Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
78/12.4TTVCT.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
BANCÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: O comportamento do trabalhador de um banco, consubstanciado em efetuar transferências da conta de um cliente para a conta de terceiros e comprar títulos, sem conhecimento e autorização deste, é culposo e de tal modo grave que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Apelante: P… (autor).
Apelada: C… (ré).
Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, Secção Trabalho, J1.

1. O A. veio intentar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra a R..
Apresentou o formulário a que se refere o art.º 98.º-C do CPT.
Foi convocada a audiência de partes, não tendo sido possível a conciliação.
A R. apresentou então o articulado a que se refere o arte.º 98.º – G, do CPT no qual, e em resumo, alega que: o despedimento do A. foi lícito, pois que ele praticou os factos que constam da nota de culpa, os quais inviabilizam a manutenção da relação laboral.
O A. apresentou a sua contestação, alegando em resumo que: o despedimento é ilícito, por não ter praticado quaisquer factos que possam ser considerados ilícito disciplinar.
Deduziu pedido reconvencional, na qual pede que a R. seja condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento, a readmiti-lo no seu posto de trabalho, a pagar-lhe todas as remunerações que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
A R. apresentou resposta no prazo legal em que, reafirmou o que tinha alegado no seu articulado anterior e pugnou pela licitude do despedimento e a total improcedência do pedido reconvencional.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento e foi proferido despacho de decisão da matéria de facto, o qual não sofreu reclamações.

2. Foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência absolver a R. dos pedidos contra si formulados.

3. Inconformado, veio o A.. interpor recurso de apelação em papel, por alegada inoperacionalidade do sistema citius, as quais não foram acompanhadas de suporte digital. Apresentou extensas motivações e conclusões, que a seguir sintetizamos:
1.ª O apelante recorre da decisão sobre a matéria de facto dada como provada nos pontos 2 a 35 e conclui ainda que devem ser dados como provados dois factos documentalmente provados, com os n.ºs 47 e 48. Indica a prova a considerar para o efeito.
2.ª Daí que o apelante conclua que a sentença deve ser revogada com as legais consequências, pois considera que não existe justa causa para o seu despedimento e este causou-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais, pelos quais quer ser ressarcido.

4. A R.. respondeu e concluiu que a sentença recorrida deve ser confirmada, quer de facto quer de direito.
5. O Ministério Público junto desta relação deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.
6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

7. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1. Reapreciação dos pontos de facto n.ºs 2 a 35, cuja alteração de resposta indica e o acrescento dos factos 47 e 48, como provados, com base em prova documental que indica.
2. A justa causa para o despedimento e as suas consequências.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida considerou provada a seguinte a matéria de facto, que se transcreve:
1 - O A. foi admitido no “F…, S.A.” (que foi incorporada por fusão na R.), em 10.07.2009, detendo ultimamente a categoria de Gestor de Cliente, tendo exercido funções desde aquela data, no Balcão de Caminha, e após 25.03.2011, no Balcão de Barcelos.
2 - Em 17.3.2011, o titular da conta n.º …, então domiciliada no Balcão de Caminha, C…, apresentou uma reclamação no Balcão da Av. de Berna, em Lisboa, em que expôs o seguinte:
“ …
3. Motivo da reclamação:
- Transferência de conta por motivo de abuso de confiança e reposição imediata de valores transferidos a débito sem o meu consentimento. -
1. Solicito transferência imediata da minha conta n.º … do Balcão de Caminha para a Av. de Berna devido a perda de confiança.
2. Pretendo esclarecimentos acerca de todas as transferências a débito, efetuadas sem o meu conhecimento e ser ressarcido imediatamente de todos os valores;
3. Solicito informação acerca dos depósitos efetuados em numerário, após terem sido efetuadas as transferências;
4. Foi efetuada uma aplicação no M…, em produto de capitalização (capital certo), cuja assinatura não é minha. Quero saber quem assinou por mim.
Face à gravidade da situação, solicito resposta urgente (até ao dia 31 de março, altura em que regresso aos Estados Unidos), reposição dos valores retirados indevidamente e apuramento de responsabilidades.”
3 - Na sequência daquela reclamação apresentada pelo cliente, o Departamento de Auditoria Interna da R. procedeu à análise dos referidos movimentos, tendo constatado o que a seguir se descreve relativamente à conta n.º… – cliente C….
4 - A conta n.º… foi aberta em 17.08.2009, e é titulada por C… e M….
5 - O identificado cliente, embora tenha residência em Lisboa, vive actualmente nos Estados Unidos de América.
6 - À data dos factos, o Gestor da identificada conta era o A.
7 – O A. efetuou as operações naquela conta que a seguir se descrevem (transferências, compra e venda de títulos V… e constituição/liquidação de depósitos a prazo) sem conhecimento e/ou autorização prévia do cliente.
8 - Assim, em 30.12.2009, foi efetuada uma transferência a débito pelo requerente, no valor de € 148,20, para crédito na conta… – C…, para regularização de descoberto (€ 136,20).
9 - Em 30.12.2009, foi efetuada uma transferência a débito, pelo requerente, no valor de € 1.410,00, para crédito na conta … – M…, para regularização de descoberto.
10 - Em 30.12.2009, foi efetuada uma transferência a débito, pelo requerente, no valor de € 1.800,60, para crédito na conta … – M…, para regularização de descoberto (€ 1.788,60).
11 - Em 13.01.2010, foi efetuada uma transferência a débito, pelo requerente, no valor de € 300,00, para crédito na conta … – R…, para criar saldo em DO de € 10.001,23, para constituição de DP de €10.000,00, o qual se encontra a garantir parcialmente Crédito Pessoal de valor inicial de € 30.000,00.
12 - Em 02.03.2010, é feita uma constituição de DP efetuada pelo A., no valor de € 656.527,48.
13 - Em 19.03.2010, é feita uma subscrição de títulos A… no valor de € 81.650,00, ficando a conta com descoberto de € 76.840,51.
14 - Em 22.03.2010, é feita uma liquidação de DP efetuada pelo requerente, no valor de € 81.650,00 €, com data valor de 19.03.2010.
15 - Em 22.03.2010, foi efetuada uma transferência a débito, pelo A., no valor de € 3.750,00, para crédito na conta… – C…, Lda., para criar saldo suficiente para o pagamento de Cheques TL.
16 - Em 31.03.2010, foi efetuada uma transferência a débito, pelo requerente, no valor de € 102,40, para crédito na conta … – F….
17 - Em 07.04.2010 foram efetuados diversos movimentos quer ao nível de transferências, quer ao nível de liquidação e constituição de aplicações financeiras:
a) Às 14h04:46, foi efetuada uma transferência a débito, pelo A., no valor de € 4.700,00, para crédito na conta … – J…, para criar saldo suficiente para pagamento de Cheques TL e despesas diversas (levantamentos ATM e compras em TPA);
b) Às 15h26:51, foi efetuada pelo A., uma liquidação de DP, no valor de € 38.061,35;
c) Às 15h34:24, foi efetuada uma anulação de liquidação de DP, de € 38.061,35, pelo A.;
d) Às 15h36:54, foi efetuada pelo A. uma liquidação de DP, no valor de € 40.191,35;
e) Às 15h38:08, foi efetuada pelo A. uma transferência a débito, no valor de € 2.130,00 para crédito na conta … – J…, para criar saldo suficiente para pagamento de Cheques TL e despesas (levantamentos em ATM e compras em TPA);
f) Às 16h34:08, é efetuada uma compra de títulos V… no valor de € 38.061,35.
18 - Em 12.04.2010, às 16h22.11 é efetuada compra de títulos V… no valor de € 131.558,1 e às 17h01:21 é efetuada pelo A. liquidação de depósitos a prazo de € 131.536,36.
19 - Em 09.08.2010, foi efetuada uma transferência a débito, pelo A., às 9h. 12.m. e 55 segundos no valor de € 2.900,00, para crédito na conta … –S…, cujo valor é utilizado através de Cheque Caixa, às 12h.6m. e 21segundos.
20 - Em 18.08.2010, foi efetuada uma transferência a débito, pelo A., no valor de € 366,36 €, para crédito na conta … – J…, para pagamento de Cheque TL do mesmo valor.
21 - Em 30.08.2010 é efetuada uma liquidação de DP de €45.635,87, liquidação essa efetuada pelo A..
22 - Em 14.09.2010, realiza-se uma constituição de DP de €1.763,01, efetuada pelo A.
23 - Em 17.09.2010, liquidação de DP de € 32.500,00 e constituição de DP de € 32.500,0, ambas realizadas pelo A.
24 - Em 06.10.2010, foi efetuada uma transferência a débito, pelo A., às 9h37:32, no valor de € 2.900,00, para crédito na conta … – J…, cujo valor é utilizado para pagamento de Cheque Caixa do mesmo valor, às 9h45:03.
25 - Em 22.10.2010, foi efetuada uma liquidação de DP, pelo A., no valor de € 325.013,90, às 9h48:18; às 14h40.08 é efetuada uma compra de título V… no valor de € 10.141,00 e às 14h40:10 é efetuada nova compra de títulos V… de € 315.086,77.
26 - Em 02.11.2010, foi efetuada uma transferência a débito, pelo A., no valor de € 1.090,00 € para crédito na conta… – S…, para criar saldo suficiente ao pagamento de Cheque Caixa de € 8.415,00, no dia 03.11.2010.
27 - Em 05.11.2010, foi efetuada pelo A. uma transferência a débito de € 1.435,00, às 14h07:04, para crédito na conta … – S… cujo valor é utilizado para pagamento de Cheque Caixa, do mesmo valor, às 15h08:20.
28 - Em 22.11.2010, foi efetuada uma transferência a débito pelo A., no valor de € 200,00, para crédito na conta … – J…, para criar saldo suficiente ao pagamento do Cheque TL.
29 - Em 18.01.2011, é efetuada a venda de títulos V…, às 13h06:07, no valor de € 10.048,51, e às 16h21:27 é efetuada pelo A., a transferência a débito, de € 2.863,25, para crédito na conta … – R…, Lda., para pagamentos diversos, (levantamentos em ATM, compras em TPA e débito de SDD).
30 - Em 04.02.2011, é efetuada pelo A. uma transferência a débito no valor de € 1.000,00, para crédito na conta … – A….
31 - No dia 22.03.2011, o cliente C… deslocou-se ao Balcão de Berna (Lisboa), data em que efetuou o depósito de cheque no valor de € 18.726,03 sacado de conta titulada pelo A.; aquele cliente obteve o referido cheque no dia 21.03.2011, pelas mãos do ora A., o qual estava acompanhado pelo Responsável do Balcão C…, que se deslocaram à sua residência em Lisboa, no sentido de repor o valor em falta na conta titulada por aquele, decorrente da realização das transferências acima mencionadas.
32 - Naquele mesmo dia 21/3/2011, foi acordado pelo A. com o citado cliente proceder ao envio de carta com comunicação dos valores relativos a juros por este não recebidos em consequência das transferências realizadas pelo A. sem a sua autorização.
33 - Aquela carta foi enviada ao cliente no dia 22.03.2011, acompanhada de cheque no valor de € 372,19 sacado sobre conta titulada pelo A.
34 - As instruções para regularizar os movimentos efetuados pelo A. e supra referidas só foram assinadas pelo respetivo titular da conta – C… - no dia 21.03.2011, na reunião referida em 31) e 32) e após receber o cheque aí mencionado e efetuado o acordo também aí referido.
35 - Em momentos ou dias posteriores a algumas das transferências supra descritas foram feitos depósitos de valores em numerários de valor idêntico ou aproximado ao valor que momentos ou dias antes tinha sido transferido a débito da conta do cliente C…, para outra ou outras contas.
36 – Com fundamento nos factos que acabam de se referir e imputados ao A., a R. instaurou-lhe procedimento disciplinar com intenção de despedimento (decisão do Concelho de Administração datada de 25/3/2011), tendo-lhe sido enviada nota de culpa.
37 - A decisão disciplinar – despedimento com justa causa - foi tomada em 22.12.2011.
38 - Por carta registada com aviso de recepção, de 27.12.2011, a R. remeteu para a morada que consta no registo de informação de colaboradores da C… existente na Direção de Recursos Humanos, cópia da deliberação do Conselho de Administração e cópia do relatório final.
39 - Contudo, em 02.01.2012, a aqui R. recebeu a devolução da carta com o registo.
40 - Motivo pelo qual, em 05.01.2012, por carta registada com aviso de receção, a R. remeteu para a morada do A. que consta no sistema de informação da Direção de Recursos Humanos do ex-F… cópia da carta datada de 27.12.2011, cópia da deliberação do Conselho de Administração e cópia do Relatório Final.
41 - Aquela comunicação chegou no dia seguinte à Estação dos CTT de Viana do Castelo, pelas 08h56mn.
42 - Em 06.01.2012, pelas 14h30mn, não obstante o funcionário dos CTT ter-se deslocado à morada do ora A. para tentar entregar a comunicação em causa, a mesma entrega não foi conseguida porque de acordo com a informação constante no site dos CTT “Destinatário ausente, empresa encerrada. Avisado na estação ALTO MINHO”.
43 - O A. deslocou-se à Estação dos CTT de Viana do Castelo no dia 13.01.2012, pelas 09h43 mn., momento em que lhe foi entregue aquela documentação.
44 – Ao A. nunca havia sido aplicada qualquer sanção disciplinar; o A. contribuiu de forma decisiva para o aumento do volume de negócios do balcão onde desempenhava as suas funções; foi promovido por mérito em 21.10.2010.
45 – O A. e o citado cliente C… mantinham uma relação de amizade há vários anos, tendo o A. sido seu procurador na venda de uma casa.
46 – Em consequência da cessação da relação laboral e das circunstâncias que a acompanharam, o A. sofreu angústia, ansiedade, instabilidade e desequilíbrio psíquico, a qual determinou acompanhamento clínico.

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos acima:
1. Reapreciação dos pontos de facto n.ºs 2 a 35, cuja alteração de resposta indica e o acrescento dos factos 47 e 48, como provados, com base em prova documental que indica.
2. A justa causa para o despedimento e as suas consequências.

B1) Reapreciação dos pontos de facto n.ºs 2 a 35, cuja alteração de resposta indica e o acrescento dos factos 47 e 48, como provados, com base em prova documental que indica.

Facto n.º 2: Além do documento consistente na folha de reclamação, temos o depoimento da testemunha S… que confirmou a reclamação e a indignação patenteada pelo cliente C… na conversa telefónica que teve à sua frente com o A. e durante o tempo que aí esteve. Os documentos assinados posteriormente pelo cliente não podem ser valorados de modo a colocar em causa a reclamação oral e escrita do cliente na agência da Avenida de Berna do banco R.. Nesse momento, o cliente, sentindo-se traído, deu largas à sua indignação para com o A., o que foi testemunhado no local pela testemunha que já referimos.
Embora a letra da reclamação possa não ser da autoria do cliente, o certo é que ele reproduz o que era a sua vontade. Denunciar uma situação de abuso quanto à movimentação da sua conta pelo A. sem o seu conhecimento e autorização.
Assim, mantemos a resposta dada.
Facto n.º 3: Face ao teor da reclamação do cliente e ao depoimento das testemunhas H… e C…, que estiveram presentes na agência de Lisboa e que confrontaram o A. com os factos, este admitiu-os. A prova produzida não coloca em causa os factos dados como provados neste ponto, o qual se mantém como provado.
Facto n.º 4: O documento de abertura de conta confirma o facto dado como provado. Nada há a opor a que a este facto se acrescente a sua cláusula 14.1, segundo a qual: “as instruções ao F… poderão ser efetuadas através de documento próprio, carta, telefone, telefax ou qualquer outro meio de transmissão. Caso o F… o considere mais seguro para a defesa dos interesses do cliente, poderá solicitar, previamente à execução das operações, a sua confirmação por escrito, sendo a assinatura comparada por semelhança com a que consta na ficha de assinaturas em posse do F…”.
Mantém-se o facto provado, com este acrescento.
Facto n.º 5: Nada nos autos coloca em causa este facto dado como provado. Não nos convencemos, por falta de elementos de prova suficientes, se o cliente tem uma habitação em Lisboa, pelo que se mantém inalterada a resposta ao facto n.º 5.
Facto n.º 6: o alegado pelo apelante não coloca minimamente em causa o alegado e dado como provado pelo tribunal recorrido, que à data dos factos o A. era o gestor da conta do cliente, pelo que se mantém inalterada a resposta dada.
Facto n.º 7: O apelante conclui que as operações efectuadas na conta do cliente foram com o conhecimento e autorização deste.
Os elementos de prova que refere, telefonemas, só por si, não são idóneos a provar o referido, pois não se sabe o teor da conversa. A prova é apreciada no seu conjunto e, como resulta cabalmente dos depoimentos das testemunhas P…, C…, S… e H…, os movimentos em causa foram efetuados pelo A. sem o conhecimento e/ou autorização do cliente.
Nada nos autos indicia que assim não fosse, pelo que se mantém inalterada a resposta ao ponto n.º 7 da matéria de facto.
Factos n.º 8 a 35: a testemunha P… é funcionária da R. e realizou a auditoria na sequência da reclamação do cliente C…. Efetuou a análise da conta do reclamante, o qual tinha residência nos EUA. A conta era domiciliada em Caminha e o cliente pediu que mudasse para a agência da Av.ª de Berna do R. , em virtude de ter perdido a confiança no A..
Confirmou os documentos juntos com o processo disciplinar e que o A. foi o único utilizador do banco R. que efetuou os movimento de conta em causa nos pontos 8 a 35 da matéria de facto.
A testemunha P… foi bem clara ao afirmar que para a compra de títulos da V… era obrigatória a autorização do cliente.
Os documentos digitalizados pelo A. e juntos com as motivações não contrariam os documentos juntos com o processo disciplinar e os depoimentos das testemunhas que já referimos. O A. discorda e entende que aquelas transferências não implicaram prejuízo para a R., pelo que não constituem fundamento para despedimento. Parece-nos que na impugnação da matéria de facto o A. confunde em certa medida a realidade fáctica com a sua relevância para a justeza da decisão de despedimento com justa causa. Primeiro apuram-se os factos e só depois de fixada a matéria de facto assente é que se extraem as devidas consequências à luz do Direito.
Não havia nenhuma autorização digitalizada, como é exigência do regulamento interno do banco R., no sentido de que o A. efetuasse as transferências da conta do cliente para a conta de terceiros, ou comprasse títulos com os fins e nos termos em que está descrito nos factos ora em análise.
A testemunha P… referiu que foram a Caminha confrontar o A. com as transferências e movimentos da conta e não lhes foi entregue ou mostrada qualquer autorização do cliente para tal efeito. O A. afirmou nessa altura que o cliente não tinha conhecimento das transferências ou das outras movimentações da conta.
No mesmo sentido os depoimentos das testemunhas C… e H…: o A. assumiu que efetuou as transferências e movimentou as contas nos termos referidos nos pontos da matéria de facto sob escrutínio, sem que o cliente tivesse conhecimento ou autorizado.
O valor transferido pelo A. da conta do cliente para as contas dos terceiros, corresponde ao valor do cheque de € 18 726,03 que o A. sacou sobre uma conta sua da C… e entregou ao cliente.
Os juros perdidos pelo cliente com as mobilizações antecipadas de aplicações, foram pagos ao cliente pelo A. no montante de € 372,19, através de cheque sacado sobre uma conta pertencente a este. Este foi o resultado do acordo obtido entre o A. e a testemunha C…, que o confirma.
Os depoimentos das testemunhas indicadas pelo apelante nas motivações não colocam em causa que o A. tenha efetuado as transferências para as suas contas, antes as confirmam e deixam bem claro, todavia, que não queriam prejudicar ninguém.
As declarações assinadas pelo cliente em data posterior ao despedimento do A. no sentido de que este atuou de acordo com a sua vontade, não merece qualquer credibilidade, face à reclamação que efetuou diretamente na agência do R. na Av.ª de Berna em Lisboa, e que deu origem ao processo que levou ao seu despedimento e está em contradição com os depoimentos já referidos.
Considerando os documentos analisados e a prova testemunhal referida, a qual se mostra credível e sem indícios de qualquer interesse em prejudicar o A., mas apenas apurar a verdade, não restam dúvidas quanto ao acerto da decisão proferida sobre a matéria de facto constante dos pontos n.ºs 8 a 35, a qual, por isso, se mantém.
O apelante conclui que deve ser dado como provado que: “C… no dia 10 de setembro de 2012, em Viana do castelo assinou, com reconhecimento presencial da assinatura, a declaração cujo original está junta aos autos e cujo teor se dá por reproduzido”.
A R. impugnou o documento em causa e não foi feita prova quanto à veracidade do seu conteúdo, que a apelante não refere. Os documentos são o meio para provar os factos que narram.
Não faz sentido dar como provado o documento suporte de uma declaração, que mais não é do que um depoimento escrito por quem poderia vir a tribunal testemunhar. Nada nos autos refere que assim não pudesse ser. Em qualquer caso, a declaração está no processo e é apreciada a par da demais prova para apurar a verdade dos factos.
Trata-se de um elemento que visa provar que o cliente deu o seu consentimento/autorização às movimentações da sua conta em causa nestes autos e foi nessa sede que foi tratado.
O apelante conclui ainda que deve ser dado como provado que: “do telefone instalado no gabinete do gerente da agência de Caminha da recorrida, foram efetuadas 33 chamadas para o número do telefone do C…, nos Estados Unidos da América, conforme listagem junta pelo M…”.
É verdade que a recorrida fez chegar ao processo prova nesse sentido e não havendo outra em contrário, damos como provado este facto.

2. A justa causa para o despedimento e as suas consequências.
A pretensão do apelante dependia da alteração da resposta à matéria de facto no sentido de que o A. ao movimentar a conta do cliente agiu com conhecimento e autorização do mesmo.
Não logrou fazer essa prova, como resulta da reapreciação da prova a que procedemos.
O art.º 351.º do CT prescreve que constitui justa causa de despedimento, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (n.º 1).
O n.º 2 deste mesmo artigo enumera exemplificativamente comportamentos do trabalhador suscetíveis de constituir justa causa de despedimento.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os eus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
No caso, o comportamento do A. tem atinências com a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores (alínea a) do n.º 2 do art.º 551.º do CT.
Na verdade, o A. sabia que o banco para o qual trabalhava não permitia que fizesse transferências da conta de um cliente para a conta de terceiros, ou que adquirisse títulos sem autorização do cliente.
O A. violou esta regra fundamental que existe no sistema bancário e que visa garantir a transparência de todas as operações efetuadas pelo banco e ao mesmo tempo dar confiança aos seus clientes, no sentido de que o dinheiro de que se torna fiel depositário só terá um destino diferente daquele que inicialmente foi proposto quando houver autorização do cliente.
A violação desta regra pelo A. coloca de forma irremediável em causa a confiança que o R. banco deve ter nele. No sistema bancário assume especial relevo a confiança entre o cliente e o banco e entre este e os seus trabalhadores, os quais devem tudo fazer para manter o bom nome do banco, preservando a sua probidade no que diz respeito à guarda do seu dinheiro ou valores e ao modo de os gerir e até fazer frutificar.
Considerando os factos provados, não temos dúvidas em confirmar a sentença recorrida.
O comportamento do trabalhador, aqui A., é culposo e de tal modo grave que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Nestes termos, decidimos negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Sumário: o comportamento do trabalhador de um banco, consubstanciado em efetuar transferências da conta de um cliente para a conta de terceiros e comprar títulos, sem conhecimento e autorização deste, é culposo e de tal modo grave que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante,
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Guimarães, 12 de fevereiro de 2015.
Moisés Silva
Antero Veiga
Manuela Fialho