide-se revogar a decisão recorrida no concernente à homologação do plano de recuperação, e, por decorrência dos fundamentos acabados de expender, não se procede à respectiva homologação.

Sumário – artigo 663, nº 7), do C.P.C.

I- Nas situações de nulidade da decisão, o tribunal de recurso apenas deve conhecer do objecto da apelação, nos termos do disposto no artigo 665, nº 1, do C.P.C., se tiver sido fixada toda a matéria de facto necessária para o efeito, ou do processo constarem todos os elementos que permitam a sua fixação, pois só nesses casos o tribunal de recurso, pode exercer o poder censório quanto à matéria de facto tida por provada e sobre o próprio direito aplicado e aplicável.

II- A instituição do processo especial de revitalização representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime da insolvência com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses colectivos dos credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos.

III- A prossecução deste desiderato - da revitalização de devedores -, terá de ser mediada com a salvaguarda dos direitos dos credores contra situações de imposição de abusivos ou desproporcionais prejuízos, comprometedoras de uma razoável, equitativa e equilibrada satisfação desses seus interesses ou direitos, que, indubitavelmente, são também de fulcral relevância para o bom funcionamento da economia, que constitui o verdadeiro interesse público.

IV- Assim, a homologação de medida que estabelece uma moratória no pagamento da dívida de avalistas, ao impedir o exercício desses direitos “durante a vigência do Plano” está a afectar os “direitos dos credores contra os terceiros garantes da obrigação”, constitui uma violação do n.º 4 do artigo 217º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida no concernente à homologação do plano de recuperação, e, por decorrência dos fundamentos supra expendidos, não se procede à sua homologação.

Custas pela Recorrido.

Guimarães, 24/09/2015.

Jorge Alberto Martins Teixeira

Jorge Miguel de Pinto Seabra

José Fernando Cardoso Amaral

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Cfr Acórdão da Relação de Guimarães de 05/12/2013, proc. 2088/12.2TBFAF-B.G1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg.

Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 05/12/2013, proc. 2088/12.2TBFAF-B.G1, disponível in www.dgsi.pt e Isabel Menéres Campos, em anotação constante dos Cadernos de Direito Privado, nº 46, Abril/Junho de 2014, a pgs. 61 e segs.

Cfr. Acs. RG de 24-02-2012 e de 24-04-2014, Ac.RP de 12-02-1996 e “CIRE Anotado” de Luís Martins, p.466 e ss, o qual admite se reflicta nos avalistas nos condicionalismos aí mencionados, designadamente de manutenção do título cambiário dentro das relações imediatas.

Cfr. Ac. R.G. de 05-02-2013 e Ac. STJ de 26-02-2013.

Cfr. Acórdão Relação de Guimarães datado de 24.02.2012, proc. n.º 1248/10.5TBBCL-A.G2, in www. Dgsi.pt.

Cfr. FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, volume III, Universidade de Coimbra, 1975, pág. 215.

Cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2013, de 11/12/2012, proferido na revista nº 5903/09.4TVLSB.L1.S1 e publicado no Diário da República, 1.-ª série, n.º 14, de 21/01/2013, a págs. 433 e ss..

Cfr. Acórdão do S.T.J., de 26/02/2013, in www.dgsi.pt.

Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 01/07/2014, proc. 1355/13.2TBLRA-A.C1, inwww.dgsi.pt.

Cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., anotação 12 ao art. 217º, pgs. 724-725.

Cfr. Isabel Menéres Campos, ob. cit., pg. 65.

Cfr. Isabel Menéres Campos, ob. cit, pgs. 66-67.

Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 7/10/2014, proferido no processo nº 3803/13.2TBGDM-A.P1, www.dgsi.pt.

Cfr. Isabel Menéres Campos, em anotação concordante ao Ac. da Rel. de Guimarães atrás referenciado, constante dos Cadernos de Direito Privado, nº 46, Abril/Junho de 2014, a pgs. a pgs. 66-67.