Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
781/17.2T9VRL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
LIVRETE INDIVIDUAL
CONTROLO DE ACTIVIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O Dec. Lei nº 237/07, de 19/06, procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva nº 2002/15/CE de 11/03, e regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR).

II - Os condutores de veículos ao serviço das empresas que se dedicam ao transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, relativamente aos veículos não dispensados de tacógrafo, estão sujeitos ao registo dos tempos de trabalho com recurso a este, nos termos do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, alterado pelo regulamento (CE) n. 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006.

III - O restante pessoal móvel, incluindo condutor, que na viagem em causa não exerça nem vá exercer essa função, deve proceder ao registo através do LIC (livrete individual de controlo), nos termos do artº 4 do D.L. 237/07 e portaria 983/07 de 27/08.
Se o horário for fixo deve ainda dar-se cumprimento ao artigo 2º da referida portaria.
Decisão Texto Integral:
O MºPº veio interpor recurso da decisão proferida pelo tribunal T. de Vila Real, que julgando procedente a impugnação absolveu a arguida X – VIAGENS E TURISMO, Lda, da contraordenação muito grave prevista nos termos do disposto no artigo 4º, nº.1 e 2 do Decreto-Lei nº. 237/2007, de 19/06, em conjugação com o estabelecido nos arts. 1 e 3º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de agosto, e punida nos termos da alínea a) do nº. 3 do art. 14º do referido Decreto-Lei nº. 237/2007 e alínea b) do nº. 4 do art. 554º do Código do Trabalho.

A ACT havia condenado a arguida como autora da referida contraordenação na coima de € 3.500.

Em síntese invoca a recorrente:

(…)
3ª) Em razão de tal concreta atividade laboral de que, na correspondente viagem, fora incumbido e que executava/vinha executando, o referido trabalhador integrava, para os efeitos previstos na cit. Portaria nº 983/2007, o pessoal afeto à exploração daquele veículo automóvel;
4ª) Devendo ser considerado também trabalhador móvel, na medida em que fazia parte do pessoal viajante ao serviço da arguida/entidade empregadora (cfr. artº 2º, alínea d) do DL nº 237/2007, de 19/06);
5ª) E não estando então adstrito à condução do veículo onde viajava, encontrava-se o mesmo trabalhador sujeito ao registo em LIC do respetivo tempo de atividade laboral (cfr. artº 3º da cit. Portaria nº 983/2007);
(…)
7ª) A circunstância, meramente formal, de um trabalhador de empresa de transportes possuir a categoria profissional de motorista de autocarros não tem a virtualidade de, por si só, o dispensar de registar em LIC o respetivo tempo de trabalho, em caso de afetação do mesmo, pela entidade empregadora, a atividade laboral executada/a executar a bordo de veículo de passageiros por si explorado e que não envolva/exclua a condução;
(…)
9ª) Evidenciando a ponderação contrária, plasmada na mesma sentença – mormente o de que o registo dos tempos de atividade laboral do trabalhador em causa deveria ser feito através de tacógrafo e não de LIC, pelo simples facto de (ele) possuir a categoria profissional de motorista, independentemente de ser outra a atividade laboral a que, à data dos factos, se encontrava adstrito e desempenhava –, errada interpretação e consequente desaplicação dos atrás citados preceitos legais;
(…)
*
A recorrida não contra-alegou.
O Exmº PGA deu parecer no sentido da procedência aderindo às contra-alegações.
***
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

1. A arguida é uma sociedade por quotas, com o NIPC nº … e objeto “Transportes Nacionais e Internacionais de Passageiros”.
2. No dia 15 de setembro de 2016, pelas 11H15, a arguida mantinha em circulação na rotunda de acesso à A-27, Portela de Stª Eulália, Ribeira de Pena, Distrito e comarca de Vila Real, o veículo pesado de passageiros de matrícula TT, sua propriedade.
3. O referido veículo era conduzido pelo motorista da arguida Miguel, que se fazia acompanhar do trabalhador José.
4. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas supra, o referido veículo encontrava-se a efetuar a viagem de transporte de passageiros na linha regular internacional de Ponte da Barca/ Albertville/França.
5. No ato de fiscalização, o trabalhador da arguida José, não era possuidor do “Livrete Individual de Controlo” para registar as atividades.
6. O trabalhador José integra o quadro de pessoal da arguida e detém a categoria profissional de motorista de autocarros.
7. O veículo fiscalizado está sujeito à obrigação de instalação de tacógrafo, nos termos dos Regulamentos (CEE) nº. 382/85 e (EU) 165/2014, ambos do Parlamento Europeu e do Conselho.
8. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 2. e 3., o trabalhador José, executava, por incumbência da arguida, a distribuição dos títulos de transporte aos passageiros que seguiam a bordo do autocarro.
9. A arguida indicou, no ano de 2015, um volume de negócios de €890.363,00.

Não resultou provado que:

-nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 2. E 3., o trabalhador José estivesse a exercer funções correspondentes à categoria profissional de “cobrador”.
***
Conhecendo do recurso:

A recorrente coloca a questão da obrigatoriedade de o trabalhador que se encontra no veículo pesado de passageiros a exercer funções diversas da condução, embora tenha a categoria de motorista, utilizar o livrete individual de controlo (LIC).

Vejamos:

O D.L 237/07 de 18/06, dispõe no seu artigo 1:

1 - O presente decreto-lei regula determinados aspetos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em atividades de transporte rodoviário efetuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efetuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto nº 324/73, de 30 de junho.
2 - O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário.
3 - O disposto nos artigos 3º a 9º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho.
No artigo 2º al. d) estabelece o entendimento de «Trabalhador móvel», para efeitos do diploma, referindo que é o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR. Pode dizer-se que todos os trabalhadores que prestam o seu serviço, para tais entidades, afetos à atividade transportadora, são pessoal viajante.

O artigo 4º dispõe:

1 - No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) 3821/85, de 20 de dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.
2 - A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.

Resulta desta norma e quanto ao pessoal móvel das empresas do setor dos transportes, (artº 1 e 2 do Reg. 561/2006) que:

a) Relativamente aos veículos não dispensados de tacógrafo:

- Os condutores (que são pessoal sujeito à utilização de tacógrafo) devem registar os tempos de trabalho com recurso a este, nos termos do Reg. Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, alterado pelo regulamento (CE) n. 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março de 2006
- O restante pessoal através do LIC, nos termos do D.L. artº 4 do D.L. 237/07 e portaria 983/07 de 27/08.

b) - Relativamente aos veículos dispensados de tacógrafo, todo o pessoal móvel deve proceder ao registo no LIC.
Se o horário for fixo deve ainda dar-se cumprimento ao artigo 2º da portaria.

A portaria estabelece esta no artº 1º:

1 - A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afeto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.
2 - A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 5º do Decreto -Lei n.º 237/2007, de 19 de junho.
3 - O registo referido no número anterior aplica-se a trabalhadores afetos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.

Artigo 2.º

1 -A publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores referidos no n.º 1 do artigo anterior é feita através de mapa de horário de trabalho, com os elementos e a forma estabelecidos no artigo 180.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afeto.
2 - (…).

Artigo 3.º

O registo do tempo de trabalho efetuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respetivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria e com as seguintes características (…”).

Passemos ao caso.

A recorrente parte do pressuposto de que o trabalhador José, na viagem indicada, não exercia funções de condutor. Trata-se de uma carreira da linha regular internacional de Ponte da Barca/ Albertville/França. É patente da área coberta que a mesma não poderia ser efetuada apenas por um condutor, o que aliás os agentes autuantes referiram. Estranho seria também um trabalhador ser colocado na carreira como cobrador, já que neste tipo de ligações os bilhetes por norma são previamente adquiridos e normalmente verificados no início do transporte. Dos factos não resulta que o trabalhador não fosse condutor da viatura, juntamente com o colega que na ocasião exercia as funções, como o mesmo referiu em julgamento. Tendo essa categoria e tendo em conta a natureza da viagem, seria mais curial aceitar que exercia essas funções que as de cobrador.

Quanto ao facto 8 no sentido de que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 2. e 3., o trabalhador José Adriano executava, por incumbência da arguida, a distribuição dos títulos de transporte aos passageiros que seguiam a bordo do autocarro, não pode significar por si que a sua presença no viatura se destinava apenas a essas funções. Será natural que tenha sido incumbido de tais tarefas, já que não seria ele a iniciar a condução. O que não pode é concluir-se dos factos, tanto mais tendo em conta a categoria profissional do trabalhador e a duração da viagem, que resulta da distância a percorrer, que o mesmo não era condutor. Não resulta demonstrado que funções exerceria o trabalhador no decurso da viagem, apenas referindo o facto 8 o que fazia no momento da intervenção dos agentes.
Da factualidade não resulta demonstrado que tenha sido cometida a contraordenação imputada.

O direito contraordenacional apresenta autonomia em relação do direito penal. Vd. preâmbulo do pretérito Decreto-Lei n.º 232/79, de 24/julho que instituiu o regime das contraordenações. A contraordenação apresenta caraterísticas qualitativamente diferentes do crime, desde logo pelos valores que um regime e outro defendem, no caso do ilícito criminal valores, fundamentais da sociedade, diferença que tem tradução das respetivas reações. São diversas quer a censura ético jurídica quer a natureza dos bens protegidos. Assim os princípios e as regras do direito penal não se aplicam automaticamente ao direito de mera ordenação social. Um dos princípios aplicáveis é o da presunção de inocência. Tal princípio, embora com contornos próprios, é aplicável em sede contraordenacional. Este princípio repercute-se em matéria de ónus de prova, competindo à acusação a demonstração os elementos do ilícito contraordenacional.

O princípio, com consagração constitucional, artº 3º, 2º da CRP, aplicável às pessoas coletivas, artigo 2º, 2 da CRP, é diretamente aplicável, conforme artigo 18º do diploma fundamental. Vd. o Ac. TC n.º 269/2003.

No caso não vêm demonstrados os elementos do ilícito imputado, sendo que, como vimos, não pode excluir-se que o trabalhador em causa fosse condutor. Aliás as regras da experiencia comum e o bom senso, tendo em conta a duração da viagem e estar o mesmo habilitado para a condução, apontam em sentido diverso.

E não obstante a arguida não ter esclarecido completamente se o trabalhador era condutor ou não na viatura em causa, no artigo 6 da sua impugnação refere que “ o trabalhador… não pode ser considerado um trabalhador móvel porquanto as suas funções não integram o conceito de pessoal viajante, sendo um trabalhador afeto à condução de veículos pesados de passageiros e a quem, ocasionalmente, são atribuídas tarefas a bordo dos autocarros…”. E no artigo 7º refere que o trabalhador, condutor profissional, deveria ter inserido o cartão no tacógrafo digital.

Note-se o conceito de “condutor” constante do artigo 4º, do regulamento 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, “qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da atividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir.
Assim é de confirmar o decidido.

Assim é de confirmar a decisão.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso confirmando a decisão.
*
Sem custas

Antero Veiga
Alda Martins
Eduardo Azevedo