Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
196/10.3IDBRG.G1
Relator: LEE FERREIRA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
GERENTE
DOMINIALIDADE
CRIME
LEGALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEIDO PROVIMENTO
Sumário: I) O preenchimento do tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal pressupõe a conduta de quem tem o domínio e a capacidade efectiva de administração da sociedade comercial e só pode ser responsabilizado criminalmente quem, na ocasião em que não foi entregue a prestação tributária retida ou deduzida, reunia os poderes de facto necessários para optar pelo incumprimento da obrigação tributária.
II) Daí que a qualidade de "gerente" no sentido formal, mesmo que com um conhecimento da situação de incumprimento, seja insuficiente para a imputação do referido tipo de crime e se torne necessário demonstrar que esse gerente ou administrador de direito tinha o domínio funcional dos factos referentes ao exercício das obrigações fiscais da empresa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Na sentença proferida nestes autos com o n.º 196/10.3IDBRG após a realização da audiência de julgamento, o tribunal singular do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães condenou o arguido Francisco F., pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 105º, n.os 1, 2, 4 e 7, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e pelos artigos 30.º, n.os 1 e 2 e 79.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa por cada um dos crimes e em cúmulo jurídico na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a pena de multa de € 1.020,00 (mil e vinte euros, condenou o arguido Álvaro M. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 105º, n.os 1, 2, 4 e 7, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e pelos artigos 30.º, n.os 1 e 2 e 79.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a pena de multa de € 720,00 (setecentos e vinte euros), condenou o arguido Joaquim F. pela prática de um crime de Abuso de Confiança Fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 105º, n.os 1, 2, 4 e 7, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e pelos artigos 30.º, n.os 1 e 2 e 79.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a pena de multa de € 720,00 (setecentos e vinte euros) e condenou a arguida "N… , Ld.ª" pela prática de dois crimes de abuso de Confiança Fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 105º, n.os 1, 2, 4 e 7 e 7.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e pelos artigos 30.º, n.os 1 e 2 e 79.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 200 (duzentos) dias de multa por cada um dos crimes e em cúmulo jurídico condenou a arguida "N…, Ld.ª"na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a pena de multa de € 1.680,00 (mil seiscentos e oitenta euros)

Inconformados, os arguidos Joaquim F. e Álvaro M. interpuseram recurso pedindo a revogação da sentença e substituição por outra decisão que absolva os arguidos-recorrentes.

Das motivações, os arguidos extraíram as seguintes conclusões (transcrição) :

I. Os Recorrentes foram condenados cada um pela prática de um crime de Abuso de Confiança Fiscal, na forma continuada, p.p. pelo artigo 105.°, n.°s 1, 2, 4 e 7, da Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho e pelos artigos 30.°, n.°s 1 e 2 e 79.°, n.° 1 , do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a pena de multa de € 720,00 (setecentos e vinte euros).
II. Em sede de julgamento foram ouvidas as restantes testemunhas arroladas, quer pela acusação, quer pela defesa.
III. Perante a factualidade provada e face à motivação da douta decisão recorrida e à sua fundamentação fáctico-conclusiva e jurídica, verifica-se que na mesma não foi feita criteriosa ponderação das circunstâncias provadas e não provadas, concluindo-se (e mal) pela condenação dos Recorrentes;
IV. In casu, a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada está indevidamente motivada, denotando de acordo com o texto da decisão recorrida, contradição entre os factos provados e não provados e entre estes e a respetiva justificação probatória;
V. Ou bem que os aqui Recorrentes exerciam funções de gerência na data da consumação dos ilícitos criminais que lhe eram imputados, ou bem que não exerciam e, neste caso, não podiam ser responsabilizados pelos mesmos.
VI. Nenhuma prova foi produzida que permita concluir que os ora Recorrentes tivessem intervenção pessoal na decisão de não pagar ao Estado os impostos em causa.
VII. Nenhuma prova significa que rigorosamente nada foi apurado quanto à conduta dos Recorrentes no sentido de terem, efectivamente, poder de decisão na gestão/administração da sociedade arguida.
VIII. Não está em causa a insuficiência da prova produzida, mas uma total ausência de prova sobre a prática dos factos que são imputados aos Recorrentes.
IX. A prova produzida não contém qualquer referência, nem permite qualquer ilação, quanto ao comportamento dos Recorrentes relativamente à decisão de a sociedade não pagar os impostos em dívida.
X. Os ora Recorrentes foram condenados, apenas, com base numa presunção judicial.
XI. Os nossos Tribunais entendem que não se pode concluir, perante o facto de alguém figurar no registo como gerente de uma sociedade, que esse alguém exerce, de facto, essas funções de gerência.
XII. Aliás, trata-se de um facto dado como não provado.
XIII. O raciocínio (que prova não existe) do Tribunal a quo não só não permite concluir, para além da dúvida razoável, que os Recorrentes praticaram os crimes de que vêm acusados, como tem um grau de probabilidade de serem conformes à realidade, pelo menos igual à de não corresponderem a essa mesma realidade.
XIV. Não tendo sido apurados quaisquer factos rela à actuação dos Recorrentes, não pode ser feito um juízo individualizado sobre a culpa, daí que o Tribunal a quo se tenha visto obrigado a nova presunção, desta vez a de uma “culpa igual” à do efectivo gerente de facto da sociedade arguida, o arguido Francisco F.. O que é inadmissível!
XV. Pela mesma razão, a determinação da medida da pena, tal como foi feita, redundou em puro arbítrio judiciário.
XVI. A sentença recorrida ofende os princípios basilares do nosso processo penal, pelo que se impõe a sua revogação e consequente absolvição dos Recorrentes.
XVII. Foi violado todo um extenso rol de normas, nomeadamente o artigo 32°, n° 2 do CRP, os artigos 26.°, 40°, n 2 e 71 . do CP e o 127.° do CPP.”

O Ministério Público, por intermédio da magistrada na secção criminal da Instância Local de Guimarães formulou resposta ao recurso, afirmando que a decisão judicial deve ser mantida.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer concluindo que (transcrição parcial)a conclusão a que o Tribunal chegou, plasmada no ponto 10) dos factos dados como provados, de que os arguidos Álvaro M. e Joaquim F., juntamente com o arguido Francisco F., se apropriaram dos montantes liquidados e recebidos pela sociedade arguida, a título de IVA, e que esta não entregou nos cofres do Estado, referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2009, descriminados no quadro inserto no ponto 7), é, a nosso ver, arbitrária, estando em contradição com os factos dados como provados nos pontos 1), 2) e 5). Com efeito, tendo o Tribunal dado como provado que a gerência de facto da sociedade “N… Lda.” era exercida apenas pelo arguido Francisco F., sendo este que tomava todas as decisões, que procedia aos pagamentos e que tratava da contabilidade da empresa, não podia concluir que os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. tomaram a decisão de não entregar nos Cofres do Estado o IVA liquidado por aquela sociedade referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2009 e que decidiram fazer suas tais quantias.

Nesta conformidade, entendemos que a sentença enferma do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410°, n.° 2, al. c), do Cód. Proc. Penal, o qual não permite que a causa seja decidida e impõe o reenvio parcial do processo para novo julgamento, quanto aos arguidos Álvaro M. e Joaquim F., nos termos do art. 426°, n.° 1 , do mesmo diploma legal.

Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso merece provimento parcial, devendo ser ordenado o reenvio parcial do processo para novo julgamento.”

Decorrido o prazo de resposta ao parecer, recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e da juíza adjunta e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. Para fundamentação da presente decisão impõe-se a transcrição da sentença recorrida, no segmento referente à enunciação dos factos provados e motivação da decisão da matéria de facto.

O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição):

1) Os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. são, desde 11/05/2007 gerentes da sociedade arguida, gerência que não exerciam de facto;
2) O arguido Francisco F. foi gerente de direito da sociedade denominada “N… LDA” até 11/05/2007, altura em que renunciou à gerência, sempre tendo, porém, exercido a gerência de facto da sociedade arguida, competindo-lhe tomar todas as decisões, por conta e no interesse da sociedade arguida, nomeadamente, tratar das encomendas, dar ordens aos trabalhadores, pagar os respectivos salários, proceder aos pagamentos de fornecedores, tratar da contabilidade da empresa;
3) A sociedade arguida tem como objecto comércio por grosso de equipamentos electrónicos, telecomunicações e suas partes;
4) A sociedade encontra-se registada em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) tendo como competente o Serviço de Finanças de Guimarães – 1 e até 01.01.2009 esteve enquadrada, para efeitos do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal de periodicidade trimestral e no regime normal de periodicidade mensal desde essa data até 01.01.2010;
5) No exercício normal da sua actividade, a sociedade arguida, por intermédio do seu gerente de facto, prestou serviços a título oneroso e adquiriu bens e serviços que lhe foram facturados pelos respectivos fornecedores, ambos sujeitos a IVA;
6) A sociedade arguida realizou operações tributáveis, porém, não efectuou a entrega do imposto liquidado nas facturas, juntamente com as respectivas declarações periódicas.
7) Assim, apesar de a sociedade ter recebido os montantes facturados nas percentagens constantes do quadro que segue e ter liquidado o respectivo imposto sobre o valor acrescentado devido ao Estado, não fez entrega nos cofres do Estado dos montantes a seguir indicados, nos 90 dias sobre o termo do prazo legal para a sua entrega nem posteriormente, nos trinta dias posteriores à notificação para pagamento voluntário a que alude o art.º 105.º, n.º 4, alínea b) do RGIT:
PERÍODO A QUE RESPEITA A INFRACÇÃO
PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA EM FALTA
PERCENTAGEM

DE RECEBIMENTO

DATA LIMITE DE

PAGAMENTO:

3.º Trimestre de 2008
€ 24 752,24
96,33%
17/11/2008
4.º Trimestre de 2008
€ 34.728,54
97,67%
16/02/2009
Novembro de 2009
€ 21.825,81
98,04%
11/01/2010
Dezembro de 2009
€ 68.885,34
97,12%
10/02/2010
      TOTAL
€ 150.191,93
97,12%
8) Ascende, deste modo, a € 150.191,93 o montante de imposto sobre o valor acrescentado apurado e não entregue;
9) O arguido Francisco F., actuando em representação da sociedade arguida apropriou-se do montante respeitante ao 3.º trimestre de 2008 que sabia pertencer ao Estado e que o havia retido com essa específica obrigação, passando a utilizá-lo em proveito da sociedade, fazendo-o seu, renovando tal desígnio em relação trimestre seguinte;
10) Os três arguidos, actuando em representação da sociedade arguida, apropriaram-se do montante respeitante ao mês de Novembro de 2009 que sabiam pertencer ao Estado e que o havia retido com essa específica obrigação, passando a utilizá-lo em proveito da sociedade, fazendo-o seu, renovando tal desígnio em relação ao mês seguinte;
11) Pelo menos a partir de inícios de 2009 que os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. tinham conhecimento das dívidas de imposto referentes ao 3.º e 4.º trimestres de 2008 e da sua responsabilidade, enquanto gerentes, pelo pagamento do IVA que viesse a ser liquidado;
12) Os arguidos, sendo os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. apenas quanto ao imposto referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2009, agiram de forma livre, deliberada e voluntariamente, em conjugação de esforços e vontades, bem sabendo que tais quantias teriam de ser entregues ao credor tributário dentro dos prazos legais, o que não fizeram, actuando com a intenção reiterada de os integrar no património da sociedade, causando assim prejuízo ao Estado, contra a vontade deste;
13) Os arguidos foram renovando os seus propósitos, sendo os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. apenas quanto ao imposto referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2009, por razões de dificuldades económicas e face à dificuldade da Administração Fiscal em detectar situações de incumprimento, tendo agido em relação às posteriores apropriações no quadro do circunstancialismo favorável que rodeou a sua primeira actuação;
14) Tornou-se, por isso, a sociedade arguida responsável pelo pagamento ao Estado desses montantes, na medida em que os arguidos actuaram em sua representação;
15) Sabiam os arguidos que tais condutas eram proibidas e punidas por lei;
16) Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais.”

O tribunal julgou não provados os seguintes factos:

a) a sociedade arguida não procedeu à entrega à administração fiscal das declarações periódicas;
b) os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. exerceram de facto a gerência da sociedade arguida.

Na fundamentação da decisão em matéria de facto do tribunal recorrido, consta o seguinte (transcrição):

“A convicção do tribunal filiou-se nos documentos juntos aos autos conjugados com a prova produzida em audiência, não tendo os arguidos prestado declarações.

Desde logo, resulta dos autos que as declarações periódicas foram entregues, constando as mesmas dos autos (fls. 6, 11, 16 e 24). Também resulta dos autos que a sociedade recebeu 97,20% da facturação referente aos períodos em causa, conforme resulta de fls. 308 e ss.

Ainda quanto à titularidade da gerência de direito da sociedade arguida, conforme a certidão permanente de fls. 130 a 139, resulta que o arguido Francisco F. renunciou à gerência em 11/05/07, tendo, na mesma data, sido nomeados gerentes os arguidos Álvaro M. e Joaquim F., resultando da mesma certidão que a sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença de 09/06/10.

Tais documentos não foram impugnados, não tendo sido produzida prova que contrariasse os factos neles descritos.

A testemunha José M. técnico de administração tributária da Direcção de Finanças de Braga, em depoimento, depondo de forma precisa isenta e verdadeira, confirmou os períodos e montantes m causa e que os mesmos ainda se encontram em dívida.

A testemunha José P., que foi TOC da sociedade arguida desde 2007 até à declaração de insolvência, prestou depoimento em que revelou ter conhecimento do funcionamento da empresa, que se reputou, no essencial de verdadeiro, referindo que foi contratado pelo arguido Francisco F., estando presente o funcionário Abel, referindo que era normalmente o funcionário do escritório, Abel F. que lhe fazia a entrega dos documentos e que era do seu conhecimento que os gerentes de direito eram os arguidos Álvaro M. e Joaquim F., mas que quem de facto exercia a gerência era o arguido Francisco F., que anteriormente era também o gerente de direito. Referiu que constatava haver falta de liquidez da sociedade e que esta tinha também dívidas à Segurança Social e que a empresa tinha cerca de 12 trabalhadores e funcionava em instalações cedidas gratuitamente, referindo também que o arguido Joaquim F. era o responsável pela qualidade e fabricação e o arguido Álvaro M. o responsável pelo armazém, estando o arguido Francisco F. ligado à parte comercial.

Referiu ainda ter também sido TOC de uma outra sociedade denominada F…, tendo as duas empresas coexistido, e que a estrutura da sociedade arguida era a mesma que já existia na sociedade F…, sendo o arguido Francisco F. que em ambas as empresas era o responsável, com o domínio total da gestão., tendo os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. sido nomeados como gerentes, sendo, na sua expressão, "testas de ferro", devido a problemas de dívidas da F… e da Nova F…, não desempenhando qualquer papel nas tomadas de decisão da empresa, sendo o arguido Francisco F. quem tomava as decisões.

Confirmou ter havido uma cessão de quotas do arguido Francisco F. a alguns trabalhadores, entre eles os arguidos Álvaro M. e Joaquim F., que continuaram a exercer as funções para que tinham sido contratados, havendo entre o primeiro e os segundos uma relação de hierarquia, que definiu como empregador e empregado. Também referiu que quando foi feita a cessão de quotas, todos assinaram um contrato de promessa de venda das mesmas quotas ao arguido Francisco F.. Referiu mesmo que a cessão de quotas foi "fictícia" e que era o arguido Francisco F. que controlava a empresa.

Quanto às dívidas em causa nos autos, confirmou ter enviado as respectivas declarações periódicas e quanto ao seu conhecimento por parte dos arguidos, que nos princípios do ano de 2009, situando talvez em Fevereiro, mas sem grande precisão, já depois de se verificar, pelo menos o primeiro incumprimento, reuniu com os 3 arguidos informando-os da situação e das consequências do não pagamento, tendo mesmo sido elaborado um pedido de pagamento em prestações, que não viria a ser aprovado, subscrito pelos arguidos Álvaro M. e Joaquim F., que a partir de então passaram a ter conhecimento de que o IVA não tinha sido pago e da responsabilidade que, como gerentes de direito, sobre eles recaía.

A testemunha Paula P., administradora de insolvência da sociedade arguida, referiu ter apenas tido contacto com o arguido Álvaro M. e dos contactos que teve com ele ficou com a sensação que haveria outra pessoa por trás e que ele não teria os documentos na sua disponibilidade.

Marco O., que foi trabalhador da sociedade arguida até ao seu encerramento, em depoimento isento e verdadeiro confirmou ter havido uma reunião com alguns trabalhadores em que o arguido Francisco F. propôs que esses trabalhadores dicassem com as quotas da sociedade, tendo ele ficado com 5%, para garantir a continuidade do seu posto de trabalho, nada pagando pelas quotas, tal como os outros trabalhadores, tendo os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. sido nomeados gerentes, não sabendo a razão. Referiu que tudo continuou na mesma, sendo o arguido Francisco F. quem tudo decidia, sendo os outros dois arguidos simples trabalhadores, desempenhando as mesmas funções que desempenhavam anteriormente. Mais que uma vez referiu que o arguido Francisco F. era o seu patrão, era ele que dava as ordens.

Igualmente a testemunha José C., também trabalhador da sociedade arguida até que encerrou, prestando depoimento isento e credível, começou por referir, quando perguntado se conhecia os arguidos, que conhecia o arguido Francisco F. porque era o seu patrão e os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. porque eram colegas de trabalho. Disse que também esteve presente na reunião com alguns dos trabalhadores em que o arguido Francisco F. lhes propôs a cedência das quotas gratuitamente, o que não aceitou, referindo que não queria responsabilidades, e que os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. foram nomeados gerentes, desconhecendo o motivo para tal. Referiu ainda que mesmo a partir desse momento o funcionamento da empresa se manteve exactamente da mesma forma, continuando o arguido Francisco F. a ser o patrão, sempre tendo visto e considerado os outros dois arguidos como colegas de trabalho.

Fernando S., depondo de forma isenta e verdadeira, também trabalhador da sociedade arguida, igualmente começou por dizer conhecer o arguido Francisco F. porque era o seu patrão e os outros dois arguidos porque trabalhavam consigo, desconhecendo por que motivo foram nomeados gerentes, referindo não ter estado presente na reunião em que se decidiu a cessão de quotas aos trabalhadores. Referiu que quem mandava, quem era o patrão, era o arguido Francisco F., tudo tendo continuado igual, em termos de funcionamento, não tendo havido qualquer alteração, nunca tendo sequer ouvido comentar que os arguidos Álvaro M. e Joaquim F. eram os patrões.

Abel R., que era o empregado de escritório da sociedade arguida, depondo também de forma tida como verdadeira, revelando perfeito conhecimento do funcionamento da empresa, confirmou a existência da reunião em que foi proposta a cessão de quotas, em que esteve presente, reunião que foi liderada pelo arguido Francisco F., quota que não aceitou e que o motivo de tal cessão e a nomeação dos outros dois arguidos como gerentes foi motivada pelas dificuldades financeiras que já vinha da sociedade F… e das dificuldades de acesso a crédito bancário, referindo que continuou a ser o arguido Francisco F. a mandar na empresa, pensando que os outros aceitaram a cessão de quotas para garantir a continuidade dos seus empregos. Era o arguido Francisco F. que tudo decidia, nomeadamente quanto a dinheiros e que quando precisava de dinheiro para efectuar pagamentos era a este arguido que se dirigia. Confirmou também que a certa altura foi elaborado um plano para pedido de pagamento do IVA em prestações, reunião em que esteve presente, bem como os três arguidos e que ocorreu em princípios de 2009 e que nessa reunião o arguido Francisco F. transmitiu a ideia de que era possível dar a volta e conseguir pagar os impostos em dívida. Disse que não houve qualquer alteração no funcionamento da empresa, sendo o arguido Francisco F. quem lhe dava ordens. Também referiu que na altura da cessão de quotas os beneficiários assinaram um contrato onde constava que as "quotas voltariam" para o arguido Francisco F.. Como se referiu, denotando conhecimento do funcionamento da empresa, disse que os arguidos mantiveram os vencimentos que tinham antes da cessão de quotas e nomeação dos novos gerente, que seria de € 2.500,00 para o arguido Francisco F. e de 2 900,00 para cada um dos outros arguidos. Confirmou também que o TOC contactava normalmente consigo e que quando foi contratado foi em contacto havido consigo e com o arguido Francisco F..

Ora, não ficam quaisquer dúvidas, atenta a prova vinda de analisar, que efectivamente o arguido Francisco F. sempre exerceu a gerência de facto da sociedade arguida e que a nomeação dos outros dois arguido, bem como a cessão de quotas, foi um acto meramente formal, que não teve quaisquer reflexos no funcionamento da empresa, que continuou a ser exactamente da mesma forma.

Porém, também resulta evidente que os arguidos Álvaro M. e Joaquim F., pelo menos a partir de Fevereiro de 2009 tiveram conhecimento das dívidas de imposto, do seu não pagamento e das suas responsabilidades enquanto gerentes, nada tendo feito para evitar os incumprimentos que se verificaram.”

3. A primeira questão a resolver consiste em saber se se verifica na sentença recorrida a contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão da matéria de facto, como invocam os recorrentes, ou um erro notório na apreciação da prova, como entende o Ministério Público neste tribunal da relação.

No âmbito dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º n.º 2 do Código do Processo Penal, o objecto de apreciação encontra-se bem delimitado: como consta da previsão da norma legal (desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida), o vício decisório apenas pode ser considerado se resultar do teor da sentença, por si só ou conjugado com as regras normais de experiência comum.

Como tem sido entendido na jurisprudência, ocorre o vício decisório da contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição irredutível entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal.

Impõe-se frisar uma vez mais que o objecto ou alvo de apreciação neste plano se restringe sempre à matéria de facto e não ao enquadramento jurídico penal. O problema, suscitado na conclusão V do recurso, de saber se os aqui recorrentes podem ser “responsabilizados” pelo cometimento do crime de abuso de confiança fiscal, ainda que não tivessem exercido funções de gerência de facto e apenas pela participação numa certa reunião sobre os assuntos da sociedade, não encerra uma “questão de facto”, mas uma questão dependente de juízos de valor e de interpretação e aplicação de normas jurídicas. Terá por isso de ser analisado no campo da aplicação do Direito.

Afigura-se-nos, porém, que a simples leitura da sentença evidencia a ocorrência de contradições entre diversos pontos da decisão e dos fundamentos em matéria de facto.

Na verdade, existe uma flagrante contradição entre, por um lado, a matéria constante dos pontos 1 e 2 do elenco dos factos provados e da alínea b) dos não provados (provado queOs arguidos Álvaro M. e Joaquim F. são, desde 11/05/2007 gerentes da sociedade arguida, gerência que não exerciam de facto; O arguido Francisco F. foi gerente de direito da sociedade denominada “N…, LDA” até 11/05/2007, altura em que renunciou à gerência, sempre tendo, porém, exercido a gerência de facto da sociedade arguida, competindo-lhe tomar todas as decisões, por conta e no interesse da sociedade arguida, nomeadamente, tratar das encomendas, dar ordens aos trabalhadores, pagar os respectivos salários, proceder aos pagamentos de fornecedores, tratar da contabilidade da empresa” No exercício normal da sua actividade, a sociedade arguida, por intermédio do seu gerente de facto, prestou serviços a título oneroso e adquiriu bens e serviços que lhe foram facturados pelos respectivos fornecedores, ambos sujeitos a IVA) e, por outro lado, a matéria constante dos pontos 10 e 12 do mesmo segmento da decisão (provado que “Os três arguidos, actuando em representação da sociedade arguida, apropriaram-se do montante respeitante ao mês de Novembro de 2009 que sabiam pertencer ao Estado e que o havia retido com essa específica obrigação, passando a utilizá-lo em proveito da sociedade, fazendo-o seu, renovando tal desígnio em relação ao mês seguinte”, “Os arguidos(…) Álvaro M. e Joaquim F. apenas quanto ao imposto referente aos meses de Novembro e Dezembro de 2009, agiram de forma livre, deliberada e voluntariamente, em conjugação de esforços e vontades, bem sabendo que tais quantias teriam de ser entregues ao credor tributário dentro dos prazos legais, o que não fizeram, actuando com a intenção reiterada de os integrar no património da sociedade, causando assim prejuízo ao Estado, contra a vontade deste).

No sentido comum, todos sabemos que gere uma sociedade comercial quem tem poderes formais ou efectivos para tomar e executar as decisões de administração e condução das actividades dessa sociedade.

Neste sentido comum das palavras, só se pode apropriar de algum bem ou, melhor, só pode dispor de uma quantia retida ou deduzida a título de IVA, quem materialmente executa, por si ou por intermédio de outrem, os actos de gerência efectiva da sociedade.

Ou seja, se Álvaro M. e Joaquim F. não exerciam de facto a gerência da sociedade “N… Ldª”, se foi Francisco F. quem sempre tomava todas as decisões, por conta e no interesse da sociedade, se foi por intermédio deste mesmo arguido Francisco F. que a sociedade prestou serviços e adquiriu bens ou serviços sujeitos a IVA, então ocorre uma flagrante quebra de lógica e de razoabilidade quando ao mesmo tempo se afirma que aquelas mesmas duas pessoas agiram em representação da sociedade e se apropriaram de um montante de IVA e o utilizaram em proveito da sociedade fazendo-o seu.

Seguindo raciocínio lógico a partir de regras elementares de vivência comum, esta antinomia ou contradição entre factos provados da fundamentação da sentença existe, ainda que se tenha em conta o teor do ponto 11 da matéria de facto provada: ter conhecimento da existência de dívidas de IVA e da “responsabilidade enquanto gerentes pelo pagamento do IVA que viesse a ser liquidado” é uma realidade muito distinta de um comportamento de “apropriação” e da utilização em proveito da sociedade, que só são compreensíveis pela capacidade e exercício de intervenção directa nos assuntos da sociedade.

Concluímos assim que a decisão recorrida enferma do vício decisório da contradição insanável da fundamentação, constante da alínea b) do n.º 2 do art.º 410.º do Código do Processo Penal.

4. Afigura-se-nos que o próprio texto da sentença contém os elementos necessários para a decisão neste âmbito, pelo que não se revela indispensável o reenvio do processo para novo julgamento.

Percorrendo a enunciação da síntese de cada depoimento prestado na audiência de julgamento, acima transcrito, retém-se com segurança que todos os elementos disponíveis são coincidentes na afirmação que teve consagração nos pontos 1, 2 e 5 da matéria de facto provada.

Como aí consta a título conclusivo “não ficam quaisquer dúvidas, atenta a prova vinda de analisar, que efectivamente o arguido Francisco F. sempre exerceu a gerência de facto da sociedade arguida e que a nomeação dos outros dois arguidos, bem como a cessão de quotas, foi um acto meramente formal, que não teve quaisquer reflexos no funcionamento da empresa, que continuou a ser exactamente da mesma forma.” Ou seja, como já afirmado, os arguidos Álvaro M. e Joaquim F., que eram e continuaram a ser empregados da sociedade, nunca exerceram de facto a gerência da sociedade “Nova F…Ldª”, e foi Francisco F. quem sempre tomou todas as decisões, por conta e no interesse da sociedade, aí se incluindo necessariamente a aquisição de bens e serviços, a retenção e entrega do IVA.

Por outro lado, o único circunstancialismo referente a qualquer tipo de participação nas decisões ou de conhecimento dos arguidos recorrentes restringe-se à referencia a uma reunião ocorrida “nos princípios do ano de 2009, talvez em Fevereiro”, na qual o TOC José P. informou os três arguidos “da situação e das consequências do não pagamento, tendo mesmo sido elaborado um pedido de pagamento em prestações, que não viria a ser aprovado”, pelo que Álvaro M. e Joaquim F., passaram a ter conhecimento de que o IVA não tinha sido pago e da responsabilidade que, como gerentes de direito, sobre eles recaía.”

Perante a fundamentação do juízo probatório, a única forma possível de sanar o vício decisório e de afastar a contradição consiste em retirar qualquer referência aos arguidos Álvaro M. e Joaquim F. dos factos provados constantes dos pontos 10, 12, 13 e 15 da matéria de facto provada.

Pelo exposto, decidimos revogar parcialmente a sentença recorrida e modificar a decisão da matéria de facto, por forma a constar o seguinte:

10) O arguido Francisco F., actuando em representação da sociedade arguida, apropriou-se do montante respeitante ao mês de Novembro de 2009 que sabia pertencer ao Estado e que o havia retido com essa específica obrigação, passando a utilizá-lo em proveito da sociedade, fazendo-o seu, renovando tal desígnio em relação ao mês seguinte; (…)

12) O arguido Francisco F., agiu de forma livre, deliberada e voluntaria, bem sabendo que tais quantias teriam de ser entregues ao credor tributário dentro dos prazos legais, o que não fez, actuando com a intenção reiterada de os integrar no património da sociedade, causando assim prejuízo ao Estado, contra a vontade deste;

13) O arguido Francisco F. foi renovando os seus propósitos, por razões de dificuldades económicas e face à dificuldade da Administração Fiscal em detectar situações de incumprimento, tendo agido em relação às posteriores apropriações no quadro do circunstancialismo favorável que rodeou a sua primeira actuação; (…)

15) O arguido Francisco F. sabia que tais condutas eram proibidas e punidas por lei;

Toda a matéria constante dos pontos 10, 12, 13 e 15 da sentença recorrida que fazia referência aos arguidos Álvaro M. e Joaquim F. fica aditada ao elenco dos factos não provados.

5. Cumpre de seguida apreciar se a materialidade dos eventos da vida real que agora se encontram provados preenchem ou não os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime, ou seja, se os arguidos recorrentes cometeram ou não o crime de abuso de confiança fiscal e por ele devem ser punidos.

Como se tem sublinhado, o crime de abuso de confiança fiscal pressupõe a anterior existência de uma relação jurídica de substituição, ou seja de uma situação em que a posição de devedor na relação tributária, por imposição da lei, seja ocupada a título indirecto por um substituto do verdadeiro contribuinte, por força da existência, entre ambos, de uma relação jurídica de direito privado. Deste modo e em nome do que se considera como sendo uma relação de confiança, o substituto tributário permanece investido numa posição de domínio sobre o valor da prestação do imposto em causa e de uma obrigação jurídica de entrega ao Estado no prazo fixado na lei fiscal Seguimos o entendimento de Aires de Sousa, Susana, Os Crimes Fiscais, Coimbra Editora, 2009, p. 121-132; Silva, Germano Marques da, Direito Penal Tributário, Univ. Católica, Lisboa, 2009, p. 241-244; Costa Andrade, Manuel da e Aires de Sousa, As metamorfoses e desventuras de um crime (abuso de confiança fiscal) irrequieto, Direito Penal, Textos Doutrinários, III, Coimbra Editora, 2009, p.323-330, Lumbrales, Nuno, O Abuso de Confiança Fiscal no Regime Geral das Infracções Tributárias, Revista de Direito e Gestão Fiscal (2003) p.89, Marques, Paulo- Crime de Abuso de Confiança Fiscal, Coimbra Editora, 2011, p-39.Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-01-2007, Rel. Isabel Pais Martins, processo 0642766 www.dgsi.pt . Segundo jurisprudência e doutrina maioritárias, apenas haverá crime se a prestação tiver sido efectivamente recebida. A apropriação exigida pelo tipo de crime de abuso de confiança fiscal, pode traduzir-se na mera fruição ou na disposição uti dominus pelo devedor de cada uma das prestações retidas que estava obrigado a entregar, sem necessidade se reconduzir ao gasto ou consumo em proveito próprio ou alheio.

Neste entendimento, que sufragamos, a lei não tipifica como crime a mera falta de pagamento em si, para a qual prevê a utilização de mecanismos coercivos em sede de execução fiscal (artigos 148.º e segs. do CPPT), mas sim a disposição injustificada ou a não restituição dolosa da quantia, de valor superior a 7500 €, retida ou deduzida no momento e sob a forma devidas, entendidas como comportamentos que atingem a cooperação devida na relação jurídico tributária, diminuem as receitas fiscais e ofendem valores fundamentais, constitucionalmente reconhecidos.

O preenchimento do tipo legal pressupõe a conduta de quem tem o domínio e a capacidade efectiva de administração da sociedade comercial e só pode ser responsabilizado criminalmente quem, na ocasião em que não foi entregue a prestação tributária retida ou deduzida, reunia os poderes de facto necessários para optar pelo incumprimento da obrigação tributária.

Daí que a qualidade de “gerente” no sentido formal, mesmo que com um conhecimento da situação de incumprimento, seja insuficiente para a imputação do crime de abuso de confiança fiscal e se torne necessário demonstrar que esse gerente ou administrador de direito tinha o domínio funcional dos factos referentes ao exercício das obrigações fiscais da empresa Vide genericamente a este propósito, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 03-06-2009, Maria Elisa Marques, proc. 21/05.7APRD.P1 e de 13.01-2010, Melo Lima, proc. 1/06.5IDPRT.L1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-04-2013, Jorge Raposo, proc. 496/11.5IDLSB.L1-3 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 18-02-2013, Ana Teixeira Silva, proc. 15691/09IDPRT.G1 e de 17-06-2013, Teresa Baltazar, proc. 267/10.6IDBRG. G2.

Na doutrina: Marques, Paulo, op. cit. p. 80-85 e Silva, Germano Marques, op. cit. p. 305-308. .

Na situação concreta destes autos, foi Francisco F. quem sempre tomou todas as decisões, por conta e no interesse da sociedade, aí se incluindo necessariamente a aquisição de bens e serviços, a retenção e entrega do IVA. Ao mesmo tempo, os arguidos Joaquim F. e Álvaro M. não tinham efectivos poderes de administração, nem capacidade para dispor das quantias retidas ou deduzidas a título de IVA, pelo que inexiste fundamento para a responsabilização criminal.

Em conclusão, terão de proceder os recursos.

6. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento aos recursos, pelo que modificam a decisão da matéria de facto nos termos acima enunciados e absolvem os arguidos Joaquim F. e Álvaro M. do cometimento do crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 105º, n.os 1, 2, 4 e 7, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

Guimarães, 11 de Maio de 2015.

Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.

João Carlos Lee Ferreira

Maria Isabel Cerqueira