Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1766/08-2
Relator: TERESA BALTAZAR
Descritores: COACÇÃO SEXUAL
ACTO SEXUAL DE RELEVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Não é qualquer acto de natureza sexual que se enquadra na disposição legal do artigo 163.º do Código Penal (Coacção sexual), o mesmo tem também de constituir uma ofensa grave e séria à intimidade e liberdade sexual da vítima. Tem de constituir um entrave importante à livre determinação sexual desta.
II - Actualmente o bem jurídico tutelado por esta disposição legal é o direito da vítima a dispor livremente da sua sexualidade.
Aludindo o referido artigo a acto sexual de relevo.
III- "O acto sexual de relevo, é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas".
IV - No caso, ao agarrar com força na zona das ancas e imobilizando a ofendida, que havia perseguido, então com 15 anos de idade, que fazia o percurso para a escola, apesar da oposição desta e dos esforços que fazia para se libertar, oferecendo sincera e inequívoca resistência, virando-a para si, a fim de a submeter aos seus intentos libidinosos, colocando-lhe as mãos no peito e apertando-lhe os seios, praticou o arguido, então com 40 anos de idade, com violência, acto sexual de relevo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
- Tribunal recorrido:
Varas de Competência Mista de Guimarães (1ª Vara - Proc. n.º 117/07.0GD GMR).
- Recorrente:
O arguido J…
- Objecto do recurso:
Nas Varas de Competência Mista de Guimarães, 1ª Vara, no Proc. nº 117/07.0GD GMR, o arguido J…, identificado nos autos, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, tendo a final sido proferido acórdão, constando do respectivo dispositivo, o seguinte (transcrição):
"Decisão
Pelo exposto, decide-se :
1. Quanto à parte criminal:
a) Condenar o arguido J… na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão, pela prática de um crime de coacção sexual, p. e p. pelo artigo 163º, nº 1;
b) Suspender esta pena na sua execução pelo período de um (1) ano e seis (6) meses;
c) Condená-lo, ainda, nas custas do processo, com taxa de justiça de 2 U.C. (acrescida de 1% a favor da A.P.A.V. - artigo 13º, nº 3, do Depilei nº 423/91, de 30/10) e procuradoria de 1/2 da taxa de justiça devida, fixando-se em 16,00 U.R. os honorários da sua defensora oficiosa
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2. Quanto à parte cível:
a) Condenar o demandado J… a pagar à demandante C…:
- a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais;
- juros de mora sobre esta quantia, às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde a notificação do pedido cível e até integral pagamento
b) No pagamento das custas cíveis.
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Notifique e remeta boletins à D.S.I.C.C.".

(O destacado a negrito é nosso)
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Inconformado com a supra referida decisão, o arguido dela interpôs recurso, terminando a sua motivação com as conclusões constantes de fls. 202 a 209, o que aqui se dá integralmente como reproduzido.
Termina pedindo a sua absolvição.
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O Ministério Público na 1ª instância apresentou resposta, na qual entende que o recurso não deverá merecer provimento - cfr. fls. 213 a 219.
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Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido, também, da improcedência do recurso, acompanhando a resposta que se acaba de referir (cfr. fls. 234).
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Foi cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

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- Cumpre apreciar e decidir:
- É de começar por salientar que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.

- No essencial, as questões deste recurso resumem-se ao seguinte:

1 - Em síntese, discorda o recorrente da decisão do tribunal recorrido e no respeitante á fixação da matéria de facto;
2 - Entende também que não estão presentes todos os elementos objectivos e subjectivos, do tipo de crime em causa - p. e p. pelo art. 163º do C. Penal - referindo, nomeadamente, que mesmo os factos dados como provados não "constituem acto sexual de relevo".
Pelo que entende que devia ser absolvido da prática deste crime.
3 - E por entender que não cometeu o crime que lhe vinha imputado, solicita a sua absolvição quanto ao pedido de indemnização civil.
E caso assim não se entenda, o que refere por "cautela de patrocínio", deve o montante do pedido de indemnização civil ser reduzido e fixado em quantia não superior a € 500.00.

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Matéria de facto dada como provada, e não provada, na 1ª instância e sua motivação (transcrição):
“Matéria de Facto Provada

No principio do ano de 2007, não suas deslocações para o local de trabalho, o arguido, tendo-se apercebido que a menor C…, nascida a 21/06/1992, realizava diariamente a pé e sozinha, de segunda a sexta-feira, entre a 7,55 horas e as 8,15 horas, o percurso desde a sua residência, sita na …, até à paragem do autocarro, situada na … e, pelas 13,30 h, fazia o percurso inverso de regresso a casa, resolveu assediá-la.
Nesta conformidade, desde princípios de Janeiro de 2007 até meados de Março do mesmo ano, durante o período escolar, em dias de semana não concretamente apurados, entre as 7,55 horas e as 8,15 horas e, por duas vezes, pelas 13,30 horas, o arguido aproximava-se da menor C… dirigindo-lhe inúmeras palavras e expressões de cariz sexual, tais como “és boa” e “És boa, não me escapas; não vale a pena fugir que eu caço-te”.
A menor C… nunca acedeu a estas investidas do arguido, afastando-se dos locais onde o encontrava.
Assustada com a perseguição reiterada do arguido, a C… procurou, então, fazer tal percurso acompanhada, sempre que lhe era possível arranjar alguém disponível para o efeito.
Em dia não concretamente apurado do mês de Março de 2007, pelas 13,30 horas, o arguido aproximou-se da C… quando esta passava em frente do pavilhão gimnodesportivo de … agarrou-a com força na zona das ancas, logrando assim imobilizá-la, apesar da resistência por ela oferecida e dos esforços realizados para se libertar.
Seguidamente, o arguido virou a C… de frente para si, colocou as suas mãos no peito dela por cima do vestuário que trazia vestido e apertou-lhe os seios.
Entretanto, a C…, conseguiu libertar-se dele e fugir para casa.
Em consequência destes actos de abuso sexual praticados pelo arguido contra a C…, esta ficou psicologicamente afectada e transtornada, apresentando um estado de grande nervosismo, de medo e de ansiedade, que a levam a longos períodos de choro.
Pela estatura, compleição física e aspecto visual que a menor apresentava, osso arguido ficou perfeitamente ciente de que a menor tinha idade inferior a 16 anos e não dispunha de compleição e capacidade física para o enfrentar e se opor com êxito aos seus intentos.
O arguido agiu de vontade livre e consciente, com propósito conseguido de, através da força muscular contra ela empregue, obrigar a C… a sofrer os mencionados contactos corporais, designada e principalmente, a manipulação com apertões dos seios e, deste modo, de a incomodar nos seus sentimentos e na sua liberdade sexuais, para satisfazer a sua libido, bem sabendo que a sua conduta não era permitida.
Nada consta do seu certificado de registo criminal.
O arguido é casado, vivendo com a mulher e dois filhos, com 5 e 8 anos de idade.
Os filhos do arguido sofrem, ambos, de epilepsia.
O agregado vive com muitas dificuldades, pois o arguido ganha cerca de € 450,00 e a mulher está desempregada.
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Provou-se, ainda, com relevo para o pedido de indemnização civil que:
Os factos causaram e ainda causam à menor enorme perturbação.
Esta anda assustada, tem medo de sair à rua sozinha e mesmo de ficar em casa sozinha, pois receia voltar a encontrar o arguido, ou que este a procure.
Os factos ocorridos tiveram influência negativa nos seus estudos.
Pois não se conseguia concentrar, andava sempre ansiosa e nervosa, tendo crises de choro.
O que ainda se verifica, embora de forma mais atenuada, devido ao comportamento de familiares e amigos.
Não se provaram quaisquer outros factos
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Matéria de Facto Não Provada
Não se provou, nomeadamente, que:
O arguido tenha decidido seguir a vítima no referido trajecto;
O arguido tenha, todos os dias de manhã, de segunda a sexta-feira, entre as 07,55 horas e as 08,15 horas, o arguido tenha seguido a menor C.. desde a referida Rua de … até ao pavilhão gimnodesportivo de…, situado próximo da paragem onde ela apanhava o autocarro para a escola;
Inicialmente, no decurso deste trajecto o arguido tenha começado a procurar agarrá-la tendo em vista a efectivação de contactos corporais de natureza sexual;
A menor tenha conseguido fugir dele e evitar tais contactos físicos;
A menor temesse que o arguido, na concretização das pretensões manifestadas, a levasse para um monte próximo e a obrigasse a praticar com ele outros actos de natureza sexual;
Nas ocasiões em que a C… se fazia acompanhar por alguém, o arguido se limitasse a segui-la à distância, sem lhe dirigir a palavra ou qualquer gesto;
Apesar de a menor sempre se recusar a iniciar e em manter qualquer tipo de conversa, relacionamento ou contacto físico com ele, nos dias em que a C… não conseguia companhia e fazia o percurso sozinha, o arguido se aproximasse dela e procurasse agarrá-la;
O arguido lhe dirigisse as referidas expressões de cariz sexual para a desmotivar e a convencer de que não valia a pena fugir e não conseguiria escapar-se para sempre;
O arguido tenha agarrado a vítima no primeiro dia em que a seguiu no trajecto da paragem do autocarro para a sua residência;
O arguido tenha manietado a vítima;
Esta se tenha sempre debatido e lutado com o arguido;
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Motivação
A convicção probatória do Tribunal decorreu :
- das declarações para memória futura tomadas à vítima C… e lidas em audiência, posteriormente completadas e corrigidas pelo depoimento que prestou em julgamento, no qual declarou que o arguido começou a aproximar-lhe dela, dirigindo-lhe as expressões referidas, no mês de Janeiro de 2007; de manhã, tal sucedia no percurso que fazia de sua casa para o autocarro, entre as 7h55m e as 8h30m e, de tarde, quando voltava para casa, por voltas das 13h30m; o arguido nunca a seguiu; num dia de Março que não sabe indicar, quando regressava a casa, o arguido apareceu-lhe saindo de um “monte” e começou a segui-la, o que foi notório, pois quando a C… mudava para um lado e para o outro da estrada, o arguido fazia o mesmo; a certa altura, em frente ao ginásio de…, o arguido agarrou-a pelas ancas, voltou-a para si e apalpou-lhe os seios; naquela zona não há casas, nem passavam na altura quaisquer pessoas; depois deste dia é que contou o sucedido à sua mãe; identificou em audiência o arguido como sendo o homem que praticou os factos que descreveu;
- dos depoimentos das testemunhas de acusação:
I…, mãe da menor, que declarou saber dos factos apenas aquilo que a filha lhe contou; quanto lhe relatou o sucedido estava muito transtornada; no dia em que foi agarrada pelo arguido, a menor não ficou com marcas, mas chegou a casa muito alterada; nos dias seguintes não queria sair de casa, nem para fazer recados; não conheciam o arguido, apesar de viverem todos muito perto;
Inspector R…, da Polícia Judiciária, que declarou que o arguido foi identificado porque a menor o viu passar numa carrinha de trabalhadores da construção civil e identificou a firma a que pertencia; com esta indicação, agentes da PJ dirigiram-se à firma e apuraram a identificação do arguido, considerando também a zona de residência da menor e o trajecto que esta fazia;
- dos depoimentos das testemunhas do pedido cível:
M…, prima da menor, que declarou esta lhe contou o que tinha sucedido, mas só depois de ter contado à mãe; a C… tinha medo de sair à rua sozinha, preferindo muitas vezes que o filho da testemunha a acompanhasse nos percursos que tinha que fazer; ainda se nota algum nervosismo na menor e medo de sair à rua; a C… teve o acompanhamento de um psicólogo;
L…, irmã do companheiro da mãe da menor, que declarou que frequenta habitualmente a casa da “cunhada”; a rapariga andava sempre assustada e pedia muito ao filho da testemunha que a acompanhasse na camioneta para a escola; quando se descobriu o que se passava, a C… melhorou do nervosismo; mesmo assim, chumbou nesse ano;
- do depoimento da testemunha de defesa:
A…, encarregado de obra da empresa onde o arguido trabalha há 20 anos; declarou, com interesse, que o horário de trabalho do arguido é entre as 8h30m e as 12h e entre as 13h e as 17h30m; o arguido não registou faltas ao serviço; entre Janeiro e Março andaram numa obra no lugar do …; como era perto, cada trabalhador ia ter à obra pelos seus próprios meios; nessa altura o arguido ia a casa almoçar; esclareceu o Tribunal sobre a situação familiar e económico-financeira do arguido.
- foi analisado o c.r.c. do arguido..
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- As questões do recurso são, pois, as seguintes:
1 - Discorda o recorrente da decisão do tribunal recorrido e no respeitante à fixação da matéria de facto (entende que deve ser absolvido).
No essencial, são estes os pontos da matéria de facto com que o recorrente refere discordar:
- Que tenha perseguido a menor (cls. 1ª, 5ª e 6ª);
- Que a tenha assediado (cls. 2ª);
- Que agisse sabendo de que face à compleição física desta ela tinha menos de 16 anos (cls. 3ª);
- Que a imobilizasse na altura em causa usando da sua força muscular (cls. 4ª);
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A prova produzida em audiência de julgamento tendo sido gravada, tem como consequência que o recurso poderá versar matéria de facto e de direito.
Nos termos do disposto no artigo 428º, do Código de Processo Penal, "As relações conhecem de facto e de direito.".
Aos recorrentes, sempre que impugnem a matéria de facto, incumbe o ónus de dar concretização aos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e às provas que impõem decisão diversa da recorrida; aliás, sempre que as provas tenham sido gravadas, a concretização destas terá de ser feita por referência ao consignado em acta. Veja-se o que decorre dos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal (o recurso é de 19-05-2008 - cfr. fls. 191 - aplicando-se as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-8).
Ora o recorrente não concretizou as referidas imposições legais, quer ao nível da motivação do recurso quer das suas conclusões. Limitando-se a efectuar duas brevíssimas alusões, com transcrição, quanto à prova produzida sem expressão no global da prova produzida (vide pontos 6º e 8º).
No entanto, quanto a esta questão, ainda se refere o seguinte:
O recorrente faz alusão a vários depoimentos que em seu entender levariam a que se desse como apurada matéria diferente. Com especial enfoque para o depoimento da menor ofendida.
Como se refere no acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 024324, relator A. Paiva,
"A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.

Assim, por exemplo:

a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;

b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrario daquele que foi considerado como provado;

c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.".

Concordamos integralmente com o saber contido neste aresto. A sua visão é a interpretação fiel do que é um recurso sobre a matéria de facto.

Será que no caso em apreço se verifica uma qualquer das situações referidas na sentença proferida?

Cremos, objectivamente, que não.

A sentença criticada é absolutamente transparente quanto às provas que determinaram a sua convicção. Analisou os depoimentos em confronto e revelou o ponto de chegada da sua ponderação.

É que, como se sumariou no acórdão de 21/11/2001 da Relação de Coimbra, proc. 926/2001, relator Barreto do Carmo:

"I - O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto, tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formulação lógico-intuitiva.

II - Na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:

2.1. - a recolha de elementos - dados objectivos - sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença; dá-se com a produção da prova em audiência;

2.2 - sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal - que é livre, art. 127º do Código Processo Penal - mas não arbitrária, porque motivável e controlável, condicionada pelo principio de persecução da verdade material;

2.3 - a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;

III - A convicção assenta na verdade prático-juridica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.

IV - Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

V - Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo­-se por tal a mediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao principio in dubio pro reo).

VI - A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção como sejam:

VII - O principio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade juridico-prática e com o da liberdade de convicção - princípios estruturais; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

VIII - A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art. 206Q) e, consequentemente o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art. 321º) publicidade essa que se estende a todo o processo - a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art 86º)) querendo-se que o público assista (art. 86º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos actos (art. 86º/b); que se consultem os autos, se obtenha cópias, extractos e certidões (art. 86º/c)). Há um controlo comunitário quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.

IX - A oralidade da audiência que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art. 96º do Código Processo Penal) permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções da voz, por ex.:

X - A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal como que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão. É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e credibilidade da prova.

XI - A censura da forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

XII - Doutra forma, ... pretende-se uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão". ( www.trc.pt).

Já no que concerne à convicção, à livre convicção que baseia a decisão, ela é de natureza eminentemente pessoal porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.

A credibilidade dos depoimentos prestados em audiência foi aferida pelo julgador justamente na conformação do predito princípio. Como se refere no acórdão do STJ de 15/12/2005, proc. 2951/05, relator Conselheiro Simas Santos, "(...) 4 - Se o recorrente impugna somente a credibilidade da testemunha deve indicar os elementos objectivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade dos depoimentos, pois ela, quando estribadas elementos subjectivos e não objectivos é um sector especialmente dependente da imediação do Tribunal, dado que só o contacto directo com os depoentes situados na audiência de julgamento, perante os outros intervenientes é que permite formar uma convicção que não pode ser reproduzida na documentação da prova e logo reexaminada em recurso" (www.dgsi.pt).

Ora, o recorrente não invoca quais os elementos objectivos que afectam a credibilidade que foi atribuída aos diversos depoimentos que analisa, antes os conforma com a sua especial e subjectiva visão colocando-se em área reservada ao julgador.

Entendendo que, não obstante toda a prova produzida em julgamento, que "não foi produzida prova" (cfr. ponto 10º das conclusões).

Como se sentenciou no acórdão do STJ de 27/02/2003, proc. 140/03, relator o Conselheiro Carmona da Mota:

" ii. O valor da prova, isto é a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, sua idoneidade e autenticidade.

iii. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas.

iv. O tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".

Ou seja, os elementos determinantes para a convicção do julgador assumem distinto cariz, crucial é que o mesmo, com absoluta transparência, os evidencie para que se alcance o juízo lógico que presidiu à decisão.

Visto isto, resulta evidente que o referido em matéria de prova pelo recorrente como fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto - nomeadamente a relevância dada ao depoimento da menor ofendida, o depoimento da sua mãe que não assistiu à prática dos factos e ainda o depoimento do Sr. Inspector da P. J., não tendo o arguido prestado depoimento (cfr. fls. 149) - foi, considerado, foi ponderado, as aludidas circunstâncias e teor também desses depoimentos, pelo julgador no acórdão que proferiu. Sob o horizonte jurídico do princípio da livre convicção - art. 127º do C. P. Penal.

No sistema vigente, os contornos funcionais do recurso induzem a existência de uma instância de controle em que o tribunal se encontra investido de uma actividade crítica cujo objecto é a decisão impugnada, não se tratando, portanto, de um novum iudicium, destinado a substituir ex integro o precedente.
A configuração do segundo juízo como revisio prioris instantiae ("o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância", observa o Prof. Germano Marques da Silva, Forum Iustitia) significa que esta Relação - em que o contacto com as fontes de prova é amplamente mediato - só poderia alterar a matéria de facto se acaso surpreendesse nos autos, prova documental ou pericial, ou nos depoimentos prestados em audiência, a existência de um qualquer elemento probatório que, pela sua irrefutabilidade, não pudesse ser afectado pelo princípio da imediação.
O recorrente limitou-se a dar a sua versão dos factos, não a fazendo acompanhar por nenhuma argumentação fundamentada num estudo preciso de molde a necessariamente implicar alteração da matéria de facto fixada, pelo que nesta área não se descortina matéria que contraste com a resultante do convencimento expresso pelo tribunal de 1ª instância, e que assim se terá como consolidada.
No entanto, sempre se dirá que, analisados os depoimentos que se encontram gravados, a matéria de facto que se deu como assente neles encontra o seu pleno sustentáculo (vide também o referido na motivação da sentença, que acima se transcreveu).
Após audição dos depoimentos conclui-se, pois, que o julgador bem alicerçou neles a sua convicção, os quais lhe mereceram credibilidade pelas razões que indica na sua motivação da sentença.
Quanto aos concretos pontos indicados pelo arguido, que predendia ver alterados, há a referir o seguinte:
- Entende o arguido que não se fez prova que tenha perseguido a menor (cls. 1ª, 5ª e 6ª)
Ora esta perseguição traduz-se não só nos comportamentos repetidos do arguido nos moldes descritos nos factos provados. O arguido começou a aproximar-se da menor no mês de Janeiro de 2007, dirigindo-lhe as supra referidas expressões: "és boa", " És boa, não me escapas; não vale a pena fugir que eu caço-te", de manhã e de tarde no percurso que a menor efectuava entre casa e o autocarro, dirigindo-se para a escola - em dada altura do trajecto. No entanto num dia de Março, quando a menor regressava a casa o arguido apareceu-lhe saindo de um "monte" e começou a segui-la, o que foi notório, pois quando ela mudava de um lado para o outro da estrada o arguido fazia o mesmo - o que para além de constar no depoimento para memória futura da ofendida, por ela foi também referido no seu depoimento prestado na audiência de julgamento.
Sendo de referir (quanto à forma reiterada do comportamento do arguido) que a mãe da menor no seu depoimento disse, referindo-se à ofendida: "ela queixava-se que ele a abordava todos os dias".
Pelo que, neste ponto, não assiste razão ao arguido.
- Que a tenha assediado (cls. 2ª);
Ora os comportamentos que se acabaram de descrever e demais referidos no depoimento da menor, que corresponde ao descrito nos factos provados falam por si. O arguido aproveitou-se da sua superioridade em razão da idade e força física para impor à arguida a sua continua presença e atitudes, de perseguição, dada até a forma reiterada com que aconteciam, que culminaram com os acontecimentos num dia de Março frente ao ginásio do … em que agarrou a menor pelas ancas, logrando assim imobilizá-la, apesar da resistência por ela oferecida, após, voltou-a para si e colocou as suas mãos no peito da vítima e apertou-lhe os seios. Entretanto a ofendida conseguiu libertar-se e fugiu.
No entanto, não se pode falar aqui em "assédio" tal como é configurado pelo n.º 2 do art. 163º, por não se verificarem os seus pressupostos. O arguido vem, sim, acusado e foi condenado pelo n.º 1 desta disposição legal.
Pelo que não assiste razão ao arguido.
- Que agisse sabendo de que face à compleição física desta ela tinha menos de 16 anos (cls. 3ª).
Ora este argumento também não colhe, pois a ofendida tinha, então, 15 anos, sendo evidente tratar-se de uma jovem, no caso menor. A este propósito quando a mãe da Carla Filipa prestou depoimento, tendo-lhe sido perguntado, respondeu "via-se perfeitamente pelo aspecto dela a idade que tinha". Sendo que nos trajectos em que foi abordada pelo arguido se dirigia à escola, e pelas regras da experiência seguramente com o que habitualmente é transportado pelos estudantes (pasta, ou "mochila", livros, etc...) o que também acentuaria a sua juventude (também não se vê a relevância que pretende dar a esta questão - face ao teor do tipo de crime em causa).
Pelo que neste ponto não assiste razão ao recorrente.
- Que a imobilizasse na altura em causa usando da sua força muscular e violência (cls. 4ª).
Ora resulta claro, face ao depoimento prestado pela menor Carla Filipa, (nascida em 21-06-1992/ então com 15 anos ), que foi em consequência da sua superioridade em razão da idade e força física, ou seja a sua força muscular, com violência, que o arguido (nascido em 13-01-1968/ tendo, então, completado 40 anos), conseguiu imobilizar a menor obrigando-a submeter-se aos actos que se acabam de descrever. Não contrariando tal o facto de a menor depois se ter conseguido libertar do arguido e fugir do local.
Todo este comportamento do arguido que culminou, pois, neste dia de Março frente ao ginásio do …, tendo até pela sua violência sido muito traumático para a menor.
E atento o referido pela mãe da menor no seu depoimento, no qual disse: "ela passou a andar muito nervosa"; "chorava muito"; que, por causa disto tudo "tive que a levar ao médico"; "e tinha medo de sair à rua"; "assustada"; "a chorar muito, aflita mesmo"; "ela fazia o percurso para ir à escola"; "vê-se perfeitamente pelo aspecto a idade dela", referindo-se à filha.
Tendo a este respeito referido também a testemunha M…, no seu depoimento: "Ela passou a ter medo de sair à rua e de andar sozinha. De ir só para a escola"; "Via-a chorar. Dizia que andava um homem atrás dela"; " E antes disto ela era alegre"; por causa disto" Ela foi ao psicólogo"; "Ainda hoje ela tem medo de andar sozinha na rua".
Ora, também neste ponto se verifica não assistir razão ao arguido.
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Nomeadamente, quando à relevância que o arguido refere que foi dada ao depoimento da ofendida, há a referir o seguinte:
Não se deve perder de vista as especificidades da apreciação da prova quando está em causa a apreciação de crimes sexuais.
A este propósito referimos os acórdãos seguintes, com que se concorda:
- Do T. R. Coimbra:


"A sindicação da prova produzida em julgamento, sobretudo em crimes de natureza sexual, implica especial respeito pelo princípio da livre convicção, tendo em conta a natureza da prova, geralmente mais indi-recta que directa, em cuja apreciação entra um elevado nível de tratamento cognitivo (deduções e induções) a partir das regras da experiência comum" (Ac. do TRC, de 99.12.07, Recurso 2754/99, Relator: Serafim Alexandre).

- Do T. R. do Porto:

"1. Nos crimes sexuais, por força das circunstâncias, escasseia a prova directa, pelo que assumem uma particular relevância as declarações da ofendida desde que sejam credíveis e constituam um todo lógico harmónico conforme as regras da experiência comum." (Ac. do TRP, de 91.03.06, Recurso 0225721, Relator: LUIS VALE).

- Do T. R. do Porto:

"Nos crimes sexuais, dentro do elenco dos meios de prova admissíveis, a apreciar segundo as regras da experiência comum e a livre convicção ( embora motivada e juridicamente controlável ) da entidade competente, assumem especial relevo as declarações das ofendidas, designadamente se forem menores, pois atenta a natureza do bem jurídico violado, o seu agente activo procura rodear-se, na prossecução e consumação do projecto criminoso, das maiores cautelas, longe dos olhares intrusos, actuando com recato, sem dar nas vistas, para não se comprometer. E se tais declarações vierem a mostrar-se lógicas, coerentes e verosímeis, constituirão, por si só, um importante e muitas vezes decisivo meio de prova." (Ac. do TRP, de 22-05-91, Recurso JTRP00001238, Relator: VAZ DOS SANTOS).

- Do T. R. de Lisboa:

"I – Mesmo ouvindo as gravações efectuadas durante a audiência, um tribunal de 2ª instância não tem, em grande medida, acesso às formas de comunicação não verbal das pessoas nela ouvidas, razão pela qual a reapreciação da decisão de facto pouco mais pode ser do que uma análise racional do conteúdo das declarações prestadas e da prova documental e pericial junta.

II – O Tribunal da Relação apenas pode alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto quando essa prova imponha decisão diversa da proferida." (Ac. do TRL, de 18-01-2006, Recurso 7071/2005-3, Relator: CARLOS ALMEIDA).

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Face a toda a prova produzida em julgamento é, pois, correcta a decisão proferida sobre a matéria de facto.

A sentença não contém nenhum dos vícios que se lhe apontam, quanto á questão ora em apreço, nem este Tribunal vê outro ou outros de que deva conhecer oficiosamente, pelo que se tem a matéria de facto por definitivamente assente. Não é, assim, de concluir de modo diferente no plano fáctico, substituindo-se este Tribunal ao decidido, nesse sentido, pela 1ª instância.


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Em face do que deve ser julgado improcedente o recurso nesta parte.
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2 - Entende também o recorrente que não estão presentes todos os elementos objectivos e subjectivos, do tipo de crime em causa - p. e p. pelo art. 163º do C. Penal - referindo, nomeadamente, que mesmo os factos dados como provados não "constituem acto sexual de relevo".
Pelo que entende que devia ser absolvido da prática deste crime.
Ora o crime em causa nos autos insere-se no: CAPÍTULO V, Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual; SECÇÃO Crimes contra a liberdade sexual.
E refere o seguinte:
"Artigo 163.º
Coacção sexual
1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos. ".

Em antiga redacção desta disposição legal - que, então, correspondia ao art. 205.º - utilizava o legislador a expressão "atentado ao pudor", sendo que actualmente se refere esta norma a "acto sexual de relevo".
Contemplavam-se na anterior redacção: actos que violavam gravemente os sentimentos gerais da moralidade sexual. Considerando-se como moralidade sexual o conjunto de regras que disciplinam, numa determinada sociedade, o comportamento humano ligado ao sexo.
Actualmente o bem jurídico tutelado por esta disposição legal é o direito da vítima a dispor livremente da sua sexualidade.
Alude, como já se referiu, este artigo a acto sexual de relevo.
"Acto sexual é "todo aquele ... que, de um ponto de vista predominantemente objectivo assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou pratica" (In Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, 1, 447).
Mas, no entanto, não é qualquer acto de natureza sexual que se enquadra nesta disposição legal, o mesmo tem também de constituir uma ofensa grave e séria à intimidade e liberdade sexual da vítima. O mesmo tem de constituir um entrave importante à livre determinação sexual desta.
Quanto ao acto em causa nos presentes autos, refira-se que Sénio Alves, na sua obra Crimes Sexuais, o refere (o que se transcreve): "Em bom rigor, a dificuldade começa logo na definição de acto sexual (para efeitos penais entenda-se). Um beijo é um acto sexual? O acariciar dos seios é um acto sexual? E se sim, é de relevo? (...) e aquele que, também por meio de violência, consegue acariciar os seios da sua vítima?", após continua referindo: "(o acariciar os seios e de outras partes do corpo, que não só os órgãos genitais). São aquilo que vulgarmente se designa como "preliminares da cópula" e, por isso, são actos de natureza sexual, ou se se preferir, actos com fim sexual".
E refere ainda na ob. cit. "O acto sexual de relevo, é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas", sendo certo, assim, que "a relevância ou irrelevância de um acto sexual só lhe pode ser atribuída pelo sentir geral da comunidade" a qual "considerará relevante ou irrelevante um determinado acto sexual consoante ofenda com gravidade, ou não, o sentimento de vergonha e timidez (relacionado com o instinto sexual) da generalidade das pessoas" (Sénio Alves, in ob. cit),
E neste crime a "acção do agente traduz-se em constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar consigo própria ou com terceiro acto sexual de relevo (...)
Constranger é obrigar, submeter à sua vontade, sem que a vítima tenha liberdade de determinação. ( In Código Penal Anotado, de Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos, 3ª edicção, pág 369) - (o sublinhado e destacado a negrito é nosso).
E mais ali se refere" A violência constitui uma forma de actuação em que para a realização do acto pretendido se usa da força física sobre a vítima de forma a coagi-la à prática do mesmo.
Pressupõe, assim, falta de consentimento do sujeito passivo." (Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos, in ob cit.) - (o sublinhado é nosso).
Sendo que, no caso dos autos, para além do demais, o acto sexual de relevo, em que o arguido acariciou os seios da ofendida foi executado com violência.
Tendo-se a vítima manifestado contra todo o comportamento do arguido. Oferecendo sincera e inequívoca resistência à atitude do arguido que ocorreu frente ao ginásio do …, a qual fez esforços para se libertar, acabando por conseguir fugir para sua casa.
Em face do que se deixou referido dúvidas não existem de que estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime pelo qual o arguido vinha condenado.
Tendo, pois, com os factos em causa, o arguido ao agarrar com força na zona das ancas e imobilizando a ofendida, apesar da resistência desta e dos esforços que fazia para se libertar, virando-a para si, a fim de a submeter aos seus intentos libidinosos, colocando-lhe as mãos no peito e apertando-lhe os seios, praticado com violência, acto sexual de relevo.
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Pelo que nesta parte deve ser julgado improcedente o recurso do arguido.
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3 - E por entender que não cometeu o crime que lhe vinha imputado, solicita a sua absolvição quanto ao pedido de indemnização civil.
E caso assim não se entenda, o que refere por "cautela de patrocínio", deve o montante do pedido de indemnização civil ser reduzido e fixado em quantia não superior a € 500.00.
Ora, tendo-se chegado à conclusão que o arguido praticou o crime em causa, não poderá o mesmo ser absolvido quanto ao pedido cível como pretendia.
Nesta matéria referiu-se na sentença (transcrição):
"Pedido de Indemnização Civil
Nos termos do artigo 128º, a indemnização de perdas e danos resultantes de um crime é regulada pela lei civil.
O que significa que a indemnização, em processo penal, é uma verdadeira decisão de causa civil a fixar nos termos do Código Civil, designadamente, dos seus artigos 483º e seguintesvide, entre outros, o as. da R.C., de 15/2/84, sol., IX, tomo 1, p. 72 e o as. do S.T.J., de 14/12/84, B.M.J., 341º, p. 218..
Em princípio, uma pessoa só é obrigada a reparar o prejuízo que cause a terceiro, se, ao praticar o facto danoso, tiver agido ilicitamente e com culpa.
Esta é a regra geral, decorrente do artigo 483º do Código Civil, que domina o instituto da responsabilidade civil. A leitura do preceito mostra que vários pressupostos condicionam, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante.
É necessário que haja um facto voluntário do agente; é preciso que o facto do agente seja ilícito; que haja um nexo de imputação do facto ao lesante; que haja um dano; e, finalmente, que exista um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
No caso em apreço, consideram-se verificados todos os referidos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Cumpre agora apurar o montante dos danos de que o facto ilícito do arguido foi causa adequada para o demandante, uma vez que a obrigação que impende sobre si tem como finalidade essencial, nos termos do artigo 562º do Código Civil, a reparação da situação que existiria se o facto não se tivesse verificado.
Resulta da matéria de facto provada que a vítima sofreu diversos danos de natureza não patrimonial.
A este título apurou-se que, em consequência dos actos praticados pelo arguido, a C… ficou psicologicamente afectada e transtornada, apresentando um estado de grande nervosismo, de medo e de ansiedade, que a levam a longos períodos de choro.
Os factos causaram e ainda causam à menor enorme perturbação.
Esta anda assustada, tem medo de sair à rua sozinha e mesmo de ficar em casa sozinha, pois receia voltar a encontrar o arguido, ou que este a procure.
Os factos ocorridos tiveram influência negativa nos seus estudos, pois não se conseguia concentrar, andava sempre ansiosa e nervosa, tendo crises de choro.
O que ainda se verifica, embora de forma mais atenuada, devido ao comportamento de familiares e amigos.
Embora estes danos sejam insusceptíveis de avaliação pecuniária, deve fixar-se equitativamente, nos termos do artigo 496º, nº 3, 1ª parte, do Código Civil, uma indemnização que os compense, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso.
Tudo ponderado, nomeadamente o sofrimento tido pela menor, entende-se ser adequada a quantia pedida de € 1.500,00.
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Relativamente a esta quantia está o demandado em mora, nos termos do artigo 805º, nº 1 do Código Civil, pelo menos desde a data da notificação do pedido cível, a que se reportam os demandantes no pedido. Constituiu-se, pois, na obrigação de sobre ela pagar juros de mora, atento o disposto nos artigos 799º, nº 1, 804º, 805º, nº3, 806º, nº 1, e 559º, do Código Civil, às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde a data da notificação e até integral pagamento." (O sublinhado e destacado a negrito é nosso).
Ora, em face dos exposto, em que se descriminam os danos morais causados à ofendida com os factos em causa e atendendo e às demais circunstâncias do caso a atender, concorda-se com o valor da compensação fixada a fim de compensar a demandante pelos danos que lhe foram causados.
Pelo que também nesta parte se mantém a sentença. Devendo, quanto a ela, ser o recurso também julgado improcedente.
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O recurso deve, assim, ser julgado totalmente improcedente.
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- Decisão:

Nestes termos, pelas razões supra referidas, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, confirmando integralmente o acórdão recorrido.


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Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça.
Notifique.
D. N.
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Texto processado por computador e revisto pela primeira signatária (art. 94º, n.º 2 do C. P. Penal - Proc. n.º 1 766/08 – 2ª Secção - Relatora: Teresa Baltazar / Adjunto: Fernando Monterroso / PGA: Vinício Ribeiro).