Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
715/14.6TBVVD.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: PER
CIRE
SEGURANÇA SOCIAL
HOMOLOGAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Não obstante o plano de revitalização aprovado conter cláusula que viola as norma imperativas dos arts. 30º, nº 2 e 3, e 36º, nº 2 e 3, da LGT, e 190º, nº 1, 2, a) e 6, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não deve ser o mesmo objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível ao Instituto da Segurança Social.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do tribunal da relação de Guimarães.

RELATÓRIO
Nos presentes autos de Processo de Especial de Revitalização, veio a devedora “AA, LDA,” apelar da decisão que não homologou o plano de revitalização aprovado pelos credores por 72,53% dos votos, com o fundamento de que, tal plano violou normas não negligenciáveis nos termos do art.º 215.º do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), designadamente porque, tendo a credora Instituto da Segurança Social IP votada contra o plano, “…não é legalmente possível, contra a vontade do deste Instituto… mesmo tendo em conta o peso reduzido do seu crédito no montante global das dividas da devedora, homologar o presente plano.
Como vimos, o presente plano não respeita, quanto aos créditos do Instituto de Segurança Social, IP, as normas legais.., pelo que estamos perante uma omissão não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo relativas aos créditos da Segurança Social.”
O conteúdo do plano relativamente ao crédito da Segurança Social no valor total de €13.183,68, no mais relevante é o seguinte.
Pagamentos da totalidade do valor em dívida (capital e juros) em 80 prestações mensais; Pagamentos de juros á taxa legal em vigor durante o período prestacional, juntamente com a prestação do capital;
Pagamento integral dos valores referentes a custas processuais devidas no âmbito de acções executivas que se mostrem suspensas na respectiva secção de processo executivo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória.
Das conclusões das alegações de recurso da sentença em causa extraem-se as seguintes conclusões:
I - O processo especial de revitalização na medida em que comporta limitações sobre a capacidade da Devedora, inibindo a prática de certos actos (tal como previsto no artº 17- E nºs 2 a 5) tem especiais características que o colocam também na categoria de “questão sobre o estado das pessoas”.
II- Nos termos do artigo 647º nº 3 al a) tem efeito suspensivo da decisão a apelação da decisão que ponha termo ao processo em acções sobre o estado das pessoas (não sendo feita qualquer restrição nos termos dos qual aqui só se incluam as pessoas singulares).
III- A razão de ser do artigo 647 nº 3 al a) do C.P.C. é acautelar, em primeiro lugar, os interesses respeitantes ao estado das pessoas, considerados como superiores em relação aos interesses patrimoniais, mesmo os dos credores.
IV- E, tendo o processo especial de revitalização, neste aspecto, natureza de questão sobre o estado das pessoas, deverá prevalecer a regra do artigo 647 nº 3 al a) e ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso.
VI - Caso assim não se entenda, vem a Recorrente desde já requerer que a apelação tenha efeito suspensivo, nos termos do nº 4 do artigo 647º do C.P.C., porquanto a execução da decisão lhe causa prejuízo considerável, desde já se oferecendo para prestar caução, a fixar tendo em conta o valor dos presentes autos, ou, caso assim não se entenda calculando-se o seu valor mediante avaliação feita por um perito único nomeado pelo Juiz, nos termos do artº 650º do C.P.C.
VII – No humilde entender da recorrente a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” padece de falta de fundamentação.
VIII – Com efeito, não se encontra a mesma fundamentada quer de facto quer de direito, pois que do seu teor não resulta qualquer exercício minimamente adequado a produzir o seu convencimento nem sequer a demonstrar o processo de raciocínios lógicos que conduziu a eventual decisão justa.
IX Não se tendo, respeitado o dever de fundamentação que impendia sobre o Tribunal a quo, verifica-se a sua nulidade – o que expressamente se alega e invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., ex vi do nº 3 do artigo 666º do mesmo Código, mais violando o preceituado no nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
X-O presente recurso é interposto da sentença proferida em 10/02/2015, que recusou a homologação do plano especial de revitalização relativo à Devedora IDEIACINCO- Multimédia Unipessoal, Lda ., ao abrigo das disposições conjugadas dos artº 212º e 214º do CIRE e artº 215º ,artigo 30º da LGT e artigo 185º do Código Contributivo.
XI – Com efeito, entendeu o Tribunal recorrido que “ (…)Em conclusão, não é legalmente possível, contra a vontade do Instituto de Segurança Social, IP, mesmo tendo em conta o peso reduzido do seu crédito no montante global das dividas da devedora, homologar o presente plano.; Como vimos, o presente plano não respeita, quanto aos créditos do Instituto de Segurança Social, IP, as normas legais atrás referidas, pelo que estamos perante uma omissão não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo relativas aos créditos da Segurança Social; E não se diga que bastaria acolher a hipótese da ineficácia (relativa) da parte do plano relativa aos créditos do Instituto de Segurança Social, IP, dado que esta possibilidade entolha com algumas dificuldades relativas à tutela da confiança, quer do devedor, quer dos demais credores que votaram favoravelmente, quiçá no pressuposto da homologação do plano como foi submetido, sem que os créditos tributários lhe fiquem excepcionados (cfr. Processo Especial de Revitalização, Fátima Reis Silva, Porto Editora, pág.
67); Não poderá, por isso, ser homologado o plano de insolvência constante dos autos; Termos em que não homologo por sentença o plano de revitalização aprovado pelos credores.”
XII- Com efeito, em 07.08.2014, a requerente veio efectuar a comunicação de que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, al.s a) e b), do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 16/2012, de 20/4, pretendia dar início às negociações conducentes à sua recuperação através do procedimento especial de revitalização, tendo sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório.
XIII - Como consta do requerimento de fl.s …, junto aos autos em 08.01.2015 subscrito pelo Administrador, foi junto o plano de recuperação, o qual foi aprovado, com 72,53% dos votos favoráveis à aprovação do plano.
XIV -Apenas votaram contra a referida aprovação o credor Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vila Verde e Terras de Bouro, CRL E Instituto de Segurança Socia, IP
XV-Ora, transcorrida a douta sentença e a sua fundamentação facilmente se depreende que o plano da ora recorrente apenas não foi aprovado porquanto o Instituto de Segurança Social, IP se opôs.
XVI - O plano de revitalização, não homologado, e para o que aqui importa designadamente crédito da segurança social, pressupõe o pagamento de 100% do crédito reconhecido ao Instituto de Segurança Social () (capital e juros), a realizar em “em 80 prestações mensais, iguais e sucessivas; Pagamento de juros vincendos à taxa legal em vigor (5,535%) que serão pagos mensalmente durante o período prestacional, juntamente com a prestação de capital;
Pagamento integral dos valores referentes a custas processuais devidas no âmbito de acções executivas que se encontram suspensas na respectiva secção de processo executivo, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação devendo tal pagamento ser efetuado junto da secção de processo executivo na qual se encontra suspensa a acção executiva; A primeira prestação do acordo vencer-se - á no mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação; Para os efeitos previstos no nº 1 do art.º 17- E do CIRE, as acções executivas pendentes para cobrança de dívidas à Segurança Social não são extintas, mantendo-se suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação, até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado.
XVII - A recorrente não pode concordar com a douta decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.
XVII -Importa salientar que a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, que procedeu à sexta alteração do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelos Decretos-Leis nº 200/2004, de 18/09, nº 76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto, 116/2008, de 4 de Julho e 185/2009, de 12 de Agosto), passando a reorientar este código para a promoção da recuperação, representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime das insolvências com vista à prossecução do interesse público de defesa da economia, sustentado na tese de que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”.
XIX – Quis por isso o legislador privilegiar a manutenção do devedor no giro comercial, evitando a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.
XX- Por um lado, instituiu, no art.1º, nº 2 do CIRE, o processo especial de revitalização, destinado a permitir a qualquer devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica ( cfr. nº1 do art. 17º-A do mesmo código).
XXI -Para alcançar o propósito supra enunciado, o legislador fez prevalecer a vontade dos intervenientes ( devedor e credores), sujeitando, porém, nos termos do nº 10º do art.º 17º-F, a limitações decorrentes do dever de respeito dos princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro
XXII - O processo especial de revitalização é um processo marcadamente negocial, estando o poder jurisdicional, do juiz, restringido à apreciação da justeza da instauração do processo especial de revitalização e da observância dos trâmites a seguir quanto à aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização.
XXIII- No que ao plano de recuperação concretamente diz respeito, consagra o art. 194º, nº1 o princípio da igualdade de tratamento dos credores, estabelecendo, no seu nº 2, que “O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável”.
XXIV- O objectivo máximo do processo especial de revitalização é satisfação dos interesses dos credores em condições de igualdade, por isso, o art 1º do CIRE institui o plano d recuperação não só como um instrumento alternativo ao normal processo de liquidação do património do insolvente, mas também como um meio idóneo e eficiente para concretizar a primazia da vontade dos credores no processo de liquidação do património do insolvente, concedendo, deste modo, aos credores a faculdade de afastarem o desencadeamento da solução legal supletiva, tal como decorre do seu art. 192 º, nº1.
XXV- Nesse sentido é aos credores que compete decidir se a satisfação dos seus créditos ocorrerá por meio da liquidação do património do devedor, ou pela forma prevista no plano de recuperação que venham a aprovar, o qual baseia-se na revitalização da empresa.
XXVI- Mas, para além de tudo isto, consagra-se ainda uma regra geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros no nº 2 do citado art. 192º, o qual estabelece que “o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.
XXVII- No caso dos autos o Instituto de Segurança Social requereu a não homologação do plano de recuperação, alegando que o mesmo não obedece ao regime geral de regularização de dividas á segurança social, infringindo assim normas legais imperativas, designadamente o artigo 30º da LGT
XXVIII- Chegados aqui , importa aferir se o mesmo viola alguma regra do CIRE, o art. 30º, nsº 2 e 3 da LGT. e os arts.1º e 2º do DL nº 411/91, de 17/10.
XXVIII- Com efeito, quanto aos credores públicos - Estado e Segurança Social- o regime de regularização das dívidas à segurança social está estabelecido quer no DL nº 411/91 de 17 de
Outubro, quer na Lei Geral Tributária.
XXIX- De acordo com o disposto no art. 1º do citado DL nº 411/91, não é permitido autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social, nem isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer.
XXX - Não obstante o art. 2º, nº1 do citado decreto-lei prever a possibilidade de existirem medidas excepcionais para a regularização de dívidas por contribuições e juros de mora, o certo é que, conforme estatui o nº2 deste mesmo artigo, a adopção de tais medidas depende da autorização do membro do Governo que tiver a seu cargo a área da segurança social, no caso o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, conforme previsto no art. 190º do
XXXI - Daqui decorre a indisponibilidade dos créditos tributários, onde se incluem os créditos da segurança social, logo submetidos ao que dispõe o artigo 30º da LGT.
XXXII- Se houve momentos, em que o entendimento perfilhado era o de que o pagamento das dividas fiscais do insolvente apenas era regulado pelas disposições do CIRE (e por isso possível a aprovação do plano que previsse por exemplo a redução dos créditos tributários) e por isso inaplicável o artigo 30º da LGT, a verdade é que, com a entrada em vigor da Lei nº. Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, o cenário mudou em face das alterações por ela introduzidas, designadamente, com o aditamento do n.º3 ao artigo 30º da LGT, o qual dispõe que: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.
XXXIII- Assim da lei parece resultar que, contra a vontade do Estado não será possível reduzir, extinguir e/ou conceder moratória.
XXXIV –Contudo decorre ainda da lei que a homologação de um plano de recuperação aprovado pelos credores, ainda que sem respeitar o regime previsto no citado DL nº 411/91 e na LGT relativamente aos créditos tributários, é ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P., não produzindo quaisquer efeitos relativamente a tais credores.
XXXV- No caso dos autos, o Instituto de Segurança Social I.P votou contra o plano de recuperação aprovado pelos credores, contudo não restam dúvidas que tal plano não produz efeitos apenas quanto aos créditos por ele reclamados.
XXXVI- Salvo o devido respeito mal andou o Tribunal “ a quo” ao considerar que o plano aprovado pela recorrente, de vicio, por violação de norma imperativa, tal desencadearia a sua não homologação.
XXXVII- A questão colocada neste ponto pela recorrente reduz-se a saber se contendo o plano aprovado pelos credores vicio por violação de norma imperativa, neste caso artigo 30º da LGT, a consequência será a da sua não homologação, segundo o disposto no artigo 215º do CIRE, como decidiu o Tribunal Recorrido, ou, em alternativa a adoção de solução que obrigue a homologar o plano, decidindo-se no entanto que o mesmo é ineficaz relativamente ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, IP
XXXVIII- Esta a solução que melhor se coaduna por um lado às finalidades subjacentes ao processo especial de revitalização e por outro a legislada indisponibilidade dos créditos tributários.
XXXIX-Tendo em conta os interesses subjacentes jurídicos e sociais imbrincados na recuperação da empresa, em tempos de crise económica, sobretudo, considerando as elevadas taxas de desemprego, a solução mais ajustada, é a da ineficácia relativa.
XL- A Lei nº16/2012, de 20 de Abril, e alterações por ela introduzidas ao CIRE, traduzem
manifestações das obrigações assumidas pelo Estado no memorando de entendimento celebrado com a“troika”.
XLI-Como é sabido, “quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, assumem-se na maior parte das situações como os maiores credores, sobretudo a nível empresarial, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais dainsolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos garantias, ante o Estado que nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que só, excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2014, disponível em www.dgsi.pt
XLII-Mais refere o citado aresto que: “Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade
com a execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos
seus créditos e garantias, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE. “
XLIII-Concluem ainda os Exmos Senhores Juizes Conselheiros relartores do douto acórdão que “O que dissemos, numa perspectiva de mais lato enquadramento da questão decidenda,
terá que ter em conta o que constitui a pretensão recursiva da recorrente; com efeito, apenas pede que se considere ineficaz, em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P. a eficácia do Plano que foi homologado, ou seja, que não produza quaisquer efeitos relativamente a tais credores, por não respeitar quanto a estes credores o regime previsto no DL. n°411/91 (recuperação de contribuições em dívida da Segurança Social), e na LGT relativamente aos créditos tributários, solução esta adoptada no acórdão-fundamento, que foi confirmado pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Maio de 2012 –
XLIV- O processo especial de revitalização, marcadamente de caracter negocial, em que os próprios credores negoceiam com o devedor, a forma e prazo de pagamento dos seus créditos constitui um negócio atípico, e como tal é-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia.
XLV - Asssim, o Plano de Recuperação da devedora que for aprovado, pelos seus credores, deve ser homologado, sem prejuízo da sua ineficácia relativamente aos créditos do Estado cujo voto contra exprimiu.

Não constam dos autos qualquer resposta ás alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO
Objecto do recurso.
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações as questões a decidir são as seguintes:
Nulidade da sentença por falta de fundamentação;
Saber se o plano de revitalização deve ser homologado, ainda que não eficaz relativamente ao Instituto da Segurança Social IP.

A factualidade a ter em conta é a descrita no relatório.

DECIDINDO
Argui a apelante que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1 alínea b) do CPC, que considera nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão.
É pacífico que, tal nulidade só se verifica quando houver falta absoluta de fundamentação.
Não é o caso da sentença ora apelada, pois que, a mesma, está fundamentada de facto e direito.
Termos em que deve improceder nesta parte a apelação

Quanto a segunda questão objecto do recurso
Do que se refere na sentença apelada, as normas violadas no plano de revitalização, são no essencial os art.ºs 30.º e 36.º da Lei Tributária, aplicáveis às obrigações contributivas da segurança social por força do disposto nos seus artºs 1º e 3º, que dispõe que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, princípios esse que não foram respeitados no caso. Do mesmo modo, o art.º 36.º da mesma Lei Geral Tributária dispõe que a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na Lei.
Antes da alteração do art.º 30.º da Lei tributária pela Lei do orçamento de 2011 - Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro a jurisprudência maioritária entendia que, tais normas não eram aplicáveis em sede de insolvência por ser legislação especial, aplicando-se, por isso, as normas daquele processo, designadamente a possibilidade de, ao abrigo do artigo 196º nº1 als. a) e c) do CIRE, perdoar ou reduzir todos os créditos privilegiados e comuns, inclusive os do Estado, na medida em que implica a prevalência da normas que regulam o processo de insolvência perante as normas de natureza fiscal.
A dita alteração da LT veio acrescentar ao falado artº 30º da LGT, um número novo – nº 3 – do seguinte teor:
«O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial».
No caso concreto o que está em causa é a moratória nos pagamentos das obrigações tributárias no que concerne á segurança social que, não sendo impossível, devem submeter-se a regras especiais (cf. Decreto-Lei n.º 213/2012de 25 de Setembro).
Ora a jurisprudência que se firmou maioritariamente, após a dita alteração legislativa, que subscrevemos, vai em sentido diverso da decisão recorrida.
Citando o Acórdão do STJ de 01-04-2014 publicado em www.dgsi.pt:
“Reafirmando como indiscutível clareza a indisponibilidade dos créditos tributários, proibindo a sua redução ou extinção e tendo em conta a amplitude do conceito de “relação tributária” e o que a constitui – cfr. art. 30º, nº1, als. a) a e) – o direito insolvencial, após a reforma de 2012, quando conjugado com aqueles preceitos da LGT, é dificilmente harmonizável.
Como é notório, quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, representam, em grande número de casos, avultadas somas, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias, ante o Estado que, nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que, só excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.
Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com a execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos e garantias, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.
O plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia. Por isso, o plano de recuperação da empresa que for aprovado não é oponível ao credor ou credores que não anuíram à redução ou à modificação lato sensu dos seus créditos.”
Conforme Acórdão do STJ de 24-03-2015 no mesmo sítio, “Foi exactamente nesta ordem de ideias que foi elaborado o CIRE e, foi exactamente nesta ordem de ideias que se foi alicerçando a Jurisprudência, conforme resulta do Acórdão do STJ de 4 de Junho de 2009 em que é expressamente referido que “uma perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais créditos e da insolvência.”.
E assim, “Não se põe em causa o carácter imperativo dos artigos 30º nº2 e 36º nºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo D.L. nº398/98 de 17.12 e do artigo 196º nº 1 e 5 do CPPT, aprovado pelo D.L. nº 433/99 de 26/10.
Neste sentido e nesta relação o acórdão 18-06-2013 publicado em www.dgsi.pt.
Termos em que deve ser revogada a sentença apelada, procedendo a apelação.

Em conclusão:
Não obstante o plano de revitalização aprovado conter cláusula que viola as norma imperativas dos arts. 30º, nº 2 e 3, e 36º, nº 2 e 3, da LGT, e 190º, nº 1, 2, a) e 6, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não deve ser o mesmo objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível ao Instituto da Segurança Social.
DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes desta secção cível, em julgar a apelação procedente revogando-se a sentença apelada e, em consequência, decide-se homologar o plano de revitalização em causa, sendo porém o mesmo ineficaz relativamente ao crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P, não produzindo quaisquer efeitos quanto a tal crédito.

Sem custas.

G. 09.072015
Isabel Rocha
Jorge Teixeira
Manuel Bargado