Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1345/11.0TBFAF.G1
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Conquanto o juiz possa ter em conta a indicação do devedor e da comissão de credores quanto à nomeação do administrador da insolvência, não está vinculado a essa indicação.
Decisão Texto Integral:

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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Veio a sociedade “Confecções… Limitada”, com sede na R. Parcídio Summavielle n.º605, Silvares (S. Martinho), Fafe, pedir a sua declaração de insolvência, alegando, em síntese, ter actualmente como objecto social a fabricação de meias, peúgas e collants para homem, senhora e criança, incumbindo a gerência a J… , aduzindo que a empresa se encontra em estado de insuficiência económica, estando incapaz de cumprir com o pagamento quer dos compromissos já vencidos quer daqueles que se venham a vencer a curto prazo.
Termina requerendo a sua declaração de insolvência e que a administração da massa insolvente seja assegurada pela sua actual gerência, nos termos previstos no art.224.º do CIRE, com as condicionantes previstas no art. 226º do mesmo diploma.
Sugere a final quem deve ser nomeado Administrador de Insolvência nos presentes autos.
Veio a ser proferida decisão judicial, que, para além do mais, declarou a insolvência da sociedade “Confecções… Limitada”, com sede na R. Parcídio Summavielle n.º605, Silvares (S. Martinho), Fafe - artº 36º, al. b), do C.I.R.E.
E no que toca à nomeação do Administrador de Insolvência, o Exmo. Juiz nomeou como administrador da insolvência pessoa diversa daquela que havia sido sugerida pelo devedor, com a seguinte fundamentação: «Quanto à sugestão efectuada pela requerente apresentante no que se refere ao Sr. Administrador de Insolvência a nomear, efectivamente o art. 52.º do CIRE estabelece desde logo que a designação do administrador, tendo de recair em pessoa inscrita na lista oficial respectiva, deve, quanto possível, ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir (n.º2 do citado artigo).
Contudo, o Sr. AI indicado tem domicílio profissional no Porto, o que sempre se reflectirá num aumento de custos relativo às deslocações necessárias efectuar no desempenho de tal função e também na disponibilidade de tempo para o bom desempenho das presentes funções, cabendo ainda assegurar a rotatividade nas nomeações a efectuar, de forma também a reforçar a transparência necessária e inerente à nomeação, tanto mais que cabe ao Sr. AI apresentar o parecer sobre a qualificação da insolvência, e no presente caso, fiscalizar a administração da massa insolvente nos termos e para os efeitos previstos no art.226.º do CIRE.
Assim sendo, atento o exposto, não se atenderá à sugestão efectuada».
Nesta sequência, o tribunal a quo nomeou como «administrador da insolvência a Sra. Dra. J… , conhecida em Juízo, a qual fica, desde já, incumbida de fiscalizar a administração da massa insolvente pela devedora - (cfr. artºs. 36º, al. d), e 52º, nº 1, do C.I.R.E., e artº 28º, nº 6, da Lei nº 32/2004, de 22/07)».
Desta decisão, na parte em que nomeia como Administrador da Insolvência, pessoa diferente da indicada pelo, vem o insolvente interpor recurso, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1 – A Mma Juiz “a quo” preteriu a indicação do Administrador de Insolvência indicado pela apelante alicerçada nos seguintes fundamentos: ” o Sr. AI indicado tem domicílio profissional no Porto, o que sempre se reflectirá num aumento de custos relativos às deslocações necessárias a efectuar no desempenho de tal função e na disponibilidade de tempo para o bom desempenho das presentes funções, cabendo ainda assegurar a rotatividade nas nomeações a efectuar, de forma também a reforçar a transparência necessária e inerente à nomeação, tanto mais que cabe ao Sr. AI apresentar o parecer sobre a qualificação da insolvência, e no presente caso, fiscalizar a administração da massa insolvente nos termos e para os efeitos previstos no art. 226º do CIRE.”; 9
2 – Da leitura conjugada do disposto nos arts. 32º nº 1 e art. 52º nº2 do CIRE e do nº 2 do art. 2º da Lei nº 32/2004 resulta que se só o devedor indicar a pessoa/entidade a nomear para tal cargo e esta constar das ditas listas oficiais (o que se verifica), o Juiz do processo deve, em princípio, acolher essa indicação, a não ser que tenha motivos que a desaconselhem;
3 – Neste sentido, cumpre analisar criticamente da bondade dos argumentos invocados pela Mma Juiz a quo para preterição do AI indicado pela requerente;
4 – Invertendo a ordem e, passando desde logo à análise do segundo argumento invocado, atenta a sua simplicidade, sempre se dirá que nos termos do art. 188º o administrador de insolvência tem sempre de se pronunciar sobre a qualificação da insolvência;
5 – Sendo exactamente isso que torna o argumento invocado pelo tribunal a quo inconsistente, uma vez a aceitar-se o mesmo, nunca o devedor podia indicar o administrador da insolvência e a norma do nº 2 do art. 52º do CIRE que diz que o juiz pode atender à indicação feita pelo próprio devedor, não teria qualquer sentido útil;
6 - Assim, porque “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (art. 9º, nº 3, do CC), não pode aceitar-se que o facto do administrador da insolvência ter de se pronunciar sobre a qualificação da mesma, constitua fundamento válido para o tribunal a quo recusar a indicação feita pela devedora, ora apelante.
7 – Já no que concerne ao argumento, em primeiro lugar invocado, distanciamento geográfico entre a sede da requerente e o escritório do A.I. (leia-se Fafe e Porto) carece de qualquer suporte legal;
8 - Na verdade, a acolher-se um tal argumento estar – se - ia a privilegiar os AI em função da sua localização geográfica, numa autêntica violação do princípio da igualdade subjacente à nomeação dos AI pertencentes às listas oficiais do mesmo distrito judicial;
9 – Conclui-se, assim, que nenhuma das normas mencionadas na sentença ou argumento, como se viu, excluiu, só por si, a possibilidade de que a nomeação para o cargo de administrador da insolvência, recaísse na pessoa indicada pela apelante;
10 – Pelo que, o tribunal a quo não só deixou de se pronunciar sobre questão que lhe foi suscitada, como escolheu outro administrador sem qualquer fundamentação incorrendo, por isso, nas nulidades prevista na al. b) do n.º 1 do art. 668º do CPC, faltando, em absoluto, os fundamentos que levaram o Tribunal, por um lado, a não acolher a indicação da requerente, ora apelante, quanto à pessoa a nomear como administrador da insolvência e, por outro, a nomear outra para esse cargo;
11 – Devendo, assim, e em consequência declarar - se nula a sentença recorrida, na parte atinente à nomeação do administrador da insolvência, em conformidade, e nos termos do nº 1 do art. 715º do CPC, cabendo à Relação, Tribunal de 2ª instância, “conhecer do objecto da apelação”, ou seja, substituir-se ao Tribunal recorrido e, “in casu”, proceder à nomeação do administrador da insolvência indicado pela apelante.
12 – Ao decidir como decidiu, a Mmª Juiz “a quo” violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 32º nº1 e art. 52º nº2 do CIRE e nº 2 do art. 2º da Lei nº 32/2004.
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Termos em que deve ser revogada parcialmente a douta sentença recorrida na parte em que nomeou o administrador da insolvência, nomeando-se agora para tal cargo Sr. Dr. N… , com domicílio profissional na Rua do Covelo, nº 223, 3º, da comarca do Porto (e na lista oficial de administradores de insolvências).
Assim decidindo, farão V.Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos relevantes: os constantes deste Relatório.

Do Recurso.
Insurge-se o recorrente contra o facto de o Mmº Juiz a quo não ter seguido a sugestão dada pelo insolvente para a nomeação do Administrador da Insolvência, pois o recorrente entende que o Tribunal deveria ter nomeado para o cargo de Administrador da Insolvência a pessoa cujo nome havia sido indicado pelo insolvente.
Que dizer?
A este propósito estabelece o artº 52º do CIRE:
1. A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz.
2. Aplica-se à nomeação do administrador da insolvência o disposto no nº 1 do artigo 32º, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência.
3. O processo de recrutamento para as listas oficiais, bem como o estatuto do administrador da insolvência, constam de diploma legal próprio, sem prejuízo do disposto neste Código.

Por seu turno, dispõe o nº 1 do artº 32º do CIRE:
A escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.

Da conjugação destes normativos decorre que a nomeação do administrador da insolvência é uma atribuição do juiz do processo.
Mantém-se, como não podia deixar de ser, a nomeação do administrador da insolvência como uma atribuição do juiz do processo; mas a competência do juiz nesta matéria não é exclusiva, devendo ser articulada com os poderes conferidos, no artigo seguinte, à assembleia de credores.
A nova redacção dada, em 2007, ao nº2 do artº 52º, veio alargar o poder decisório do juiz.
Na verdade, na sua versão primitiva determinava essa norma que o juiz devia atender às indicações do devedor e da comissão de credores. Diz-se, agora, no que corresponde a esse segmento da lei pregressa, que o juiz pode ter em conta essas indicações.
Ou seja, na sua nova versão, foi alargado o poder decisório do juiz nesta matéria, por duas vias: quando passou a dizer-se que o juiz pode ter em conta a proposta eventualmente contida na petição inicial; e, sobretudo, quando limita a atendibilidade dessa proposta aos casos de processos «em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos».(cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Actualizado de acordo com o Decreto-Lei nº 282/2007, de 7 de Agosto, Anotações aos artºs 32º e 52º).
Resulta inequivocamente da conjugação dos citados preceitos legais que o juiz tem liberdade de decisão quanto à escolha do administrador da insolvência, devendo a designação recair em pessoa inscrita na lista oficial respectiva.
Foi o que ocorreu.
Vale sublinhar que, no caso em apreço, a Requerente da declaração de insolvência limita-se a indicar na petição inicial um administrador de insolvência, nos termos do nº 2 do artº 52º do CIRE.
Não se descortinam razões para pôr em causa, no caso sub judice o poder decisório do julgador.
À luz do acabado de expor não se vislumbra que a decisão recorrida padeça de qualquer nulidade, nomeadamente da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art. 668º do CPC.

Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 20 de Outubro de 2011
Amílcar Andrade
José Rainho
Carlos Guerra