Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5959/12.2TBBRG.G1
Relator: PAULO DUARTE BARRETO
Descritores: SERVIÇOS PÚBLICOS
ENERGIA ELÉCTRICA
RESPONSABILIDADE
NEXO DE CAUSALIDADE
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Para a responsabilização de uma entidade que distribui energia eléctrica não basta a verificação de danos, em bens de um cliente, na sequência de uma anomalia na rede; pode dizer-se, é certo, que se não ocorressem perturbações na rede eléctrica, os danos não teriam ocorrido; mas isso não chega; importa averiguar se concorreram outras específicas causas, já relativas a cada concreta instalação doméstica, que contribuíram para o seu enfraquecimento; se a instalação eléctrica ou os equipamentos estiverem em perfeito estado, poderá não haver danos, apesar da anomalia na rede eléctrica.
II - A Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, entretanto sucessivamente alterada, criou no ordenamento jurídico português alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, entre eles o serviço de fornecimento de energia eléctrica [art.º 1.º, n.º 2, al. b)]; como princípios gerais que vinculam o prestador do serviço encontramos a boa-fé (art.º 3.º), o dever de informação (art.º 4.º) e a obediência a elevados padrões de qualidade (art.º 7.º).
III - O art.º 11.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, determina que cabe ao prestador de serviço essencial a prova de todos os factos relativos ao cumprimento das suas obrigações e ao desenvolvimento de diligências decorrentes da prestação do serviço a que se refere a presente lei, o que significa que incumbia à E.. duas coisas: primeiro, demonstrar que a anomalia ocorreu apesar de ter cumprido todas as diligências que lhe eram exigíveis, devendo, em conformidade, identificar concretamente qual a causa de força maior que provocou a sobretensão; segundo, estando obrigada a cumprir elevados padrões de qualidade, é dever da recorrente, mesmo que a causa da sobretensão lhe fosse alheia, ter mecanismos eficazes de regularização da tensão da rede eléctrica que obstem a danos nas instalações dos seus utentes, salvo se esses danos decorrerem de deficiência de protecção das instalações danificadas.
IV - A EDP tem que ter capacidade para corrigir ou normalizar as alterações de tensão na rede eléctrica, de modo a evitar danos nas instalações dos utentes; obviamente que esta obrigação de qualidade decai se tais instalações não estiverem capazes ou ocorrerem excepcionais situações de força maior, que nos autos não se mostram sequer invocadas.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2.ª) do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
P.., com sede no Largo.., Lisboa, veio intentar a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra E.. SA, com sede na Rua.., Lisboa.
Para tanto alega em síntese:
Que a Ré se obrigou a fornecer energia eléctrica ao imóvel da Autora denominado convento de Montariol e que para transformação e reencaminhamento da corrente eléctrica recebida na sua propriedade a Autora adquiriu e instalou um posto de transformação.
Mais alega que no dia 13 de Dezembro de 2010, por razões alheias à responsabilidade da Autora, verificou-se um aumento de tensão eléctrica na linha que fornece o posto de transformação que culminou na danificação de variado equipamento eléctrico, telefónico e informático a jusante daquele posto.
Entende a Autora que ao causar o prejuízo que causou pela descarga se ter situado na sua esfera de disponibilidade de condução e entrega de electricidade e de se ter repercutido a jusante nas instalações da Autora a Ré se constituiu na obrigação objectiva de indemnizar a Autora pelos danos que sofreu.
Pede a Autora a condenação da Ré no pagamento da quantia de €30.798,41, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde 07/01/2011.
A Ré, regularmente citada veio contestar dizendo em síntese que toda a infra-estrutura eléctrica pública a que se acha ligado o posto de transformação da autora se encontrava instalada de acordo com as mais modernas regras da técnica, da arte, da segurança e dentro do tempo de vida útil, sendo objecto de acções de vigilância e manutenção e acções de inspecção e limpeza, tendo sido vistoriada e licenciada pela Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia.
Mais alega que no dia 13 de Dezembro de 2010 se verificou uma avaria nos descarregadores de tensão situados no apoio nº 2 T na transição do ramal aéreo que liga ao posto de transformação da Autora; avaria que não sendo frequente constituiu uma situação normal na exploração de qualquer rede eléctrica e ocorre em regra por acção de fenómenos externos ao funcionamento da própria linha, não tendo a Ré identificado a causa concreta que danificou os descarregadores de tensão.
Que a ter ocorrido sobretensão nas instalações da Autora tal significa que a mesma não foi eliminada no posto de transformação nem nos circuitos de baixa tensão, seja por falta dos aparelhos de protecção seja porque estes não funcionaram correctamente.
Foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, a condenar a Ré a pagar à autora a quantia de €28.564,11 (vinte e oito mil quinhentos e sessenta e quatro euros e onze cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a citação e até integral pagamento.
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Não se conformando com a sentença, dela veio recorrer a Ré, oferecendo as seguintes conclusões:
“ 1. Verifica-se erro de julgamento na apreciação da prova, nomeadamente na resposta dada aos quesitos 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória.
2. O Tribunal a quo respondeu afirmativamente aos referidos quesitos, concluindo que o aumento de tensão que levou à fusão dos descarregadores de tensão ocorreu na linha elétrica pública explorada pela Recorrente e que abastece o posto de transformação da Recorrida, no sentido de que teve a origem nesta linha.
3. Contudo, atento o conteúdo dos depoimentos das testemunhas J.., J.., P.., J.. e C.. (registados na 2.ª sessão da audiência de julgamento, realizada a 25 de outubro de 2013), nunca o Tribunal a quo poderia ter respondido naquele sentido.
4. As testemunhas referiram ser desconhecida a origem da sobretensão que levou à fusão dos descarregadores existentes na linha, tendo uma delas afirmado que foi no próprio Posto de Transformação da Recorrida que se verificou a anomalia que levou à sobretensão verificada na rede.
5. Mais ainda: as testemunhas confirmaram que a linha elétrica em causa se encontrava em condições normais de exploração e devidamente instalada, não tendo sido verificada qualquer anomalia, nem se tendo procedido a qualquer reparação, para além da substituição dos descarregadores.
6. Por último, as testemunhas afirmaram ainda não ter recebido qualquer outra reclamação dos clientes abastecidos pela mesma linha elétrica.
7. Por sua vez, é a própria sentença recorrida, na sua motivação, que refere não ser possível retirar qualquer conclusão sobre qual foi essa origem, mas tão só que se verificou um aumento de tensão na linha da Ré, da mesma forma que se verificou uma sobretensão no Posto de Transformação da Autora.
8. A sentença recorrida conclui, dizendo que de tudo o exposto, e que retrata a prova produzida relativamente ao incidente ocorrido e à sobretensão verificada, entendemos não ser possível retirar qualquer conclusão segura sobre qual foi essa origem.
9. Deste modo, nunca o Tribunal a quo poderia ter concluído no sentido de que a sobretensão teve origem na rede elétrica explorada pela Recorrente.
10. Impõe-se, assim, a reapreciação da prova, para o que deverá proceder-se à audição dos depoimentos das referidas testemunhas e, em consequência, alterar-se as respostas dadas à matéria versada nos quesitos 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da Base Instrutória.
11. A alteração dessas respostas levará, forçosamente, à inaplicabilidade do artigo 509.º do CC, norma que serviu de fundamento à condenação da Recorrente pelo Tribunal a quo;
12. Com efeito, para que se aplique o disposto no artigo 509.º do CC, forçoso seria demonstrar que a fusão dos descarregadores derivou – em exclusivo - da condução ou entrega da eletricidade ou da instalação eléctrica explorada pela E.., facto que não se provou.
13. Em suma, ao considerar desconhecida a causa e origem da sobretensão e ao julgar provado que nenhuma anomalia foi verificada na rede elétrica e que mais nenhuma reparação foi efetuada na linha para além da substituição dos descarregadores de tensão, resultará forçosamente afastada a responsabilidade civil objetiva da Recorrente, absolvendo-se a mesma do pedido formulado pela Recorrida.
14. Por outro lado, nas instalação da recorrida, portanto, a jusante do ponto onde se encontravam os descarregadores de sobretensão da rede pública, ocorreram vários danos, tanto ao nível da baixa tensão como no Posto de Transformação (cfr. Ponto 14., 17., 18., 19., 20., 21. e 22. da FUNDAMENTAÇÃO)”.
A Autora contra alegou, embora sem apresentar conclusões, pugnando pela manutenção do decidido.
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II – Fundamentação
A) Fundamentação de Facto
Ficou assente que:
1. A Autora é uma pessoa colectiva religiosa reconhecida como Corporação Missionário. – Alínea A) da matéria de facto assente.
2. A Ré dedica-se à distribuição e venda de energia eléctrica e é concessionária da rede de distribuição de energia eléctrica em A.T., M.T. e B.T. no território nacional. – Alínea B) da matéria de facto assente.
3. A Autora é dona do prédio misto denominado “Quinta de Montariol”, sito no lugar do mesmo nome ou da Boavista, descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número doze mil quatrocentos e quarenta e quatro e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob os artigos números mil quarenta e três e mil duzentos e trinta e nove, e na matriz rústica sob os artigos números setenta e sete e setenta e oito. – Alínea C) da matéria de facto assente.
4. No prédio identificado na alínea anterior têm lugar, desde o início do século passado, actividades missionárias e religiosas variadas relacionadas com o desígnio espiritual e social da Autora, tais como a prática do Preparatório, o funcionamento do Seminário e Convento de Montariol, a existência de casas de retiro, reflexão e hospedagem, entre outras, sempre com a colaboração residente de comunidades de dezenas de pessoas. – Alínea D) da matéria de facto assente.
5. Por acordo entre a Autora e a Ré, reduzido a escrito e denominado “Contrato de Fornecimento de Energia Eléctrica”, a Ré obrigou-se a fornecer à Autora energia eléctrica ao Convento de Montariol pela instalação número 10288004, com uma potência total instalada de 250,00 kVA, o que vem sendo desenvolvido ao longo dos tempos. – Alínea E) da matéria de facto assente.
6. Para transformação e reencaminhamento da corrente eléctrica recebida na sua propriedade, a Autora adquiriu e instalou um posto de transformação com potência de 250 kVA, com projecto aprovado por despacho do Ministério da Economia – Direcção Regional do Norte (processo 10596 1/3), equipado com aparelhagem de média tensão, protecção contra sobretensões, e rede de terras. – Alínea F) da matéria de facto assente.
7. A Autora enviou à Ré duas cartas datadas de 07/01/2011 cujas cópias constam de fls. 22 a 23 e 24 a 25 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. – Alínea G) da matéria de facto assente.
8. A Ré respondeu às comunicações referidas na alínea anterior mediante carta datada de 21/01/2011 onde refere ter-se verificado uma anomalia na sua rede de Média Tensão consubstanciada na fusão de 2 DST (descarregadores de sobretensão) instalados no apoio de transição da linha aérea para a subterrânea no cabo que alimenta o posto de transformação da Autora mas não assumir a responsabilidade pelos prejuízos sofridos, conforme cópia que consta de fls. 26 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. – Alínea H) da matéria de facto assente.
9. A Ré remeteu ainda à Autora carta datada de 14/04/2011 cuja cópia consta de fls. 27 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual reitera não poder assumir a responsabilidade pelos alegados danos sofridos. – Alínea I) da matéria de facto assente.
10. Para o exercício da sua actividade a Ré mantém instaladas diversas infra-estruturas, nomeadamente, linhas eléctricas aéreas e subterrâneas. – Alínea J) da matéria de facto assente.
11. No dia 13 de Dezembro de 2010 verificou-se uma avaria nos descarregadores de tensão situados no apoio nº 2 T, na transição do ramal aéreo que liga ao Posto de Transformação da Autora para a sua parte subterrânea. – Alínea L) da matéria de facto assente.
12. A Ré não logrou identificar a causa concreta que danificou os descarregadores de Tensão. – Alínea M) da matéria de facto assente.
13. No dia 13 de Dezembro de 2010, pelas 12 horas e 22 minutos, ocorreu um aumento de tensão eléctrica na linha que fornece o posto de transformação da Autora. – Resposta ao quesito 1º da base instrutória.
14. Nessa altura, por força da existência de sobretensão, ficou danificado equipamento eléctrico, telefónico e material informático da Autora situado a jusante do seu posto de transformação. – Resposta ao quesito 2º da base instrutória.
15. O referido em 13) ocorreu na linha eléctrica situada a montante da instalação da Autora. – Resposta ao quesito 3º da base instrutória.
16. A sobretensão referida em 14) ultrapassou a capacidade dos equipamentos protectores de segurança do posto de transformação. – Resposta ao quesito 4º da base instrutória.
17. Os descarregadores de sobretensão existentes no posto de transformação da Autora ficaram danificados por força da referida sobretensão. – Resposta ao quesito 5º da base instrutória.
18. Os quadros de distribuição de energia ficaram destruídos. – Resposta ao quesito 6º da base instrutória.
19. No quadro geral e da Casa Editorial Franciscana verifica-se a carbonização de disjuntores, plásticos, cablagens, circuitos. – Resposta ao quesito 7º da base instrutória.
20. O mesmo ocorre no quadro da tipografia com carbonização de disjuntores, plásticos, cablagens, circuitos. – Resposta ao quesito 8º da base instrutória.
21. A instalação eléctrica no bloco de quartos do terceiro andar do Colégio encontra-se calcinada. – Resposta ao quesito 9º da base instrutória.
22. O equipamento electrónico “Conceptronic”, com transposição da mesma para o tampo da mesa em madeira, encontra-se calcinada. – Resposta ao quesito 10º da base instrutória.
23. Para reparação e substituição do equipamento danificado, que inclui 10 Terminais cravar 10, 3 Diferenciais 4x40A-300mA, 4 Cabos V16, 1 Diferencia 2x25A-300mA, 0,4 Barramento trifásico, 1 Barramento tipo escada 4x125A, 8 Terminais Cravar 16, 3 DDS, 15 DDE, 15 Fios V6, 220 Cabos TVHV 50 pares, 850 Cabos TVHV 2 pares, 50 ponteiras de 6mm, 1 Descarregador 3P+N e mão-de-obra, é necessária a quantia de €6.113,70. – Resposta ao quesito 11º da base instrutória.
24. Na instalação telefónica a caixa da central ficou queimada e vários disjuntores calcinados, o que impossibilita o seu funcionamento. – Resposta ao quesito 12º da base instrutória.
25. Para lá da central CONNEXITY – M6501 - LIPB, 10 telefones e seus módulos resultaram danificados, bem como o router FRIT2 BOX WLAN7170, a Antena DECT e seu terminal, a impressora taxadora da central, cuja reparação e substituição se cifraram na quantia de €11.634,84. – Resposta ao quesito 13º da base instrutória.
26. Ficaram ainda danificados os equipamentos informáticos melhor descritos no documento de fls. 23 (alínea c)) e de fls. 76, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. – Resposta ao quesito 14º da base instrutória.
27. Para reparação e substituição do material referido no número anterior a Autora necessita de despender a quantia global de €5.387,77. – Resposta ao quesito 15º da base instrutória.
28. A sobretensão causou ainda danos no equipamento da Casa Editorial Franciscana, que funciona no mesmo edifício (Colégio de Montariol), designadamente a calcinação de equipamento informático, rebentamento de cablagens por sobretensão e aquecimento, calcinação de placas-mãe de computadores, de baías de porta, de tomadas, e circuitos variados. – Resposta ao quesito 16º da base instrutória.
29. Ficaram aí danificados uma impressora laser, uma impressora multifunções, um monitor, uma impressora a cores multifunções, dois PC’s de secretária, um portátil, um router, um ar condicionado, um adaptador USB e uma supressora de picos de corrente, a Autora teve ainda de adquirir novos programas informáticos de contabilidade e ainda um outro ar condicionado, que resultou também inutilizado, para o que terá de despender a quantia total de €5.428,50. – Resposta aos quesitos 17º e 18º da base instrutória.
30. Na data referida em 13) as instalações da Autora eram abastecidas de energia eléctrica em média tensão, através da linha a 15 kV “S. Martinho de Dume -Gualtar”, a partir da subestação de Dume. – Resposta ao quesito 20º da base instrutória.
31. O posto de transformação da Autora é alimentado a partir de uma linha aérea que deriva para um ramal misto, aéreo e subterrâneo, o qual tem aplicados descarregadores de sobretensão no apoio nº 2 T, onde faz a transição de aéreo para subterrâneo. – Resposta ao quesito 21º da base instrutória.
32. A linha de média tensão é dotada de protecção homopolar (ITGD) e detector de terras na saída da subestação de Dume, e de protecções contra sobretensões por descarregadores de sobretensão e hastes de descarga em diversos pontos da linha. – Resposta ao quesito 22º da base instrutória.
33. O ramal que deriva para as instalações da Autora dispõe de isoladores do tipo “AAB 1404”. – Resposta ao quesito 26º da base instrutória.
34. O ramal para o posto de transformação da Autora foi instalado em 2004. – Resposta ao quesito 27º da base instrutória.
35. A rede aérea que serve este ramal é composta por vários troços, todos eles remodelados em datas posteriores a 1980. – Resposta ao quesito 28º da base instrutória.
36. A durabilidade deste tipo de instalações, em regra, é superior a cinquenta anos. – Resposta ao quesito 29º da base instrutória.
37. As referidas instalações encontravam-se bem conservadas e eram objecto de acções sistemáticas de vigilância e de manutenção, com periodicidade de cerca de dois anos. – Resposta ao quesito 30º da base instrutória.
38. Foram realizadas acções de inspecção e de limpeza da faixa de protecção da linha em causa em Fevereiro e Maio de 2008, em Maio de 2009 e em Novembro de 2010. – Resposta ao quesito 31º da base instrutória.
39. Toda a infra-estrutura eléctrica em causa foi vistoriada e licenciada pela Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia. – Resposta ao quesito 32º da base instrutória.
40. A instalação da Autora encontra-se inserida em zona com um índice de consumidores superior a 25.000. – Resposta ao quesito 33º da base instrutória.
41. Durante o ano de 2010 a instalação da Autora foi afectada por 5 interrupções do fornecimento, sendo duas delas por período de tempo inferior a 3 minutos, e as outras três com o total de 203 minutos. – Resposta ao quesito 34º da base instrutória.
42. A avaria referida em 11) constitui uma situação normal na exploração de qualquer rede eléctrica e ocorre, em regra, por acção de fenómenos externos ao funcionamento da própria linha, como por exemplo, descargas atmosféricas directas, contactos furtivos, actos de terceiro. – Resposta ao quesito 35º da base instrutória.
43. Os descarregadores de tensão situados no apoio nº 2 T actuaram perante a sobretensão. – Resposta ao quesito 36º da base instrutória.
44. As instalações dos consumidores devem estar dotadas de aparelhos de protecção contra a ocorrência de sobretensões e também de descarregadores de sobretensão de baixa tensão (230 V e 400 V), protegendo os aparelhos de qualquer tipo de sobretensão, seja de origem interna, seja de origem externa. – Resposta ao quesito 37º da base instrutória.
45. A sobretensão não foi eliminada no Posto de Transformação da Autora nem nos circuitos de baixa tensão. – Resposta ao quesito 38º da base instrutória.
46. A instalação de protecções contra sobretensões e a manutenção do posto de transformação e dos circuitos de baixa tensão são da responsabilidade do proprietário das instalações. – Resposta ao quesito 40º da base instrutória.
47. A rede eléctrica explorada pela E.. termina à entrada do posto de transformação da Autora onde procede à entrega energia à tensão de 15.000 volts, sendo esta transformada em tensão simples de 230 volts, para corrente monofásica, ou tensão composta de 400 volts para corrente trifásica. – Resposta ao quesito 41º da base instrutória.
48. A maioria dos aparelhos eléctricos utiliza energia eléctrica à tensão de 230 volts. – Resposta ao quesito 42º da base instrutória.
49. O posto de transformação da Autora dispunha na sua aparelhagem de média tensão de descarregadores de sobretensão. – Resposta ao quesito 43º da base instrutória.
50. Os descarregadores de sobretensão da linha da Ré actuaram perante a sobretensão que se verificou na linha. – Resposta ao quesito 44º da base instrutória.
51. A Autora tem nas suas instalações descarregadores de sobretensão no QGBT (Quadro Geral de Baixa Tensão) com as seguintes características: Descarregador de Sobretensão (Limitador de Sobretensão do Tipo II) In = 5 KA (Corrente nominal) Imax = 15 KA (Corrente Máxima). – Resposta ao quesito 45º da base instrutória.
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B) Fundamentação de direito
O objecto do recurso afere-se do conteúdo das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente.
Isso significa que a sua apreciação deve centrar-se nas questões de facto e ou de direito nele sintetizadas e que, in casu, são as seguintes:
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto (factos 1.º, 3.º, 4.º e 5 .º da base instrutória); e
- matéria de direito (decorrente da alteração da matéria de facto e, em consequência, inaplicabilidade do artigo 509.º do CC, norma que serviu de fundamento à condenação da recorrente pelo tribunal a quo).
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Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A recorrente discorda do julgamento quanto aos factos 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da base instrutória, que tinham a seguinte redacção:
Facto 1.º: No dia 13 de Dezembro de 2010 verificou-se um aumento de tensão eléctrica na linha que fornece o posto de transformação da Autora?
Facto 3.º: Tal aumento verificou-se na rede de distribuição da Ré situada a montante da instalação da Autora?
Facto 4.º: Tais sobretensões ultrapassaram a capacidade dos equipamentos protectores de segurança do posto de transformação?
Facto 5.º: O posto de transformação revela sinais de destruição oriundos dessas sobrecargas?
O tribunal a quo respondeu do seguinte modo:
Facto 1.º No dia 13 de Dezembro de 2010, pelas 12 horas e 22 minutos, ocorreu um aumento de tensão eléctrica na linha que fornece o posto de transformação da Autora.
Facto 3.º: O referido em 13) ocorreu na linha eléctrica situada a montante da instalação da Autora.
Facto 4.º: A sobretensão referida em 14) ultrapassou a capacidade dos equipamentos protectores de segurança do posto de transformação.
Facto 5.º: Os descarregadores de sobretensão existentes no posto de transformação da Autora ficaram danificados por força da referida sobretensão.
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Cumpre a esta Relação reexaminar a decisão sobre a matéria de facto quanto a esta específica matéria.
Basicamente sustenta a recorrente que o tribunal a quo não podia ter concluído que o aumento de tensão, que levou à fusão dos descarregadores de tensão, ocorreu na linha eléctrica publica explorada pela recorrente e que abastece o posto de transformação da recorrida.
Importa referir que vem já demonstrado da al. L) dos factos assentes que no dia 13 de Dezembro de 2010 verificou-se uma avaria nos descarregadores de tensão situados no apoio nº 2 T, na transição do ramal aéreo que liga ao Posto de Transformação da Autora para a sua parte subterrânea.
Bem como consta da al. H) dos factos assentes que a Ré respondeu às comunicações referidas na alínea anterior, mediante carta datada de 21/01/2011, onde refere ter-se verificado uma anomalia na sua rede de Média Tensão consubstanciada na fusão de 2 DST (descarregadores de sobretensão) instalados no apoio de transição da linha aérea para a subterrânea no cabo que alimenta o posto de transformação da Autora mas não assumir a responsabilidade pelos prejuízos sofridos, conforme cópia que consta de fls. 26 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Resulta ainda das alíneas E) e F) dos factos assentes que, por acordo entre a Autora e a Ré, reduzido a escrito e denominado “Contrato de Fornecimento de Energia Eléctrica”, a Ré obrigou-se a fornecer à Autora energia eléctrica ao Convento de Montariol pela instalação número 10288004, com uma potência total instalada de 250,00 kVA, o que vem sendo desenvolvido ao longo dos tempos, e que para transformação e reencaminhamento da corrente eléctrica recebida na sua propriedade, a Autora adquiriu e instalou um posto de transformação com potência de 250 kVA, com projecto aprovado por despacho do Ministério da Economia – Direcção Regional do Norte (processo 10596 1/3), equipado com aparelhagem de média tensão, protecção contra sobretensões, e rede de terras.
Mais ficou demonstrado que: (i) o posto de transformação da Autora é alimentado a partir de uma linha aérea que deriva para um ramal misto, aéreo e subterrâneo, o qual tem aplicados descarregadores de sobretensão no apoio nº 2 T, onde faz a transição de aéreo para subterrâneo. – Resposta ao quesito 21º da base instrutória; (ii) o ramal que deriva para as instalações da Autora dispõe de isoladores do tipo “AAB 1404”. – Resposta ao quesito 26º da base instrutória; (iii) o ramal para o posto de transformação da Autora foi instalado em 2004. – Resposta ao quesito 27º da base instrutória; (iv) a rede eléctrica explorada pela EDP termina à entrada do posto de transformação da Autora onde procede à entrega energia à tensão de 15.000 volts, sendo esta transformada em tensão simples de 230 volts, para corrente monofásica, ou tensão composta de 400 volts para corrente trifásica. – Resposta ao quesito 41º da base instrutória.
Ora, tudo visto, é inquestionável que resulta da factualidade já apurada, e não impugnada nesta apelação pela recorrente, que a linha eléctrica explorada pela recorrente só termina no posto de transformação da autora.
A única anomalia demonstrada nos autos, igualmente não impugnada pela recorrente, foi nos descarregadores de tensão situados no apoio nº 2 T, na transição do ramal aéreo que liga ao Posto de Transformação da Autora para a sua parte subterrânea, ou, utilizando a redacção da recorrente numa das comunicações à autora, uma anomalia na sua rede de Média Tensão consubstanciada na fusão de 2 DST (descarregadores de sobretensão) instalados no apoio de transição da linha aérea para a subterrânea no cabo que alimenta o posto de transformação da Autora.
Por conseguinte, podemos seguramente concluir que a anomalia ocorreu na linha eléctrica da recorrente.
É certo que, apesar de se classificar como anomalia, sabemos que os descarregadores de tensão reagem a uma sobretensão na linha, o que significa que algo aconteceu que fez aumentar a tensão na linha, o que, por sua vez, accionou os descarregadores de tensão. É o que resulta da resposta ao item 44.º da base instrutória, também não impugnada, onde ficou provado que os descarregadores de sobretensão da linha da Ré actuaram perante a sobretensão que se verificou na linha.
Não sabemos o que provocou a sobretensão, mas é claro que a linha foi sujeita a sobretensão. Aliás, só assim podia ser, pois se não houve sobretensão na linha os descarregadores de tensão não tinham actuado.
E aqui entramos no cerne da impugnação da matéria de facto.
Fundada nos depoimentos de J.., J.., P.., J.. e C.., entende a recorrente que o tribunal a quo não podia ter considerado provado que o aumento de tensão da linha eléctrica ocorreu a montante da instalação da Autora.
J.. (engenheiro electrotécnico, gestor operacional da área de manutenção de redes de alta e média tensão da ré) referiu não ser possível saber se o problema que causou a sobretensão ocorreu na rede da EDP ou nas instalações da autora.
J.. (engenheiro electrotécnico, gestor de clientes da ré) referiu que nada houve na linha da EDP que pudesse ter originado a sobretensão, ancorando-se na ausência de outras reclamações e nas averiguações dos técnicos da recorrente. O que foi corroborado por J.. (técnico principal de manutenção de instalações eléctricas da ré), C.. (técnico de instalações eléctricas das ré) e P.. (engenheiro electrotécnico, responsável pelo departamento de manutenção e reposição de serviço da EDP) chegou a dizer que “ basta algum equipamento eléctrico do posto de transformação do cliente ter algum problema e provocar uma elevação de tensão na instalação do cliente que dava para fazer disparar os descarregadores de sobretensão”.
Do outro lado, isto é, das testemunhas arroladas pela autora, cumpre realçar B.., engenheiro electrotécnico e responsável técnico pelo posto de transformação da autora, que nas fotos de fls. 168, 169 e 170, respeitantes ao poste da Ré, se viu uns cabos soltos que são os isoladores e estão rebentados, quando o normal é estarem ligados, o que é prova de que se verificou uma sobretensão na linha da Ré, sendo que a função de tais cabos é estabelecer a correcta ligação à alimentação; mais referiu que os descarregadores de sobretensão são outros que não estes cabos que se vêm desligados nas referidas fotografias.
Aqui chegados, cumpre ponderar criticamente a prova produzida, sem a preocupação de procurar uma certeza absoluta, por não ser essa que cura o direito, nem a prova em tribunal. Interessa-nos uma certeza que corresponda a uma probabilidade suficiente para as necessidades da vida em comunidade, dos interesses e direitos em pleito. A busca de uma verdade quase filosófica não interessa ao direito. Enquanto “casa de direitos”, o tribunal julga segundo as provas que o aproximam de uma realidade fortemente provável. E isso basta.
A versão da recorrente é a de que não encontrou qualquer anomalia na sua rede que justificasse a sobretensão, alicerçando-se quer na inexistência de reclamações de outros clientes, quer nas apreciações técnicas efectuadas pelos seus funcionários. Não obstante, tais argumentos são afastados, por um lado, com a constatação fotográfica de B.., e, por outro, pelo depoimento do responsável pelo departamento de manutenção e reposição de serviço da própria ré – testemunha P.. – que disse que considerando a extensão do ramal que serve apenas as instalações da Autora, a ocorrer algum problema na linha da E.. que originasse a sobretensão, se este se localizasse no ramal e próximo das instalações da Autora, não se pode concluir com segurança que se propagasse a sobretensão em direcção da linha que abastece os outros clientes, pelo que, nesse caso nada se pode concluir pelo facto de outros clientes não terem reclamado. Mais disse esta testemunha que o facto da linha da Ré se encontrar exposta, desde logo por ser aérea, pelo menos até ao poste em causa, poderia levar à ocorrência de uma sobretensão na mesma, sem que concretamente fosse visível qualquer outra anomalia. Outrossim, na comunicação à autora de Janeiro de 2011, a própria ré refere que “ apesar do elevado grau de fiabilidade das infra estruturas das redes eléctricas, que é garantido pela nossa acção sistemática de vigilância e manutenção, é-nos impossível eliminar totalmente a ocorrência destas situações, atendendo a que as redes eléctricas, mormente os seus elementos expostos, estão sujeitas a agressões de agentes externos de variada origem”.
Do exposto decorre, por um lado, que é irrelevante a inexistência de reclamações de outros clientes da recorrente, e, por outro, que a não verificação de qualquer dano na rede eléctrica da ré não significa que a sobretensão não tenha aí ocorrido.
Acresce, e como bem refere o tribunal a quo, que do documento da Ré de fls. 215 confirma-se uma anomalia às 12.22 do dia 13/12/2010, na linha S. Martinho de Dume/Gualtar, bem como a existência de um outro incidente pelas 12.21 do mesmo dia na linha S. Martinho de Dume/Braga 1. De resto, do documento junto pela Ré a fls. 137 confirma-se ainda a anomalia ocorrida e conclui-se que no ano de 2010 a Autora foi afectada por cinco interrupções no fornecimento de energia, situando-se três das mesmas no referido dia 13/12/2010.
Diga-se igualmente que a invocada falta de condições técnicas do posto de transformação da autora também não se comprovou, resultando até o contrário de matéria de facto não impugnada pela ré (resposta aos factos 43.º e 51.º da base instrutória e facto não provado sob o n.º 5, ou seja, que a sobretensão não foi eliminada porque a instalação eléctrica da Autora não dispunha de protecções contra sobretensões).
Assim, tudo conjugado, designadamente tendo em conta o depoimento de P.. (que invalida os argumentos carreados pela sua própria entidade patronal, no caso, a inexistência de outras reclamações e a não verificação de danos na rede eléctrica), o depoimento de B.. (que vê nas fotos de fls. 168, 169 e 170, respeitantes ao poste da Ré, uns cabos soltos que são os isoladores e estão rebentados, quando o normal é estarem ligados), e ainda os documentos juntos pela ré em que reconhece três incidentes na sua rede só no dia 13/12/2010, entendemos que andou bem o tribunal a quo ao considerar provado que no dia 13 de Dezembro de 2010, pelas 12 horas e 22 minutos, ocorreu um aumento de tensão na linha eléctrica situada a montante da instalação da Autora.
Resta dizer que a recorrente não faz qualquer apreciação nas suas alegações às respostas aos factos 4.º e 5.º da base instrutória, daí que não se possa apreciar a impugnação dessa matéria, por se desconhecer quais os seus fundamentos.
Não se vislumbra, assim, motivos para modificar a decisão sobre a matéria de facto.
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Matéria de direito
Embora a recorrente restrinja a modificação da decisão de direito à procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (conclusão 11: A alteração dessas respostas levará, forçosamente, à inaplicabilidade do artigo 509.º do CC, norma que serviu de fundamento à condenação da Recorrente pelo Tribunal a quo), não deixaremos, contudo, de abordar a questão jurídica.
Comecemos pelo nexo causal, matéria relevantíssima nestas questões de responsabilidade civil.
A teoria da causalidade adequada, é entendida por Galvão Telles como “determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, face à experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” (Manual das Obrigações, n.º 229).
Por conseguinte, para a responsabilização de uma entidade que distribui energia eléctrica não basta a verificação de danos, em bens de um cliente, na sequência de uma anomalia na rede. Pode dizer-se que se não ocorressem perturbações na rede eléctrica, os danos não teriam ocorrido. Mas isso não chega. Importa averiguar se concorreram outras específicas causas, já relativas a cada concreta instalação doméstica, que contribuíram para o seu enfraquecimento. É que se a instalação eléctrica ou os equipamentos estivessem em perfeito estado, não teria havido danos, apesar da anomalia na rede eléctrica.
Como refere o STJ (acórdão de 02.11.2004, processo n.º 04A3457) a causalidade adequada tem uma formulação positiva e outra negativa. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação. Na formulação negativa (mais ampla), o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
No caso concreto, porém, é possível, à luz da teoria da causalidade adequada, consagrada no art.º 563.º, do Código Civil, encontrar nexo causal entre a anomalia na rede eléctrica da recorrente e os danos sofridos pela autora. Por que, apesar de ter ficado demonstrado que a sobretensão não foi eliminada no Posto de Transformação da Autora, nem nos circuitos de baixa tensão, sabemos, todavia, que tal sobretensão ultrapassou a capacidade dos equipamentos protectores de segurança do posto de transformação. E, para que não restem dúvidas, não conseguiu a recorrente demonstrar que a sobretensão não foi eliminada porque a instalação eléctrica da Autora não dispunha de protecções contra sobretensões (facto não provado sob o n.º 5).
Por conseguinte, os danos sofridos pela autora foram causados pelo aumento de tensão eléctrica na rede da recorrente situada a montante da instalação da Autora.
Agora a responsabilidade objectiva.
Como se disse, a recorrente só sustenta a inexistência de responsabilidade objectiva face à modificação da matéria de facto que sugeriu, daí que, improcedendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, é despiciendo entrar em apreciações jurídicas que a recorrente, em rigor, não suscita.
De qualquer modo, e para que não fiquem pontas soltas, não deixaremos de apreciar a resposta ao facto 43.º da base instrutória, com o seguinte teor: A avaria referida em 11) constitui uma situação normal na exploração de qualquer rede eléctrica e ocorre, em regra, por acção de fenómenos externos ao funcionamento da própria linha, como por exemplo, descargas atmosféricas directas, contactos furtivos, actos de terceiro.
Poderá este facto significar contradição, pois dele decorrerá a não responsabilização da recorrente, ao abrigo do n.º 2, do art.º 509.º, do Código Civil?
Vejamos.
Importa dizer que a avaria não está no accionar dos descarregadores de tensão. A anomalia está na sobretensão da rede eléctrica, actuando os descarregadores para corrigir tal sobretensão.
A Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, entretanto sucessivamente alterada, criou no ordenamento jurídico português alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, entre eles o serviço de fornecimento de energia eléctrica [art.º 1.º, n.º 2, al. b)].
Como princípios gerais que vinculam o prestador do serviço encontramos a boa-fé (art.º 3.º), o dever de informação (art.º 4.º) e a obediência a elevados padrões de qualidade (art.º 7.º).
O art.º 11.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, determina que cabe ao prestador de serviço a prova de todos os factos relativos ao cumprimento das suas obrigações e ao desenvolvimento de diligências decorrentes da prestação do serviço a que se refere a presente lei.
Isto significa que incumbia à E.. duas coisas: primeiro, demonstrar que a anomalia ocorreu apesar de ter cumprido todas as diligências que lhe eram exigíveis, devendo, em conformidade, identificar concretamente qual a causa de força maior que provocou a sobretensão; segundo, estando obrigada a cumprir elevados padrões de qualidade, é dever da recorrente, mesmo que a causa da sobretensão lhe fosse alheia, ter mecanismos eficazes de regularização da tensão da rede eléctrica que obstem a danos nas instalações dos seus utentes, salvo se esses danos decorrerem de deficiência de protecção das instalações danificadas. A E.. tem que ter capacidade para corrigir ou normalizar as alterações de tensão na rede eléctrica, de modo a evitar danos nas instalações dos utentes. Obviamente que esta obrigação de qualidade decai se tais instalações não estiverem capazes ou ocorrerem excepcionais situações de força maior, que nos autos não se mostram sequer invocadas.
Ora, no caso concreto, é manifesto que a recorrente não logrou demonstrar qual a causa de força de maior, a existir, que causou a sobretensão na rede eléctrica, nem por que motivo, estando o posto de transformação da autora protegido, não conseguiu, com qualidade, repor a normal tensão na linha eléctrica, de modo a evitar os danos sofridos pela aqui demandante.
E assim deve ser responsabilizada, como foi, ao abrigo do art.º 509.º, n.º 1, do Código Civil.
Termos em que, da integração da factualidade apurada no direito, resulta, fundadamente e sem qualquer contradição, a responsabilidade objectiva da recorrente, decaindo integralmente a apelação.
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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a apelação, assim se confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Guimarães, 27 de Fevereiro de 2014
Paulo Barreto
Filipe Caroço
António Santos